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CENTRO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA BATISTA

CURSO DE TEOLOGIA

WEVERSON FERRARI

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO


História da formação
e critérios de aceitação

VITÓRIA
2015
WEVERSON FERRARI

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO


História da formação
e critérios de aceitação

Trabalho apresentado à disciplina de Novo


Testamento I, do Curso de Teologia, do
Centro de Educação Teológica Batista do
Espírito Santo.

VITÓRIA
2015
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 2
2 OS ESTÍMULOS PARA A FORMAÇÃO DE UM NOVO CÂNON ....................... 2
3 O PROCESSO DE FORMAÇÃO ......................................................................... 3
3.1 AS PRIMEIRAS COMPILAÇÕES ....................................................................... 3
3.2 O RECONHECIMENTO DA INSPIRAÇÃO DIVINA ............................................ 4
3.3 A SELEÇÃO DOS LIVROS ................................................................................. 6
3.4 OS PRINCÍPIOS PARA ESCOLHA DOS LIVROS ............................................. 9
4 A EXTENSÃO DO NOVO CÂNON .................................................................... 10
4.1 OS LIVROS ACEITOS POR TODOS – HOMOLOGOUMENA ......................... 10
4.2 OS LIVROS QUESTIONADOS POR ALGUNS – ANTILEGOMENA ................ 10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 12
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1 INTRODUÇÃO

A formação do cânon do Novo Testamento é bastante peculiar se comparada com a


formação do cânon do Antigo Testamento. Geisler e Nix (2006, p.107) enumeram
duas diferenças bem nítidas:

- Os vários escritos que mais tarde comporiam o cânon do NT não eram colecionados
por um grupo com reconhecida autoridade profética para tal empreendimento; pelo
contrário, cada comunidade (igreja) detinha alguns desses livros; essa dispersão fez
com que o reconhecimento oficial levasse alguns séculos;

- Apesar do longo tempo, a partir do momento em que os 27 livros foram definidos,


não houve mais movimentos dentro do cristianismo para acrescentar ou retirar algum
livro.

2 OS ESTÍMULOS PARA A FORMAÇÃO DE UM NOVO CÂNON

Alguns fatores foram decisivos para que fosse adotado um novo cânon, dentre eles
destacam-se:

a. A insuficiência do AT. Embora a igreja já dispusesse do AT e os considerasse “como


dotados de autoridade religiosa e inspiração divina, e de até formarem o cânon mais
primitivo da igreja cristã” (GUNDRAY 1998, p.114), faltava neles os ensinos distintivos
do cristianismo emanados por Cristo e pelos apóstolos, tais como: a divindade de
Cristo, a ação do Espírito Santo, a salvação por meio da fé, os ensinamentos a
respeito do “Reino dos Céus”, etc.

b. A defesa contra os falsos mestres. Muita literatura fora produzida nos primeiros
séculos da era cristã. Alguns desses livros eram reconhecidamente tidos como
inspirados, outros possuíam apenas valor histórico e informativo; mas havia também
muitos escritos heréticos, os quais estavam desviando a fé de algumas comunidades
e ameaçavam corromper a sã doutrina da nova religião que se formava. Listas
contendo livros heréticos, também começaram a ser elaboradas, como a proposta por
3

Marcião (ou Marciano), acendendo a necessidade de estipular uma lista de livros que
poderiam ser lidos nas igrejas e quais deveriam ser rejeitados.

c. A preservação do legado apostólico. Além de defender contra os falsos ensinos,


era necessário preservar aquilo que os apóstolos haviam testemunhado e ensinado a
respeito da nova fé.

d. A difusão da doutrina cristã. A igreja estava em expansão; novos povos, alguns de


línguas diferentes, estavam sendo alcançados e precisavam ser doutrinados; porém,
o custo e a dificuldade de tradução e reprodução de livros eram enormes. A definição
de uma lista de livros reconhecidos facilitaria bastante a execução desse trabalho.

3 O PROCESSO DE FORMAÇÃO

3.1 AS PRIMEIRAS COMPILAÇÕES

No princípio, os cristãos não contavam com nenhum escrito a respeito dos ensinos de
Jesus Cristo. Eles dependiam do Antigo Testamento, da tradição oral acerca das
palavras de Jesus e de mensagens divinas proferidas por profetas cristãos.

Entretanto, com o tempo estes recursos passaram a não mais atender às


necessidades das igrejas. Os apóstolos começaram então a produzir cartas, umas
endereçadas para uma igreja em particular (e.g. a maior parte das cartas de Paulo),
outras eram dirigidas para pessoas (e.g. Filemon e 2João), enquanto outras tinham
como alvo um público mais amplo, tais como 1Pedro (para a Ásia Oriental) e
Apocalipse (para a Ásia Ocidental).

Apesar da maioria das cartas ter algum destinatário definido, os autores neo-
testamentários não esperavam que seus escritos fossem lançados no lixo após lidos
pelos destinatários. Há várias evidências internas à própria Bíblia de que os autores
consideravam seus escritos como vindos da parte de Deus. Sendo assim, havia
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embutido no interesse desses autores a ideia de que as cartas alcançassem um


público maior. Champlim (2002, v.1. p.159) enumera algumas evidências internas:

 O autor de Apocalipse mostra claramente que seu desejo em que a igreja lesse
e usasse seu livro;

 É improvável que Marcos e Lucas tivessem composto seus livros narrando toda
a história de Jesus Cristo para que fossem lidas apenas uma vez;

 Paulo solicitava que as igrejas trocassem de epístolas (Col. 4.16).

O cumprimento do desejo dos escritores fez com que fossem produzidas cópias
autorizadas das cartas e a difusão para outras igrejas.

Inicialmente nenhuma igreja detinha todos os escritos apostólicos, mas à medida que
eles circulavam, cada uma delas compilava para si os escritos, formando-se a partir
daí coletâneas. Pedro, por exemplo, possuía uma coletânea das cartas de Paulo (2Pe
3.15,16), mesmo elas não tendo sido originalmente escritas para ele. Outra evidência
é o fato de que alguns escritores eram citados por outros: Judas cita Pedro (Jd 17; v.
2Pe 3.2) e Paulo cita o evangelho de Lucas (1m 5.18; v. Lc 10.7).

3.2 O RECONHECIMENTO DA INSPIRAÇÃO DIVINA

O próximo passo para a formação do cânon foi o reconhecimento de que estes


escritos produzidos pelos apóstolos fossem tratados como divinamente inspirados e
dotados de autoridade.

Osborne (2014, p.39-42), enumerou três estágios que demonstram o desenvolvimento


da consciência de um cânon na igreja primitiva.

a. O respeito especial conferido aos ensinos de Jesus. Desde o início, os escritores


neo-testamentários davam às palavras de Jesus a mesma autoridade dada ao AT,
usando-as para fundamentar seus argumentos:
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 Paulo se refere a Mc 13 quando fala “De acordo com o ensinamento do


Senhor…” em 1Ts 4.15;

 Em Romanos, Paulo usa os ensinamentos de Jesus para fundamentar


argumentos (e.g. 12.14,17; 13.7-9; 14.10,14; 16.19; etc.);

 Muitos estudiosos veem em 1Ts 2.14-16 alusões a Mt 23.29-38, especialmente


no que se refere ao assassinato de profetas, a elevação do pecado ao seu
limite e a manifestação da ira de Deus;

 Em 1Tm 5.18 (“Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o
trigo. E ainda: O trabalhador é digno do seu salário”) o texto de Lc 10.7 é citado
juntamente com Dt 25.4 e ambos são introduzidos pela expressão “porque a
Escritura declara”.

Neste sentido, Gundry (1998, p.117) observa que ao igualar a autoridade das palavras
de Jesus com as do AT, foi aberto um precedente para que os demais escritos neo-
testamentários também obtivessem esse reconhecimento, visto que Jesus também
prometera aos apóstolos que o Espírito Santo haveria de relembrar-lhes seu
ministério, ensinaria a importância dele e revelaria ainda mais verdades (Jo 14.26;
16.8). Diante esta verdade, os discípulos não mais falavam por eles mesmos, mas o
próprio Jesus é quem falava através do Espírito a eles.

b. A atenção que as Epístolas dão aos credos e hinos. Os credos eram resumos de
doutrinas essenciais, desenvolvidas pelos apóstolos, com o fim melhorar a adoração
e prevenir contra os falsos ensinos. Estes credos gozavam de um elevado status na
igreja, semelhante ao dado ao AT, e foram amplamente usados nas epístolas, em
passagens cruciais, para fundamentar os argumentos dos apóstolos (e.g. 1Pe1.18-
19,23.2.21-24; etc.).

c. O status concedido à coletânea de epístolas paulinas. Já foi dito que Pedro possuía
uma coletânea das cartas de Paulo (2Pe 3.15-16); mas cabe ainda destacar a
expressão “as demais Escrituras” usada por Pedro. Ao comentar a respeito desse fato,
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Osborne (2014, p.42) sugere que as epístolas paulinas já poderiam ter recebido status
canônico.

Já Geisler e Nix argumentam que o processo de compilação e circulação das cartas


já “revelam o início de um processo de canonização”:

Assim, o processo de canonização desde o início da igreja estava


em andamento. As primeiras igrejas foram exortadas a selecionar
apenas os escritos apostólicos fidedignos. Desde que determinado livro
fosse examinado e dado por autêntico, fosse pela assinatura, fosse pelo
emissário apostólico, era lido na igreja e depois circulava entre os
crentes de outras igrejas. (2006, p.107, grifo nosso)

Ao estudar os vários escritos que circulavam na época, observa-se que havia


diferentes níveis de autoridade entre eles: alguns livros eram recomendados para
serem lidos nas igrejas, já outros tinham reconhecido valor histórico, mas não
recebiam a mesma recomendação. Para Geisler e Nix, esse tratamento diferenciado
concedido aos livros é outra evidência de que no já seio da igreja primitiva havia um
processo seletivo em operação:

Outro sinal de que o processo da canonização do Novo testamento


iniciou-se na igreja do século I foi a prática da leitura pública oficial dos
livros apostólicos. Paulo havia ordenado aos Tessalonicenses[…] (1Ts
5.27). De modo semelhante Timóteo foi instruído a apresentar a
mensagem de Paulo Às igrejas ao lado das Escrituras do Antigo
Testamento[…] (1tm 4.13; cf tb. v.11). A leitura em público das palavras
autorizadas de Deus era um costume antigo. Moisés e Josué o
praticaram (Êx 24.7; Js 8.34). Josias pediu que se lesse a Bíblia em seus
dias (2Rs 23.2), e o mesmo fizeram Esdras e os levitas[…] (Ne 8.8). A
leitura das cartas apostólicas às igrejas é uma continuação da longa
tradição profética.[…] Em suma, as igrejas estavam envolvidas num
processo incipiente de canonização. Essa aceitação original de um
livro, o qual era autorizadamente lido nas igrejas, teria importância
crucial para o reconhecimento posterior de um livro como
canônico. (2006, p.107, grifo nosso)

3.3 A SELEÇÃO DOS LIVROS

a. O testemunho dos pais da igreja. Durante o período em que os apóstolos estavam


vivos, eles foram o que se costuma chamar de o “cânon vivo”, uma vez que eles foram
as testemunhas oculares daquilo que Jesus Cristo fez e ensinou. Após a morte deles,
o seu testemunho, agora materializado nas cartas continuou sendo reconhecido como
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o critério mais seguro para confirmação da inspiração divina. Geisler e Nix (2006,
p.110) informam que muito cedo se vê nos escritos dos primeiros pais da igreja o
reconhecimento da inspiração de todos os 27 livros do Novo Testamento:

Logo após a primeira geração, passada a era apostólica, todos os livros


do Novo Testamento já haviam sido como dotados de autoridade por
algum pai da igreja. Por sinal, dentro de duzentos anos depois do século
I, quase todos os versículos do Novo testamento haviam sido citados em
um ou mais das mais de 36 mil citações dos pais da igreja.

No entanto, nem todos os pais da igreja citaram todos os livros do Novo Testamento.
Geisler e Nix (2006, p.110) argumentam que a não citação não implica em rejeição de
algum livro por parte dos pais, mas sim falta de ocasião por parte do pai da igreja em
mencionar o livro nos escritos que chegaram até nós.

b. As listas primitivas e traduções. Como prova do reconhecimento da inspiração


divina nos livros do Novo Testamento, foram encontradas várias listas e traduções
canônicas datadas dos séculos II e III, conforme se segue:

- Antiga siríaca (séc. IV) – tradução do Novo Testamento que circulou na Síria no final
do séc. IV. Possuía um texto que datava do séc. II. Incluía todos os livros do Novo
Testamento, exceto 2Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse. Uma justifica defendida
para explicar a ausência desses livros é o fato de serem cartas destinadas às igrejas
do Ocidente; e como a igreja da Síria situava-se no Oriente, em virtude da
precariedade das comunicações, é natural que houvesse atraso na aceitação desses
livros.

- Antiga latina (séc II) – tradução do Novo Testamento para o latim datado de antes
do ano 200. Tal qual a siríaca serviu de Bíblia para igreja oriental, a latina serviu para
a ocidental. Continha todos os livros, exceto Hebreus, Tiago e 1 e 2Pedro. A
justificativa de sua ausência é similar à apresentada para a siríaca: as cartas foram
destinadas ao oriente, havendo, portanto, demora em sua aceitação no ocidente.

- Cânon de Marcião (140) – Filho do bispo de Sinope, Marcião, foi o primeiro a propor
um cânon. Marcião rejeitava o Antigo Testamento como escritura autêntica, e defendia
a ideia de que os apóstolos (com exceção de Paulo) haviam pervertido o evangelho
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de Jesus. Seu cânon continha apenas o Evangelho de Lucas (o qual ele fez algumas
modificações) e 10 epístolas de Paulo (ficaram de fora as cartas a Timóteo, Tito e
Filemom). Ainda que não tenha sido aceito pela igreja em geral, ele foi bastante útil
para a formação do cânon por dois motivos: em primeiro lugar, apesar de vários livros
já serem tratados como Escritura à época, foi preciso haver essa manifestação de
Marcião para que os pais da igreja se manifestassem a favor do estabelecimento de
um cânon; e, em segundo lugar, o cânon de Marcião foi usado como base para os que
o sucederam.

- Cânon Muratoriano (170) – É a lista canônica mais antiga do Novo Testamento (sem
contar a de Marcião). Apresenta todos os livros, exceto Hebreus, Tiago e 2Pedro. Ou
seja, é bem semelhante à antiga latina. Não continha nenhum livro apócrifo. Devido à
sua data bem antiga, esse cânon se reveste de especial valor: 1) atesta que desde
bem cedo ocorrera o desenvolvimento do cânon; 2) a maior parte dos livros do Novo
Testamento teve aceitação bem cedo e 3) havia alguns livros que eram aceitos por
alguns, mas não pela igreja em geral (CHAMPLIN, 2002, v.1, p.159).

- Códice Baracócio (206) – também chamado de era chamado de “Os Sessenta


Livros”. Continha 64 dos 66 livros da Bíblia, faltando os livros de Ester e Apocalipse.

- Eusébio de Cesaréia (c. 340) – Eusébio, um historiador do séc. IV, conhecido como
“pai da história eclesiástica”, relacionou os vários escritos que circulavam em 3
grupos: os reconhecidos, os discutidos e os espúrios. Interessante observar que nos
dois primeiros grupos estavam contidos todos (e também somente) os 27 livros do
Novo Testamento, tendo sido considerados como “perfeitamente aceitáveis”.

- Atanásio de Alexandria (c. 373) – Atanásio, bispo de Alexandria, conhecido como “o


pai da ortodoxia”, escreveu uma carta (Carta Pascal 39) na qual enumerava os 27
livros do Novo Testamento e afirmou que nenhum outro livro poderia ser considerado
escritura cristã, embora admitisse que alguns, como o Didaquê e o Pastor de Hermas,
pudessem ser úteis para devoções particulares. É atribuída a Atanásio a fixação do
cânon na igreja oriental (CHAMPLIN, 2002, v.1, p.160), ratificado no Concílio de
Hipona (África, 393dC).
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- Concílio de Cartago (397) – No Ocidente, a fixação do cânon ocorreu no Concílio de


Cartago, no qual foi aprovada uma lista idêntica à de Atanásio.

- Concílio de Cartago (419) – confirmou a lista dos 27 livros, mas separou a epístola
dos Hebreus dos escritos de Paulo.

3.4 OS PRINCÍPIOS PARA ESCOLHA DOS LIVROS

Os princípios utilizados a fim de determinar quais livros poderiam compor o cânon do


Novo Testamento foram:

a. Autoria. O autor deveria ser um apóstolo ou alguém credenciado por um apóstolo.


Marcos, por exemplo, não era considerado um apóstolo, mas segundo os pais da
igreja, o seu evangelho fora escrito com base no ensino do apóstolo Pedro
(MULHOLLAND, 2008, p. 15-19).

b. Coerência com a tradição apostólica. A doutrina do livro deveria ser coerente com
a ensinada pelos apóstolos. Neste quesito foram rejeitados alguns livros fabulosos,
tais como o evangelho de Tomé e de André, bem como os Atos de Paulo e o
Apocalipse de Pedro.

c. Uso universal. A maioria das igrejas primitivas deveria ter usado o livro em suas
reuniões. O Didaquê, apesar de seu valor histórico e didático, jamais fora reconhecido
como canônico em nenhuma das traduções oficiais e listas canônicas.

d. A data. Os livros canônicos foram todos escritos no primeiro século. Por este critério
foi rejeitado, por exemplo, as epístolas de Clemente.

e. A inspiração. Os livros deveriam motivar as pessoas à santidade e à transformação


de vida.
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4 A EXTENSÃO DO NOVO CÂNON

4.1 OS LIVROS ACEITOS POR TODOS – HOMOLOGOUMENA

Conforme apresentado no capítulo anterior, a maioria dos livros do Novo Testamento


teve pronta aceitação pelos pais da igreja. Por este motivo, não há muito que se
comentar. Nesta lista incluem 20 livros (todos os 27, exceto Hebreus, Tiago, 2Pedro,
2 e 3 João, Judas e Apocalipse).

4.2 OS LIVROS QUESTIONADOS POR ALGUNS – ANTILEGOMENA

De acordo com Euzébio, sete livros tiveram autenticidade questionada por alguns pais
da igreja, e por isso não haviam gozado de reconhecimento universal até o início do
séc. IV. Esse fato, porém, não indica que não houve aceitação por parte das
comunidades apostólicas e subapostólicas. O problema básico não estava na
inspiração (ou falta dela), mas na falta de comunicação entre o Oriente e o Ocidente.
A partir do momento em que os fatos foram esclarecidos, houve rápida aceitação deles
(GEISLER; NIX, 2006, p.118).

a. Hebreus. Seu problema estava na autoria e estilo. A tradição dizia ser de Paulo,
mas não há no livro o nome do autor, como é costume nas cartas de Paulo. O estilo
também não é exatamente o mesmo, embora haja muita semelhança. O livro
permaneceu sob suspeição entre os cristãos do Oriente, que não sabiam que os do
Ocidente o haviam aceitado como autorizado e dotado de inspiração.

b. Tiago. Foi a que mais demorou a ser aceito no cânon. Tanto a veracidade do livro
quanto a sua autoria foram desafiadas. O autor da carta, auto-nominado de Tiago, não
afirma ser apóstolo. Seus primeiros leitores afirmavam ser Tiago, irmão de Jesus,
todavia a igreja ocidental não tinha essa informação. Além do problema da autoria,
esta carta aparentemente apresentava discordância com a salvação pela graça
(justificação pela fé) apresentada por Paulo. Por este motivo, Matinho Lutero chegou
a chamá-la de “carta de palha”, colocando-a ao final de seu cânon. Ela, entretanto,
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passou a ser aceita como canônica, mediante a justificativa de que o autor apresenta
as obras como consequência da salvação e não como causa.

c. 2Pedro. O problema enfrentado durante a aceitação dessa carta está no estilo que
difere bastante de 1Pedro. Entretanto, além de vários testemunhos externos (papiro
de Bodmer, Clemente de Roma, dentre outros), há uma evidência interna que parece
explicar essa diferença literária: Em 1Pe 5.12 é dito que Silas foi usado por Pedro
como escriba. Como é sabido que a segunda carta fora escrita pelo próprio Pedro, é
natural que houvesse diferença de estilo entre elas.

d. 1 e 2 João. Também tiveram problema na confirmação de sua autoria. O escritor


identifica-se apenas como “o presbítero”. Entretanto, várias testemunhos externos
(Policarpo, Irinei, cânon muratório, etc.) e a semelhança em estilo e mensagem com
1João mostrou ser óbvio que estas duas cartas também deveriam ter sido escritas por
João.

d. Judas. Os problemas de sua aceitação se deram por não se saber exatamente


quem era o autor e devido à citação do livro pseudepígrafo do Antigo Testamento – o
livro de Enoque. O seu conteúdo geral, entretanto, é coerente com o Evangelho e o
problema da citação apócrifa é minimizado considerando-se que o autor a fez somente
a título de ilustração, e não como se fosse Escritura Sagrada, tal qual Paulo fez em
algumas de suas cartas (v. At 17.28; 1Co 15.33; Tt 1.12).

e. Apocalipse. Foi um dos primeiros livros a ser reconhecido entre os escritos dos pais
da igreja, tendo sido aceito pelos autores do Didaquê e do Pastor de Hermas, por
Papias e Irineu. Apocalipse constava também no cânon Muratório. Entretanto, o fato
dos montanistas agregarem os ensinos deste livro às suas heresias no séc. III retardou
a sua aceitação definitiva. Porém, Atanásio, Jerônimo e Agostinho evidenciaram que,
na verdade, ele estava sendo mal usado pelas seitas heréticas, embora tivesse sido
escrito pelo apóstolo João.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAMPLIN, Russell Norman, Ph.D. O Novo Testamento interpretado versículo


por versículo. 1ª Ed. v.1. São Paulo: Editora Hagnos, 2002.

GEISLER, Norman; NIX, Willian. Introdução bíblica: Como a Bíblia chegou até
nós. Tradução de Oswaldo Ramos. São Paulo: Editora Vida, 2006.

GUNDRAY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,


1998.

MULHOLLAND, Dewey. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova,


2008.

OSBORNE, Grant R. 3 perguntas cruciais sobre a Bíblia: podemos confiar na


Bíblia? Podemos entender a Bíblia? Podemos fazer teologia a partir da Bíblia?
Tradução de Caio Peres. São Paulo: Vida Nova, 2014.

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