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Prontuário clínico do médico veterinário

Giorgia Bach Malacarne

Elaborado em 11/2008.

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A relação de consumo se caracteriza na prestação de serviços de saúde do médico


veterinário e devido à significativa evolução desta área nos últimos anos, alterações
legislativas reordenaram a relação profissional/cliente favorecendo a parte considerada
mais fraca, qual seja, o consumidor, proprietário do paciente.

As profissões da área da saúde são tidas como de risco, tanto para quem exerce como
para quem recebe, destarte, pelos preceitos legais consagrados pelo Código de Defesa
do Consumidor (CDC) uma falha no atendimento deve ser atribuído a um responsável,
o qual tem o dever de reparar o prejuízo causado.

Neste contexto, a documentação produzida na prática clínica do médico veterinário deve


compor o prontuário do paciente, observando os critérios técnicos, administrativos,
legais e de arquivamento adequado, para que se preste entre outras funções, como prova
documental no caso de processo judicial.

PRONTUÁRIO CLÍNICO

O Código de Ética do Médico Veterinário – Resolução 722/2002, prevê que constitui


infração ética "deixar de elaborar prontuário e relatório médico veterinário para casos
individuais e de rebanho, respectivamente" e "deixar de fornecer ao cliente, quando
solicitado, laudo médico veterinário, relatório, prontuário, atestado, certificado, bem
como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão."

A responsabilidade pelo preenchimento, guarda e manuseio do prontuário cabe ao


médico veterinário e este documento deve observar alguns itens que deverão constar
obrigatoriamente, quer seja confeccionado em suporte eletrônico ou papel.

Nos prontuários em suporte de papel é obrigatória a legibilidade da letra do profissional


que atendeu o paciente, a assinatura e o respectivo número do registro profissional. Com
o avanço das tecnologias, o prontuário eletrônico tem intenção de substituir o suporte
em papel e melhorar algumas limitações impostas por este como: a coleta incompleta de
informações sobre o paciente, produção e arquivamento de volume físico excessivo de
documentos, falta de padronização no recolhimento de dados e dificuldade de
compartilhamento entre profissionais.

O prontuário eletrônico surgiu com a finalidade de oferecer mais recursos ao


profissional da área da saúde, sendo que o mercado dispõe de alguns softwares que
auxiliam na rotina de trabalho, propondo inovações como: uma linguagem padronizada
e melhor estruturada, maior velocidade na recuperação da informação, possibilidade de
uso simultâneo entre vários usuários em diferentes lugares e transmissão de dados. Para
maior segurança, sugere-se a observância de alguns requisitos para a utilização de
prontuário digital como a necessidade de cópia de segurança dos dados do prontuário
pelo menos a cada 24 horas e o sistema de informações possuir mecanismos de acesso
restrito e limitado para manter a privacidade, confidencialidade dos dados e sigilo
profissional.

DOCUMENTOS CLÍNICO-LEGAIS

No caso de litígio judicial, a ficha clínica é, provavelmente, o documento mais


importante e muitas vezes o único, para comprovar o estado inicial do paciente, razão
pela qual sugere-se contenha alguns requisitos mínimos para este fim. Deve incluir a
identificação completa do paciente como nome, espécie, raça, porte, sexo, idade real ou
presumida, pelagem, além da identificação do proprietário (cliente), com telefone e
endereço completo, para o caso de situações emergenciais e contato para autorizações
de internamento e procedimentos cirúrgicos.

A ficha clínica também deve conter a queixa principal relatada pelo proprietário do
paciente, o histórico de saúde do animal, que pode indicar limitações e cuidados durante
a terapia, sendo responsabilidade do proprietário do paciente fornecer informações
idôneas e corretas. Ainda, deve conter os sinais clínicos, manifestações físicas
verificadas no exame clínico inicial pelo médico veterinário, as quais devem ser
descritas em detalhes. Sugere-se que o proprietário do animal, assine a ficha clínica
impressa para sustentar a idoneidade das informações cedidas nos campos a que lhe
compete.

Plano de Tratamento - O profissional da área da saúde é caracterizado como liberal,


ou seja, aquele que tem liberdade de convicção para definir a melhor conduta
terapêutica a adotar. Todavia, nem sempre existe concordância entre profissionais sobre
o melhor procedimento, visto as limitações da ciência, habilidade técnica ou formação
filosófica.

O plano de tratamento é o documento que justifica a técnica adotada, limites, riscos e


objetivos do tratamento e se existem outras alternativas para o caso. Sua relevância está
no fato de provar se o profissional foi perito tecnicamente durante a condução do
tratamento. Por este motivo, sua ausência resulta em dificuldade de prova para o médico
veterinário. Este documento também requer a anuência (assinatura) do proprietário do
paciente, aceitando a efetivação do tratamento, conhecendo seus riscos e consentindo na
aplicação da técnica descrita.

Consentimento Informado - O dever de informação é uma prioridade na área da saúde,


além de obrigatório pelo Código de Defesa do Consumidor, pois o paciente não pode se
sujeitar ao tratamento sem amplo conhecimento de todas as suas intercorrências pelo
seu proprietário. Assim, o consentimento informado é uma condição indispensável a
constar do prontuário do paciente. Este documento prova uma decisão voluntária,
realizada pelo proprietário do animal após ser bem informado sobre seu animal
submeter-se a tratamento específico. A prática do consentimento informado livre e
esclarecido reduz a desigualdade entre o profissional e o proprietário do paciente e
garante o direito de escolha na tomada de decisão sobre a terapia a ser aplicada ao
paciente, salientando que a informação deve ser suficientemente clara.

Contrato de Prestação de Serviços na Área da Saúde – O contrato é o acordo de


vontades que estabelece obrigações e direitos recíprocos entre profissional e cliente. Os
contratos devem ser personalizados para as características dos serviços, caso contrário,
pouca relevância terão no momento de sua principal utilidade, os processos judiciais.

Entre as características genéricas dos contratos, as cláusulas devem estar acordantes


com o Código de Ética da profissão. O contrato poderá ser rescindido a qualquer hora
por qualquer das partes, com a ressalva que, ao profissional, é permitido desistir do
contrato desde que não traga prejuízos ao paciente e que não tenha pré-fixado com o
cliente um resultado determinado com data prevista. Quando as condições estabelecidas
neste documento forem cumpridas, extinguir-se-á o contrato.

O descumprimento das obrigações contratuais impõe a obrigação de reparação do dano


tanto por parte do profissional quanto pelo proprietário do paciente, caso, por exemplo,
da possibilidade de cobranças dos honorários não pagos neste documento discriminado.

Exames Complementares - Exames de imagem, modelos, exames de laboratório


devem ser processados corretamente para sua utilização e durabilidade, identificados e
anexados ao prontuário do paciente.

Autorização de Imagem do Paciente - Quando o profissional deseja utilizar a imagem


de um paciente para ilustrar artigo científico ou compor apresentações, é necessário que
o proprietário do mesmo consinta assinando uma autorização. Tal documento deve
estabelecer o fim exato a que se destina e o prazo durante o qual a imagem do paciente
poderá ser veiculada, pois o não cumprimento dessa diretriz pode dar origem a um
processo por uso indevido da imagem.

Planilha de Serviços Executados - Refere-se ao registro da evolução do tratamento do


paciente, com data e hora, discriminação de todos os procedimentos aos quais o
mesmo foi submetido, preferencialmente, com assinatura (rubrica) do cliente a cada
consulta.

Sobreleva consignar, por fim, que toda documentação produzida por iniciativa do
profissional (orientações, atestados) deve ser redigida em duas cópias, legível, contendo
identificação do profissional (timbre) e do paciente, sendo que uma cópia será datada e
assinada pelo proprietário do paciente comprovando seu recebimento e fará parte do
prontuário do mesmo.
Responsabilidade pela guarda do
prontuário médico/odontológico sob o
aspecto ético-legal de proteção à parte
vulnerável
Giorgia Bach Malacarne | Alcion Alves Silva

Elaborado em 02/2007.

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INTRODUÇÃO

Durante a década de 90, inúmeros fatores implementaram mudanças no mercado de


trabalho dos profissionais da área da saúde, entre estes, a entrada em vigor de novas
legislações. Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL,
2003), uma nova relação se estabeleceu entre os profissionais (prestadores de serviço) e
os pacientes (consumidores). A conseqüência desta nova lei, aliada ao melhor acesso à
informação pela população quanto aos seus direitos, bem como a maior opção para
escolha de um serviço de saúde (aumento do número de profissionais), foi a elevação da
freqüência de ações ético-legais geradas contra profissionais (SILVA &
MALACARNE, 1999-a, p. 305; SILVA & MALACARNE, 1999-b, p.311; SILVA,
2000, p.17).

Neste contexto, a documentação produzida em clínicas, consultórios e hospitais, estando


seu conjunto contido no prontuário do paciente, até então caracterizada prioritariamente
por sua importância clínica, passou a ter relevância jurídica, necessitando apresentar
todas as características para tal, pois seria agora importante meio de prova judicial.
Desta forma, Daruge (1978, p.154) esclareceu a necessidade de conscientização da
classe médica e odontológica, bem como do pessoal administrativo, para o correto
preenchimento dos prontuários, já que, citando as palavras de Lacassagne (apud
MEZZOMO, 1982, p. 245), "este é uma segurança para os profissionais cultos e
conscienciosos, uma ameaça constante para os audazes sem escrúpulos, os ignorantes
incorrigíveis e ao mesmo tempo uma barreira intransponível contra as reclamações e os
caprichos dos pacientes descontentes".

Na rotina clínica, com freqüência ocorre por parte do paciente a solicitação de


documentos ou mesmo a retirada do prontuário. Tal fato gera dúvidas por parte do
profissional, quanto à atitude a ser tomada, se a documentação deve ser cedida e em
quais condições, principalmente pelo fato da discussão sobre a propriedade legal do
prontuário ser um tema atual, abordado sob aspectos distintos.
OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi rever, baseado nos fundamentos ético-legais de proteção à
parte vulnerável, a quem cabe a guarda do prontuário clínico e através deste esclarecer a
adequada conduta profissional frente à solicitação do mesmo.

REVISÃO DA LITERATURA

Para sustentar a discussão sobre o tema proposto, bem como tecer considerações a
respeito da responsabilidade sobre o prontuário, foi pertinente rever a literatura sob três
aspectos: os princípios bioéticos que fundamentam a proteção à parte vulnerável, as
legislações que regulamentam o tema e a argumentação de autores sobre o propósito
discutido.

Princípios Bioéticos que Fundamentam a Proteção à Parte Vulnerável

-Princípio da Autonomia

Para CLOTET (1993, p. 13), o princípio da autonomia, refere-se ao respeito às pessoas


estando implícita a aceitação que as mesmas sejam autônomas na escolha dos seus atos.
Desta forma, este princípio requer que o profissional da saúde respeite a vontade do
paciente ou do seu representante legal, bem como seus valores morais e crenças, sendo
o consentimento informado, a expressão deste princípio.

-Princípio da Beneficência

Embora a interpretação deste princípio por parte de alguns autores tenha sido como o
dever do profissional em agir no interesse do paciente, Pellegrino e Thomasma (1988, p.
58), lembraram que nem sempre o interesse do paciente é benéfico a ele mesmo, pelo
desconhecimento técnico da sua própria fragilidade em situações patológicas, bem com
sobre a informação que lhe é acessível. Desta forma, sugere que a interpretação deste
princípio como sendo a ação feita em benefício do paciente, provavelmente é mais
adequada, abrangendo a intenção de não causar o mal, além de maximizar os benefícios
e minimizar os danos.

-Princípio da Não-Maleficência

Considerando a tendência do Relatório Belmonte no Capítulo referente a Princípios


Éticos Básicos (1978), a não-maleficência seria parte integrante da beneficência, já que
o Princípio propõe a obrigação de não infligir dano intencional. Desta forma sugere que
ao se evitar o dano intencional o indivíduo já está, na realidade, visando o bem do outro.

-Princípio da Justiça

Por este Princípio, o autor esclareceu a diferença entre a Justiça, que é um preceito
moral e desta forma individual; e o Direito, que é um preceito social. Ainda, pertinente,
diz ser a diferença de interpretação da justiça distributiva, que busca a distribuição justa
e eqüitativa na sociedade, sendo mais empregada na bioética; da compensatória, que
fundamenta a compensação da parte vulnerável (BEAUCHAMP & CHILDRESS, 1994,
p.326).

-Princípio da Precaução

Refere-se à garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do
conhecimento, ainda não podem ser identificados. Sustenta então, que na ausência da
verdade científica, a existência de um alto risco ou dano irreversível requer a
implementação de medidas que possam prever este dano (Institut Servier, 2001, pp. 15-
16, 23-24).

Legislação

A regulamentação atinente à responsabilidade sobre o prontuário do paciente não é


especificamente abordada em legislações como a Constituição Federal, (BRASIL, 2003-
a, p.19), o Código Civil (BRASIL, 2003-a, p.261) e o Código de Defesa do Consumidor
(BRASIL, 2003-a, p.1200).

O Código de Ética Odontológica (BRASIL, 2003-b, p.9) regulamenta em seu Capítulo


III, Art. 5º, Inciso VIII, que é dever do profissional "elaborar e manter atualizados os
prontuários de pacientes, conservando-os em arquivo próprio".

A Resolução nº 1638/02 do Conselho Federal de Medicina definiu o prontuário médico


em seu Artigo 1o como "o documento único constituído de um conjunto de informações,
sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre
a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico,
que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a
continuidade da assistência prestada ao indivíduo". Segundo estabelece a mesma
Resolução, sua responsabilidade cabe:

I- Ao médico assistente e aos demais profissionais que compartilham do


atendimento;

II- À hierarquia médica da instituição, nas suas respectivas áreas de atuação, que
tem como dever zelar pela qualidade da prática médica ali desenvolvida;

III- À hierarquia médica constituída pelas chefias de equipe, chefias da Clínica, do


setor até o diretor da Divisão Médica e/ou diretor técnico.

Por sua vez, o Código de Ética Médica (BRASIL, 2003, p.36), teoriza no seu Capítulo
V, sobre a relação com o paciente e seus familiares, artigo 69, que é vedado ao
profissional "deixar de elaborar prontuário médico para cada paciente", bem como negar
ao paciente acesso ao seu prontuário e deixar de dar explicações necessárias à sua
compreensão (Art. 70).

Literatura

GAUDERER (1998, p.24) argumentou que os exames complementares (raios-X exames


laboratoriais) pertencem ao paciente. Seu argumento foi sustentado pela premissa que o
mesmo pagou por eles. Desta forma, os documentos estariam apenas sob custódia do
laboratório, do profissional de saúde ou do hospital. O mesmo autor ainda prelecionou
as vantagens do paciente em organizar seu próprio arquivo de saúde, pela tendência em
esquecer informações, pelo fator de distorção e complicação na transmissão de
informações médicas, devendo o paciente obter uma cópia do prontuário médico, o que
pouparia tempo e evitaria a repetição de perguntas e exames, além de tornar mais
simples a avaliação do trabalho de outros médicos.

Quanto ao tema, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (1996) 194/276, no agravo
de instrumento nº 598434587, julgado em 16/12/1998, proveniente da 6ª Câmara Cível,
tendo como relator o Desembargador Décio Antônio Erpen, entendeu que "... o
prontuário médico é do profissional, mas seu conteúdo é do paciente".

EMED (2001, p.20), então presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná,


comentou sobre um fenômeno que pode estar relacionado à guarda do prontuário pelo
paciente, afirmando que a falsificação de carimbos e atestados médicos têm sido
observado com maior freqüência pela citada entidade. A utilização de papel timbrado e
carimbos falsos, adotados para fins ilegais como obtenção de fármacos, afastamento do
trabalho e fraude ao imposto de renda, além de imputarem risco à população quando
dosagens são alteradas, envolvem a responsabilidade dos diretores clínicos e chefes de
serviços de hospitais.

KFOURI NETO (2002, p.316) quando tratou da culpa médica e ônus da prova destacou
a importância em se redefinir a propriedade do prontuário e o uso da informação sobre o
paciente e a possibilidade de que este tenha acesso ao seu prontuário e histórico clínico
em banco de dados.

FRANÇA (2003, p.28) em argumentação sobre a quem pertence o prontuário sintetizou


que a propriedade do paciente refere-se somente à disponibilidade permanente de
informação; e do médico ou instituição, o direito de guarda.

DISCUSSÃO

Antecedendo a apresentação dos argumentos e a discussão do tema propriamente dito, é


importante distinguir os documentos complementares, que correspondem a todos
aqueles que, por solicitação do profissional, auxiliam no diagnóstico e planejamento do
tratamento; do prontuário, o qual só é validado com o registro do profissional sobre as
informações levantadas através do exame clínico, anamnese e exames complementares.
Desta forma, os exames complementares são parte integrante de um prontuário, os quais
isoladamente não constituem este, principalmente pelo fato que é a interpretação das
informações levantadas a principal relevância do prontuário.

Duas questões são identificadas como primárias para o esclarecimento do objetivo deste
estudo. Primeira, é a propriedade do prontuário estabelecida em razão do pagamento
pelos documentos? Segunda, a posse do prontuário por uma das partes pode favorecer a
vulnerabilidade do paciente?

Quanto à Propriedade do Prontuário em Razão do Pagamento


Conforme revisto na literatura (GAUDERER, 1988), a propriedade do prontuário
clínico como direito do paciente pode ser sustentado sob o argumento que estabelece
uma relação de causa efeito, "se o paciente pagou pelos exames complementares então
eles lhe pertencem". Embora a argumentação mereça reflexão, outras variáveis devem
ser consideradas na decisão sobre a propriedade documental. Provavelmente mais
importante quando se trata da área da saúde, na qual o paciente procura o profissional
num estado de fragilidade devido a uma patologia física ou psicológica, estado este que
pode ser indefinido temporalmente por sua natureza crônica ou incurável, é a
vulnerabilidade do paciente, evidenciando que este também é a fundamentação do
princípio da justiça compensatória (BEAUCHAMP & CHILDRESS, 1994).

Aparentemente, a aceitação da premissa que sustenta a preocupação ético-legal em


proteger a parte vulnerável nas ações pertinentes a inter-relação entre as áreas da Saúde
e do Direito parece sustentável. Esta razão é baseada pela apreciação dos princípios
bioéticos, os quais sintetizam a aceitação das ações do profissional através do
consentimento livre e informado, e da necessidade por parte deste em evitar riscos e
maximizar benefícios, mesmo que em algumas situações possa ocorrer incompreensão
do paciente sobre esta intenção (CLOTET, 1993; PELLEGRINO & THOMASMA,
1988). Considera-se ainda que no Brasil, onde o desequilíbrio social é gerado por
múltiplos fatores de complexa resolução, a justiça muitas vezes é empregada de forma a
compensar este fenômeno (princípio da justiça) (BEAUCHAMP & CHILDRESS,
1994). Sob este aspecto, a relação estabelecida durante o tratamento de saúde, não é
simplesmente estabelecida em razão do pagamento, mas sim a prestação de um serviço
de natureza humanitária. Desta forma, parece lícito sustentar que o paciente paga pela
prestação de um serviço, o qual tem por objetivo a disponibilização dos meios para a
recuperação ou manutenção de sua saúde, e para que o mesmo seja alcançado, a
solicitação de exames que complementam o levantamento de informações é necessária,
não constituindo estes isoladamente o prontuário, nem sequer tendo ampla relevância
sem as interpretações do profissional.

Assim, embora seja o paciente quem fornece as informações necessárias à elaboração


do prontuário, ao profissional é que cabe concluir a hipótese diagnóstica, recomendar o
tratamento, anotar a resposta à terapêutica utilizada, enfim, efetuar inúmeras outras
anotações e observações no mesmo. O médico seria, destarte, o responsável pela
existência e validade do documento. Este fato, conjugado à interpretação dos Artigos
69 e 70 do Código de Ética Médica (BRASIL, 2003) e observada a Resolução CFM nº
1638/02, orientaria que em havendo solicitação do prontuário pelo paciente, cumpriria
ao médico prestar as informações relevantes acerca da terapêutica utilizada e responder
às indagações do paciente, mas não necessariamente entregar o prontuário original ao
mesmo. Segundo essa interpretação, o citado Código asseguraria o direito do paciente à
informação e não ao documento considerado no aspecto material.

Quanto à Proteção à Parte Vulnerável

Embora possa ser argumentado que o paciente tem o direito à propriedade do


prontuário por supostamente esta conduta ser favorável a ele, como parte vulnerável na
eventualidade de uma ação judicial, deve ser considerado que o paciente não tem o
conhecimento necessário para o arquivamento adequado dos documentos, podendo
gerar a invalidação destes, pela indevida manipulação, extravio e deterioração, o
desfavorecendo.
Esclarecendo que todos os documentos produzidos durante o tratamento, os quais
compõem o prontuário, podem ser requisitados pela autoridade judicial em caso de
litígio, há de se aceitar que é reduzida a possibilidade de ocultação destes, ainda mais
considerando a viabilidade de inversão do ônus da prova no processo, quando o
paciente for hipossuficiente (com poucos recursos financeiros), cabendo ao profissional
o ônus de provar sua inocência.

Em síntese, a vulnerabilidade do paciente, conforme requerem os princípios legais e


bioéticos, parece ficar mais bem caracterizada com a guarda do prontuário pelo
profissional, não como um direito, mas como uma responsabilidade, sem que este ato
cause nenhum desfavorecimento ao mesmo. O argumento é consoante com o artigo 1º
da Resolução CFM no 1638/02, que determina a responsabilidade sobre o prontuário
médico à hierarquia da instituição, passando esta então, a responder legalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a vulnerabilidade do paciente durante a prestação do serviço nos seus


aspectos maiores, sua saúde e seu direito como cidadão, a posse do prontuário parece
estar mais bem resguardada, como uma responsabilidade antes de um direito, pelo
profissional ou instituição, fato que não cerceia o paciente de ter acesso à informação,
de agilizar a comunicação entre profissionais de forma técnica e precisa, nem tampouco
irá desfavorecê-lo na eventualidade de ação judicial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CLOTET, J. Por que bioética? Bioética, 1, 1993, pp.13-17.

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598434587. Relator Décio Antônio Erpen. Sexta Câmara Cível. Passo Fundo.
16/12/1998.

A importância do Prontuário na Clínica Médica Veterinária

O Prontuário Médico Veterinário é a documentação produzida na


prática da clínica veterinária que deve observar os critérios técnicos,
administrativos, legais e de arquivamento adequados, para que possa servir
como fonte de dados do animal–paciente, guardando informações que servirão
para finalidades acadêmicas e administrativas, além de ter uma função como
prova documental em processos éticos e/ou judiciais. O Código de Defesa do
Consumidor assim como o Código de Ética do Médico Veterinário exigem a
observação desses preceitos.
Hoje em dia podemos encontrar duas maneiras de apresentação do
prontuário. A primeira e mais tradicional, é a manuscrita em papel, sendo obrigatória a
legibilidade da letra do profissional que atendeu o paciente, com sua assinatura e seu
número de registro profissional. Atualmente, com o avanço da tecnologia, temos
encontrado cada vez mais o uso dos prontuários eletrônicos, que trazem mais recursos
ao profissional, mas, por outro lado, necessitam de maiores cuidados com a segurança,
para mantê-los íntegros, invioláveis e confidenciais, uma vez que ali estão registrados
dados sujeitos ao sigilo profissional.

O prontuário é composto por todo o acervo documental referente aos


serviços prestados, possuindo os seguintes elementos básicos:

1 - Ficha Clínica

a) Identificação completa do paciente incluindo nome, espécie, raça, idade,


sexo, porte, pelagem e número do microchip. Quando possível, incluir
fotografias e/ou uma resenha com as características físicas do animal.
Além disso, deve conter a identificação completa do proprietário com
nome, endereço, telefone, RG e CPF.

b) Histórico de saúde do animal, redigido de forma técnica, baseado em dados


Médico-Veterinários, de onde constarão os sinais e manifestações clínicas
descritas detalhadamente, tratamentos já realizados, intervenção cirúrgicas
feitas; incluindo prontuários de outras clínicas.

c) Anamnese, composta pela descrição do estado do animal segundo seu


cuidador. Deve ser colhida através de perguntas dirigidas a este e redigido de
forma coloquial, nas palavras do proprietário. Deve incluir o local onde vive o
animal, se há outros que coabitam, tipo de alimentação, rotina de passeios etc.

d) Exames físicos e complementares realizados pelo profissional responsável. Os


resultados dos exames devem ser processados corretamente para sua
utilização e durabilidade, identificados e anexados ao prontuário.
e) Tratamento: O Médico Veterinário, sendo um profissional liberal, tem a
liberdade para definir a melhor conduta terapêutica a adotar em cada
caso clínico. A sua descrição no prontuário é de vital importância, pois é
o documento que justifica a técnica adotada, assim como os seus limites
e objetivos do tratamento.

f) Evolução do paciente que deve ser feita diariamente no paciente


internado ou a cada visita do paciente que volta para casa. Para tanto
devem ser feitos histórico e exame clínico focados nos problemas
previamente identificados.

2 - Termo da Autorização

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o profissional


deve fornecer todas as informações necessárias ao proprietário do paciente. O
proprietário, uma vez ciente de todos esses dados, deve materializar a sua
aceitabilidade através do Termo da Autorização, que prova a aquiescência
voluntária do proprietário às técnicas de tratamento propostas, protegendo
assim o profissional que a está realizando.

O Código de Ética da Medicina Veterinária deixa muito claro no


Capítulo IV:
Art. 13. É vedado ao médico veterinário:
IX - deixar de elaborar prontuário e relatório médico veterinário para casos
individuais e de rebanho, respectivamente;
XI - deixar de fornecer ao cliente, quando solicitado, laudo médico veterinário,
relatório, prontuário, atestado, certificado, bem como deixar de dar explicações
necessárias à sua compreensão.
O mesmo Código de Ética prescreve que o Médico Veterinário
será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com
dolo ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações
que venham a causar dano ao paciente e ou ao cliente (Capítulo V, Art.14). Na
verificação de supostos erros profissionais, cabe lembrar que a
responsabilidade nessa atividade é de meio, e não de resultado, o que significa
que o médico veterinário não é obrigado a alcançar o resultado almejado
(cura), mas deve empregar as técnicas adequadas à solução do problema (em
procedimentos de natureza estética, há a responsabilidade do resultado
prometido). A legislação brasileira adota a teoria da responsabilidade civil
subjetiva, prevista no artigo 14, parágrafo 4º do Código de Defesa do
Consumidor, onde a culpa do profissional deve ficar suficientemente
demonstrada, em uma ou mais de suas modalidades: negligência, imprudência
ou imperícia.
Cabe ressaltar que em todos os questionamentos judiciais ou
éticos, o prontuário bem elaborado mostra-se fundamental para que o médico
veterinário possa produzir uma defesa técnica de qualidade.

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