Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
tanto como explicação da obra, mas sim do autor, distingui-la de seu produto,
como imposição de seu significado . para então recusar seu direito especial
sobre a interpretação do que fizera. Daí
resultou o desprestígio do autor em
3. tudo que diz respeito à interpretação da
A terceira camada supõe o êxito do literatura. ( Consequência que talvez
combate contra o culto romântico da voz tenha ido além do propósito de' Eliot,
do autor - culto, na verdade, de influ mas à qual ele próprio estoicamente
ência muito mais prolongada do que aguentou, nunca se manifestando sobre
o determinismo tainiano a que implici o que se escrevia acerca de sua obra) .
tamente se referia Flaubert -, empreen O poder do crítico contemporâneo
dido em nome do melhor conhecimento edificou-se sobre o exílio do autor.
da obra. Trata-se então de propor, como Para este, muito contribuiu, na frente
faria Eliot em 1 9 1 9 , uma "teoria impes anglo-saxônica, o prestígio da ensaís
soal da poesia", que considerasse o tica eliotiana, ao passo que, na frente
poema, não como a expressão de uma continental, para tanto decisivamente
personalidade ou como a busca de fixar concorreu a influência do marxismo e
novos matizes emocionais. mas sim da psicanálise.
como um trabalho específico, que trans Antes de passarmos ao exame da
forma um meio comum, a linguagem, em legitimidade deste exílio, convém acen
um veículo diferenciado. tuar que a estética, primeira força gera
A proposta de Eliot - hoje um lugar dora do poder de interpretação na se
comum para qualquer iniciante no es gunda camada, não sofreu o mesmo
tudo da literatura - partia da mesma questionamento. O ensaio de P. Valéry,
pretensão que há cinq uenta anos orien "Discours sur l'esthétique", de 1 9 3 7 ,
tara a demanda de Flaubert : tornar a n ã o recebeu o favor que logo cercara
crítica uma atividade competente, menos o "Tradition and the individual talent"
interessada em persuadir o leitor das de Eliot. Em virtude desta diversidade
qualidades de seu comentário do que em de questionamento, a terceira camada
ser um modo de conhecimento. Postu veio a se caracterizar pela conjunção de
lar esta exigência, de aparência banal, duas forças geradoras de poder : a expli
contudo impôs a Eliot opor-se ao culto cação direta ou indiretamente fundada
da personalidade do artista, comparan em moldes estéticos, cujo prestígio per
do o trabalho deste ao realizado pela maneceu portanto inabalável, a análise
catálise, na química : "Quando ( . . . ) baseada no comportamento verbal do
dois gases ( . . . ) se misturam na pre texto, da responsabilidade de um crí
sença de um filamento de platina, tico.
formam o ácido sulfúrico. Esta combi
De posse destes esclarecimentos pre
nação apenas se realiza se a platina es
liminares, avançamos nosso ponto de
tiver presente ; todavia o ácido recém
-formado não contém traço algum de vista : a base sobre a qual se cria o poder
platina e, efetivamente, a própria pla do crítico contemporâneo é uma base
tina não é afetada; permaneceu inerte, equívoca. Nossa peça acusatória não
neutra e não modificada. A mente do será aqui toda apresentada, pois já
poeta é o pedaço de platina" ( Eliot : pressupõe a discussão sobre a razão e
1 9 1 9 , 7 ) . Para que a crítica portanto os limites da estética ( cf. L . C . L . :
se descartasse da segunda força que 1 9 7 3 , capo I e L . C . L . : 1 9 75, 1 55-
gerava o poder do crítico na camada -203 ) . Concentramo-nos apenas na va
precedente, foi necessário exilar a voz lidade da substituição do autor pelo crí-
1 58
ti co, como intérprete eficaz. Mas o leitor Declarado nosso ponto de vista, veja
que conheça a obra de E. Hirsch. Jr. mos como conduzi-lo. Comecemos pela
poderá supor que reencontrará os argu trilha mais fácil, desenvolvendo por que
mentos que tornaram famoso o teórico o privilégio do crítico não se fez acom
norte-americano. Para não atrapalhá-lo panhar da mudança do "regime de pro
como uma falsa pista, digamos de início priedade" . Utilizando os passos de
que, embora venhamos a considerar e a Hirsch, notemos que uma das afirma
aproveitar a reflexão de Hirsch, nossas ções justificadoras do exílio do autor
posições são bem diversas. consiste em dizer que a interpretação
Para Hirsch, impõe-se o retorno dos da obra muda para seu próprio criador.
"exilados", pois sem o privilégio da voz (E quem conhecer escritores já poderá
autoral a crítica continuará a ser uma tê-lo concluído por experiência própria) .
babeI de contrariedades : "De fato, se Como Hirsch bem assinala a propósito,
o significado de um texto não é ci de a frase se monta sobre o equívoco de
seu autor, nenhuma interpretação jamais tornar sinônimos dois conceitos entre
poderá corresponder ao significado do tanto independentes : o conceito de sig
texto, pois o texto não poderá ter signi nificado (meaning) e o de significação
ficado algum determinado ou determi (significance ) . Sem repetirmos seu
exame detalhado, diremos que por efeito
nável" ( Hirsch : 1 9 67 , 1 5 ) . De nossa
de significado se entende a compreensão
parte, afirmamos que o privilégio do crí
do que o autor quis dizer por seu texto
tico não passará de uma simples mudan
efetivo, enquanto por efeito de signifi
ça de "proprietário", com a manutenção
cação se entende o julgamento estabe
do mesmo "regime de propriedade", se lecido a partir da compreensão (ou in
o novo ocupante não se qualificar pela compreensão ) do significado . Por exem
exploração mais eficaz da terra do texto . plo, ao assistir uma conferência, o exato
Ou sej a, pelo rigor demonstrativo de sua entendimento do que escutei diz de seu
linguagem. Isso sem dúvida j á era pre significado. Se, entretanto, não me limi
visto no ensaio-programa de Eliot. Mas, to a escutar e a entender, mas concedo
em vez de cairmos na analogia fácil do uma valoração ao que ali se disse, esta
caso com o de revoluções políticas que valoração concerne à significação por
terminam por mostrar sua mísera face mim emprestada ao falado. Parece
reformista, é mais fecundo notar que, óbvio que esta valoração não depende
entretanto, não seria esperável, nos anos da apreensão correta do significado ; ao
próximos, a publicação do ensaio de contrário, independentemente de ser
Eliot, que j á se observasse o desacordo positiva ou negativa, ela pode ocorrer
entre a proposição programática e o a partir da incompreensão - reconhe
trabalho efetivo do crítico. Em Eliot, cida ou não pelo ouvinte - do signifi
encontrava-se o "manifesto" que justi cado. Acrescente-se ainda que, para
ficava a tomada do poder, enquanto Hirsch, o significado não se confunde
nem ali nem em outro lugar se deposi com a intenção do autor, porquanto
tavam os conceitos que presidiriam à poderá suceder que ele não tivesse cons
nova prática. Foi necessária a experiên ciência de certa associação, da qual
cia dos últimos cinquenta anos para que , entretanto nada impediria que estivesse
agora, observemos o desacordo ainda consciente. Por exemplo, ao escrever
vigente, malgrado a extrema qualidade este ensaio não me preocupo, donde não
das obras de um Auerbach e de um estou consciente com a área da qual es
Benjamin, entre o mandato do intérprete tej a retirando minhas mais freqüentes
e seus efetivos ocupantes. metáforas. Se um leitor então me diz
LUIS COSTA LIMA 159
li
1 62
centar que esta descoberta se realiza ordenação de suas díferenças, por meio
através de uma leitura específica, por das transformações que conduzem este
quanto não centrada na cena sintagmá texto àquele outro. Quanto ao problema
tica. Ela, com efeito, parte do dito para do modelo, preferimos falar em plano
encontrar o entredito (cf. L.C.L. : 1 9 74, do sentido por dois motivos : a) porque
1 7-24 ) , realizando o que chamamos não conhecendo suficiente matemática,
de plano do sentido. Descritivamente, nossa proposta seria criticável pelo uso
pois, o plano do sentido supõe : a) uma impreciso de um termo que, em mate
construção, b) efetuada pela articulação mática, tem um delineamento exato ; b)
de elementos implicados, c ) cuj a exten porque, leigamente, modelo se associa a
são é determinada por mecanismos intra padrão, algo que se tem a priori e que
textuais ef ou extratextuais. Por hipótese, predetermina os resultados a que se
podemos ainda declarar que o plano do chegaria.
sentido apresenta o inconsciente mo bi É justo entretanto que se pergunte em
lizado por um enunciado particular ( o que a concepção expressa de estrutura
texto-objeto ) . Assim caracterizado, o contribui para levantar, ou pelo menos
sentido corresponde ao que Lévi-Strauss diminuir, a arguída ilegitimidade do
chama o modelo da estrutura. Se não direito de interpretação pelo crítico.
optamos simplesmente por estes termos Devemos de início declarar que a pre
j á consagrados é porque preferimos ocupação com a estrutura e com os con
adotar um caminho mais explicativo, que ceitos paralelos de incon sciente e cena
nos levasse a designações menos sobre paradigmática. com seus meios operacio
carregadas, que, ademais, nos permitisse nais - o princípio da comutação, de
dizer algo de menos impreciso sobre limitador lógico - pressupõe a idéi a de
modelo e estrutura. Podemos assim ob que a ciência é uma forma de legiti
servar agora que a estrutura não se mação do conhecimento, na verdad e a
confunde com o implícito, sendo, ao única forma capaz de verificar a obje
contrário, dependente dos limitadores tivi dade do conhecimento . El a não é
da implicação, exigindo por conseguinte uma forma de conhecimento privilegia
uma leitura que não se encerre em sua da, senão do ponto de vista de su a tes
face temática. Mais importante que este tabilidade. É cl aro que, se não concor
esclarecimento é o seguinte : a estrutura darmos com este ponto de vista, todo o
é o antípoda da fixação do mesmo, i.e . , esforço que fazemos será em vão. En
d o que se mostra constante e m um quanto, porém, não encontrarmos expli
número finito de variantes. Já, há vários citada uma oposição desta ordem, deve
anos, Gouillon escrevera : "O estrutura remos nos preocupar com as objeções
lismo propriamente dito começa quando formuláveis a partir do solo da ciência.
se admite que conjuntos diferentes Imediatamente, nos vêm à mente duas
podem ser aproximados não a despeito, contestações : 1 ) a análise estrutural su
mas em virtude de suas diferenças, que põe a existência de um corpus dotado de
se procura ordenar" ( Pouillon : 1 9 66, uma acentuada estabilidade. Sem ela, o
744, grifo meu ) . Por isso, menos que seu objeto adquiriria !l0vos formatos
um núcleo estável, a estrutura aponta enquanto seu estudo se processava .
para a instabilidade do estruturado, for Noutras ' palavras, para que o método
mando-se um campo cujos componentes demonstre a instabilidade do estrutu
- textos diversos que, muitas vezes, rado é preciso que o objeto apresente
nada parecem ter em comum - se uma certa estabilidade temporal, que a
comunicam, não por efeito de suas história n'ão tenha um ritmo tão acele
semelhanças, mas em decorrência da rado que a sua metamorfose não impo'; -
164
sibilite O ritmo mais lento da reflexão vasto : a metáfora manteria esta funda
estrutural. Ora, o discurso literário não mentalidade quanto a toda linguagem,
vive na "sociedade fria" em que os mitos sendo portanto indispensável compreen
proliferam. Isso significa que a análise der o seu lugar ímpar se quisermos
estrutural encontra, face a ele, obstá pensar o problema da interpretação.
culos bem diversos dos que acompanha Analisando o argumento por partes :
ram a aplicação canônica do método ainda refletindo sobre a linguagem filo
(basicamente, nos quatro volumes de sófica, Derrida a intitula de "mitologia
Mythologiques) . branca" por ser uma linguagem em que
se deteriorou a cena fabulosa, a arqui
Por sua gravidade e, principalmente,
tetura imagética, a qual, no entanto, aí
por não termos resposta convincente , o
permanece inscrita, como se traçada por
problema não será atacado nesta intro
tinta invisível. Por este tratamento, o
dução. Deixamo-lo como interrogação
autor aponta para uma conclusão mais
em estado puro, na esperança de que
geral : o conceito não é bem o que se
nossa travessia pela obra de Comélio
opõe à cena fabulosa - cena em que
Penna nos dê elementos para uma
as metáforas fermentam -, mas sim o
melhor reflexão futura. Por estas razões,
que a contém sob disfarce, tomando-a
nos inclinamos para a segunda contes
ignorada de seu usuário. Daí que seria
tação, talvez menos problemática : 2 )
preciso transmitir à interpretação "este
toda interpretação repousa sobre um
valor de usura" (Derrida : 197 1 , 6 ) ,
fundo metafórico . Qual a sua validade,
entendendo-se por usura a qualidade do
portanto, se ela não resgata as metá
que se mantém através do desgaste. O
foras inesgotáveis? Daí se tem inferido
que equivale a dizer : quer a linguagem
que a fixação de um sentido seria uma
filosófica, quer a interpretação em geral,
parada arbitrária contra a dinâmica ou
não ultrapassam o âmbito da "abstração
a pluralidade do texto ; uma violentação
empírica sem abandono do solo natal"
contra o leitor; um recurso escamotea
( idem, idem) . Esta marca indissolúvel
dor, pois não se dá conta das metáforas
seria a consequência de a linguagem
que emprega para "explicar'" as metá
estabelecer-se através de uma analogia,
foras de seu objeto. Embora tais con
analogia entre comparados dissemelhan
sequências não sej am expressamente
tes : a palavra e seu nomeado. Daí,
formuladas por Derrida, aparecem entre dentro desta linha, dizer com justeza
tanto coladas à sua reflexão. Notemos Silviano Santiago que o conceito vive de
como a colocação se formula e quais "a identificação do não-idêntico" (San
seus efeitos. tiago, S. : 1 975, 1 5 ) . À diferença de
A reflexão do filósolo francês, tal J akobson, a analogi a é percebida no
como exposta em "La Mythologie blan momento mesmo da instalação da lin
che" , supõe sua discordância com a tese guagem ; a analogia que se processa
de J akobson, segundo a qual a metá dentro dela, pelo eixo da seleção, já é
fora e a metonímia seriam de igual os dependente de uma analogia entre ela
mecanismos geradores da linguagem e algo diverso dela, conferida mesmo
(Jakobson : 1 9 5 6 ) . A indagação de em sua "origem" : "Analogia no inte
Derrida, ao invés, ressalta a metáfora rior da linguagem se acha representada
e lhe assegura uma posição divers a : não. por uma analogia entre a linguagem e
geradora na linguagem, mas da lingua outra coisa que não ela" (Derrida : idem,
gem. Com efeito, embora o obj eto idem) .
explícito do ensaio de Derrida seja a Pensando com seriedade n a proposi
linguagem filosófica, seu alcance é mais, ção do autor, notamos constituir-se a
LUfS COSTA LIMA 165
a '.� s e n t,e ou presente no texto, Podemos cerra. É por esta razão que a interpre
[Jpor - supor porque não somos nem tação de Derrida caracteriza-se menos
filósofos nem helen istas - que tenha por uma prática de rigor - embora ele
razão em denunciar a estreiteza com que mesmo a exij a - do que pela conivên
o problema tem sido tratado, Deverá cia com a proliferação metafórica d a
ainda estar certo quando declara não linguagem. A interpretação assim se
h aver "com todo rigor um texto platô torna necessariamente plural. Já não é
nico, encerrado em si mesmo, com seu apenas a literatura que se declara polis
dentro e seu fora" (idem, 1 49 ) , Estas sêmica, o mesmo passa a valer para a
considerações encaminham para a justi interpretação. Se a prática assim justi
ficativa do elo pharmakos, Não presente ficada não será bem novaI a teoria não
no texto platônico, teria, contudo, direito deixa de sê-lo, donde seria exigível uma
de entrada na análise por efeito de duas argumentação mais eficaz. Por conse
proximidades : 1 ) enquanto pharmakos guinte, em Derrida, mais do que uma
é sinônimo de pharmakeus, . empregado correção da empresa estruturalista, en
por Platão, tendo porém o termo ausen contramos uma resistência a seu proj e
te "a originalidade de haver sido sobre to. Sua interpretação não pode deixar
determinado, sobrecarregado pela cultu de ser tranquilizadora p ara os analistas
ra grega doutra função" (idem, idem) ; do discurso. A partir de Derrida, a exi
2 ) porque pharmakos está "presente na gência de rigor demonstrativo passa
língua, remetendo a uma experiênci a para um segundo plano, em favor de
presente n a cultura grega e ainda do um neo-impressionismo desbragado ou
tempo de Platão" (idem, 1 48) , Deve morigerado .
remos portanto concluir que . o léxico
Se, em troca, adotamos a posição
genérico, contemporâneo a . um certo
contrária, a da interpretação como cons
autor, seria objeto legítimo . da pesca
trução, da construção-incerteza, diremos
interpretativa, estabelecendo-:se para isso
que compete à teoria, não a introdução
um único limitador : "que as articulações
de ausentes que venham aumentar as
sejam rigorosa e prudentemente reconhe
combinações metafóricas, mas sim dar
cidas" (Derrida : 1 9 6 8 , 1 49 ) . Mas, q ue
condições de compreender o que falam
rigor e prudência poderão ser eficaz·��
se são aplicadas sobre a curiosa unani as metáforas e, simultaneamente, de re
fazer o caminho que teria conduzido a
midade entre autor e o continente de
tal resultado.
sua língua? Tais postulados metodológi
cos só deixarão de parecer extremamente Tratando de problema distinto, o da
. aleatórios e arbitrários se levarmos em relação entre o conhecimento físico e a
conta a posição do autor sobre as rela percepção, Piaget se colocara em posi
ções entre conceito e metáfora. O papel ção muito mais afim da que adotamos :
de uma metodologia qualquer é estabe " . , . a percepção nunca opera sozinha :
lecer as regras de uso de técnicas e não descobrimos a propriedade de um
. conceitos, aquelas subordinadas a estes, objeto senão acrescentando alguma coisa
Mas, se a teoria que orienta o estabe à percepção. E o que lhe acrescentamos
lecimento metodológico, parte do supos não p assa, precisamente, de um con
to de que não há de controlar a meta junto de quadros lógico-matemáticos,
foricidade do uso dos conceitos, mesmo que são os únicos a tornarem possíveis
porque o conceito não abandona o solo as leituras perceptivas" ( Piaget, J. :
da metáfora, então aquele estabeleci 1 957, 9 1 ) . É este "conjunto de quadros
mento é, desde logo, algo suspeito, não lógico-matemáticos" ou, acrescentamos,
importando a imprecisão em que se en- lógico-matematizáveis que tem o papel
L u t S COSTA LIMA 1 67
Supor o contrário será manter o mito do da crítica como gênero literário é feito
poeta. a incompreensão do poema e a não em favor da literatura, não em fa
identificação da ciência com a tecno vor da gratificação do leitor, mas sim
loria. da sociedade que suscita a virulência
Dentro da linhagem teórica que segui da mimesis.
mos, a necessidade imediata de retifi À posição que assumimos n ão se
cação de resultados é imposta pela ex associa a pretensão de que a interpre
trema dificuldade de semantizar-se com tação daí resultante seria a única cor
p recisão as unidades constitutivas do reta, como se ela encarnasse o represen
plano do sentido : "As dificuldades com tante da verdade. Em ciência, proposi
que se defronta o tratamento lógico ção verdadeira é apenas aquela que,
-matemático ( . . . ) são doutra nature durante algum tempo, não se demonstra
za. Têm a ver, desde logo, com o emba falsa. O certo da verdade, oelo menos
raço em que nos encontramos em definir n a ciência, é ser incerta. A nretensão
grupo fechado. Isso não deve fazer com Da consequência anterior deriva, me
que se descure o fato de que, encarados diatamente, uma terceira : c) o reverso
sob outras perspectivas, (os mitos) per daquela resistência é o fascínio que sen
manecem desdobrados em um hiper timos pelos padrões ditos científicos. A
-espaço, onde também figuram o utros ciência é hoje uma espécie de ideal do
mitos, cujas propriedades n ão são esgo ego à disposição de todos. Esta proposta
tadas pela análise precedente" (Lévi contudo mascara a realidade da própria
-Strauss : 1968, 84) . ciência, convertendo o que lhe é pró
Das páginas anteriores se inferem prio, o trabalho incerto da construção,
duas consequências imediatas : a) ao crí no que já faz parte da apropriação
tico contemporâneo cabe, não a atitude social da ciência : a idéia de que é uma
de euforia ante o prestígio atual de que técnica que esconjura os fantasmas, que
se vê cercado, mas sim a verificação da nos oferece tranquilidade e boa posição.
ilegitimidade com que ( ainda) desem Pela segunda consequência, o crítico
penha o direito que se lhe outorga; b ) literário deveria manter uma atitude de
que h á séculos enclausurado n o âmbito suspeita contra si e contra o filósofo;
das chamadas disciplinas humanistas, ele pela terceira, contra si enquanto facil
tende a gerar ou a absorver mecanismos mente levável a suspeitar do filósofo.
de resistência às tentativas de melhor Mas está fora de dúvida que se pode
objetividade. Afinal qual a sua vanta viver sem tais suspeitas e cuidados. Na
gem, qual seu proveito, senão o distan ilegitimidade do próprio poder.
ciamento ainda maior de nossos raros
leitores? Rio, Abril e Outubro de 1 9 75
Notas
1. Wenn die Bedingungen für die Aufnahme lyrischer Dichtungen
ungünstiger geworden sind, so liegt es nahe, sich vorzustellen, dass
die lyrische Poesie nur noch ausnahsweise den Kontakt mit der
Erfahrung der Leser wahrt", "Über einige Motive bei Baudelaire"
( 1 9 39 ) . Edição citad a : Walter Benjamin, Gesammelte Schriften, 1-2,
Suhrkamp Verlag, Frankfurt 1 974, pág. 608 . ("Se as condições
para a acolhida da poesia lírica se tornam mais desfavoráveis, é-se
levado a crer que a poesia lírica apenas excepcionalmente ainda
mantém o contato com a experiência do leitor".
2. " . . . sie ( die Erzahlung) ist eine der altesten Formen der Mitteilung.
Sie liegt es nicht darauf an, das pure An-sich des Geschehenen zu
übermitteln (wie die Information das tut) ; sie senkt es dem Leben
des Berichtenden ein, um es als Erfahrung den Horern mitzugebe.
( . . . ) Proust achtbandiges Werk gibt einen Begriff davon, welcher
Anstalten es bedurfte, um der Gegenwart die Figur des Erzahlers
zu restaurieren", op. clt., pág. 6 1 1 ("A narração é uma das mais
LurS COSTA LIMA 169
Referências Bibliográficas
AUERBACH, E. ( 1 9 5 1 ) : "Baudelaires Fleurs du mal" e "La Court et la ville", in
Vier Untersuchungen zur Geschichte der Franzosischen Bildung, Francke
VerIag, Berna. Cito o primeiro ensaio por sua reedição in Auerbach. Gesam
melte A ufsiitze zur Romanischen Philologie, Francke VerIag, Berna 1 9 67
e o segundo por sua tradução in A Teoria da literatura em suas fontes,
op. cito
CHATMAN, S. ( 1 960) : "Comparing metrical sty1es", in Style in language, organizo
por Th. A. Sebeok, M.I.T. Press, Cambridge, Mass.
COST A LIMA, L. ( 1 9 73 ) : Estruturalismo e teoria da literatura, Vozes, Petrópolis.
COSTA LIMA, L. ( 1 9 74) : A Metamorfose do silêncio, Eldorado, Rio.
COSTA LIMA, L. ( 1 9 75 ) : "As Projeções do ideológico", in Cadernos da PUC,
nl? 8 , Rio.
DERRTDA, J. ( 1 9 68 ) : "La Pharmacie de Platon". Cito a reedição in La Dissémi
. . . . nation, Seuil, Paris 1 9 7 1 .
DE RRTDA, J. : ( 1 9 7 1 ) "La Mythologie blanche", in Poétique, 5 .
ELIOT , T. S . : ( 1 9 1 9 ) "Tradition and the individual talent" . Cito a reedição in
Selected essays, Harcourt Brace, New York.
HIRSCH. JR . , E. D . : ( 1 9 6 7 ) Validity in interpretation. Trad. cit. Teoria dell'inter
pretazione e critica leteraria II Mulino, Bolonha 1 9 7 3 .
JAUSS, H. R. : ( 1 9 7 4 ) "LeveIs o f identification o f hero and audis New Literary
History, V ( 2 ) .
LÉvI-STRAuss, C. : ( 1 9 68 ) L'Origine des manieres de table, Plon, Paris.
LÉVI-STRAUSS, c. : ( 1 9 7 1 ) L'Homme nu, Plon, Paris.
PIAGET , J. : ( 1 9 5 7 ) "Le Mythe de l'origine sensorielle des connaissances scienti
fiques". Cito a reedição in Psychologie et épi,siemologie, Gonthier, Paris
1 9 70.
( 1 9 6 6 ) "Présentation : un essai de définition" , número especial
POUIL LON, J. :
de Temps modernes sobre estruturalismo, nl? 246 .
SANTIAGO, S. : ( 1 975 ) "Análise e interpretação", comunicação apresentada ao
VII Simpósio de literatura brasileira (Brasília) .
WE LLEK, R . : ( 1 965 ) A History of modem criticism, voI. IV, Yale U. Press,
New Haven.
WIMSATT JR. W. K. : ( 1 95 1 ) "Explication as criticism", in ExpUcation in criticism,
Columbia U. Press, New York 1 9 6 3 .