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20/09/2021 22:50 Entenda por que o burnout ameaça definir a vida de quase todos os millennials


FOLHA DE S.PAULO ›
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Entenda por que o burnout ameaça


definir a vida de quase todos os
millennials
SEPTEMBER 17, 2021

Obra de Adriel Visoto Reprodução

A primeira coisa que Anne faz ao acordar é desligar o aplicativo que controla
seu sono. Ainda na cama, bate o olho nos alertas de notícias com as mais
variadas desgraças; no banho, tem uma ideia para um tuíte e escreve
enrolada na toalha.

Lê mensagens de trabalho enquanto toma café. Tenta ficar em dia com os


emails, mas é interrompida por um alerta de nova mensagem no Facebook.
Aproveita o tempo em que faz bicicleta na academia para ler artigos que
recomendaram a ela no Twitter.

O dia segue adiante e adiante, e a hora em que ela desliga simplesmente não
chega —Anne, aliás, é a jornalista e pesquisadora Anne Helen Petersen, que
relata esse “dia bem comum” de sua vida digital em “Não Aguento Mais Não
Aguentar Mais”, que defende a tese de que a característica definidora da sua
geração, os millennials, é o burnout.

Burnout, em bom português, é uma exaustão extrema ligada ao trabalho. Os


millennials, em bom português, são a geração que nasceu mais ou menos
entre 1980 e 1995 e entrou no mercado de trabalho enquanto a internet
passava de ferramenta útil a companheira de todos os momentos da nossa
vida.

Imagens do documentário O Dilema das Redes

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Curioso é que o estereótipo sedimentado sobre os millennials é o de uma


juventude mimada, frágil e meio encostada. Petersen, que é doutora em
estudos de mídia pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos,
reconhece de pronto a existência desse rótulo e procura entender a decepção
fundamental que o originou.

“Nossos pais nos disseram que somos especiais, que merecemos tudo e que,
se trabalhássemos bastante, as coisas iriam ficar bem”, diz a escritora de 40
anos. “E, quando entramos no mercado de trabalho, no final dos anos 2000,
perguntamos 'bom, se eu sou especial, onde é que está meu bom emprego?'.”

Segundo a análise da autora, as últimas décadas viram a deterioração de uma


série de garantias e proteções que pareciam firmes e sob as quais a geração
boomer cresceu e criou seus filhos —como a certeza da aposentadoria e as
relações trabalhistas tradicionais. Surgiu no lugar uma nova “economia dos
bicos”.

Programa Verde e Amarelo de estímulo ao emprego reduz direitos

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Isso fez com que a carreira dos millennials, sob regras mais incertas e
promessas mais nebulosas, fosse engolindo mais e mais tempo do dia de cada
profissional, argumenta a obra, e turvando os períodos de trabalho e lazer —
o que se intensificou ainda mais na pandemia com o home office.

“O burnout é a resposta do sujeito à ideologia do empreendedorismo, que


faz com as pessoas se responsabilizem totalmente pela gestão do seu
trabalho”, afirma Pedro Ambra, doutor em psicologia social e professor da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Além de trabalhar, eu tenho
que me divulgar, me gerir e não tenho garantia de descanso em fim de
semana e férias.”

Dessa forma, as horas que seriam dedicadas ao repouso são substituídas pela
ansiedade de fazer alguma coisa produtiva, seja ver a série que todos estão
postando no Instagram ou atualizar o LinkedIn para conseguir o próximo
freelance.

Perfil de gastos da geração Z mostra mudança de prioridades

O psicanalista lembra que usar redes sociais, hoje, também é trabalho —é a


lapidação constante do avatar que você apresenta ao público, como
argumenta o livro de Petersen.

“Ninguém fica relaxado quando passa uma hora lendo feed de notícias em
rede social”, diz Ambra, uma afirmação que soa particularmente apropriada
para quem acompanha o noticiário político brasileiro. “E o ciclo se fecha
com a questão da hipermedicalização. A droga me recoloca na linha de
produção. O organismo que está pedindo para parar é silenciado, e eu posso
voltar a produzir.”

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Petersen começou a articular “Não Aguento Mais Não Aguentar Mais” a


partir de seu próprio burnout —que ela relutou, como é comum, em
reconhecer como burnout.

“Eu achava que estava trabalhando como sempre trabalhei”, diz ela. “Não
entendia por que começava a chorar quando minha editora ligava, reagi mal
quando ela sugeriu que eu estava esgotada. Só identifiquei o problema
quando percebi que não conseguia encontrar energia nem vontade para fazer
minhas tarefas do dia a dia.”

Há dois anos, a Organização Mundial da Saúde registrou a síndrome de


burnout como um “fenômeno ligado ao trabalho”. Petersen oferece uma
definição sucinta. “Exaustão significa ir até um ponto em que não é possível
ir além; burnout significa chegar a esse ponto e se forçar a continuar, por
dias, semanas ou anos.”

Médicos com burnout no combate à pandemia

A autora aponta que seu livro não busca trazer soluções individuais sobre
como lidar com o soterramento de demandas —a editora Sextante tem em
“Sem Esforço” e na reedição de “Essencialismo”, de Greg McKeown, opções
que atacam questões parecidas por esse lado mais utilitário.

Os esforços de Petersen se concentram em apontar aos leitores problemas


estruturais. Uma ideia que ela apresenta, por exemplo, é que talvez ninguém
deva necessariamente trabalhar com aquilo que ama, escapando assim de
uma lógica que pode estimular o burnout.

“Um traço primário dos millennials é achar que o sentido da sua vida será
derivado daquilo que você é pago para fazer. Mas você pode satisfazer as suas
paixões de muitas formas que não têm a ver com trabalho.”
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Isso não significa um veto mirabolante a trabalhar com assuntos atraentes,


mas manter em mente que não é saudável “trocar estabilidade por
felicidade”.

“O que tenho visto nos últimos anos são pessoas rejeitando a ideia de ter
uma carreira”, diz a autora. “Não querem achar a coisa que vão fazer pelos
próximos 40 anos. Querem achar um trabalho, e então descobrir o que mais
é importante.”

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