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Ética e moral

Etimologicamente têm o mesmo significado “costume”. São utilizados como sinónimos, mas correspondem
a planos distintos embora interligados.
Moral - conjunto de normas práticas (código moral) convencionadas socialmente e que nos indicam o que
devemos fazer para agir bem, ou seja, para que a nossa conduta seja correta e socialmente aceitável.
⋆ Dimensão mais exterior⋆ Função normativa ⋆Nível prático
Norma moral - é a regra de comportamento que determina o que devemos fazer (ou não fazer) para que a
nossa ação seja moralmente correta ou valiosa. Ex: não matar, não roubar e não mentir. Cumprir estas
regras é geralmente considerado valioso.
⋆Não é imposta por uma autoridade externa (são impostas pela própria vontade a si própria) ⋆É mais
abrangente, visto que há aspetos da vida moral que não são abrangidos pelo direito/lei). ⋆ Não é coativa (é
obrigação da consciência moral).
Norma Jurídica - é uma regra imposta por uma autoridade externa. ⋆É coativa (acompanhadas pela
imposição de penas e punições) ⋆. Nem sempre o que é legal é moral (reconhecimento de que há normas
jurídicas injustas), por exemplo as leis de segregação racial, leis que discriminam conforme o sexo, a etnia,
orientação sexual, etc.
Conclusão - Apesar das diferenças entre moral e direito não impedem que ambas possam em muitas
circunstâncias funcionar conjuntamente. Prova disso é o facto de algumas leis serem promulgadas para
defenderem valores morais básicos. Ex. leis contra o roubo, difamação, fraude, violação, etc.
Por vezes, surgem conflitos de valores ou mesmo situações novas e imprevistas para as quais os códigos
morais existentes não têm resposta. É aqui que a reflexão ética se torna necessária. Nestas circunstâncias é
preciso refletir e encontrar novos princípios reguladores do nosso comportamento face a novos desafios.
Ética - reflexão crítica sobre a moral, ou seja, o fundamento e consistência das normas morais e a natureza
do bem. ⋆reflete sobre as ações procurando o seu fundamento⋆ nível teórico.
Heteronomia moral – aceitação acrítica da norma. Não questiona os fundamentos e a consistência dessas
normas. O ser humano deixa-se conduzir pelos costumes e tradições socialmente aceites.
Autonomia moral – aceitação, ou não aceitação, crítica da norma. Implica reflexão crítica, procura os
fundamentos das nossas decisões morais. Isto implica um verdadeiro exercício de autonomia intelectual. O
ser humano deixa-se conduzir pela própria razão para encontrar as leis da ação moral.
Tipos de éticas
Deontológicas ou absolutistas

 Este grupo reúne todas as teorias morais segundo as quais certas ações devem ou não devem ser
realizadas, independentemente das consequências que resultam da sua realização ou não
realização. As éticas deontológicas opõem-se ao consequencialismo porque definem que os atos
são intrinsecamente corretos ou incorretos. Neste tipo de éticas as ações são avaliadas a partir da
intenção e o dever.
 Ex: Face a um bombardeamento que provoque a morte de civis, um deontologista dirá
imediatamente: “Foi errado!”
 A ética racional de I. Kant é um exemplo de ética deontológica.
Consequencialista ou teleológicas
 Este grupo inclui todas as teorias morais segundo as quais as ações são corretas ou incorretas em
virtude das suas consequências, fins ou resultados. As éticas consequencialistas opõem-se às éticas
deontológicas porque consideram que as ações só devem ser avaliadas a partir dos resultados.
 EX: Face a um bombardeamento que provoque a morte de civis, um consequencialista, antes de
fazer qualquer juízo, perguntará: “Quais foram as consequências da ação?” “O que teria acontecido
se não existisse bombardeamento?”
 O utilitarismo de Stuart Mill é o exemplo mais conhecido de consequencialismo.

Em que consiste o problema da fundamentação da moral?


Consiste em saber qual a base ou o critério que nos permite distinguir o certo do errado e ações com valor
moral de ações sem valor moral.
Será que esse critério é a intenção/ dever do agente ou as consequências que resultam da ação?
As teorias éticas de Kant e de Mill responderão a esta questão.

John Stuart Mill – ética consequencialista


Princípio utilitarista ou da maior felicidade que é desejável para os seres humanos. (felicidade identifica-se
com o prazer, ou seja, ausência de dor. A perspetiva que identifica a felicidade com o prazer tem o nome
de hedonismo) (infelicidade = dor e privação de prazer)
Segundo este princípio o que torna uma ação moralmente boa ou má?
É a sua utilidade: as ações são corretas na medida em que tendem a maximizar a felicidade e o bem-estar.
São incorretas na medida em que tendem a promover o contrário.

O Princípio de Utilidade é uma regra geral que diz o seguinte:

 É moralmente correta a ação que, de uma forma previsível e imparcial, maximiza a felicidade ou o
bem-estar para o maior número possível de pessoas que por ela são direta ou indiretamente
afetadas.

Nota: o valor moral da ação não depende (não é avaliado) nem da intenção/motivos do agente, nem do
conteúdo da ação (a ação em si mesma não e considerada boa ou má). Só as consequências as tornam
boas ou más.
De acordo com o utilitarismo de Mill, a obrigação moral básica, que se sobrepõe a toda e qualquer outra
obrigação ou dever, é a maximização do bem-estar ou da felicidade geral.

Pressupostos em que assenta o princípio utilitarista

 Consequencialismo - Devemos orientar-nos pelos resultados previsíveis das nossas ações (utilidade
prática).
 O móbil da ação é a sua utilidade prática. Defende que o valor moral de uma ação depende
dos seus resultados (das suas consequências).
 A ação boa é a ação que tem boas consequências ou, dadas as circunstâncias, melhores
consequências do que ações alternativas.
 Deste modo, não podemos considerar que determinada ação é boa em si mesma, pois ela
pode ser boa numa dada situação e má noutra. Por exemplo, embora nos pareça correto
ajudar alguém em apuros, quando o fazemos podemos não estar a realizar uma boa ação.
 Imaginemos que salvamos a vida a alguém que acabará por revelar- se um terrorista prestes
a cometer um atentado que irá tirar a vida a centenas de pessoas.
 Esta foi uma má ação, uma vez que, indiretamente, contribuímos para que centenas de
pessoas percam a vida. Para a ética consequencialista apenas conseguimos avaliar a virtude
moral conhecendo os resultados práticos das ações. Não sabemos se a ação é boa ou má
sem analisarmos as suas consequências.

 Hedonismo - Devemos fazer aquilo que cause os maiores benefícios (prazer) e os menores prejuízos
(dor) ao conjunto dos afetados. Doutrina moral que considera o prazer a essência da felicidade.
 Prazeres superiores (qualidade e felicidade) - São qualitativamente superiores. Estão
associados ao intelecto, à dignidade humana, ao amor pela liberdade e independência
pessoal e resultam do exercício das capacidades intelectuais do ser humano, permitindo o
alcance de uma felicidade de maior qualidade.
 Prazeres inferiores (quantidade e intensidade) - Estão associados ao prazer físico e imediato
de natureza animal. Este tipo de prazer é comum aos animais e ao homem, mas não está
associado à felicidade, mas apenas a um sentimento de contentamento. Apesar destes
serem momentaneamente mais intensos e mais facilmente alcançáveis, continuam a ser
inferiores.
 Para o utilitarismo, todas as atividades humanas têm por objetivo último a felicidade, que é
entendida como prazer e ausência de dor. A perspetiva que identifica a felicidade com o
prazer tem o nome de hedonismo. A felicidade não consiste em todo e qualquer tipo de
prazer. Não se pode reduzi-la à satisfação dos prazeres físicos. Sem negar os prazeres físicos,
os prazeres do espírito ‒ intelectuais ‒ são superiores e qualitativamente distintos.
 Os prazeres inferiores apesar de serem mais intensos não trazem maior benefício, até
podem ser prejudiciais - “É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco
satisfeito”.

 Imparcialidade - Ao ponderar a maior soma de felicidade global, devemos contabilizar o bem-estar


de cada indivíduo como sendo igualmente importante.
 A felicidade do agente não conta mais do que a felicidade dessas outras pessoas. E não deve
abrir exceções, mesmo para familiares e amigos. Quando delibera o que vai fazer, o agente
tem de ser completamente imparcial. Quando se trata de decidir como agir, os interesses de
todos os afetados pela ação devem ser tidos em conta.
 Os interesses individuas devem ser sacrificados caso garantam a felicidade da maioria das
pessoas.
 Devemos sacrificar os nossos interesses pessoais? - Sim, quando garantam a felicidade da
maioria das pessoas envolvidas na ação.
 Devemos sacrificar sempre os nossos interesses pessoais? - Não, o sacrifício pessoal por si
só é um desperdício, só tem sentido quando contribui para a felicidade geral.

Valor das normas morais para Mill


As normas morais comuns são as regras que, na maioria das situações da nossa vida, cumprimos ou
respeitamos (utilitarismo da norma)
Estas normas existem há muitos séculos e têm sido muito importantes para regular as relações entre os
seres humanos.
É o caso das seguintes normas:

 Não matarás pessoas inocentes! (Matar pessoas inocentes é errado.)


 Não roubarás! (Roubar é errado.)
 Não mentirás! (Mentir é errado.)

Então por que razão, segundo Mill, precisamos de uma regra como o Princípio de Utilidade?

 Estas regras são insuficientes para resolver algumas situações muito problemáticas do ponto de
vista moral.
 Em certas situações, as regras morais comuns entram em conflito e deixam-nos num impasse.

Conclusão:
Não há um desprezo pelas normas morais. Estas normas existem há muitos séculos e têm sido muito
importantes para regular as relações entre os seres humanos. Contudo, têm um carater relativo, isto é,
existem circunstâncias em que podem não ser cumpridas.
Quando são insuficientes ou entram em conflito é possível desrespeita-las em nome do princípio da
utilidade, isto é, da felicidade e bem-estar da maioria.

Aspetos positivos:

 É uma ética empenhada em minorar o sofrimento, tornar a vida melhor e o mundo num lugar mais
atraente para se viver.
 Implica uma ética rigorosa e exigente (imparcialidade) que se afasta de um egoísmo ético puro.
Aspetos negativos:

 Deixa de lado a análise da intenção (que é uma dimensão humana de grande importante nas
relações sociais).
 Existem ações intrinsecamente más.
 Maximizar o bem-estar geral pode implicar que se violem direitos das pessoas. Não há direitos
absolutos, nem mesmo o direito à vida.
 O carater relativo das normas morais permite que sejam cometidas ações hediondas e reprováveis
como o genocídio.
 Sacrifício das minorias em detrimento da felicidade da maioria.
 Põe em causas as relações familiares.
Dificuldades sentidas:

 A felicidade e o prazer não são mensuráveis.


 Tentar hierarquizar prazeres pode revelar os preconceitos de quem hierarquiza.
 Nem todas as consequências são previsíveis.
 Nem sempre se consegue analisar e quantificar.

Kant – ética deontológica


O que atribui carácter moral à ação?
O cumprimento do dever ou o puro respeito pela lei moral.
Lei moral – tem origem na – Razão

Homem – pode agir por interesse ou respeitando a lei moral

 Sensibilidade – interesses egoístas


 Racionalidade – razão (lei moral)

Quando temos uma boa vontade?


Quando cumpre o dever ou a lei moral. (autonomia da razão)

Tipos de ação segundo Kant

 Por dever – ações praticadas com boa intenção, respeitando a lei moral sem qualquer outro
interesse – Moralidade.
 Conforme o dever – ações que respeitam as regras morais instituídas, mas que são praticadas por
uma inclinação exterior – Legalidade.
 Contra o dever – ações imorais que não cumprem as normas nem são praticadas por dever –
Imoralidade/Ilegalidade
Dever – lei moral – agir por dever é agir pelo puro respeito à lei moral (desinteressadamente)

Exemplo: Um comerciante que não engana os seus clientes procede corretamente, mas terá a sua conduta
valor moral?
Depende do motivo que o leva a proceder assim:

 Se o comerciante não engana os seus clientes porque receia perdê-los, a sua conduta não tem valor
moral, pois resulta de um desejo ou inclinação egoísta.
 Mas se, em vez disso, o comerciante procede assim apenas porque julga ter o dever de ser honesto,
então a sua conduta tem valor moral.

Kant pensa que só tem valor moral as ações realizadas por dever. Estas distinguem-se das ações que estão
em mera conformidade com o dever, ou seja, das ações que, embora estejam de acordo com aquilo que
devemos fazer, não são motivadas pelo sentido do dever.

Boa vontade – cumpre o dever pelo puro respeito ao dever.


Que relação existe entre moral e felicidade?
Se as ações morais fossem praticadas para se ser feliz, o imperativo moral seria o hipotético: pratica o bem
se queres ser feliz. A felicidade pode ser um objetivo da humanidade, mas, para Kant, ela não tem
qualquer relação com a moral.

Imperativos – são princípios, fórmulas ou leis que expressam a noção de dever ser. Os imperativos obrigam
e exercem pressão sobre a vontade. Contudo sendo a vontade livre, os imperativos não o determinam
necessariamente, apenas ordenam.
Imperativo hipotético – é um princípio prático que prescreve que uma determinada ação é boa porque é
necessária (ou seja, é um meio) para conseguir algum propósito ou fim.
Tem a seguinte fórmula: “Se queres X, então deves fazer Y”
Este imperativo é típico das éticas consequencialistas. Estas éticas traduzem a heteronomia da vontade: o
ser humano recebe a lei moral não da sua razão, mas do exterior.
Imperativo categórico – é uma obrigação ou princípio prático que prescreve que uma ação é boa se, e
somente se, for realizada por puro respeito à lei moral em si mesma.
Tem a seguinte fórmula: “Deves fazer X, sem mais” ou “Não deves fazer X, sem mais.”

Formulações do imperativo categórico

 Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei
universal. Esta fórmula afirma que só cumprimos o dever de forma correta quando a regra que
orienta a ação de um indivíduo pode ser universalizada, pode ser seguida por todos.
Exemplo: Peço dinheiro emprestado sem a intenção de o devolver.
A máxima que orienta a minha ação é “Deves mentir – fazer falsas promessas – sempre que isso for do
teu interesse.”
Esta máxima pressupõe que haja, da parte de quem empresta dinheiro, confiança nas promessas. Só
posso enganar alguém se essa pessoa confiar em mim. As falsas promessas só são eficazes se as pessoas
confiarem nelas.
O que acontecerá se a tentar universalizar? A máxima que orienta a minha ação é “Deves mentir – fazer
falsas promessas – sempre que isso for do teu interesse”.
A máxima “Mente sempre que isso for do teu interesse” não pode ser transformada numa lei universal.
Universalizar a mentira é universalizar a desconfiança em relação às promessas. O mentiroso não pode
querer que todos sejam como ele. A mentira só pode ser uma exceção e nunca a regra.

 Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem,
sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio. (Fórmula da humanidade ou Fim
em si mesmo)
O que significa dizer que o ser humano é um fim em si?
Significa dizer que cada ser humano tem um valor absoluto, isto é, dignidade. Enquanto ser racional,
capaz de realizar escolhas morais, é uma pessoa (e não um objeto ou uma coisa).

Ter um valor absoluto implica que não deve ser tratado como simples meio
 Uma televisão, um computador e um automóvel são simples meios para um determinado objetivo.
O seu valor é relativo porque depende daquilo para que servem. Usamo-los e, enquanto o seu
desempenho nos satisfaz, têm valor. São coisas que podemos deitar fora, trocar por outras ou
vender.
 Um ser humano não é uma coisa, um objeto que seja legítimo usar conforme os interesses e
necessidades dos outros. O seu valor não depende do uso que dele fazemos.
 Um ser humano não tem nem menos nem mais valor do que outro, ao passo que um automóvel,
um apartamento ou um casaco podem ter mais ou menos valor do que outros objetos do mesmo
género.

Questões Resposta de Kant Resposta de Mill


As consequências são o Não. A minha ética não é Sim. A minha ética é
que mais conta para decidir consequencialista. consequencialista.
se uma ação é ou não
moralmente boa?
A intenção é o critério ou Sim. A minha ética considera boa Não. As consequências são o
fator decisivo para avaliar a ação cuja máxima exprime a critério decisivo da
se uma ação é moralmente intenção de cumprir o dever pelo moralidade de um ato. A
boa? dever. A minha ética é intenção só diz respeito ao
deontológica. carácter do agente. A minha
ética é consequencialista.

Há ações boas em si Sim. O valor moral de uma ação Não. Não podemos dizer que
mesmas, isto é, que depende da máxima que o agente uma ação é boa ou má antes
tenham um valor adota sendo independente das de olharmos para as suas
intrínseco? consequências, efeitos ou consequências.
resultados do que fazemos.
Há deveres absolutos? Há Sim. Mentir, roubar e matar, por Não. Apesar de esses atos
normas morais que não exemplo, são atos sempre terem frequentemente
devemos nunca errados. Há normas morais consequências más, nem
desrespeitar? absolutas, que devem ser sempre é assim. Há situações
incondicionalmente respeitadas, em que não cumprir esses
ou que devem ser sempre deveres tem como
cumpridas. consequência um melhor
estado de coisas.
Qual é o princípio moral O princípio moral fundamental a O princípio moral
fundamental que temos de respeitar é o imperativo fundamental a respeitar é o
respeitar para que a nossa categórico. Exige que nunca se princípio de utilidade. Exige
ação seja moralmente boa? faça do outro um simples meio e que das nossas ações
que para tal a máxima da minha resulte a maior felicidade
vontade possa ser a de todos. possível para o maior
número possível de pessoas.
Há valores absolutos? Sim. A dignidade da pessoa Sim. O único valor absoluto é
humana é um valor absoluto. a felicidade entendida como
Nenhuma ação pode ser boa se prazer. Todas as outras coisas
desrespeita esse valor absoluto. só têm valor se produzirem
felicidade.
Maximizar o bem-estar ou Não. Não é obrigatório e muitas Sim. Se o valor moral das ações
a felicidade é obrigatório? vezes não é permissível. O depende da sua capacidade
respeito absoluto pelos direitos para maximizar o bem-estar,
da pessoa humana implica que mesmo que por vezes isso
haja deveres absolutos ou coisas implique a violação de algum
que é absolutamente proibido direito. A minha ética não é
fazer. deontológica.

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