Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Técnicas de Tradução
Técnicas de Tradução
Técnicas de tradução
Danilo Nogueira
1ª edição, fevereiro de 2018
© 2018 Reprodução permitida – desde que integral e gratuita.
ESTE LIVRINHO está no forno há anos. Pronto, nunca vai estar, mas estou publicando agora,
antes que seja tarde demais. Não vou falar dele: ele que fale por si próprio. Leia, consulte à
vontade e forme sua própria opinião. Espero que você goste. Se gostar, recomende a seus
amigos, que eu fico grato. Se não gostar, recomende a seus inimigos, que fico grato do mesmo
jeito. Se quiser fazer algum comentário, positivo ou negativo, escreva para
danilo.tradutor@gmail.com. que fico mais grato ainda.
Boa parte do que está aqui foi discutido com a Kelli Semolini, durante os longos anos que
trabalhamos juntos. Atendendo ao pedido dela própria, a única referência a seu nome é esta.
Os erros, que espero não sejam tantos assim, são de inteira responsabilidade minha.
Este livrinho:
…bem como tudo o que eu escrevi e fiz de bom profissionalmente na vida é fruto da
influência de Gilberto Rizzo, meu professor de inglês durante anos no “Ascendino
Reis”, uma escola pública no Tatuapé, bairro de São Paulo ao qual ele se referia,
jocosa e afetuosamente, como Armadillo on Foot.
… é, e sempre será, distribuído gratuitamente. Como é grátis, eu próprio diagramei,
formatei e revisei. Pelo desculpas pela diagramação tosca e pelos erros de revisão. A
próxima edição será melhor. Espero.
…pode ser copiado e distribuído por qualquer um, desde que mantenha o texto como
está aqui e que não cobre nada por ele. O arquivo não tem vírus nem nenhum
programa escondido nem é anzol para vender coisa nenhuma.
A próxima edição será melhor – assim espero.
Danilo
Santo André, fevereiro de 2018
Sugestões para uma leitura mais proveitosa
COMECE ONDE QUISER, o livro não tem princípio nem fim. Passeie pelos diversos verbetes a seu
bel‐prazer. Os verbetes têm indicações de outros correlatos, onde o assunto recebe maior
desenvolvimento, indicados por uma cabeça de seta, assim:
Verbete correlato
Para buscar alguma informação, use Ctrl Shift F, assim, você vai descobrir todas as vezes que a
palavra ou frase aparece no texto.
O que está entre parênteses, é opcional:
(Ele) chegou tarde
…significa que tanto Ele chegou tarde como só Chegou tarde são válidos.
O tachado indica que a construção não é recomendável:
Irei fazer amanhã
Se quiser fazer um comentário, escreva para mim.
Só.
Técnicas de Tradução 1
ACLIMATAÇÃO
A aclimatação não faz parte dos procedimentos fundamentais de tradução
descritos por Vinay e Darbelnet. É uma variante do empréstimo em que a
ortografia é ajustada para se adequar às regras da língua de chegada.
Por exemplo, futebol é a aclimatação de football; Ótava é a aclimatação de
Ottawa. Algumas aclimatações pegam; outras, não pegam. Futebol pegou;
Ótava não pegou. Por que umas pegam e as outras não, é assunto para muito
papo de mesa de bar, mas não existe explicação
Quando se trata de uma aclimatação ao português, às vezes falamos em
aportuguesamento – mas aportuguesamento pode se referir também a
outros processos.
A aclimatação pode ser proposital, obra de alguém irritado com os
anglicismos do texto, como lay‐out, que alguns aportuguesam como leiaute.
Também pode ser acidental: quem não sabe inglês, tem dificuldade para
escrever LAN house e, depois de mil vacilações, acaba escrevendo lã rause,
como já se vê por aí. Quem conhece a grafia original, ri do disparate, lamenta
a ignorância geral do nosso povo, fala mal do ensino e, depois, liga a TV para
assistir a um joguinho de futebol.
Procedimentos fundamentais de tradução
Empréstimo
ADAPTAÇÃO
A aclimatação faz pare do elenco dos procedimentos fundamentais de
tradução descritos por Vinay e Darbelnet. Por ficar num dos extremos da
gama (o outro extremo é o empréstimo), está escarranchado em cima do
muro, com uma perna na tradução propriamente dita e outra na criação de
uma obra nova. Nem sempre é fácil saber em que lado estamos nós.
Na prática, adaptação se refere a uma gama enorme de procedimentos, que
inclui, num extremo, decisões quase inocentes, como traduzir:
They stopped at a drugstore for a soda.
Deram uma parada numa lanchonete, para tomar um refrigerante.
…em vez de
They stopped by a drugstore for a soda.
Deram uma parada num(a) drugstore, para tomar um refrigerante.
…onde drugstore vira lanchonete, porque não há nada na cultura brasileira
que se compare com uma drugstore americana da primeira metade do século
vinte e, no caso, presume‐se que a diferença não tinha relevância.
Técnicas de Tradução 2
… até o outro extremo, encontram‐se tarefas mais heroicas, como a
adaptação de Lady Chatterley’s Lover para o público infantil, que ficam fora de
nosso escopo. Aqui, vamos nos limitar a falar de adaptação do lado de cá do
muro.
Prós e contras
Os partidários da adaptação afirmam, não sem razão, que, com esse
procedimento, substituímos informações irrelevantes, que só prejudicam o
entendimento, por informações que, por serem mais conhecidas do leitor,
não desviam sua atenção do foco do texto.
Os adversários da adaptação afirmam, não sem razão, que essa exclusão
impede o leitor de se aproximar da cultura do original, que consideram uma
das funções principais da tradução e que, lá pelas tantas, o texto do autor vira
o texto do adaptador.
Em outras palavras, o que quer que você faça, vai haver quem critique. Faz
parte.
A gente sabe onde começa, não sabe aonde vai parar
Num texto bem urdido, as palavras se enlaçam e entrelaçam em uma teia
infinita e de imensa complexidade. Como resultado, quando mexemos em
alguma coisa, afetamos o equilíbrio dessa delicada trama e colocamos em
risco o texto todo, criando a necessidade de mexer em mais mil coisas,
correndo o risco de ficar perdidos. Esse é o maior perigo da adaptação.
Além disso, a gente sabe onde começa, mas não sabe onde termina. Você
começa com alguma coisa simples – como trocar New York por São Paulo – e
aos poucos se vê em palpos de aranha, porque as adaptações se tornam cada
vez mais difíceis, trabalhosas e indispensáveis.
Lá pelas tantas, Chicago virou Rio de Janeiro, mas a Mary, que tinha virado
Maria, continua reclamando do frio, da neve e da ventania.
O pior
E, ainda por cima o cliente geralmente quer pagar o trabalho ao preço normal
de tradução, a despeito do trabalhão que dá.
Procedimentos fundamentais de tradução
Empréstimo
ADIÇÕES DO TRADUTOR
O leitor está interessado no que o autor disse, não no que o tradutor pensa.
Por isso, limite as adições ao essencial para ajudar o leitor entender o texto.
Há três níveis de adição: expansão, explicitação e nota do tradutor.
Técnicas de Tradução 3
Expansão
Explicitação
Nota do tradutor
As adições devem ser tão discretas e objetivas quanto possível, para não
desviar a atenção do leitor do seu foco principal. Por isso, não se faz uma nota
quando a explicitação basta, não se explicita quando expandir é suficiente.
ADJETIVOS EM SEQUÊNCIA
A tradução fica mais natural se as sequências de dois adjetivos em inglês
forem traduzidas por dois adjetivos separados (ou unidos, sei lá) pela
conjunção “e”:
He was riding his shiny new motorbike.
Estava pilotando sua moto nova e brilhante.
ADJUNTOS ADVERBIAIS INTRODUTÓRIOS
Estes são os introductory adverbials, que costumam exigir, além da
transposição do advérbio, a criação de um entorno adequado:
Transposição
Transposição do advérbio para substantivo
Perhaps most importantly, the consumer sector is doing considerably
better…
Talvez o mais importante seja lembrar que o setor de consumo está se
saindo consideravelmente melhor.
Substantivo
Oddly enough, he hasnt said anything about it.
Por (mais) estranho que pareça/possa parecer, (ele) não disse nada a
esse respeito.
Note que o pronome é opcional em português e, no mais das vezes,
desnecessário. Sempre pense duas vezes antes de reproduzir no português os
pronomes de terceira pessoa ingleses
Termo vicário
Luckily for Herbert, the gun wasn’t loaded.
Para a sorte de Herbert, a arma não estava carregada.
Gun pode ser qualquer arma de fogo, não só um revólver. O contexto pode
deixar claro se é um revólver, uma pistola ou uma arma longa. Mesmo que o
contexto explique ser um revólver, arma pode ser usada aqui ou lá para dar
variedade, porque o inglês weapon, é bem menos usual.
Técnicas de Tradução 4
Annoyingly for Jack, his brother was late arriving.
O que irritou Jack foi o atraso do irmão.
Advérbios terminados em ‐ly
Transposição
ADVÉRBIOS TERMINADOS EM –LY
O problema dos advérbios em ‐ly é que temos uma certa birra dos advérbios
portugueses homólogos terminados em ‐mente. Essa aversão, entretanto, é
um problema de estilo: não há regra de gramática proibindo o uso de
advérbios em ‐mente, nem sequer de três ou mais advérbios terminados em ‐
mente em sequência.
Estilo
Gramática
Homólogo
Muitas vezes, a repetição desses advérbios é até proposital e um recurso de
retórica:
Falou claramente, lentamente, pausadamente, como se estivesse
tentando deixar uma marca indelével em nossas mentes.
Costumamos evitar esses advérbios, entretanto, mesmo quando não vêm aos
magotes, porque mesmo dois ou três espalhados num parágrafo podem
causar um eco desagradável, e tornar o texto pesado e arrastado. O ‐ly parece
mais aceitável que o ‐mente, talvez por ser monossilábico. Qualquer que seja
a razão, é mais frequente do que o ‐mente seria desejável em português.
Vício de frequência
Como não há regras aplicáveis a problemas de estilo, cada um resolve
conforme lhe dá na veneta e nem sempre a solução dada por um vai agradar
ao seguinte. Aqui, apresento alguns métodos para você escolher o que mais
se adapta a seu contexto e seu gosto particular. Seu revisor e seu leitor
podem discordar, mas isso faz parte da vida.
Começo com os dois mais comuns, mas apresento outros que me parecem
muito úteis e produtivos. Todas as soluções aqui propostas são casos de
transposição.
Transposição
Fatoramento/fatoração
O método mais simples e trivial – que todos nós aprendemos no colégio –
para reduzir o número de advérbios terminados em ‐mente é transformar
todos os membros de uma série, menos o último, no seu adjetivo feminino
homólogo, procedimento às vezes chamado fatoramento ou fatoração.
Técnicas de Tradução 5
Homólogo
Answer the following questions clearly, concisely, and completely.
Responda as perguntas abaixo clara, concisa e completamente.
Funciona, sem dúvida, e é muito recomendável, quase uma praxe. Tem a
limitação de que só funciona em séries e não nos ajuda em nada quando se
trata de um advérbio isolado. Mesmo quando funciona, nem sempre melhora
as coisas:
Sometimes, instead of showing an object clearly, try deliberately
photographing it vaguely, obscurely, or unclearly.
Algumas vezes, em vez de mostrar um objeto claramente, tente
fotografá‐lo vaga, obscura ou não claramente.
O exemplo em inglês é canhestro, não há como negar. Mas é autêntico: tirei
da Internet. Lembre‐se de que traduzimos textos mal escritos a toda hora,
mesmo nos melhores autores, e temos de aprender a lidar com eles.
Neste caso, o método do fatoramento deixa de funcionar, porque repetir o
não torna a frase ainda mais pesada. Felizmente, há outras soluções.
Desdobramento em
“de forma”, “de modo”, “de maneira” + adjetivo.
É muito comum, também, substituir o advérbio por de + [substantivo muleta]
+ adjetivo. Assim: em vez de falou claramente, falou com clareza. Chamo a
esse substantivo de "muleta" porque só serve de apoio ao adjetivo, o qual,
sem ser o núcleo sintático da expressão, é seu núcleo semântico. Trata‐se de
um caso de transposição.
Muleta
Transposição
Answer the following questions clearly, concisely, and completely.
Responda as perguntas abaixo de modo claro, conciso e completo.
É um método muito querido, mas tem um inconveniente: poucos substantivos
podem servir de muleta. Quantos você conhece? De modo, de forma, de
maneira… quantos mais? Aí, então, a tradução salta da frigideira para o fogo:
sai dos istomente, issomente, aquilomente, para cair nos de modo isto, de
forma isso, de maneira aquilo… Não resolve muito.
Troca do advérbio pôr em adjetivo.
Em vez do advérbio, use um adjetivo. Assim:
The teacher spoke very clearly
O professor falou muito claro
Técnicas de Tradução 6
Se alguém reclamar, convide para tomar aquela cerveja que desce redondo.
Troca do verbo por substantivo
Também podemos fazer a transposição do verbo em substantivo. Essa é uma
das operações mais frequentes e úteis para quem traduz do inglês para o
português. Funciona assim: procure o um substantivo português que seja
homólogo do verbo inglês.
Por exemplo:
With my glasses on, I can see perfectly.
Com os óculos, tenho visão perfeita.
… onde o verbo see é substituído por seu substantivo homólogo visão. Essa
troca tem duas consequências. Em primeiro lugar, como os substantivos são
modificados por adjetivos, não por advérbios, o perfectly vai ser traduzido por
perfeita. A segunda é que ficamos sem verbo na frase, o que nos obriga a
achar um verbo muleta, o que pode ser fácil ou não.
Colocação
Homólogo
Muleta
Substantivo
Transposição
Podemos dar um passo adiante e formar locuções adverbiais com as
preposições com ou sem somadas a um substantivo homólogo do advérbio,
num processo de transposição:
Homólogo
Substantivo
Transposição
He speaks very clearly.
Ele fala com grande clareza.
The importance of clearly and precisely defining biblical truth.
A importância de definir a verdade bíblica com clareza e precisão.
Elocution is the art of speaking clearly and precisely.
Elocução é a arte de falar com clareza e precisão.
He folded the letter carefully.
(Ele) dobrou a carta com cuidado.
She drove extremely slowly.
(Ela) dirigia com extrema lentidão.
Nos dois últimos exemplos, omiti o pronome da terceira pessoa na tradução.
O inglês precisa muito de pronomes, dada a pobreza de sua morfologia
Técnicas de Tradução 7
verbal. Em português, entretanto, elipse de pronome é sempre algo a
considerar,
My intent is to sleep carelessly with a smile on my lips and nothing on
my mind.
Minha intenção é dormir sem preocupações, com um sorriso nos lábios
e nada na cabeça.
…bem melhor que de modo despreocupado, concorda? Além disso, é uma
solução especialmente útil quando temos um advérbio modificando outro,
porque, ao transpormos um advérbio para substantivo, o anterior tem que ser
transposto para um adjetivo:
He folded the letter very carefully.
(Ele) dobrou a carta com muito cuidado.
He talks exceptionally loudly.
Ele fala numa altura excepcional.
The Chinese vase was packed more carefully.
O vaso chinês foi embalado com mais cuidado.
The Chinese vase was packed a little more carefully.
O vaso chinês foi embalado com um pouco mais de cuidado.
A solução com em é menos comum, mas igualmente útil:
They had breakfast silently.
Tomaram café em silêncio.
On the Reeperbahnstrasse of Hamburg, Germans drink excessively and
act incredibly stupidly.
Na Reeperbahnstrasse de Hamburgo, os alemães bebem em excesso e
se comportam com incrível estupidez.
Outro exemplo, talvez um tanto mais difícil:
They acted strongly.
Tomaram medidas enérgicas.
Johnson & Johnson is uniquely positioned…
A Johnson & Johnson ocupa uma posição ímpar…
ARTIGOS
“Meu filho é um médico”, disse a mãe orgulhosa de seu rebentinho. Até aí,
nada de especial: muita gente tem filhos médicos. De especial seria se o filho
fosse dois médicos, em vez de um só. De interessante há o fato de muitas
vezes usarmos na tradução artigos que são desnecessários ou não existem em
Técnicas de Tradução 8
português, ou deixarmos de adicionar artigos quando não existem em inglês,
mas são necessários ou talvez recomendáveis em português.
O português não usa artigos:
…entre o verbo e o nome de profissões:
Her other son is a doctor.
O outro filho dela é médico.
…credos, religiões, ideologias, posturas filosóficas:
She’s become a vegetarian.
Ela virou vegetariana.
…instrumentos musicais:
Jane played the piano just for herself.
Jane tocava piano só para si própria
…doenças:
On and off she suffers from a stomachache.
Volta e meia ela tem dor de estômago.
Equivalência
She has the flu.
Ela está com gripe.
I have a fever, so I’m staying in bed today.
Estou com febre, então vou ficar de cama hoje.
O português exige artigos
Antes de tarefas ou papéis únicos:
Maureen is captain of the team.
Maureen é a capitã do time.
FBI chief J. Edgar Hoover…
O chefe do FBI, Edgar Hoover…
Chelsea centre‐forward Milton Smith…
O centroavante Milton Smith, do Chelsea …
…e em lugar do possessivo com órgãos e partes do corpo:
Close your eyes.
Feche os olhos.
Técnicas de Tradução 9
Have you broken your arm?
Você quebrou o braço?
Ever since my teeth were pulled out I can’t eat anything solid.
Desde que arranquei/extraí os dentes, não consigo comer nada sólido.
Possessivos
Modulação
She’s become a vegetarian.
(Ela) virou vegetariana.
He/she
O pronome da terceira pessoa, como tantas vezes, pode ser omitido sem
perda.
Although his father was an Anglican Bishop, he is a Roman Catholic.
Embora seu pai tenha sido bispo da igreja anglicana, ele é católico.
…com nacionalidades
Germans are good musicians.
Os alemães são bons músicos.
…e antes de adjetivos
Her other son is a great doctor.
O outro filho dela é um grande médico.
He is a good auto mechanic.
(Ele) é um bom mecânico (de automóveis)
He is a very good auto mechanic.
Ele é um mecânico de automóveis muito bom.
She has a bad flu.
Ela está com uma gripe forte.
O artigo pode ser opcional em português, mas inexistente em inglês.
Está se tornando cada vez mais comum em português usar artigos antes de
nomes próprios.
Mary wanted more coffee.
(A) Maria queria mais café.
O uso do artigo, nestes casos, varia conforme a região, embora mesmo quem
use artigo, como eu, considere as construções sem artigo mais formais.
Técnicas de Tradução 10
ATENUAÇÃO
A atenuação, também chamada de adoçamento e mitigação, é a prática de
traduzir palavras ou expressões consideradas ofensivas ou duras demais por
termos mais amenos – ou mesmo omitir o que possa ser considerado ofensivo
Muitas vezes, o tradutor recebe ordem para atenuar, e faz coisas como
traduzir
Fuck you!
Vá para o inferno!
... para que o filme escape das restrições da censura por faixa etária. Acho
lamentável e gostaria de viver num mundo em que o tradutor traduzisse o
que encontrava no original e pronto.
Outras vezes, ninguém manda, mas o profissional sabe o que é bom para seu
couro: não faz muito tempo, um intérprete adoçou umas frases que
criticavam sua pátria, não por alguém ter mandado, mas por amor ao
pescoço, seu e da família já que nunca falta quem queira decapitar o
mensageiro. Atacado ferozmente pela imprensa, alegou que não podia
traduzir mentiras. Que outra mentira podia dizer em sua defesa?
Há, principalmente na interpretação, quem ache que deva adoçar para evitar
brigas:
If you don’t deliver this fucking order before the end of the month we
will find a better provider.
Seria muito importante se sua empresa pudesse fazer a entrega antes
do fim do mês.
Não gosto da prática. Acho que cada um deve assumir a responsabilidade pelo
seus atos e que o receptor tem o direito de saber o que foi dito para dar
resposta à altura.
Numa das raríssimas vezes em que servi de intérprete, um dos participantes
estava insultando seu interlocutor o tempo todo, e eu seguindo a orientação
que tinha lido alhures, atenuando. Lá pelas tantas, me cansei e traduzi os
insultos com casca e tudo. O ouvinte, que me conhecia havia anos, me olhou
furioso e eu esclareci que era só o tradutor. Ele entendeu e deu uma resposta
boa ao mal‐educado, que enfiou o digníssimo rabinho no meio das pernas e
parou de se exibir. Acho que agi bem.
BÍBLIA
Como os originais da Bíblia estão em hebraico, aramaico e grego, toda citação
bíblica em inglês é uma tradução – mas aquele caso interessante em que a
tradução se torna um novo original. Porém, tanto em inglês como em
Técnicas de Tradução 11
português, há várias traduções da Bíblia e as divergências entre elas –
queiramos ou não – são muito significativas.
Por isso, se topar com uma citação bíblica no seu texto, não adianta tentar
procurar uma “boa tradução” da Bíblia em português, para copiar o que diz lá,
porque a “boa tradução” pode dizer alguma coisa bem diferente do que disse
o autor do original. O que você precisa é de uma tradução bem próxima da
tradução usada no seu texto inglês. Isto significa que a melhor solução pode
ser você traduzir o texto, preservando os atributos relevantes que o autor
achou relevantes, sem se preocupar com qualquer tradução existente em
português.
Se for leitor da Bíblia, não se deixe levar pela sua tradução predileta: a do
texto que você está traduzindo pode dizer algo bem diferente. Se não
acredita, veja estes exemplos, todos de Juízes, 3:24:
Primeiro em inglês:
King James:
Surely he covereth his feet in his summer chamber.
Douay‐Rheims:
Perhaps he is easing nature in his summer parlour.
God’s Word:
“He must be using the toilet,” they said.
New King James Version:
He is probably attending to his needs in the cool chamber.
Bible in Basic English:
It may be that he is in his summer‐house for a private purpose.
… e agora em português:
João Ferreira de Almeida:
Sem dúvida está cobrindo seus pés na recâmara da sala de verão.
J. F. Almeida atualizada
Sem dúvida ele está aliviando o ventre na privada do seu quarto.
A Bíblia na linguagem de hoje
Então pensaram que o rei tinha ido ao banheiro.
Bíblia de Jerusalém
Sem dúvida, ele cobre os pés no retiro da sala arejada.
Por mais que se aceite que covereth his feet seja um eufemismo para
evacuando e por mais que a fé do tradutor leve a preferir “A Bíblia na
linguagem de hoje”, se o original disser Surely he covereth his feet in his
Técnicas de Tradução 12
summer chamber, não cabe traduzir a citação dele por Então pensaram que o
rei tinha ido ao banheiro.
Original
Fidelidade
Relevância
Voz do tradutor
BIBLIOGRAFIA
Este tópico fala sobre como tratar das bibliografias incluídas em uma
tradução. Para saber quais livros consultamos para escrever este texto, veja
Obras consultadas.
Bibliografia é uma lista padronizada dos livros consultados pelo autor. Por
isso, os nomes dos livros não devem ser traduzidos. Se o autor diz que
consultou
Karl Popper: The Logic of Scientific Discovery (Routledge Classics) 2nd Edition.
…não é correto dizer que ele tenha consultado
A lógica da pesquisa científica. Karl A. Popper. Tradução de Leonidas
Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. Editora Cultrix. São Paulo
1985.
…em primeiro lugar, porque não é esse o livro que ele consultou. Em segundo,
porque a tradução em português talvez difira do original e, sabendo você
como sabe, que Murphy reina, é bem possível que a diferença esteja
exatamente naquele ponto que o autor está elaborando, como, aliás, se vê
pelo título da obra de Popper citada.
Se houver tradução portuguesa – e se o cliente pedir e pagar – acho válido
adicionar:
Publicado no Brasil como: A lógica da pesquisa científica. Karl A.
Popper. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota.
Editora Cultrix. São Paulo 1985.
Mesmo que o livro seja originalmente brasileiro, se a edição consultada
estava em inglês (ou qualquer outra língua), é essa a que deve ser constar da
tradução brasileira:
Chapters of Brazil’s Colonial History 1500‐1800 (Library of Latin
America), by João Capistrano de Abreu (Author), Arthur Brakel
(Translator), Stuart Schwartz (Introduction), Fernando A. Novais
(Contributor)
… a sua tradução em não pode dizer que ele leu os
Técnicas de Tradução 13
Capítulos de história colonial. Abreu, João Capistrano de. Itatiaia.
…embora possa adicionar esse dado à informação bibliográfica.
Caçar traduções brasileiras de livros estrangeiros, mas sim de bibliotecário.
Caso o tradutor se julgar capacitado para a tarefa e resolver aceitar, deve
contratar separadamente, com preço superior ao da tradução, porque, lauda
por lauda, ficar atrás de traduções brasileiras de livros estrangeiros demora
bem mais do que traduzir.
Obras consultadas
CAN/COULD
Can é um verbo auxiliar modal.
Verbos auxiliares
Sua tradução canônica é poder:
Can we start?
Podemos começar?
You can’t go swimming.
Você não pode ir nadar.
Entretanto, temos também conseguir e ser capaz, que refletem melhor a
ideia de que é preciso fazer algum esforço, de que talvez seja impossível:
Can you lift this table?
Você consegue levantar esta mesa?
Você é capaz de levantar esta mesa?
Ser capaz e conseguir não são sempre intercambiáveis:
Can’t find the specific download you want?
Não é capaz de encontrar o programa que quer baixar?
Não está conseguindo encontrar o programa que quer baixar?
… têm sentidos diferentes. A primeira é quase uma acusação de
incompetência, ao passo que a segunda é mais genérica e inclui a
possibilidade de que a pessoa não esteja conseguindo encontrar o programa
por problema ou deficiência do sistema.
Observe também o uso do presente contínuo no português, na segunda
sugestão, algo que seria impensável em inglês.
Num texto mais coloquial, dar pode ser a melhor tradução:
Técnicas de Tradução 14
You can't swim in that beach.
Não dá para nadar naquela praia.
Can you lift this table?
Dá para você levantar esta mesa?
Saber normalmente é a tradução mais correta quando se trata de habilidade
ou capacidade intelectual, como, por exemplo, falar uma língua ou tocar um
instrumento musical:
Few of the tourists could speak English.
Poucos dos turistas sabiam falar inglês.
Magda could speak three languages by the age of six.
(A) Magda sabia falar três línguas aos seis anos de idade.
She can play the piano very well.
Ela sabe tocar piano muito bem.
Entretanto, nesses casos, muitas vezes é mais idiomático simplesmente não
traduzir o can:
Few of the tourists could speak English.
Poucos dos turistas falavam inglês.
Magda could speak three languages by the age of six.
Magda falava três línguas aos seis anos de idade.
She can play the piano very well.
Ela toca piano muito bem.
É só o contexto que pode nos dizer quando can é poder e quando significa
saber:
She can play the piano very well.
Ela sabe tocar piano muito bem.
Mas:
She can play the piano, but she will not be allowed to dance.
Ela pode tocar piano mas não vai poder dançar.
Note a diversidade de traduções no português:
Técnicas de Tradução 15
He can’t ride a bike.
Ele não pode andar de bicicleta.
(Tem um problema físico que impede.)
Ele não sabe andar de bicicleta.
(Não aprendeu.)
Ele não pode andar de bicicleta.
(Não é permitido, não deixam.)
Ele não consegue andar de bicicleta
(Até se esforça, mas tem um problema físico que impede.)
É só uma leitura cuidadosa do contexto que pode dizer qual a alternativa
correta e cabe a nós a escolha da tradução correta.
Numa pergunta, é bem idiomático usar frases auxiliares, do tipo de será que,
principalmente num registro informal:
Can he ride that bike? Seems too big for him.
Será que ele consegue andar naquela bicicleta? Acho que é grande
demais para ele.
Quando o verbo principal exprime uma sensação, tal como ver ou ouvir, é o
verbo estar que traduz melhor:
Can you see the small boat?
Está vendo o barquinho?
Can you hear me clearly?
Está me ouvindo bem?
Can com verbo principal na passiva muitas vezes pode ser melhor traduzido
por possível (ou sua negação) como parte de um predicado nominal:
That guard cannot be bribed.
Não é possível subornar aquele guarda.
É impossível subornar aquele guarda.
Não dá para subornar esse guarda.
CHAVÕES
Um chavão, também chamado “clichê”, é uma expressão, batida, fossilizada.
Clichês devem ser traduzidos por clichês, até para manter o estilo. Às vezes é
fácil:
He was drunk as a skunk.
Estava bêbedo como um gambá
Neste caso, a tradução é literal e até tenho uma leve impressão de que o
português é um decalque do inglês, já enraizado na nossa fraseologia.
Nem sempre é tão fácil:
Técnicas de Tradução 16
She avoided him like the plague.
Ela fugia dele como o diabo foge da cruz.
…, que é uma equivalência, exige um pouco de memória e um repertório um
pouco maior do português.
Às vezes, as diferenças de sentido podem parecer significativas, mas não são:
His bark is worse than his bite.
Cão que ladra não morde.
Quando o autor usa muitos chavões, mesmo que não consigamos traduzir
todos eles por chavões portugueses, é um sinal de que a compensação pode
se fazer necessária.
Compensação
Decalque
Equivalência
COLOCAÇÃO
Embora a Nomenclatura Gramatical Brasileira reserve colocação para a ordem
das palavras na frase, o termo é cada vez mais usado como referência para o
que se chama em inglês collocation, quer dizer, combinações vocabulares
convencionais.
Casaco, a gente veste; sapato, a gente calça. Ficaria muito estranho dizer
“calça o casaco, veste o sapato”. São chamadas convencionais por serem fruto
da convenção, nada mais. A gente calça (e não veste) sapato porque sapato se
calça, não se veste. Ou seja, não há uma explicação mais lógica do que a
famosa explicação da mamãe: porque é assim que se diz e pronto.
No entanto, é comum ver jogar um papel em vez de desempenhar um papel,
ou fazer uma decisão em vez de tomar uma decisão.
Contaminação
Muitos erros bisonhos podem ser evitados lembrando destas três regras:
O objeto condiciona o verbo
Make a box of tools.
Fazer uma caixa de ferramentas.
…mas…
Make a decision.
Tomar uma decisão.
O verbo determina a preposição:
Técnicas de Tradução 17
Dream of…
Sonhar com
…mas…
Think of…
Pensar em…
…mas…
Like
Gostar de
O substantivo determina o adjetivo:
Grey suit
Terno cinza
…mas…
Grey hair
Cabelo grisalho
…mas…
Brown suit
Terno marrom
…mas…
Brown eyes
Olhos castanhos
COMPENSAÇÃO
A compensação não faz parte dos procedimentos fundamentais de tradução
descritos por Vinay e Darbelnet. Seu objetivo é restaurar num ponto da
tradução uma perda inevitável sofrida em outro. É uma espécie de revanche:
a gente é derrotado lá, mas se vinga aqui.
Procedimentos fundamentais de tradução
Um exemplo:
She ain’t no good!
Ela não vale nada.
O original, com sua dupla negativa e ain’t mostra uma violação da norma
culta, que marca o locutor como pessoa pouco culta, uma característica que
não é fácil reproduzir em português nesta frase. Há quem, nesses casos, use
Técnicas de Tradução 18
num em vez de não, o que, a meu ver, não resolve o problema. Frustrante.
Mas, aí a gente se vinga na outra frase, onde diz:
Last week we went to the movies…
…que é gramaticalmente correto e estilisticamente mais neutro em inglês, e
ataca de
Semana passada nós foi no cimena…
…provando que um dia é do caçador, mas o outro é da caça.
CONTAMINAÇÃO
Contaminação a é absorção indevida de características da língua de partida no
texto de chegada. É o escrever português com “sotaque” inglês, embora o
português seja nossa língua nativa. Um mal que aflige a maioria de nós e do
qual muitos não se dão conta.
Estilo
Gramática
Nossos tempos de escola
Lembra do seu tempo de escola? Como era difícil entender que:
– Entendeu a pergunta?
– Entendi! Entendi muito bem!
…em inglês deveria ser…
“Did you understand the question?”
“Yes I did! I understood it very well.”
… quando a nós parecia muito mais natural dizer…
“Understood the question?”
“Understood! Understood it very well.”
Por que a professora sofria tanto (e nós com ela) para aprendermos a dizer
essas coisas?
Ensinar a todos nós que os pronomes do caso reto eram indispensáveis,
quando, na aula anterior, o professor de português tinha puxado nossas
orelhas pelo excesso de pronomes em nossas redações, deve ter custado
muito aos professores, como também deve ter custado ensinar o uso
apropriado dos auxiliares como termo vicário.
Técnicas de Tradução 19
Na ânsia de aprender inglês, muitas vezes nos esquecemos do nosso
português e deixamos nosso texto ser contaminado pela montoeira de
pronomes e outros termos vicários que no inglês são essenciais, por torneios
e colocações que em são diferentes nas duas línguas.
Termos vicários
Colocações
Para traduzir bem do inglês para o português, é bom lembrar das aulas de
inglês do colégio e fazer tudo ao contrário, assim, a gente escreve português
direito.
Além disso, é necessário ler em português furiosamente para internalizar
coisas a que muitos de nós deixaram na fúria de aprender inglês.
A contaminação cria o tradutorês.
Tradutorês
CONTEXTO
Mais importante do que qualquer dicionário ou glossário, é o contexto, ou
seja, o texto que está à volta da palavra ou expressão que você está
traduzindo. Por isso, pedir ajuda a alguém para traduzir um termo sem dar
contexto é errado. Também é errado, em vez de contexto, dizer o assunto de
que trata o texto ou dar a definição do termo. Contexto é uma ou mais frases
do texto.
O contexto nos ajuda, também a identifica erros no original. É só o contexto
que permite saber que
Principle parts of the Greek verb
…são os
Tempos primitivos do verbo grego
e não
Partes do princípio do verbo grego
Erros no original
Também é o contexto que nos ajuda a acertar o estilo da tradução quando é
necessário usar o recurso de compensação.
Compensação
Técnicas de Tradução 20
CORREÇÃO POLÍTICA
As escolhas do autor refletem seus próprios vieses políticos e filosóficos, que
fazem parte integrante da mensagem e, por isso, devem ser respeitadas,
mesmo que não estejamos de acordo com elas.
A stinking jew
Um judeu fedido
Um judeuzinho fedido
Outras vezes, o termo politicamente incorreto reflete a idade do texto:
A cripple
Um aleijado
…pode indicar um texto anterior ao momento em que a palavra cripple se
tornou socialmente inaceitável e traduzir
A poor cripple, unable to walk beyond the limits of her own garden.
Uma senhora com necessidades especiais, incapaz de caminhar além
dos limites de seu próprio jardim.
...é uma traição a Trollope, o autor da frase. Melhor traduzir por:
A poor cripple, unable to walk beyond the limits of her own garden.
Uma pobre aleijada, incapaz de caminhar (/ir/passar) além dos limites
de seu próprio jardim.
Se Trollope tivesse escrito nos tempos de hoje, talvez não tivesse usado a
palavra cripple, mas sucede que ele não escreveu nos tempos de hoje e não
usar o termo aleijado, seria uma adaptação, não uma tradução.
Adaptação
Claro que, pelo andar da carruagem, vai chegar um tempo em que pouca
gente ainda saiba o que é um aleijado e então, as novas traduções vão ter
que fazer opções diferentes, mas toda tradução é passageira.
Muitas vezes, o texto chega a ser revoltante:
A dirty nigger.
Um negrinho sujo.
Se não tiver estômago para traduzir, recuse o encargo. Mas se aceitar, traduza
direito.
Técnicas de Tradução 21
CORTES
Eliminar partes do texto sob a alegação de que não interessariam ao leitor
brasileiro ou ao leitor moderno é crime de lesa‐original, salvo se ficar
claramente indicado que se trata de um resumo ou adaptação. Se o cliente
mandar, bom, paciência, mas, nesses casos, não gostaria de ver meu nome
associado à tradução.
Adaptação
DECALQUE
Este é o segundo dos sete procedimentos fundamentais de tradução descritos
por Vinay e Darbelnet. No decalque, os elementos constitutivos de um
sintagma ão traduzidos literalmente.
All he wanted was a Coke and a hot dog.
Tudo o que (ele) queria era uma Coca e um cachorro‐quente.
Neste caso, em que cachorro‐quente se refere ao sanduíche e não ao animal
propriamente dito, temos um decalque. Podíamos ter dito hot‐dog, mas isso
seria um empréstimo. Muitas vezes, o decalque compete com o empréstimo:
há quem diga cachorro‐quente, mas há quem diga hot dog – e há quem diga
ora um, ora outro. Parece que, neste caso, o empréstimo está vencendo.
Empréstimo
Por outro lado, outras vezes vence o decalque. Os nomes das posições no jogo
de futebol, que antigamente eram todos em inglês, hoje são todos em
português e, em vários casos, são decalques, como center‐forward que virou
centroavante.
Os mais velhos vão se lembrar do tempo em que:
Give me a ring!
Telefona para mim!
Transposição
… era a frase normal, até que surgiu
Give me a ring!
Me dá um toque!
…um decalque hoje plenamente aceito.
Alguns torneios de frase são tão bem‐sucedidos que deixam de ser percebidos
como decalque e se integram à língua de chegada. Por isso, nem sempre é
fácil determinar o que seja decalque. O termo, em si, reflete um momento
Técnicas de Tradução 22
histórico, uma transição. Já ninguém precisa explicar o que é um cachorro‐
quente. Por outro lado, já ouvi mais de uma pessoa dizendo um sanduíche
(ou: um lanche) de cachorro‐quente, o que indica que até os decalques
podem mudar de sentido com o tempo.
Os decalques costumam ser mal recebidos e tachados de anglicismo, nefastas
ameaças à sobrevivência da língua. Se vão ser absorvidos na estrutura geral
do português, só o tempo pode dizer.
DICIONÁRIOS
Por bons que sejam, todos os dicionários e glossários são incompletos e
contêm erros. Por isso, devem ser usados sempre com uma pitada bom senso.
Este livrinho tem cerca de cem verbetes, nenhum deles sobre “bom senso”.
Além disso, nunca se esqueça que a tradução começa depois de você fechar o
dicionário.
DINHEIRO
De modo geral, valores monetários não devem ser convertidos em moeda
brasileira, principalmente na tradução de literária e mesmo na tradução
editorial em geral. Num livro,
…a fifty‐dollar bill
…uma nota de cem cruzados
…é o tipo da tradução que eu não recomendo. Em primeiro lugar, não se
tratava de uma nota de cem cruzados. Em segundo lugar, converter valores
monetários abrevia a vida do texto: a taxa de câmbio muda, muda até o nome
da moeda e a tradução envelhece com maior rapidez. Quem sabe hoje o que
eram cem cruzados? Depois, porque muda, sem necessidade, o ambiente dos
EUA para o Brasil e, ainda por cima, fixa um período (1986‐1989) durante o
qual essa moeda foi usada.
Vários países usam dólar como moeda e às vezes, o original marca de que tipo
de dólar estamos falando:
She found a Canadian Dollar in her purse.
Encontrou um dólar canadense na bolsa.
Note, também a omissão do pronome e do possessivo, que são indispensáveis
em inglês, mas peso morto em português.
Relevância
Em textos mais formais, como contratos ou tratados internacionais, prefiro
dólares dos Estados Unidos da América a simplesmente dólares.
Técnicas de Tradução 23
Dólar é palavra aclimatada e dicionarizada, portanto se escreve de acordo
com as regras ortográficas e morfológicas do português: acento agudo na
primeira vogal, plural em ‐es e maiúscula só quando as regras de ortografia
exigirem, o que significa, na maioria das vezes, só quando iniciar período. Em
outras palavras, escrever dollar em português é simples erro de ortografia.
Aclimatação
Em trabalho de ficção, é preferível escrever os nomes das moedas
estrangeiras por extenso. Quando tiver de usar símbolos use US$ como
símbolo do dólar dos EUA, em vez de só o cifrão, como fazem nos EUA. Se o
original usar USD, use o USD também na tradução.
Reserve o cifrão simples para símbolo de “qualquer moeda”, como, por
exemplo, se usa em textos de economia, contabilidade ou matemática
financeira, onde…
Consider the hypothetical returns on $100 invested in Stock A and
Stock B.
Considere o retorno hipotético de $ 100 investidos na Ação A e na
Ação B.
…não significa um investimento de 100 dólares dos EUA. Trata‐se do
enunciado de um problema de matemática financeira e não faz diferença
usarmos dólares, dracmas, dinares da Baixa Eslobóvia ou qualquer outra
moeda.
Deixe um espaço entre o cifrão e o primeiro algarismo (sim, sei que em inglês
vai tudo junto). Para impedir que o cifrão fique numa linha e o algarismo em
outra, use o espaço inseparável (Ctrl Shift Espaço no Windows, Option‐Space
no Mac).
Exceções
Em textos jornalísticos, ou outros textos para os quais se espere vida breve,
pode‐se agregar um valor aproximado em moeda nacional, entre parênteses
ou como aposto. Nesse caso, arredonde o valor em moeda nacional:
Lunch for two cost us less than $50.
Um almoço para dois custou menos de US$ 50 (cerca de R$ 200,00,
pelo câmbio de hoje).
Explicitação
Arredondamento
Mesmo que pelo câmbio do dia US$ 50,00 correspondam mais exatamente a
R$ 198,57, não faz sentido chegar a esse nível de precisão, não só porque as
taxas variam de um dia para o outro, mas também porque o próprio less than
indica que mesmo o inglês é uma aproximação.
Técnicas de Tradução 24
Moeda britânica antiga
Até 1971, a libra esterlina se dividia em 20 shillings e o shilling em 12 pence,
que era o plural de penny, abreviados £, s, d. Em 1971, foram abolidos os
schillings, mas ficaram os pence, com valor diferente, primeiro como new
pence, mas o new foi abandonado em 1981.
Em português, há quem prefira grafar pêni, como está no Houaiss, por ser a
forma "correta". O Houaiss também diz que o plural de pêni é pênis, mas não
pegou e, para evitar o pênis, havia até quem pudicamente escrevesse
peniques, o que etimologicamente está até que bom, mas também não
pegou. Também se recomendava escrever xelim, o que também não pegou.
O uso é, realmente, manter os nomes originais.
Empréstimo
Os ingleses tinham outras moedas, como a crown, que valia 5 shillings e
normalmente se traduz por coroa e a half‐crown, que se traduz por meia
coroa. O guinea, normalmente traduzido como guinéu valia 21 shillings.
Hoje, embora oficialmente não exista, entende‐se que valha £ 1,05. Esses
nomes ainda são usados eventualmente, mas as moedas não são mais
cunhadas. Na tradução literária e em textos antigos, aparecem o tempo todo.
O sovereign é uma moeda de uma libra e, muitas vezes, se traduz por
soberano.
Como nem todos os leitores sabem dessas coisas, pode ser útil traduzir por
uma moeda de...
A box containing a shiny half‐crown and three handkerchiefs….
Uma caixa com uma moeda brilhante de meia coroa e três lenços…
Explicitação
Em todos esses casos, é desnecessário apor notas de tradutor longas e
eruditas. Quanto menos, melhor.
DISTORÇÃO
Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma – ou ao menos
era o que dizia Lavoisier. Em tradução, sempre alguma coisa se cria e sempre
se perde alguma coisa, o que talvez prove que tradução não é uma atividade
natural. O que ganha e o que se perde é o que chamo distorção. Quanto
menor a distorção, melhor a tradução.
Mesmo numa frase simples como
They had breakfast silently.
Tomaram café em silêncio.
Técnicas de Tradução 25
…estamos agregando um café, que os personagens talvez não tenham
tomado. Seria mais preciso dizer:
They had breakfast silently.
Tomaram o dejejum em silêncio.
…mas é uma palavra bem mais rara, que levaria a tradução a um registro que
ela não tem em inglês.
Para minimizar a distorção, é essencial preservar o que é mais relevante. No
caso, tomaram o café em silêncio, indica que, ao ver do tradutor, é mais
relevante referir‐se à refeição matinal pelo nome que ela normalmente traz
em português do que não se referir à uma bebida que pode ter sido
consumida ou não.
Vício de frequência
Relevância
DO/DID
Verbo vicário
Do/did são usados como verbos vicários para responder a perguntas feitas
com o próprio do. Nestes casos, prefiro dar a resposta com o próprio verbo
principal:
Did you read the book?
Yes, I did.
Você leu o livro?
Sim, eu o fiz!
Sim, li.
Essa construção me parece mais idiomática (ainda lembro quanto me custou
para aprender a responder yes, I did em vez de yes, I read). Além disso, evita
um pronome oblíquo, algo que, no meu entender, é sempre uma vantagem.
Pronomes oblíquos trazem consigo os problemas de colocação que costumam
ser complicados: aquilo que a gramática e o revisor exigem, nem sempre é o
que a língua acha natural. Melhor evitar.
Contaminação
Termo vicário
She said she would write John, but she didn’t.
Disse que ia escrever para o John, mas não escreveu.
Will she come? She may do.
Será que ela vem? É (bem) capaz de vir.
Será que ela vem? Talvez venha.
Muitas vezes, o melhor é omitir:
Técnicas de Tradução 26
You know as much as I do.
Você sabe tanto quanto eu.
Economia vocabular
Também são usados como vicários nas tag guestions:
She spoke Germana t home, didn’t she?
Ela falava alemão em casa, não falava?
Nesses casos, sempre prefiro, reutulizar o verbo principal do que traduzir o do
literalmente
Enfatizador
Do aparece muito em afirmativas no presente, só para dar ênfase:
Should you come to London, do come have lunch with me.
Se vier a Londres, não deixe de vir almoçar comigo.
Se vier a Londres não se esqueça de vir almoçar comigo.
Além do uso especial de should, temos o tratamento da ênfase como,
digamos, a “negativa de privação”, o que é um caso de modulação.
Should
Modulação
ECONOMIA VOCABULAR
O princípio da economia vocabular diz que, em igualdade de condições,
devemos preferir a tradução mais breve.
A charming image of a peasant woman.
Uma imagem encantadora de uma mulher camponesa.
Uma imagem encantadora de uma camponesa.
A black man
Um homem negro
Um negro
To many people, the arguments presented…
Para muitas pessoas, os argumentos apresentados…
Para muitos, os argumentos apresentados…
Uma das principais ofensas a esta lei está no hábito de traduzir todos os
pronomes e possessivos ingleses pelos seus homólogos portugueses:
I sold my house last year.
Eu vendi minha casa no ano passado.
Técnicas de Tradução 27
…que podia ser facilmente substituído por
I sold my house last year.
Vendi minha casa no ano passado.
…aliás, em muitos contextos,
I sold my house last year.
Vendi a casa no ano passado.
…daria conta do recado, já que, em português, a explicação de qual casa foi
vendida geralmente é necessária só quando não se trata da residência do
locutor.
Também temos os casos dos aumentativos e diminutivos, tão comuns em
português e tão raros nas traduções
Can you see the small boat?
Está vendo o pequeno barco
Está vendo o barquinho?
Pronomes
Possessivos
Vício de frequência
EMPRÉSTIMO
Este é o primeiro dos sete procedimentos fundamentais de tradução descritos
por Vinay e Darbelnet. Por estar num dos extremos da gama (o outro extremo
é a adaptação), é um procedimento limítrofe entre a tradução propriamente
dita e a não tradução. Consiste em usar, no texto de chegada, o termo
encontrado no texto de partida.
The images provide a fascinating insight into the prejudices (…)
As imagens dão um insight fascinante sobre os preconceitos (…)
A justificativa alegada para o empréstimo costuma ser a inexistência de
tradução apropriada. Um insight, pode‐se dizer, é diferente de uma ideia, de
compreensão ou entendimento ou de qualquer outra palavra portuguesa.
Conforme a situação pode ser e pode não ser, porque, em tradução, as coisas
costumam ser mais complicadas do que parecem. Também há um elemento
subjetivo, porque
Há, certamente, ocasiões em que ideia ou alguma outra palavra portuguesa
pode traduzir o sentido de insight. Mas também há aquelas situações em que
não é só uma ideia, não é a compreensão, não é exatamente o entendimento,
é um algo a mais e, nessas horas, o termo em português pode faltar. O que
deve nortear essas escolhas é a relevância da diferença. Quer dizer, para a
história toda, esse algo a mais faz alguma diferença?
Técnicas de Tradução 28
Em boa parte dos casos,
The images provide a fascinating insight into the prejudices (…)
As imagens dão uma ideia/visão fascinante dos preconceitos (…)
…é mais do que suficiente.
Muitas vezes, entretanto, o termo inglês não tem realmente uma tradução
aceitável e a saída é o empréstimo:
Does your area have a higher or lower percentage of subprime loans
than the national average?
Sua região tem uma porcentagem de empréstimos subprime maior ou
menor que a média nacional?
A porcentagem de empréstimos subprime na sua região é maior ou
menor que a média nacional?
All downloads are provided under the terms and conditions…
Todos os downloads são fornecidos sob os termos e condições…
Com o tempo, se a palavra ou expressão se tornarem comuns, a língua muitas
vezes acaba por adotar uma solução mais portuguesa, talvez um decalque, ou
ao menos, uma simples aclimatação.
All downloads are provided under the terms and conditions…
Todos os programas que você baixar estão sujeitos aos termos e
condições…
Football is the most popular sport in Brazil.
O futebol é o exporte mais popular no Brasil.
Outras vezes, a importação se dá só por exotismo ou para manter o prestígio:
usar palavras estrangeiras é e sempre foi considerado chique e isso não é de
hoje nem vai mudar nunca.
Tratamento dos empréstimos
Teoricamente, todos os empréstimos deveriam ser grafados em itálico.
Entretanto, em certas áreas, são tantos que, esse tratamento se torna
impossível. Aqui, além das preferências do cliente, importa o bom senso. Este
livrinho tem cerca de cem verbetes, nenhum deles sobre “bom senso”.
Quanto o empréstimo é um verbo, vai automaticamente para a primeira
conjugação, mas quando tomamos emprestado um substantivo, é necessário
determinar seu gênero morfológico. O problema é que não existem regras
infalíveis para determinar o gênero gramatical em português.
Temos diversos exemplos de palavras que ainda da causam confusão, nesse
sentido: algumas pessoas dizem o cheesecake (pensando em cake, bolo, faz
sentido), outras dizem a cheesecake (pensando que é muito mais uma torta
que um bolo, o que também faz muito sentido). Em informática, é comum
Técnicas de Tradução 29
dizermos a URL, apesar de ser um localizador. No mesmo caminho, pen drive,
HD e outros termos também são usados como masculino por uns e feminino
por outros.
Qualquer escolha é um risco, neste e em outros casos. Havendo tempo, é
bom perguntar a duas ou três pessoas que gênero acham que cabe bem –
mas nunca há tempo. Ouvir a opinião do cliente, aqui, é importante. Manter a
uniformidade, quer dizer, usar sempre o masculino ou o feminino para um
determinado termo emprestado é essencial.
O empréstimo é uma das portas de entrada lógicas para novidades na língua
(ou outro é o decalque). Por isso seu uso é muito comum nas traduções,
principalmente nos gêneros menos literários. Saber quando usar um
empréstimo ou uma aclimatação, quando cunhar um neologismo ou usar uma
palavra já existente na língua é uma questão de bom senso. Este livrinho tem
cerca de cem verbetes, nenhum deles sobre “bom senso”.
EQUIVALÊNCIA
Este é o sexto dos sete procedimentos fundamentais de tradução descritos
por Vinay e Darbelnet. A equivalência reflete a mesma situação do original
usando meios linguísticos e estilísticos totalmente distintos, como mostram os
exemplos abaixo.
Procedimentos fundamentais de tradução
Where there is a will, there is a way.
Querer é poder.
Birds of a feather flock together.
Diz‐me com quem andas e dir‐te‐ei quem és.
Yours truly,
Atenciosamente,
He charged an arm and a leg.
Enfiou a faca até o cabo.
Nem sempre é fácil encontrar equivalências em dicionários.
Às vezes, é possível traduzir mais literalmente, às vezes até com resultados
interessantes:
Where there is a will, there is a way.
Onde houver a vontade, haverá um caminho.
Ou, com modulação:
Where there is a will, there is a way.
Quem tem vontade, acha o caminho.
Técnicas de Tradução 30
Modulação
Entretanto, não é uma boa tradução, porque o original é uma forma
fossilizada na língua inglesa, ao passo que a tradução não é uma forma usual
no português. Em outras palavras, transformamos um chavão numa inovação,
algo que não deixa de ser uma distorção.
Distorção
ERROS NO ORIGINAL
Uma tradução exige uma leitura tão atenta do texto de partida que muitas
vezes notamos erros que o autor e os revisores deixaram passar.
Poucas coisas alegram mais um tradutor do que encontrar um desses erros.
Dá uma enorme vontade de pavonear‐se numa nota, explicando
detalhadamente que, onde o autor deveria ter escrito X, escreveu Y. Esse
costuma ser o pior modo de lidar com o erro. Muitos deles carecem de
relevância e é melhor traduzir o texto como se o erro nem existisse.
Por outro lado, em alguns casos, manter o erro pode ser importante quando o
ele for um elemento relevante do texto. Já traduzi um texto que tinha dado
origem a uma reclamação judicial e, nesse caso, preservar os erros na
tradução era essencial, para que o leitor percebesse em que encrenca sua
empresa tinha se metido
Relevância
Os erros podem ser formais e materiais.
Erros formais
A maioria dos erros encontrados são meramente formais, quer dizer,
atentados contra a gramática e ortografia. Por exemplo,
The principle parts of a Greek verb are…
Os tempos primitivos de um verbo grego são…
…encontrado em uma gramática grega publicada pelo MIT, deveria ser:
The principal parts of a Greek verb are…
Os tempos primitivos de um verbo grego são…
Salvo se o objetivo da tradução for demonstrar que o livro continha erros de
ortografia, o melhor é traduzir direito e deixar o erro para lá, algo que, vamos
e venhamos, é bem mais fácil.
Técnicas de Tradução 31
Erros materiais
Os erros materiais, ou seja, os de conteúdo, são mais problemáticos. A gente
encontra até nos melhores autores. Horácio, na Arte Poética, já dizia
Quandoque bonus dormitat Homerus, o que significa “de vez em quando, o
bom Homero cochila”, porque, aparentemente, na Ilíada, há uma que outra
incoerência. O sujeito que morre numa luta qualquer e depois vence alguém
mais em outra, ou coisa parelha.
Aqui, o problema é mais complexo e envolve inclusive questões de ética. As
soluções vão desde consultar o cliente ou o autor até adicionar uma nota de
tradutor ou, em casos extremos, recusar a tradução, uma decisão heroica que
nem sempre nosso bolso permite.
Pontos com que você não concorda
Nem sempre o tradutor concorda com o autor e é muito difícil resistir à
tentação de “corrigir” certos “erros” do original, principalmente quando o
tradutor tem formação técnica na área. Nunca se esqueça que o leitor quer
saber o que o autor disse, não o que tradutor acha que o autor deveria ter
dito.
Nos meus tempos de editora, um revisor técnico alterou totalmente o sentido
de um parágrafo de um livro de economia que eu tinha traduzido. Quando fui
perguntar o que havia de errado com a minha tradução, ele respondeu
“Nada! É que o autor é um imbecil e eu não posso permitir que um de nossos
livros contenha uma besteira dessas.” Sim, o autor talvez fosse um imbecil,
mas era prêmio Nobel e professor na Universidade de Chicago e quem
comprava o livro era para saber o que o homem tinha dito, não para saber o
que um mestrando achava que devia ser dito.
Adições do tradutor
Em casos extremos, cabe ao tradutor o direito de exigir que a tradução seja
assinada com pseudônimo, o até, quando o bolso permite, recusar o trabalho.
Ética
Responsabilidade do tradutor
O tradutor não tem obrigação nem de notar nem muito menos de corrigir
erros do original. Quando notar, quiser e puder corrigir, é melhor que faça
correções discretas, para não irritar egos inflados. Alguns autores são muito
abertos a discussão e sabem que raramente o tradutor reclama sem alguma
razão, outros, entretanto, consideram qualquer reparo ao seu trabalho um
insulto. Outros, simplesmente, estão mortos e não podem ser consultados.
Com os editores, a situação é semelhante: há quem aceite sugestões do
tradutor, há quem rejeite.
Técnicas de Tradução 32
Entre uns e outros, todo tipo de gente. Cautela e canja de galinha nunca
fizeram mal a ninguém.
De qualquer forma, o tradutor jamais deve assumir perante o cliente a
responsabilidade de identificar os erros no original. Na maioria dos casos, não
temos os conhecimentos nem o material de consulta necessários para esse
tipo de serviço. Se o autor faz uma citação, não cabe a você verificar se ele
citou direito ou se – como de vez em quando acontece – usa um tantichinho
de imaginação criativa.
Quando temos conhecimento e material, não temos tempo, porque o serviço
é urgente. E quando temos o conhecimento e o tempo, não querem nos
remunerar pelo tempo gasto – porque é só uma olhadinha. Uma olhadinha,
sei.
A remuneração é um problema crucial. Sempre.
ESPECIFICAÇÕES
Tradução é um serviço e para todo serviço há especificações. Boa parte das
especificações é implícita. Por exemplo, salvo ordem em contrário, quem
recebe um arquivo .docx para traduzir devolve um arquivo .docx traduzido.
Outras vezes, as especificações são explícitas e transmitidas ao tradutor de
maneira mais ou menos formal, em forma de mensagem ou num guia de
estilo. Para alguns serviços, as especificações incluem um glossário.
Muitos tradutores chegam a se ofender com essas especificações, sentidas
como uma limitação à nossa liberdade profissional – o que não deixam de ser.
Mas o cliente tem todo o direito de impor especificações, assim como nós nos
damos o direito de impor especificações a quem nos prestar serviços e, por
exemplo, ficaríamos indignados se o pintor exercesse sua liberdade
profissional pintando nosso escritório de cor de burro quando foge o que
mandamos pintar de azul‐neve, como queríamos. E, vamos e venhamos, é
bem melhor o cliente nos dar especificações, por mais odientas que nos
pareçam, do que reclamar que nosso serviço não está da cor que ele queria.
Essas especificações variam do perfeitamente aceitável, por exemplo, traduzir
instruções sempre no infinito ou sempre no imperativo:
Check
Confira
Conferir
Até coisas indescritivelmente horríveis como traduzir
Public‐address system
Sistema de endereçamento ao publico
Como apareceu num glossário que recebi de um cliente há anos.
Técnicas de Tradução 33
As especificações evitam uma grande quantidade de problemas de revisão e,
quando se trabalha em grupo, como é cada vez mais comum atualmente,
permitem oferecer ao leitor um texto mais homogêneo.
Muitas vezes, principalmente em trabalhos mais longos, as especificações vão
se desenvolvendo ao longo do trabalho, para enfrentar problemas que não
tinham sido previstos e cabe ao revisor ou ao coordenador de equipe voltar a
arquivos já traduzidos, para fazer um ajuste às novas especificações.
Cabe ao tradutor o direito – quando não o dever – de propor melhoras ao
guia de estilo, apontando os eventuais desacertos ou pontos dúbios, mas cabe
ao cliente a decisão final, quando o cliente é do tipo que aceita sugestões.
Surge, então, um problema quando as especificações são absolutamente
inaceitáveis. O ideal, nesses casos, seria recusar o serviço. Mais fácil dizer do
que fazer, porque quando a barriga ronca de fome, a boca não sabe dizer não.
Nesses casos, se o serviço for anônimo, como são os serviços para agências, o
sapo fica mais fácil de engolir
ESTILO
O estilo é a fisionomia do texto. Alguns estilos são facilmente reconhecíveis;
outros são menos característicos. Você pode não gostar do estilo do autor,
mas, como tradutor, tem de respeitar suas opções estilísticas.
O problema é decidir que construção portuguesa melhor reflete o estilo do
texto inglês.
Algumas editoras têm um estilo da casa, que reduz as peculiaridades
estilísticas de todos os autores a um texto claro e correto, porém muitas vezes
chocho e insosso. Esse tipo de aplainamento estilístico pode ser aceitável – e
até desejável – em certas obras coletivas, não autorais, principalmente em
livros de consulta. Nesses casos, normalmente, o estilo já chega aplainado às
nossas mãos e não há nada que tenhamos a fazer salvo respeitar o que o
original diz. Mas corre muito sangue quando o tradutor faz um baita dum
esforço para reproduzir o estilo enviesado do autor e alguém na editora
simplifica, para “ficar melhor”.
Por outro lado, há os tradutores que se julgam ourives da língua e optam por
escrever num estilo barroco com agravantes em rococó “porque esse é o bom
português”. Se você estiver traduzindo um texto barroco, é a solução, mas,
salvo isso, não tem motivo. Uma vez um tradutor argumentou que fazia parte
de nossa missão ressuscitar belos recursos da língua como a mesóclise, por
exemplo. Em primeiro lugar, acho que não é. Em segundo, mesóclise num
daqueles romances de ler em aeroporto é besteira, salvo se o personagem for
empolado pela própria natureza.
Registro
Técnicas de Tradução 34
ÉTICA
Tradutores traduzem, essa é a verdade. E leitores leem traduções porque
querem saber o que o autor disse, não o que o tradutor acha que o autor
deveria ter dito. Então, exima‐se de tentar “melhorar” o texto. Traduza bem o
que o autor disse, que já é o suficiente. Cada minuto que você emprega
tentando melhorar a forma ou o conteúdo do original, é um minuto que
poderia ser mais bem usado melhorando sua tradução.
Nunca mude um texto para se adequar aos seus próprios conceitos e
ideologias. Se achar que, por motivos éticos, não consegue fazer uma boa
tradução, recuse o serviço. Se for obrigado a aceitar, engula o sapo e traduza
direito, sabendo que este mundo não é justo.
Lembre, também, que o problema ético está mais ligado ao uso que se vai
fazer da tradução do que realmente ao que a tradução diz. Por exemplo,
traduzir um texto sobre pedofilia para um site pedófilo é um horror, mas
traduzir o mesmo texto (por nojo que nos possa dar) para uso em uma ação
judicial já não é.
Estilo
Correção política
EXOTISMO
Algumas escolhas tradutórias são motivadas pelo desejo de manter o
exotismo do original. Não estou me referindo, aqui, aos caso em que o
original, em si, contém vocabulário exótico, como, por exemplo, um romance
ambientado na Mongólia cheio de palavras que tinham até correspondentes
decentes em inglês mas são mantidas em mongol para dar “cor local” ao
texto. Estou falando de palavras simples, do dia a dia inglês, como breakfast.
Se você está traduzindo um guia turístico, talvez valha a pena manter
breakfast para descrever a refeição matinal em um hotelzinho poético da
Nova Inglaterra, em vez de traduzir por café da manhã.
EXPANSÃO
Quando o autor usa uma abreviatura inglesa que talvez o leitor brasileiro não
conheça, é melhor expandir a abreviação, com os ajustes necessários.
He used to work at a gas station in Tampa, Fla.
(Ele) trabalhava em um posto de gasolina em Tampa, na Flórida.
…mas essas intervenções devem ser reduzidas ao mínimo.
Intervenção do tradutor
Técnicas de Tradução 35
EXPLICAÇÃO APOSTA
Muitas vezes, em vez de uma nota do tradutor, é melhor usar uma explicação
aposta, entre vírgulas, parênteses ou travessões.
The humor of Laurel and Hardy, like that of many great comics, …
O humor de Laurel e Hardy, – ou “Gordo” e o “Magro” como são
conhecidos no Brasil – como o de muitos outros cômicos…
A Knesset committee recently approved a draft law…
Um comitê do Knesset, o parlamento de Israel, aprovou um projeto de
lei…
…sem necessidade de informar que se trata de adição do tradutor.
Adições do tradutor
EXPLICITAÇÃO
Explicitar é deixar evidente na tradução o que não estava evidente no original.
Muitas vezes, o autor deixa de explicitar algo que – no seu entender, ao
menos – não precisa ser dito por ser óbvio para seus leitores.
Along CR 27 about 2.5 miles south of Stoneville the trees…
Ao longo da estrada CR‐27, a uns 4 quilômetros de Stoneville, as
árvores…
O autor achou desnecessário esclarecer que a CR 27 era uma estrada, mas o
tradutor achou o esclarecimento indispensável para seu público. Veja outros
exemplos:
The mighty Federal Reserve is being stretched to its limits...
O poderoso Federal Reserve, o banco central norte‐americano, está
sendo levado a seus limites...
David Wright believes in self‐evaluation.
David Wright, um dos jogadores do Mets, acredita em autoavaliação...
Tiger Woods has now confirmed on his website that he is out for the
year to have additional knee surgery.
Tiger Woods, considerado o melhor jogador de golfe do mundo,
confirmou em seu website que está fora da temporada para mais uma
cirurgia no joelho.
A box containing a shiny half‐crown and three handkerchiefs….
Uma caixa com uma moeda brilhante de meia coroa e três lenços…
Dinheiro
Técnicas de Tradução 36
FALSOS COGNATOS
A maioria dos tradutores morre de medo dos falsos cognatos, como se fossem
eles o bicho papão e o homem do saco juntos. A tal ponto se apavoraram, que
não usam cognato nenhum, falso ou não, por medo de cair em pecado
mortal.
Vamos primeiro entender o que são os tais “falsos cognatos”.
Palavras cognatas são as que têm a mesma etimologia. Por exemplo, semear,
semente, seminário, disseminar são palavras cognatas, todas elas derivadas
do latim semen. Muitas dessas palavras encontram cognatas em outras
línguas: disseminate em inglês, por exemplo, ou seminario em espanhol e
italiano, ou séminaire em francês, pertencem todas à mesma família do
semear, semente, seminário, disseminar e, por isso, são todas cognatas.
Para saber se duas palavras são cognatas, é necessário saber um bocado de
linguística diacrônica ou, ao menos, consultar dicionários etimológicos. Ser
parecida não basta. Por exemplo, haver e have são parecidíssimas, mas não
são cognatas, porque, a despeito da semelhança, têm origens totalmente
diferentes. O mesmo se aplica a ética e estética. Jamais se arrisque a dizer
que duas palavras são cognatas sem uma boa pesquisa em dicionários.
Muitos dos pares de cognatos em inglês‐português mantiveram o mesmo
sentido ao menos na maioria das acepções: semen‐ sêmen. Mas outras foram
divergindo de sentido. O exemplo clássico é o actual inglês, que não pode
mais ser traduzido automaticamente pelo português atual, embora ambos
tenham a mesma origem, o latim actualis.
…the actual number of victims may be a lot higher.
…o número real de vítimas pode ser muito mais alto.
Geralmente, esses casos são chamados “falsos cognatos“. É um nome
perigoso porque muitos entendem que esses casos não são cognatos de
verdade: são, sim. Então, por que “falsos”? Porque nos enganam, porque sua
similaridade formal nos dá a falsa impressão de terem o mesmo sentido. Por
isso, há que os chame de “falsos amigos”, um nome menos comum, porém
ao, que me pareça, mais adequado.
Geralmente, entretanto, a falsidade é parcial: por exemplo, actual, como
termo técnico de filosofia aristotélica, é atual mesmo.
…because it is related to matter as actuality to potentiality…
…por ter com a matéria a mesma relação que a atualidade tem com a
potencialidade….
Dada a forte presença da cultura anglo‐americana no Brasil, acoplada com o
descuido de quem fala e escreve, muitos desses falsos cognatos vão aos
poucos assumindo em português o mesmo sentido que têm em inglês. Nesses
casos, temos três fases: na primeira, quem escreve com cuidado vê com
Técnicas de Tradução 37
horror o uso alienígena; na segunda, há longas e estéreis discussões sobre o
assunto; na terceira, poucos ainda usam o termo no sentido mais antigo.
Por exemplo, quando meu pai me chamava de relaxado, estava me
repreendendo, dizendo que era um desmazelado, negligente, relapso, sentido
que está rapidamente caindo no esquecimento: hoje, chamar alguém de
relaxado pode ser até um elogio: calmo, sereno, descontraído.
De modo geral, o tradutor deve ser conservador e só usar termos em sentidos
plenamente aceitos. Quer dizer, usar relaxado, hoje, como tradução para
relaxed é perfeitamente aceitável. A situação do tradutor literário,
entretanto, pode ser mais complicada. O OED mostra relax com o sentido de
tornar‐se menos formal já em Dickens, mas seria anacrônico fazer um
personagem de Dickens usar relaxado nesse sentido. Em um caso assim,
descontraído cai bem melhor:
He gradually relaxed…
Foi se descontraindo aos poucos…
Entretanto, daqui a dez anos, o uso de relaxado pode ter se tornado tão
comum que descontraído tenha se tornado obsoleto e confira ao texto um
tom indesejável.
FIDELIDADE
Uma tradução é como um retrato. Você chega à casa de alguém, vê um belo
quadro e o dono da casa pergunta o que você acha. “Sim, é lindo, belíssima
mulher”, você responde. O dono explica que a mulher era um horror de feia:
o pintor é quem fez dela uma mulher bonita. O retrato é lindo – mas não é
fiel.
Particularmente, dou muito valor à fidelidade, a repetir para ao leitor o que o
autor disse no seu texto. Creio que, ao aceitar o encargo de traduzir um texto,
o tradutor faz um pacto com o autor e o leitor, prometendo a ambos levar a
palavra de um ao outro, e esse pacto tem de ser levado a sério. O tradutor é
um mensageiro.
Resta a pergunta: fiel a quê? Ao que o autor escreveu, ao que pretendeu
escrever, ao que teria escrito se tivesse escrito em português? Ou – como
dizem nos exames – nenhuma das respostas acima? Tradução não tem regras
fixas e a decisão sobre a que ser fiel é uma das primeiras, talvez a primeira,
decisão do tradutor. De modo geral, a fidelidade deve ser ao que o autor
escreveu, mas há que considerar que o original pode ter erros, ou o autor
pode ter se expressado mal.
Por fim, fidelidade e literalidade são coisas distintas.
Adaptação
Erros no original
Especificações
Técnicas de Tradução 38
Localização
Tradução literal
FORMAS CONSAGRADAS
Consagradas são as formas que a maioria usa e a maioria usa porque são
consagradas. Só isso.
Londres é uma forma consagrada, então, chame a capital do Reino Unido de
Londres, embora em inglês se diga London. Não tem nem precisa de outra
justificação. É consagrada porque é consagrada e está acabado.
Aclimatação
Há um número infinito de nomes próprios ingleses sem forma consagrada em
português: Schenectady, Stoke‐on‐Trent, Leslie, Fern e não vale a pena ficar
procurando aclimatar essas coisas. A tendência mundial é mesmo manter
todos os nomes próprios no original e mesmo os ingleses, que durante anos
falavam em Leghorn, agora estão começando a falar em Livorno, embora
Leghorn ainda persista para a raça de galinhas.
Não adianta procurar uma lista oficial, porque não existe. E, se houvesse, a
maioria de nós, de nossos revisores, críticos ou leitores não ia concordar com
ela. É necessário usar o bom senso. Lamentavelmente, o que pode parecer
uma demonstração de bom senso para uns, pode parecer pura idiotice para
outros. Este livrinho tem cerca de cem verbetes, nenhum deles sobre “bom
senso”.
Nomes de pessoas
Nomes geográficos
HE/SHE
Os pronomes são termos vicários por excelência. O inglês faz mais uso de
termos vicários que o português, e, por isso, traduzir todos os pronomes de
um texto inglês por pronomes portugueses, embora possível, é vício de
frequência.
Contaminação
Pronomes
Termo vicário
Vício de frequência
Traduzir literalmente
A tradução literal é sempre possível, mesmo quando não recomendável:
He is our French teacher.
Ele é o nosso professor de francês.
Técnicas de Tradução 39
Omitir
Entretanto, omitir o pronome de terceira pessoa geralmente melhora o fluxo
de texto sem causar prejuízo algum:
John Smith is our training coordinator. He studied law and
engineering…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Estudou direito e
engenharia…
Fundir duas ou mais frases
Estamos sempre reclamando do picadinho estilístico do inglês e aqui há uma
boa oportunidade para fundir duas frases em uma, sem grandes problemas.
Neste primeiro exemplo, o complemento predicativo é traduzido como
aposto:
John Smith is our training coordinator. He studied law and
engineering…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia…
John Smith, nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia…
Também é possível fundir mais de duas frases, usando o mesmo recurso:
John Smith is our training coordinator. He studied law and engineering
in Brazil. He also worked as a researcher in…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia. Ele também trabalho como pesquisador em…
John Smith, nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia no Brasil e também trabalhou como pesquisador em…
Poderíamos também ter transformado o aposto em uma orção adjetiva:
John Smith is our training coordinator. He studied law and engineering
in Brazil. He also worked as a researcher in…
!!! John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou
direito e engenharia. Ele também trabalho como pesquisador em…
John Smith, que é nosso coordenador de treinamento, estudou direito
e engenharia no Brasil e também trabalhou como pesquisador em…
...mas essa construção deve ser evitada, porque obriga o uso de um que e as
traduções do inglês tendem a usar um excesso de ques.
Técnicas de Tradução 40
HOMÓLOGO
Chamo homólogos aos termos que carregam a mesma carga semântica
fundamental, mesmo que sejam morfologicamente diferentes (substituir,
substituto, substituição) ou estejam em línguas diferentes (bread, pão). O uso
de termos homólogos é fundamental para a transposição.
Transposição
Por exemplo:
Kiss me!
Dá um beijo!
Kiss é verbo, beijo é substantivo, mas os dois carregam a mesma carga
semântica e são, portanto, homólogos.
I
Como todos os pronomes, I é um termo vicário e, portanto, exige tratamento
especial.
Traduzir literalmente
A tradução literal é sempre possível, porém pouco recomendável:
I dont like war films.
Eu não gosto de filmes de guerra.
Entretanto, é recomendada quando o pronome for usado como recurso de
ênfase, ou quando se opuser a outro:
I give the orders here. You just have to do what I say!
Eu dou as ordens aqui. Você só tem que fazer o que mando!
Embora nos pareça mais idiomático dizer:
I give the orders here. You just have to do what I say!
Sou eu quem dá as ordens aqui. Você só tem que fazer o que mando!
Omitir
Na maioria das vezes, entretanto, a melhor saída é omitir na tradução:
I don’t like war films.
Não gosto de filmes de guerra.
Técnicas de Tradução 41
“When will you edit the text”? “I can edit it now.”
– Quando você vai revisar o texto? – Posso revisar agora.
– Quando você vai fazer a revisão do texto? – Posso fazer agora.
Note que a omissão do I só parece vir naturalmente na segunda frase. Pelo
menos para nós, uma frase como
“When will you edit the text”? “I can edit it now.”
– Quando vai revisar o texto? – Posso revisá‐lo agora.…
… pareceria pouco idiomática. Esse tipo de construção às vezes aparece
quando o locutor não sabe se deve tratar se interlocutor por você ou o
senhor.
IMPERATIVO
Um imperativo deveria ser um imperativo, mas na tradução, nem sempre é.
Primeiro que em inglês é costume amenizar os imperativos com um please,
costume que nos falta em português:
Please, answer the following questions:
Por favor, responda as perguntas abaixo:
Responda as perguntas abaixo:
Em texto mais formais, o please pode ser traduzido por queira:
Please, answer the following questions:
Queira responder as perguntas abaixo:
Muitas vezes, a melhor tradução para uma ordem em inglês é uma ordem
negativa em português:
Keep away from me.
Não chegue perto de mim.
Ten videos you have to watch.
Dez vídeos que você não pode perder.
Modulação
LOCALIZAÇÃO
A localização não está entre os procedimentos de tradução descritos por
Vinay e Darbelnet, mas não deixa de ser uma forma especial e controlada de
adaptação. Trata‐se de uma série de procedimentos necessários para que o
texto traduzido convenha ao local onde se fala a língua de chegada.
Esses procedimentos variam desde tarefas que a maioria dos tradutores
levam a cabo normalmente, como converter unidades de medida:
Técnicas de Tradução 42
He was about six feet tall.
Tinha mais ou menos um metro e oitenta de altura.
Medidas
…até a criação de módulos especiais sobre impostos brasileiros para inclusão
em um programa de informatização de uma grande empresa, tarefa que,
certamente, não faz parte das atribuições do profissional da tradução.
Em alguns casos, localização e tradução propriamente dita chegam a se opor:
What is your Social Security number?
…pode ser traduzido como
Qual é seu número de registro na Previdência Social?
…o que seria perfeitamente correto quando o texto em português se destinar
ao uso de brasileiros residentes nos EUA, os quais terão esse número de
registro. Por outro lado, quando se tratar de um formulário a ser usado no
Brasil por brasileiros que não disponham daquele documento, muito
provavelmente deveria ser localizado como
What is your Social Security number?
Qual é seu CPF?
Pode parecer estranho, porque o CPF identifica os contribuintes do imposto
de renda das pessoas físicas no Brasil, ao passo que o SSN identifica os
inscritos no sistema previdenciário dos EUA. Entretanto, ambos os números
são normalmente usados como forma de identificação o que os torna
homólogos em muitos casos de localização.
Adaptação
Procedimentos de tradução
MANUAL DE ESTILO
Um manual de estilo nada mais é que uma formalização das preferências de
determinada empresa, instituição ou mesmo pessoa. Nenhum deles deve ser
tomado como algo de sagrado.
É obrigatório obedecer um manual de estilo só quando trabalhamos para
quem o produziu, ou quando o cliente exige. De resto, aprecie com
moderação: manual de estilo não é autoridade para nada.
Especificações
Norma culta
Preferências do cliente
Técnicas de Tradução 43
MAY/MIGHT
May e seu passado might costumam ser traduzidos por poder, o que
normalmente funciona:
We may have some rain tomorrow.
Pode chover um pouco amanhã.
…mas há outras soluções igualmente corretas e até mais frequentes no
português:
We may have some rain tomorrow.
Talvez chova um pouco amanhã.
É capaz de chover um pouco amanhã.
Vício de frequência
MODULAÇÃO
Este é o quinto dos sete procedimentos fundamentais de tradução descritos
por Vinay e Darbelnet e o segundo procedimento de tradução oblíqua. É a
técnica de traduzir o mesmo sentido de um ponto de vista diferente:
The keyhole.
O buraco da fechadura.
Ambos se referem à mesma coisa, mas enquanto o inglês fala da função do
orifício, o português fala do local onde o orifício se encontra. Ou
Walk‐up building
Prédio sem elevador
…onde o inglês fala da necessidade de subir escadas, ao passo que o
português fala da falta de elevador.
Um exemplo mais elaborado é
It takes two to tango.
Quando um não quer, dois não brigam.
…onde o inglês fala da necessidade de dois para dançar, enquanto o
português fala da impossibilidade de um só brigar.
Outros exemplos:
Be sure to
Não se esqueça de
Técnicas de Tradução 44
Um truque muito bom, mas pouco usado: usar a negativa do oposto. O inglês,
diz o que você tem de fazer, o português diz o que você não pode deixar de
fazer. Muito útil quando a frase é enfática.
MULETA
Chamo muleta àquela palavra cuja única função sintática e semântica é dar
apoio a outra. Trocado em miúdo:
Kiss me!
Dá um beijo!
O verbo dá está aí só para servir de muleta para a frase não ficar sem verbo.
Sua única função é servir de muleta para o substantivo beijo.
A muleta tem muito uso nos procedimentos de transposição, que, a meu ver,
são os mais importantes para o tradutor.
Transposição
Francisco da Silva Borba, no seu “Dicionário Gramatical de Verbos (UNESP,
1991) se refere a essas palavras como “verbalizadores”. Nem vi o termo em
outro lugar nem gostei dele. Vou continuar usando muleta até encontrar
razão para mudar.
MUST
Must é um verbo auxiliar modal. A tradução, no piloto automático, é dever:
You must oil this machine at least once a week.
Você deve lubrificar esta máquina ao menos uma vez por semana.
O problema, aqui, é que o deve, é ambíguo e pode ser interpretado como
obrigação ou como conselho e dar conselhos é função de should.
Should
Nesses casos, prefiro aquelas construções tão clássicas do português, com um
predicado nominal:
You must oil this machine once a week.
É obrigatório lubrificar esta máquina uma vez por semana.
…com o que, de quebra, ainda nos livramos de um you. É certo que a
construção homóloga em inglês existe, porém é igualmente certa de que é
bem menos usada.
Vício de frequência
You
Técnicas de Tradução 45
NOMES DE EMPRESAS
Nomes de empresas, de modo geral, não se traduzem:
Johnson & Johnson is uniquely positioned…
A Johnson & Johnson ocupa uma posição ímpar…
Advérbios terminados em –mente.
Quando o nome da empresa inclui uma descrição de seu objeto social, pode
ser útil usar uma explicitação, já que o leitor brasileiro talvez não entenda o
inglês:
Explicitação
Bethune’s business activities were confined to the Central Life
Insurance Company of Tampa, Fla.
As atividades comerciais da Bethune se restringiam à Central Life
Insurance Company, uma seguradora de Tampa, no estado da Flórida.
A explicitação é só necessária na primeira vez que o termo aparece. Repetir
uma seguradora, a cada vez que a Central Life Insurance Company aparece é
desnecessário e cansativo.
Além disso, a explicitação é desnecessária quando o contexto for
suficientemente esclarecedor.
Anyone who bought an insurance policy from Acme Insurance Co. or
has a policy from East Dakota Insurance…
Quem tiver feito seguro com a Acme Insurance Co. ou tiver uma
apólice da East Dakota Insurance…
Também é necessário reprimir a tendência de agregar à explicitação mais
informações do que o necessário,
Bethune’s business activities were confined to the Central Life
Insurance Company of Tampa, Fla.
As atividades comerciais da Bethune se restringiam à Central Life
Insurance Company, uma pequena seguradora de Tampa, no estado
sulista da Flórida.
Adições do tradutor
NOMES DE INSTITUIÇÕES
Nomes de instituições públicas ou privadas podem ser traduzidos ou mantidos
no original, com ou sem explicitação, conforme a audiência. Por exemplo, se a
tradução for dirigida a gente da área de finanças, traduzir Fed, ou Federal
Técnicas de Tradução 46
Reserve Board é desnecessário e até desagradável. Entretanto, para um
público leigo, é importante apor uma tradução:
The U.S Federal Reserve Board took urgent action…
O Federal Reserve Board, que opera como banco central dos EUA,
tomou medidas urgentes…
Adições do tradutor
Empréstimo
Explicitação
Nesse caso, o original fica como âncora semântica para o leitor, inclusive para
a o caso de encontrar o mesmo termo sem explicitação ou com explicitação
diferente. Esses apostos, como todas as adições do tradutor, devem ser tão
breves e concisos quanto possível: só o estritamente necessário para que o
leitor entenda do que se está falando.
Convém, nesses casos, usar termos genéricos em vez de o nome específico da
instituição mais semelhante no Brasil:
The IRS has $53 million for Illinois residents.
O IRS, o Serviço de Rendas Internas dos EUA, tem US$ 53 milhões para
residentes no Estado Illinois.
Resista à tentação de traduzir Internal Revenue Service por Secretaria da
Receita Federal, que é o nome de um órgão especificamente brasileiro com
funções distintas do IRS. Por exemplo a SRF brasileira controla a alfândega,
que não está sob o controle do IRS americano.
O mesmo processo se aplica a escolas, por exemplo:
At the Harvard Law School we have the benefit of having a group of
international students.
Na Harvard Law School, a faculdade de direito da Universidade de
Harvard, temos a vantagem de um grupo internacional de alunos.
A explicitação somente se usa na primeira vez que o termo aparece. Repetir a
faculdade de direito da Universidade de Harvard a cada vez que Harvard Law
School aparece, é cansativo. Além disso, é desnecessário quando o contexto
for suficientemente esclarecedor:
She received her law degree from Harvard Law School.
Ela se formou em direito na Harvard Law School.
Ela se formou em direito em Harvard.
Dificilmente uma dessas traduções vai precisar de aposição e a segunda
opção, além de mais breve, flui melhor.
Técnicas de Tradução 47
Termos que não se referem ao mundo anglófono
Termos em inglês que não se referem ao mundo anglófono devem ser
traduzidos.
As a crown Prince, Hirohito attended the boy's department of the
Peers School…
Na qualidade de príncipe real, Hirohito frequentou o departamento
masculino da Peers School…
Na qualidade de príncipe real, Hirohito frequentou o departamento
masculino da Escola para os Pares do Reino…
Se mantivermos o inglês do original, o leitor pode ser levado a pensar que
Hirohito, posteriormente imperador do Japão foi estudar em uma escola num
país anglófono, o que não é verdade. O então príncipe Hirohito estudou em
uma escola japonesa de elite que, em inglês, é conhecida como Peers School.
The German Foreign Office
O Ministério das Relações exteriores da Alemanha
…é outro exemplo em que o uso do nome inglês causaria um nível de
distorção desnecessário. Por outro lado, acho desnecessário ir caçar o nome
oficial em alemão: se o autor achou o nome em inglês suficiente, para nós o
nome em português há de servir.
NOMES DE OBRAS DE ARTE
Nomes de obras de arte, incluindo literatura, muitas vezes têm formas
consagradas em português.
Shakespeare’s “Romeo and Juliet”
O “Romeu e Julieta”, de Shakespeare
Não vale a pena deixar no original nem vale a pena inventar um outro nome
para a “Romeu e Julieta” ou para qualquer outra obra com nome consagrado
em português, salvo se o original ou o contexto exigirem. Com a Internet,
descobrir se existe uma forma consagrada deixou de ser tarefa árdua.
Contexto
Formas consagradas
Ao contrário do recomendado para os nomes geográficos e de pessoas se a
obra não tiver nome consagrado, acho correto traduzir, principalmente em
um texto jornalístico ou literário:
Turner painted “The Shipwreck of the Minotaur”…
Turner pintou “O naufrágio do Minotauro”…
Num texto acadêmico, na falta de nome consagrado é preferível manter o
nome original, com uma tradução proposta entre colchetes:
Técnicas de Tradução 48
Turner painted “The Shipwreck of the Minotaur”…
Turner pintou “The Shipwreck of the Minotaur [“O naufrágio do
Minotauro”]…
Termos que não se referem ao mundo anglófono
É necessário prestar atenção especial aos nomes que, em inglês, já são
traduzidos de outra língua:
Johannes Brahms’s “Lullaby”
A “Canção de ninar” de Brahms
O “Acalanto” de Brahms
Brahms escreveu uma peça, que recebeu o nome de Wiegenlied em alemão
corretamente traduzido como Lullaby, em inglês. Em português, se diz
Canção de ninar ou Acalanto. O gênero musical “canção de ninar” pode ser
chamado “berceuse” em português. Chamar uma peça musical alemã em
português por seu nome inglês é absurdo.
NOMES DE PESSOAS
De modo geral, não se traduzem nomes personativos.
Michael looked at his watch…
Michael olhou o relógio…
Entretanto, não há regras estritas. O Reino Unido tem o príncipe William, que
é filho do príncipe Charles, que é filho da rainha … Elizabete! Por que é
costume chamar a rainha de Elizabete, em vez de Elizabeth, mas o filho é
Charles, em vez de Carlos e o neto é William, em vez de Guilherme,
sinceramente não sei.
O fato de que, em Portugal, é conhecida como rainha Isabel é clara
demonstração de que não podemos mais nos ater cegamente aos padrões
lusos: no Brasil, chamar a rainha de Isabel, causaria, no mínimo, surpresa.
Livros para crianças de até cinco anos
Há quem diga que os nomes personativos devem ser adaptados ao português
no caso de livros para crianças muito pequenas, que poderiam ter
dificuldades com os nomes estrangeiros.
Acho que essa recomendação deixou de ter importância no Brasil, dada a
quantidade de nomes complicados e difíceis hoje comuns entre nós.
Adaptação
Técnicas de Tradução 49
Personagens históricos
Os nomes de muitos personagens históricos têm formas consagradas.
Henry VIII
Henrique VIII
William the Conqueror
Guilherme, o Conquistador
Como sempre, o problema é que aquilo que é forma consagrada para um
pode não ser para outro e as discussões sobre o assunto não têm fim. Minha
fonte, para essas coisas, costuma ser a Wikipedia. Mas, acima dela, está meu
bom senso. Este livrinho tem cerca de cem verbetes, nenhum deles sobre
“bom senso”.
Em trabalho acadêmico, pode valer a pena apor o original entre colchetes,
talvez com uma breve explicação:
William the Conqueror invaded England in 1066.
Guilherme, o Conquistador, [William the Conqueror] invadiu a
Inglaterra em 1066.
Quando não houver forma consagrada, use o original sem aclimatar.
Aclimatação
Winston Churchill was a great statesman, orator and strategist.
Winston Churchill foi um grande estadista, orador e estrategista.
Muitos nomes ingleses simplesmente não têm correspondentes em português
e não vale a pena tentar encontrar.
Nomes não ingleses
Quando o nome se refere a algo externo ao mundo anglófono, usa‐se a forma
consagrada em português:
Peter the Great was born in 1672 and he died in 1725.
Pedro, o Grande, nasceu em 1673 e morreu em 1725.
A brief discussion of the life and works of Aristotle.
Uma breve análise da vida e obras de Aristóteles.
Papas
Os nomes de papas aparecem em suas formas portuguesas – nunca se
esquecendo que a forma oficial é em latim.
Técnicas de Tradução 50
Pope Paul
O papa Paulo
NOMES GEOGRÁFICOS
Muitos nomes geográficos têm formas consagradas em português:
…effect upon the growth and development of London.
…efeito sobre o crescimento e desenvolvimento de Londres.
…que devem ser usadas nas traduções. Outros carecem dessas formas:
Winchester is a historic city in southern England.
Winchester é uma cidade histórica no sul da Inglaterra.
A tendência atual, tanto no Brasil como em vários outros países, é manter os
nomes originais. Por isso, formas como Oxônia ou Brema foram
desaparecendo em favor de Oxford e Bremen.
Nomes herdados
Quando o topônimo se refere a um local que herdou o nome de outro mais
importante, nem sempre é fácil decidir se devemos manter o original ou usar
o topônimo consagrada português:
The City of London is located in the heart of southwestern Ontario.
A cidade de Londres fica no coração do sudoeste de Ontário.
A cidade de London fica no coração do sudoeste de Ontário.
Aqui, nos referimos a uma cidade canadense, não à capital da Inglaterra.
Parece que Londres é exclusivamente o nome da capital da Inglaterra, mas
não de todas as cidades chamadas London em inglês. Não creio que haja
consenso, aqui.
Se o topônimo fizer parte integrante de um nome próprio, deve ser deixado
no original:
London Online is a concise guide to the capital…
O “London Online” é um guia conciso da capital…
Casos controversos
Caso mais complexo é o de New York, que, para alguns, deve ser Nova Iorque
e, para outros, Nova York. Não há acordo. Há quem reclame que Nova York é
um híbrido a ser evitado, há quem contradiga que o New aqui é um adjetivo
comum que deve ser traduzido. Para eles, Nova Iorque não é a cidade dos
EUA, mas sim um município no estado do Maranhão, o que não deixa de ter
seu lado de verdade.
Técnicas de Tradução 51
Por outro lado, o estado americano de New Hampshire aparece sempre com
seu nome original em inglês o que indica que coerência não é o ponto forte,
aqui.
Nomes geográficos com viés político
Alguns nomes geográficos têm forte viés político: Falkland/Malvinas, por
exemplo. Dizer que um é inglês e outro é português é menos correto do que
parece: uma busca na Internet vai mostrar que Malvinas aparece mais de
400.000 vezes em textos escritos em língua inglesa. Geralmente (o que
significa “mas há exceções” (sempre há exceções e o demônio mora nas
exceções), o uso de Falklands reflete a opinião de que o arquipélago, por
direito, é britânico; o uso de Malvinas reflete a opinião de que o arquipélago,
por direito, é argentino. O uso de Falklands/Malvinas reflete o desejo de não
entrar no mérito da questão – mas dificilmente funciona, porque sempre vai
haver quem ache que Malvinas/Falklands seria mais apropriado.
É um posicionamento político e filosófico que faz parte integrante da
mensagem e deve ser respeitado na tradução. Não cabe ao tradutor de impor
ao texto suas próprias convicções políticas.
Voz do tradutor
…what happened in the “Falklands” war when the Argentineans got all
fired up about reclaiming the “Malvinas”…
… o que sucedeu durante a guerra das Falklands, quando os
argentinos ficaram todos nevosinhos com a exigência da devolução
das “Malvinas”…
Note que o Malvinas vem entre aspas no original, para indicar que, na opinião
do autor, o nome correto” é Falklands e o próprio fired up, algo pejorativo,
indica que o autor não era grande partidário das pretensões argentinas. Por
mais que o tradutor tenha o seu coração com a Argentina, há que respeitar o
original e manter os nomes.
Ética
Termos que não se referem ao mundo anglófono
Quando o topônimo se refere a um local fora do mundo anglófono, use a
forma consagrada em português ou, na falta desta, a forma original:
Copenhagen
Copenhague
O nome da cidade em dinamarquês é København, que iria parecer muito
estranho em português. Copenhagen é o nome tradicional inglês.
Catalonia
Catalunha
Técnicas de Tradução 52
Nomes próprios transformados em substantivos comuns
Os topônimos podem se tornar substantivos comuns. Nesse caso o
substantivo próprio e o comum podem ter tratamentos distintos:
The city of Leghorn
A cidade de Livorno
…quando nos referimos à cidade italiana, mas
Leghorn chickens
Galinhas legorne
…quando nos referimos à raça de galinhas poedeiras.
River Plate beat Cerro Largo 2‐0
O River Plate ganhou do Cerro Largo por 2 a 0.
… embora
The Battle of the River Plate took place on December 13th, 1939.
A batalha do Rio da Prata ocorreu em 13 de dezembro de 1939.
Preferências do cliente
Mudanças de nome
Muitas vezes, o local muda de nome. Istambul já foi Bizâncio e Constantinopla
e já teve vários outros nomes, cada um representando uma fase da história da
cidade. Essas mudanças se tornaram mais frequentes nos últimos anos, por
vários motivos políticos. Por exemplo, a cidade que os ingleses chamavam
Bombay, e em português ganhou o nome de Bombaim bem antes de os
ingleses chegarem lá, os indianos, agora, chamam Mumbai. Chamar a cidade,
em português, de Mumbai, não é anglicismo, é acompanhar uma mudança
feita pelo governo do país onde a cidade está situada. Anglicismo é chamar de
Bombay.
A escolha do nome a usar na tradução é condicionada pelo original. Se o
original usa Bombay, a tradução deve usar Bombaim, se o original usa
Mumbai, a tradução deve usar Mumbai, da mesma forma que
Constantinople é Constantinopla, Byzantium é Bizâncio, mas Istanbul é
Istambul – mas note a troca de n por m na grafia.
Para entender a recomendação, é importante analisar a razão de haver
Bombay ou Mumbai no original. Bombay vai ser encontrado em textos mais
antigos, textos atuais ambientados em épocas antigas ou quando o autor
simplesmente se recusa a usar o nome moderno por razões políticas ou
filosóficas. Mumbai, por outro lado, se encontra em textos mais modernos e
politicamente corretos. Quer dizer, a escolha do nome não é aleatória nem
Técnicas de Tradução 53
depende de gosto mas reflete fatores que devem ter sua contrapartida na
nossa tradução.
Aos poucos, esses nomes, que nos pareciam exóticos se tornam comuns e não
vai demorar até encontramos algo como:
… Mumbai (antigamente conhecida como Bombaim)…
NORMA CULTA
A maioria das traduções deve estar de acordo com a norma culta. A exceção é
um ou outro trecho de uma tradução literária escrita em algum dialeto.
Resta, agora, definir o que possa ser “norma culta”. Norma culta é a norma
que rege a fala e escrita das pessoas cultas. E quem são as pessoas cultas? São
as que falam de acordo com a norma culta. Durma‐se com um barulho desses.
A norma culta, entretanto, não é monolítica: se há acordo geral de que “nós
vamos” é norma culta e “nós vai” não é, há inúmeros casos de desacordo e
divergência, e cabe a nós, na ausência de manifestação por parte do cliente,
resolver de acordo com o nosso bom senso. Este livrinho tem cerca de cem
verbetes, nenhum deles sobre “bom senso”.
NORMAS DA ABNT
Seguir as normas da ABNT é uma opção, não uma obrigação. Siga se o cliente
quiser. Ou se não tiver opção melhor. Aqui, não são seguidas.
Manual de estilo
Preferências do cliente
NOTA DO TRADUTOR
Nota de tradutor, é melhor não pôr. Interrompe o fluxo do texto, congestiona
a página e distrai a atenção. Ler um livro com muitas notas é como ser
interrompido pelo telefone a todo o momento. São mais aceitáveis em
traduções “para estudo”, acadêmicas. Em muitos tipos de tradução, como a
legendagem, são proibidas ou impossíveis.
They watched a Laurel & Hardy short.
Assistiram um curta metragem de Laurel & Hardy (Nota do Tradutor:
“Laurel & Hardy aqui se refere à dupla de comediantes mais conhecida
no Brasil como “o Gordo e o Magro”).
… embora, a rigor esteja correto, é um horror. É bem melhor usar os nomes
normais no Brasil:
Técnicas de Tradução 54
They watched a Laurel & Hardy short.
Assistiram a um curta‐metragem do Gordo e o Magro.
Às vezes, cabe uma explicação aposta, que, numa publicação muito formal,
para uso acadêmico, por exemplo, deve vir entre colchetes. Num jornal ou
outra publicação menos formal, pode vir entre travessões ou mesmo vírgulas:
The humor of Laurel and Hardy, like that of many great comics, …
O humor de Laurel e Hardy, – ou “Gordo” e o “Magro” como são
conhecidos no Brasil – como o de muitos outros cômicos…
O humor de Laurel e Hardy, [o “Gordo” e o “Magro”] como o de muitos
outros cômicos…
Mesmo em literatura de arte ou filosofia, as notas são bem mais dispensáveis
do que pensam muitos tradutores. Quem se põe ou propõe a ler essas coisas
costuma já ter a formação intelectual necessária.
Adições do tradutor
Expansão
Explicação aposta
Explicitação
Notas de rodapé e de fim de capítulo ou de livro devem ser reservadas para
casos extremos, como obras de entendimento difícil por seu estilo ou por seu
conteúdo.
NÚMEROS
A grafia dos números, no Brasil, é regulada pela Resolução nº 12, de 12 de
outubro de 1988 do INMETRO, leitura amena e agradável, texto que resumo
abaixo.
Os números, sejam quantidades, dados demográficos, ou valores em dinheiro,
em qualquer moeda, devem ser escritos no formato 1.000.000,00, quer dizer,
milhares separados por pontos e decimais separados por vírgulas.
The Statistical Institute of the Republic of Cyprus shows a population of
749,200.
O Instituto de Estatística da República de Chipre informa uma
população de 749.200 habitantes.
Nomes de instituições
Quando usar números por extenso e em algarismos, primeiro coloque os
números em algarismos e, depois, entre parênteses, por extenso.
This agreement is executed in two (2) counterparts…
O presente contrato foi assinado em 2 (duas) vias…
Não comece número por vírgula:
Técnicas de Tradução 55
A .4% increase…
Um aumento de 0,4%…
Transforme números mistos em decimais:
An increase of 1 3/4 percent…
Um aumento de 1,75%…
Depois de algarismos, mesmo em texto literário, use o símbolo de
porcentagem (%) em vez de escrever por cento:
Mary received only 30 percent of the inheritance, a lot less than she
expected.
Mary recebeu só 30 por cento da herança, muito menos do que
esperava.
Mary recebeu só 30% da herança, muito menos do que esperava.
... ou escreva o número por extenso, se o texto for mais formal:
Mary received only 30 percent of the inheritance, a lot less than she
expected.
Mary recebeu trinta por cento da herança, muito menos do que
esperava.
Todos os valores monetários, pesos e medidas, nacionais e estrangeiro,
seguem as regras gerais para números apresentadas acima.
Dinheiro
Pesos e medidas
Algumas pessoas têm o hábito de jamais escrever números com um só
algarismo e dizem, por exemplo, que têm “02 filhos”. Esse uso não tem base
gramatical ou jurídica absolutamente alguma e só se justifica em tabelas, para
manter a estrutura gráfica.
Numeração de séries
A numeração de séries, por exemplo, dos tópicos de um trabalho científico,
(1.1, 1.1.2…) deve ser preservada sem alterações.
OBRAS CONSULTADAS
Este livrinho não é uma obra acadêmica e, portanto, reflete muito mais as
minhas impressões, idiossincrasias e opiniões do que as obras consultadas.
Entretanto, em cima de minha mesa de trabalho há umas quantas obras que
muito me ajudaram a organizar (?!) meu pensamento, o que quer que isto
signifique.
A primeira delas é um livro pequeno, mas utilíssimo, pelo poder de concisão e
organização da autora: Procedimentos Técnicos de Tradução, de Heloisa
Técnicas de Tradução 56
Gonçalves Barbosa. Vale a pena ler e reler mil vezes. Se você não fez
bacharelado em tradução, é uma excelente introdução a uma visão mais
estruturada do que constitui uma tradução. Se fez, funciona como aquele
resuminho maneiro que te ajuda a recordar as coisas que vão se perdendo
pela memória.
A segunda é o Stylistique comparée du français e de l’angalais de J.P Vinay e
J Darbelnet, provavelmente o mais citado entre todos os livros sobre
tradução. Há uma tradução inglesa, que nunca tive em mãos. O livro trata de
tradução do inglês para o francês, mas é de uma utilidade única.
A terceira é a Introduction a lá Traductología de Gerardo Vázquez‐Ayora. Meu
exemplar, legítimo e comprado da Amazon, é um fotolito de um texto
datilografado, o que mostra a pobreza do orçamento. Tem o defeito adicional
de que, sendo inglês > espanhol, tem muitos exemplos que não nos servem.
Mesmo assim, vale muito a pena.
Muitos exemplos foram tirados de textos traduzidos por mim próprio, caso
em que foram mascarados para ocultar a origem. As traduções são todas
minhas.
ORIGINAL
Hoje, está fora de moda chamar o texto que serve de base para a nosso
trabalho de original. Fala‐se em T1, Protexto, Texto de Partida e Deus sabe
quantos outros nomes bizarros e horríveis.
Tenho uma leve impressão de que pessoas que usam esses termos, quando
acham que ninguém está ouvindo (ou quando estão falando sozinhas, porque
são pessoas normais e portanto também falam sozinhas), também dizem
original, que é mais simples e todos entendem. Aqui, normalmente chamo o
original de original e acabou‐se a história. Se você quiser chamar por outro
nome, esteja à vontade. Nós estamos numa democracia.
PASSIVA
Vários livros sobre boa redação publicados nos EUA contém proibições contra
a voz passiva, o que não impede que a voz passiva seja usada a torto e a
direito. O preconceito contra a voz passiva expresso nesses livros foi
macaqueado por alguns brasileiros e tem gente que morre de medo dessas
formas verbais. Agora, releia este parágrafo e veja quantos verbos na passiva
ele tem e me diga se seria ficaria melhor se fosse reescrito todo na ativa.
Porém, nem toda voz passiva inglesa precisa ser traduzida literalmente em
português.
Verbos que não admitem passiva analítica em português
Nem todos os verbos portugueses admitem passiva analítica:
Técnicas de Tradução 57
You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated
investments.
Você é oferecido uma ampla variedade de investimentos denominados
em dólares.
A formulação acima reflete o hábito de muitos redatores anglo‐americanos de
colocar o leitor em primeiro lugar na frase. Se quisermos seguir esse método
de redação, podemos dizer:
You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated
investments.
Você tem (à sua disposição) uma ampla variedade de escolhas de
investimentos denominados em dólares dos EUA.
…em que combinamos transposição e modulação para obter uma frase que
tenha o mesmo sentido e ordem original. Mas não acho grande vantagem,
porque o excesso de vocês iniciais nos parece cansativo.
Transposição
Modulação
Uma opção melhor é
You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated
investments.
Oferecemos (a você) uma ampla variedade de escolhas de
investimentos denominados em dólares dos EUA.
Em outros casos, a passiva sintética cai como uma luva:
Yields are expected to rise
Espera‐se que os rendimentos aumentem.
This is not done!
Isso não se faz!
…um caso em que usamos em português uma construção rara de encontrar
em traduções, porque não existe em inglês.
Vício de frequência
Temos também o caso em que o verbo na passiva é traduzido por um
substantivo abstrato:
However, the drop in prices since the financial crisis in 2008 had
resulted in some of these projects being cancelled or delayed.
Entretando, a queda nos preços desde a crise financeira de 2008 tinha
resultado no cancelamento ou adiamento de alguns desses projetos.
Transposição
Técnicas de Tradução 58
PESOS E MEDIDAS
Em textos ambientados na atualidade, pesos e medidas devem ser
convertidos ao sistema métrico decimal (oficialmente, "SI"), descrito na
Resolução CONMETRO nº 12, de 12 de outubro de 1988. É bom ler
detidamente a resolução, porque mesmo tradutores experientes cometem
grandes erros quando usam pesos e medidas. Como são problemas de
português, não de tradução, não vamos nos deter neles.
Precisão e arredondamento
Em textos técnicos, é importante discutir o grau de precisão necessária com o
cliente antecipadamente.
De modo geral, entretanto, a medida convertida deve ter no máximo uma
casa decimal a mais que a medida original. A definição mais precisa de pound
pode ser 453,5924 gramas, mas
She gained 15 pounds after she quit smoking.
Ela engordou 6,803886 quilos depois de parar de fumar.
Engordou {quase/cerca de/uns} sete quilos depois de parar de fumar.
O quase/cerca de/uns reforça a ideia de que estamos falando em uma
aproximação. Por outro lado, é evidente que mesmo o original é aproximado.
I drove 7000+ miles for my job in 2007
Rodei mais de 12.000 km a serviço em 2007
Along CR 27 about 2.5 miles south of Stoneville the trees…
Ao longo da Estrada CR‐27, a uns 4,02336 quilômetros de Stoneville,
as árvores…
Ao longo da Estrada CR‐27, a uns 4 quilômetros de Stoneville, as
árvores…
Explicitação
Pesos e medidas antigos
Se o autor usou uma medida antiga, não converta para SI:
The king of Assyria exacted three hundred talents of silver and thirty
talents of gold from Hezekiah, king of Judah.
O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, o pagamento de
trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro.
Não sabemos quanto valia um talento na época de Ezequias e se o autor do
original resolveu deixar sem converter, vamos respeitar.
Técnicas de Tradução 59
Se a medida usada não tiver um nome tradicional português, o que pode
acontecer quando o texto se referir a uma cultura menos ligada à tradição
ocidental, simplesmente use o mesmo nome que o autor.
Escolha da unidade correta
Nem sempre o mundo anglófono usa unidades da mesma categoria que o SI.
Por exemplo,
Por exemplo, americanos medem sua colheita de milho em bushels, que é
uma unidade de capacidade; no Brasil a medida é em toneladas, que são
medidas de peso. Certo que um bushel é equivalente a 35,23907016688
litros. O problema é que não vendemos milho por litro, mas sim por quilo e,
por isso, a informação vai ajudar muito pouco o leitor brasileiro. Então, é
necessário saber que um bushel de milho padrão pesa 56 libras ou
25,40117272 kg e fazer a conta, para saber que X bushels de milho são Y
toneladas. Para complicar a definição de bushel e de pound é a mesma em
todos os estados dos EUA, mas a definição de peso de bushel de milho pode
mudar de um lugar para o outro.
A situação atinge o máximo de complicação quando se diz que the yield was
40 bushels per acre.
Por isso, em tradução técnica é preferível deixar o cálculo para o cliente ou
revisor técnico. Em tradução literária, a questão pode ser irrelevante, caso em
que é perfeitamente possível preservar o bushel.
Relevância
Entretanto, se for necessário fazer a conversão, procure a ajuda de quem
realmente conheça esses problemas, porque já avançamos muito no reino da
localização.
Localização.
Nomes geográficos,
Nomes de pessoas
Textos ambientados no passado
Mesmo que o texto seja moderno, se for ambientado no passado, é melhor
não converter. Veja, por exemplo, este trecho:
Shylock demands the pound of flesh …
Shylock exige a libra de carne…
Trata‐se de uma alusão ao Mercador de Veneza, de Shakespeare, e seria
ridículo ter um personagem de Shakespeare exigindo de seu devedor meio
quilo (ou, pior ainda, 456 gramas) de carne. Então, é melhor traduzir por libra
mesmo. Se nosso leitor não souber quanto pesa uma libra, pouco se perde: o
peso exato é irrelevante e é desnecessário explicar.
Técnicas de Tradução 60
Relevância
Adições do tradutor
Um bom português talvez dissesse que a tradução correta para pound é
arrátel, no que estaria totalmente certo. Cabe perguntar se o leitor médio do
texto saberia o que é um arrátel e se o uso do termo antiquado é relevante.
Textos ambientados no presente
O texto pode ser atual, mas às vezes, o valor exato é irrelevante:
…an old woman who held a few acres of land…
…uma velha, dona de uns poucos alqueires…
Aqui, o que o autor quer dizer é que a velha tinha uma pequena propriedade
rural. Ninguém se deu ao trabalho de medir a propriedade.
Usar hectares seria correto, porque, alqueire, além de não fazer parte do SI,
tem valor variável mas daria ao texto um tom muito mais técnico e, creio eu,
esteticamente mais pobre. Além disso, o próprio original é impreciso.
Unidades externas ao mundo anglófono
Se o autor usou um termo que não pertence à língua inglesa, preserve a
escolha dele na sua tradução.
Only ten scheffels of turnips…
Somente dez scheffels de nabos…
Nesse caso, o autor preferiu deixar scheffel no alemão e devemos respeitar
sua preferência. O termo não é mais estranho para os leitores anglófonos do
que para nós.
PONTUAÇÃO E MAIÚSCULAS
Sempre aplique as regras de pontuação da língua portuguesa. Não
acompanhe servilmente a pontuação e as maiúsculas do original.
PREFERÊNCIAS DO CLIENTE
O cliente pode ter suas preferências, às vezes apresentadas no que, por
imitação do inglês, hoje se chama Manual de Estilo. Ao aceitar a o encargo de
traduzir, juntamente com condições tais como preço e prazo, estamos
aceitando também o encargo de obedecer a essas preferências.
Se não concordar com o Manual de Estilo, o tradutor tem todo o direito, e até
o dever, de levar sua discordância ao conhecimento do cliente, mas não tem o
direito de tomar a questão em suas próprias mãos e fazer do seu jeito,
Técnicas de Tradução 61
principalmente quando se trata de trabalho de equipe, como é tão comum
hoje em dia.
Manual de estilo
PREPOSIÇÃO TRADUZIDA POR VERBO
Principalmente quando o verbo principal é de movimento, muitas vezes é
melhor traduzir preposições como verbos:
He drove his new car up main street.
Ele subiu a rua principal em seu carro novo.
Note que drive é o que chamo verbo rico: significa “deslocar‐se dirigindo um
veículo”, e o nosso subir pode ser tanto de carro quanto a pé ou a cavalo. Essa
riqueza, entretanto, não tem relevância neste caso, já que o contexto deixa
claro que foi de carro.
Relevância
Muitas vezes, entretanto, a solução não é tão simples:
He was shouted out of the room.
Ele foi gritado para fora da sala, simplesmente não funciona. Não é por ser
“muito literal”, mas sim porque não significa nada em português.
He was shouted out of the room.
Foi expulso da sala aos gritos.
É muito melhor.
He was scared into silence.
Ficou em silêncio de medo.
Ficou calado por medo.
Ficou com tanto medo, que se calou.
Note que, nesses casos, o verbo principal inglês se transmuta em advérbio ou
locução adverbial.
Transposição
Procedimentos fundamentais de tradução
PROCEDIMENTOS FUNDAMENTAIS DE TRADUÇÃO
Jean‐Paul Vinay e Jeal Darbelnet, em seu Stylistique comparée du français et
de l’anglais – Méthode de traduction (Paris 1958, Montréal 1960),
estabeleceram um elenco de sete procedimentos fundamentais de tradução,
Técnicas de Tradução 62
incorporado à terminologia de todos os trabalhos posteriores, embora quase
sempre com adaptações.
Os primeiros três procedimentos são chamados tradução direta e os restantes
são chamados tradução indireta.
Os procedimentos de tradução direta são empréstimo, decalque e tradução
literal. Os procedimentos de tradução indireta são transposição, modulação,
equivalência e adaptação
Mesmo na obra de Vinay e Darbelnet, aparecem outros procedimentos e cada
autor posterior sugeriu a sua própria lista. Mas a lista deles é fundamental
para orientar nosso trabalho e esses sete procedimentos fundamentais vão
aparecer inúmeras vezes neste livrinho.
Adaptação
Decalque
Empréstimo
Equivalência
Modulação
Tradução literal
Transposição
PRONOMES
O pronome é o termo vicário por excelência. O inglês usa uma quantidade
enorme de pronomes, porque quase sempre exige explicitação de sujeitos e
objetos, ao passo que o português considera elegante a elipse de sujeito ou
objeto.
Contaminação
Termos vicários
Tradutorês
Vício de frequência
Pronomes retos
Preservar todos os pronomes retos do inglês cria um texto muito infantil, do
tipo Eu tenho um gatinho. Eu gosto muito dele. Eu só não gosto quando ele
me arranha o braço. Embora muitas vezes a solução mais simples seja
simplesmente omitir o pronome, principalmente no caso de I, há muitas
outras opções, analisadas em verbetes separados para cada pronome.
He/she
I/we
You
Técnicas de Tradução 63
Pronomes oblíquos
Mas não é tudo: temos também os do caso oblíquo, que são um caso sério,
por dois motivos: primeiro que, muitas vezes são desnecessários e
atravancam a frase sem proveito nem finalidade; segundo que nossa
gramática (e nossos revisores e clientes) querem que coloquemos os
pronomes de acordo com um grupo de regras ultrapassado e que poucos
conhecem direito. Por isso, sempre que posso, corto pronomes oblíquos.
Veja o exemplo abaixo:
When I bought them, the salesman said they were eight days old.
Quando eu os comprei, o vendedor disse que eles tinham oito dias de
idade.
Quando comprei, o vendedor disse que tinham oito dias.
As duas traduções estão certas, do ponto de vista da gramática, mas a
segunda é mais breve e flui melhor.
Economia vocabular
PROVÉRBIOS
Nem todos os provérbios ingleses têm correspondentes portugueses (e vice‐
versa). É melhor arranjar uma tradução mais literal e mais fiel ao sentido do
original do que usar um provérbio português que tenha um sentido
totalmente diferente.
PÚBLICO
Toda tradução é dirigida a um determinado público e as escolhas tradutórias
têm que se adequar a esse grupo. Por exemplo, numa tradução voltada para o
público acadêmico, as notas do tradutor são muito mais aceitáveis do que na
literatura de massa, aqueles romances enormes que a gente lê na sala de
embarque do aeroporto.
Registro
Nota do tradutor
REGISTRO
Registro, numa definição grosseira, é o grau de formalidade do texto. Muitas
vezes, na ânsia de escrever corretamente, adotamos um registro
excessivamente formal.
Estilo
Gramática
Público
Técnicas de Tradução 64
Antes de fazer qualquer escolha, é bom verificar se estilo e registro estão de
acordo com o original.
Há tempos, fiz a revisão do texto de um comercial em que uma mãe dizia à
filha de meia dúzia de aninhos Sim, querida, compra‐lo‐ei amanhã.
Gramaticalmente, está certo, mas o registro está mais que errado.
Embora o inglês ainda seja menos formal que o português do Brasil, aos
poucos estamos ficando menos formais, o que torna o problema do registro
menos grave do que já foi. Por exemplo, embora muitos ainda terminem
cartas com fechos formais do tipo sem mais para o momento, subscrevemo‐
nos, atenciosamente, o yours truly pode tranquilamente ser traduzido por
um simples atenciosamente.
SHOULD
A regra de que should e would trocam de significado na primeira pessoa está
caindo em desuso. O contexto vai dizer se deve ser levada em conta no texto
que você está traduzindo.
Tradução canônica
A tradução canônica de should é deveria:
You should go home now
Você deveria ir para casa, agora.
You should see a doctor.
Você deveria consultar um médico.
You shouldn’t be so jealous!
Você não deveria ser tão ciumento!
… mas, às vezes, é melhor usar um torneio do tipo
You should see a doctor.
Acho que seria bom você consultar um médico.
No seu caso, é recomendável consultar um médico
SINTAGMAS NOMINAIS
Os sintagmas compostos de um substantivo modificado por adjetivo
costumam ficar mais idiomáticos quando fazemos uma transposição cruzada,
como resultado da qual o que era adjetivo se torna substantivo e o
substantivo se torna transposição cruzada
Increased efficiency
Aumento na eficiência
Técnicas de Tradução 65
Unprecedented growth
Crescimento sem precedentes
TERMO VICÁRIO
Chamo vicário um termo usado como substituto de outro, para evitar a
repetição. O exemplo clássico é o dos pronomes usados para substituir
substantivos. Por exemplo, em João é muito inteligente, mas ele é também
muito arrogante, o pronome ele se usa para não repetir João. Há também
verbos vicários, geralmente fazer, como em: Detesto ler jornal. Faço‐o por
necessidade, onde faço‐o representa ler jornal.
Vício de frequência
Pronomes
Do/did
O português usa menos termos vicários que o inglês – um dos motivos porque
é tão difícil aprender a usar os auxiliares inglês como vicários – e, por isso,
usar sempre um vicário em português quando há um em inglês constitui vício
de frequência.
Contaminação
THIS/THAT
This e that podem ser tanto pronomes quanto adjetivos. Por exemplo, em
vício de frequência
termo vicário
tradutorês
pronomes
That book is too long. That is its main defect.
O primeiro that é adjetivo, porque modifica book, mas o segundo é pronome,
porque substitui book.
O inglês tende a usar mais pronomes demonstrativos do que o português.
Usar pronomes demonstrativos em português não é errado, mas, se
traduzirmos para o português todos os pronomes demonstrativos
encontrados no original, nossa tradução vai parecer pesada, artificial, pouco
idiomática.
TRADUÇÃO LITERAL
A tradução literal é o terceiro dos sete procedimentos fundamentais descritos
por Vinay e Darbelnet. Trata‐se do caso em que o original é traduzido palavra
Técnicas de Tradução 66
por palavra, com as alterações morfossintáticas indispensáveis para se
adequar à língua de chegada. Por exemplo:
The boy ate a piece of cake.
O menino comeu um pedaço de bolo.
No caso acima, a cada palavra do original corresponde uma da tradução.
Porém aqui,
She dreamed of a new life.
Ela sonhava com uma vida nova.
…of, não recebeu sua tradução canônica, que é de, porque a regência do
verbo sonhar exigia com, ou seja, foi feita uma alteração para atender a uma
exigência morfossintática. No mais, a cada palavra inglesa corresponde a
palavra portuguesa homóloga. Para mim, a tradução continua sendo literal.
Literal não significa errado:
The boy ate a piece of cake.
O menino comeu um pedaço de bolo.
… é literal e perfeitamente correto. Quem, para evitar a literalidade, fizer uma
alteração simples, do tipo
The boy ate a piece of cake.
O menino comeu uma fatia de bolo.
…está se desviando do original e perdendo a precisão sem necessidade. O
pedaço de bolo pode ser uma fatia, mas também pode ser um cubo. Muita
sorte se não acontecer de o texto dizer mais adiante que a mãe do menino
sempre cortava bolo em cubos.
Rejeite a tradução literal quando trair o sentido do inglês, ou as normas de
gramática ou de estilo do português. Por exemplo:
He drove his new car up main street.
Ele dirigiu seu carro novo para cima da principal rua.
…é inaceitável porque, além de não ser português que se preze, ainda trai o
sentido do original.
TRADUTORÊS
Uns chamam tradutorês, outros chamam tradutês, mas não encontrei
nenhuma das formas dicionarizadas. São palavras e expressões em português
que achamos quase que exclusivamente em traduções, embora tenham
correspondentes perfeitos na língua usual.
Técnicas de Tradução 67
Em alguns casos, desaparecem com o tempo como o zinha, encontrada como
tradução de chick em legendas antigas. Em outros casos, vão aos poucos se
agregando ao repertório padrão da língua. Um exemplo é como se não
houvesse amanhã, que é uma tradução literal if there was no tomorrow, que
hoje é comum em português. Antigamente, se dizia como se o mundo fosse
acabar hoje.
Modulação
TRANSPOSIÇÃO
A transposição é o quarto dos sete procedimentos fundamentais descritos por
Vinay e Darbelnet. Trata‐se de substituir ao menos um termo da língua de
partida por um termo da língua de chegada que tenha o mesmo sentido, mas
uma classificação morfossintática diferente.
Muitas vezes, a transposição é obrigatória. Por exemplo, em
The volcano erupted in May
O vulcão entrou em erupção em maio
…não há verbo português que traduza erupt, então temos que apelar para a
transposição, usando um torneio de frase que envolve um substantivo
português e um verbo muleta português.
Muleta
Mas nem sempre a transposição é obrigatória, embora Neste caso:
You must report this to the authorities.
Você deve comunicar o fato às autoridades.
É obrigatório comunicar o fato às autoridades.
Embora a primeira sugestão, uma tradução literal, esteja perfeitamente
correta, a segunda sugestão, com transposição, flui melhor sobre nos livrar de
um pronome de segunda pessoa, do tipo que costuma infestar
impiedosamente as traduções do inglês.
Must
You
Aqui também:
They kissed goodnight.
Deram um beijo de boa noite.
…parece ser a única solução viável.
Keagan scored 37 times during the season.
Keagan marcou 37 gols durante a temporada.
Técnicas de Tradução 68
This irritates me
Isso me deixa irritado
Knit
Fazer tricô
Transposição cruzada
Na transposição cruzada, dois componentes de um sintagma trocam de lugar,
fazendo o que os enxadristas chamam um roque:
Increased efficiency
Aumento na eficiência
Esse tipo de transposição é muito comum em sintagmas nominais onde o
adjunto inglês se transformar no núcleo português.
VERBO
Não posso provar, mas minha experiência é que inglês fala com verbos, o
português com substantivos. Acredite se quiser. Os verbos ingleses costumam
ser mais específicos que seus congêneres portugueses, o que nos obriga a
usar algum tipo de complementação:
I usually fly to Chicago, but decided to drive this time.
Geralmente, vou para Chicago de avião, mas decidi ir de carro desta
vez.
Tem gente que diria “geralmente voo para Chicago”, mas eu acho que quem
voa são o Superman e quejandos.
Esse é um dos motivos porque as traduções do inglês costumam ser mais
longas que seus originais ingleses. O português precisa de 72 caracteres, onde
o inglês se satisfez com 58 somente. Uma diferença de 24% – o que não é
pouco.
Note estes outros casos em que o verbo inglês ou não tem um bom
correspondente em português, ou tem um correspondente raro, o que nos
leva a usar um predicado mais amplo:
The corporal saluted the sergeant.
O cabo prestou continência ao sargento.
The volcano erupted on Tuesday.
O vulcão entrou em erupção na terça‐feira
The general reviewed the troops
O general passou as tropas em revista.
Técnicas de Tradução 69
Em outros casos, é mais fácil expressar os matizes dos verbos ingleses usando
abstratos em português. Por exemplo a oposição entre
I hope she will come.
e
I expct she will come.
…só fica clara se dissermos
Tenho esperança de que ela venha.
e
Tenho a expectativa de que ela venha;
O problema, nesses casos, é que precisamos encontrar um verbo para a frase,
algo complicado, porque nossos dicionários não costumam dar esse tipo de
informação.
Por outro lado, a morfologia do verbo inglês é paupérrima, o que obriga a
usar pronomes onde são dispensáveis em português. Por isso, é sempre
recomendável questionar todos os pronomes numa tradução, para ver se eles
estão lá porque o português precisa ou porque eram necessários em inglês.
Muleta
Colocação
VÍCIO DE FREQUÊNCIA
Vício de frequência é o uso de construções perfeitamente corretas, porém
com frequência diferente nas línguas de partida e de chegada. Por exemplo:
I like chocolate.
Eu gosto de chocolate.
A frase portuguesa está correta, mas o eu é dispensável em português, ao
passo que o I é indispensável em inglês.
Embora seja perfeitamente correto, traduzir todos os pronomes encontrados
num texto inglês por pronomes em português constitui vício de frequência,
porque as frases sem sujeito explícito, raríssimas em inglês, são comuns em
português. O extremo oposto, que é jamais usar pronomes, constitui
igualmente vício de frequência, porque nós usamos pronomes em português.
Não há uma fórmula para lidar com vícios de frequência: diferentes
tradutores e revisores vão preservar ou omitir os pronomes em diferentes
situações, muitas vezes de acordo com critérios puramente subjetivos.
Técnicas de Tradução 70
Estilo
Contaminação
VIÉS
Todo texto tem seu viés, que geralmente só notamos quando discordamos
dele. O viés do texto faz parte integrante da mensagem e deve ser preservado
na tradução. Uma tradução do Mein Kampf sem o viés antijudaico
simplesmente seria uma má tradução. A tradução deve transmitir a
mensagem contida no original, não a mensagem que o tradutor acha que o
original deveria transmitir. A eliminação de vieses, por menos que
concordemos com eles, não se coaduna com a missão do tradutor, que é
retransmitir mensagens, não censurar a obra alheia, por mais censurável que
nos pareça.
VOZ DO TRADUTOR
É impossível calar a voz do tradutor: por mais cuidado que você tome, sua
visão da vida vai matizar sua tradução. Mas, por favor, procure falar baixo e
nunca mais alto que o autor. Tenha sempre em mente que o leitor está lendo
para saber o que o autor disse, não o que você acha que deveria ter sido dito.
Além de um certo limite, o que seria uma tradução salta o muro da adaptação
e vira obra nova.
Adaptação
Intervenção do tradutor
WE
Como todos os pronomes, we é um termo vicário e, por isso, exige cuidados
especiais.
Termo vicário
Traduzir literalmente ou omitir
Muitas vezes, simplesmente pode – e deve – ser eliminado da tradução, por
ser desnecessário em português:
We travelled to London together
Fomos para Londres juntos
Economia vocabular
Vício de frequência
Técnicas de Tradução 71
Traduzir por “a gente”
Em linguagem informal, a tradução pode ser “a gente”:
We always have dinneer together on Saturdays.
A gente sempre janta junto nos sábados.
WILL
A velha regra que requer a troca de shall por will nas primeiras pessoas está
em plena obsolescência, entretanto, é válida para os textos mais antigos.
Como não posso aqui apresentar uma visão diacrônica do inglês, tenho de
deixar a seu cargo decidir se, para o texto que está à sua frente, ela ainda é
válida.
Futuro
O uso mais comum de will é para formar o futuro,(I’ll buy), tendo como opção
be going to (I am going to buy). Existem numerosas explicações sobre as
diferenças entre uma e outra forma. Entretanto, salvo pelo fato de que as
formas com going to não se usam no registro mais formal, as diferenças são
difíceis de definir e variam muito de pessoa para pessoa.
O português brasileiro atual tem três futuros, que considero legítimos numa
tradução. O primeiro é o futuro do presente simples: comprarei; o segundo é
o futuro perifrástico vou comprar, o terceiro, é o próprio presente do
indicativo: compro. O futuro simples deve ser reservado exclusivamente para
os registros formais; os outros dois devem ficar para os registros informais. Há
quem use irei comprar, que me parece uma hipercorreção pedante que, por
isso, jamais uso.
Outras acepções
Mas é perigoso traduzir will sempre pelo futuro, porque é uma palavrinha
matreira, com inúmeras outras acepções.
Por exemplo
Doctor Jones will see you now.
… dita por uma recepcionista num consultório médico, não é
O dr. Jones verá a senhora agora.
mas fica bem traduzido por:
Pode entrar!
Equivalência
Técnicas de Tradução 72
Também pode expressar uma recusa em fazer alguma coisa:
Fern won’t eat meat.
Fern não comerá carne.
Fern se nega a comer carne.
Ou um acontecimento inevitável:
Oil will float above water.
O óleo flutua na água.
…onde não caberia usar o futuro português. ou
Men will be men.
Homem é assim mesmo.
Equivalência.
…e olha, nem de longe consegui tratar de todas as possibilidades.
WOULD
Em alguns lugares (e em textos mais antigos), ainda se respeita a regra de que
should e would trocam de funçãoquando se trata de primeira pessoa. Essa
distinção está desaparecendo rapidamente e, aqui, não vai ser respeitada. O
contexto dirá se, no texto que você tem pela frente, essa oposição ainda é
válida.
Futuro do pretérito
O uso mais comum de would é na formação do futuro do pretérito:
She said she would come.
Ela disse que viria.
De quebra, na tradução, cortamos um pronome desnecessário.
Negativas e impossibildiades
Quando usado para expressar uma negativa ou uma impossibilidade:
He wouldn’t sign the statement.
Ele se negava a assinar a declaração.
Hábitos passados
Quando would é usado para refletir um hábito passado, não se traduz pelo
futuro do pretérito:
Técnicas de Tradução 73
We would often go to schoo together.
A gente muitas vezes ia para a escola juntos.
Note, aqui, o uso de a gente para traduzir we.
Pedidos
Nos pedidos, não se usa o futuro do pretérito, em português:
Would you please tell me at what time they open?
Você pode me dizer a que horas eles abrem?
YOU
Este verbete trata exclusivamente de you como pronome do caso reto.
Pronomes oblíquos
Como todo pronome, you é um termo vicário.
Termo vicário
Vício de frequência
Manter ou omitir?
Não é errado manter o you. Entretanto, traduzir todos os casos de you de um
texto por seus homólogos em português – ou não traduzir nenhum – é vício
de frequência. Muito depende do contexto e mesmo de escolhas pessoais.
Por isso, num texto com dez ocorrências de you, entregue a cinco tradutores,
podemos ter certeza de que não haverá dois com as mesmas soluções.
Vício de frequência
Quando aparecem vários casos de you no mesmo período, geralmente vale a
pena manter o primeiro:
You don’t have to go to the movies, you can go to the theater, and you
can even stay at home.
Você não precisa ir ao cinema, pode ir ao teatro, pode até mesmo ficar
em casa.
Entretanto, uma boa parte das vezes, na linguagem escrita, vale a pena omitir
o you:
Do you like Italian food?
Gosta de comida italiana?
Técnicas de Tradução 74
Você, o senhor, tu, vós?
Se resolver traduzir o you, vai ter de escolher entre pelo menos quatro
pronomes portugueses: tu, vós, o senhor e você, para não falar em casos
especiais onde podemos usar se, nós ou até a gente – por incrível que possa
parecer. E sem contar os casos onde o português exige formas de tratamento
especiais, como no caso dos juízes e autoridades.
Tu é cada vez mais regional. Juntamente com vós, é também muito útil para
textos de época, quer dizer textos escritos há muito tempo ou textos
modernos ambientados em tempos passados.
O uso de você avança rapidamente em todo o Brasil. Você tem a vantagem de
não ser sexista. Se optarmos por senhor, ou excluímos as mulheres de vez, ou
usamos coisas como o(a) senhor(a), uma construção pesada e cansativa que
acaba por colocar as mulheres em segundo lugar, como apêndices dos
homens, uma construção que só se recomenda para textos extremamente
formais.
Uma vez feita a escolha, deve ser mantida. Poucas coisas piores do que um
texto onde a mesma pessoa trata alguém alternadamente por você e o
senhor. Uma boa regra para é usar senhor/senhora quando o inglês usa
Mr./Mrs/Miss. Nos outros casos, use você.
Aliciamento
É muito comum usar you para convencer o leitor a se tornar nosso aliado
nosso numa causa:
You don’t do this to children.
Caso em que o melhor é usar a passiva sintética em português:
You don’t do this to children.
Isso não se faz com uma criança.
You don’t wear red to a funeral
Não se usa vermelho em funeral.
Em situações muito informais, a gente é uma boa solução para aliciar o leitor:
You don’t wear red to a funeral
A gente não usa vermelho em funeral.
Atenção
Muitos livros anglo‐americanos sobre redação recomendam usar you para
conquistar a atenção do leitor. Em
You should oil this machine once a week.
Técnicas de Tradução 75
…o autor não quer dizer que o leitor tenha de pessoalmente lubrificar a
máquina, mas só procurando obter a atenção de quem lê. Nesses casos,
You should oil this machine once a week.
É recomendável lubrificar esta máquina uma vez por semana.
Esta máquina deve ser lubrificada uma vez por semana.
Lubrifique esta máquina uma vez por semana.
…é uma ótima solução para evitar o uso excessivo de you.
Imperativo
Should
Vício de frequência
…oooOOOooo…