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A doença e a arte de Vincent van Gogh

Um antidepressivo com
Apresentações2 eficácia comprovada
50 mg com 14 comprimidos
nas principais escalas de avaliação

Elza Márcia Targas Yacubian


50 mg com 28 comprimidos
100 mg com 14 comprimidos (HamD6, HamD17, Madrs, Sheehan e CGI)3-7

Referências bibliográficas: 1. Diário Oficial da União, 28/07/2008, RE2.605, de julho de 2008. 2. Bula do produto. 3. Tourian KA et al. Efficacy, Safety, and Tolerability of Desvenlafaxine 50 mg/d in Patients With Major Depressive Disorder. Poster NR6-071 Elza Márcia Targas Yacubian

492310 PTD1023 Livro A doença e a arte de Vincent Van Gogh


presented at the American Psychiatric Association, May 16-21, 2009, San Francisco, California. 4. Thase ME et al. An Integrated Analysis of the Efficacy of Desvenlafaxine Compared with Placebo in Patients with Major Depressive Disorder. CNS Spectr
2009;14(3):144-54. 5. Pitrosky B, Thase ME et al. Efficacy of desvenlafaxine compared with placebo in patients with major depressive disorder: a pooled analysis. Poster presented at the 50th Anniversary of the CINP Congress, 13-17 July 2008, Munich,

A doença e a arte de
Germany. 6. Guico-Pabia C et al. Desvenlafaxine 50 mg/d Improves Functioning and Quality-of-Life Measures in Patients With Major Depressive Disorder. Poster NR6-042 presented at the American Psychiatric Association, May 16-21, 2009, San Francisco, Cali-
fornia. 7. Soares CN, Thase ME, Kornstein SG et al. The efficacy of desvenlafaxine for improving functioning and quality of life measures in patients with MDD. Poster presented at the 21st ECNP Congress, 30August – 3 September 2008, Barcelona, Spain.

IMPORTANTE CONTRAINDICAÇÃO: NÃO DEVE SER USADO CONCOMITANTEMENTE A UM IMAO.


IMPORTANTE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA: POSSÍVEL AUMENTO DE SUAS CONCENTRAÇÕES
PLASMÁTICAS SE ADMINISTRADO COM POTENTES INIBIDORES DA CYP3A4. Vincent van Gogh
Material produzido em novembro/2010 2ª edição
Veja no verso mais informações sobre o produto.
Material destinado à classe médica.
Wyeth Indústria Farmacêutica Ltda
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A doença e a arte de Vincent van Gogh
Elza Márcia Targas Yacubian

A doença e a arte de
Vincent van Gogh
2ª edição

Elza Márcia Targas Yacubian


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Elza Márcia Targas Yacubian

A doença e a arte de
Vincent van Gogh
2ª edição

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A doença e a arte de Vincent van Gogh - 2ª edição
Copyright © 2010 – Elza Márcia Targas Yacubian
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou sistema, sem prévio
consentimento da editora, ficando os infratores sujeitos às penas previstas em lei.

Todos os direitos desta edição reservados a:


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Yacubian, Elza Márcia Targas.

A doença e a arte de Vincent van Gogh / Elza Márcia Targas Yacubian.


– São Paulo : Casa Leitura Médica, 2010.

Bibliografia
ISBN 978.85.61125.10-3

1. Artista 2. Doença 3. Diagnóstico I. Yacubian, Elza Márcia Targas II.


Título
CDD 616.8

Índice para catálogo sistemático:


1. Van Gogh: Vida e obra: Medicina

Impresso no Brasil
2010

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A doença e a arte de
Vincent van Gogh
2ª edição

Apoio:

Edição de entrega exclusiva a profissionais médicos.

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Sobre a autora

Elza Márcia Targas Yacubian


Professora afiliada do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia
Chefe da Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM)

Agradecimentos

A Gerardo de Araújo Filho, que auxiliou na interpretação dos sintomas


de Van Gogh à luz da CID-10, do DSM-4R e da proposta de Classificação
dos Transtornos Neuropsiquiátricos em Epilepsia da Comissão de
Psicobiologia da Epilepsia da International League Against Epilepsy.

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Sumário

Introdução . ...........................................................................................................................7

Biografia Baseada na Psicopatologia . ......................................................................................9

Absinto . ..............................................................................................................................27

Glaucoma ...........................................................................................................................31

Sífilis ..................................................................................................................................33

Intoxicação Digitálica ..........................................................................................................39

Intoxicação por Chumbo . .....................................................................................................43

Porfiria Intermitente Aguda .................................................................................................45

Doença de Ménière . ............................................................................................................49

O Episódio da Automutilação ...............................................................................................51

Epilepsia . ...........................................................................................................................55

Transtornos Psiquiátricos ......................................................................................................69

Suicídio . .............................................................................................................................89

Conclusão . ..........................................................................................................................93

Referências Bibliográficas .....................................................................................................94

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Introdução

A pesar da falta de reconhecimento profissional por parte


dos seus contemporâneos, Vincent van Gogh desenvolveu
uma ideia artística própria, alcançando uma vasta obra só tar-
diamente reconhecida e de inestimável valor na atualidade. Sua
enfermidade, bem como a influência desta em sua obra, tem
sido objeto de numerosas investigações e especulações, desa-
fiando a medicina mais de 150 anos após o seu nascimento.
Suas cartas autobiográficas e o diagnóstico de seus médicos con-
firmam o fato de que ele apresentou sintomas físicos e psicopa-
tológicos, especialmente nos seus últimos anos. A patografia de
van Gogh é facilitada por suas cartas, cuidadosamente ordena-
das por Johanna van Gogh-Bonger, a esposa de seu irmão Theo.
Seus sintomas durante os eventos não estão em suas cartas, pois
ele evitava escrever durante suas “crises”, as quais ocorreram
em paroxismos nos seus dois últimos anos de vida, entre 35 e
37 anos de idade (1888-1890). Tais crises duraram semanas ou
meses e cursaram com comprometimento físico, entre as quais
mantinha perfeita lucidez, atestada em seus escritos em que se
revelou um escritor brilhante, talvez um dos maiores escritores
de cartas de todos os tempos. Esses episódios ocorriam em
grupos e eram seguidos por intervalos livres de sintomas com
duração de até vários meses. “Estou indo para o asilo em Saint-
Rémy, não muito longe daqui, por pelo menos três meses. No
total, tive quatro ataques maiores, durante os quais eu não sei o
que fiz, disse ou queria. Antes destes, eu fiquei inconsciente por
três vezes, sem qualquer razão reconhecida e não me lembro do
que senti nestes períodos...” [Vincent a Wilhelmina, 30 de abril

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de 1889]. Frequentemente fazia referência a alucinações visuais
e auditivas e estômago “fraco”: “Devido a uma fraqueza no estô-
mago durante os ataques, eu não posso me alimentar...” (22 cita-
ções entre 1882 e 1889) e “sou incapaz de descrever exatamente
o meu problema; e então surgem crises horríveis de ansiedade,
aparentemente sem causa, ou uma sensação de vazio ou fadiga
na cabeça...” [Vincent a Wilhelmina, 30 de abril de 1889]. Após
a resolução dos episódios, havia recordação muito vaga destes, o
que sugere uma perturbação da consciência.

Os diagnósticos propostos incluem epilepsia do lobo tem-


poral, sífilis, intoxicação por digital ou chumbo, porfiria inter-
mitente aguda, doença de Ménière, glaucoma, esquizofrenia e
transtorno bipolar, entre vários outros diagnósticos psiquiátricos.
Qualquer um poderia ser postulado, agravado por má nutrição,
excesso de trabalho, ansiedade, insônia e uso excessivo de álcool,
particularmente absinto, associado à terebintina e à cânfora.

Neste texto, não temos a ambição de trazer contribuições


científicas sobre a possível doença ou renovar a interpretação
de algum aspecto de sua obra, apresentaremos apenas o resu-
mo do material colhido nas publicações citadas na bibliografia.
Ao final, constatamos que a admissão em um hospital nos dias
atuais de um gênio como Vincent van Gogh seria um desafio
semelhante ao que enfrentaram os médicos do século XIX.

Elza Márcia Targas Yacubian


São Paulo, março de 2008

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Biografia Baseada na Psicopatologia

V incent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Groot


Zundert, na Holanda, em uma família que se tinha especiali-
zado havia muito tempo em dois setores: o comércio de pintura e a
prática religiosa. Um antepassado de Vincent tinha sido bispo em
Utrech e o seu próprio pai e o avô eram pastores da Igreja Reformada.
Vincent substituiu um irmão, a quem seus pais haviam dado
este nome e que nasceu exatamente um ano
antes, em 30 de março de 1852, tendo fale-
cido aos 6 meses de idade. Foi, assim, o se-
gundo filho do pastor calvinista Theodorus
van Gogh e de sua esposa Anna Cornelia
Carbentus e teve mais cinco irmãos: Anna
Cornelia, Theodorus (Theo), Elisabeth, Wi-
lhelmina (Wil) e Cornelius. Herdou do pai
a austeridade e o mau humor. Vários de seus
irmãos apresentaram doença mental: Theo so-
freu depressão e ansiedade, tendo falecido de
“demência paralítica”, muito provavelmente
neurossífilis ou doença renal crônica, no Insti-
tuto Médico para Doentes Mentais em Utre-
cht, aos 33 anos. Wilhelmina era esquizofrênica e viveu 40 anos
nesse mesmo asilo, enquanto Cornelius, seu irmão mais jovem,
membro do exército holandês, possivelmente cometeu suicídio
em 1890 na África do Sul. Semanalmente, a família visitava o
túmulo do primogênito Vincent, com quem o “substituto” era
comparado de forma hostil. Ele cresceu com pouco sentimen-
to de autoestima e consciência vívida da morte. Em suas obras,

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A família Van Gogh

Theodorus Anna Cornelia

Túmulo do irmão de Vincent Willem Anna Cornelia Theodorus Vincent


Vincent van Gogh

Elisabeth Huberta Wilhelmina Jacoba Cornelius Vincent

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retratou sucessivas vezes símbolos da morte e do nascimento e
renascimento (Morrant, 1993). Sua educação formal foi breve,
tendo frequentado a escola da aldeia dos 8 aos 11 anos; o inter-
nato em Zevenbergen dos 12 aos 14, onde aprendeu francês,
inglês e alemão e, dos 14 aos 16, a escola em Tilburg. Em março
de 1868 retornou à casa dos pais.

A juventude
Brixton, 87 Hackford Road.
Seus anos de juventude foram despendidos como negociante
de arte, professor e pregador religioso. Em 1869, aos 16 anos, o
tio Vincent, dono da sucursal da galeria Goupil em Haia, ofere-
ceu-lhe o primeiro emprego, que exerceu durante quatro anos.
Em 1872, iniciou a troca de correspondência com Theo, seu ir-
mão quatro anos mais novo, que perdurou até o final de sua vida.
Em janeiro de 1873, transferido para Bruxelas, conviveu por
alguns meses com Theo, então com 15 anos e já trabalhando na
Goupil. Em maio desse mesmo ano, transferido para Londres,
residiu em Brixton, na 87 Hackford Road, onde se apaixonou
por Eugénie Loyer, a filha da dona da pensão, Sarah Úrsula Loyer.
Era 1873, tinha 20 anos e a rejeição de Eugénie tornou-o dis-
plicente e atormentado cada vez mais por questões existenciais.
Surgiram nessa época traços de excentricidade, introversão, ten-
dência ao isolamento, tendências proselitistas com características
de fanatismo e inadaptação, que se manteriam ao longo de sua
vida (Heerlein, 2000). De outubro a dezembro de 1874, viveu
em Paris, temporariamente transferido pela Goupil. Após breve
retorno a Londres, foi definitivamente transferido para a filial de
Paris em 1875. Em março de 1876, demitido da Goupil, aos 23
anos, frustrado como negociante, decidiu deixar o mundo da arte
e se dedicar à religião dizendo: “A arte é bela, mas a profissão de
meu pai é mais sagrada...”. Regressou à Inglaterra, trabalhando Aos 13 anos.

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como professor numa escola de educação infantil em Ramsgate,
próximo a Londres e depois em Isleworth, onde ocasionalmente
pregava como pastor. Suas cartas para casa preocupavam todos:
“... Parece que alguém está me ameaçando...” (Van Gogh-Bon-
ger, 2004). No Natal, visitou a família na Holanda, tendo traba-
lhado por alguns meses em uma livraria. Em maio de 1877, sob
influência paterna, tentou os exames para o curso de teologia na
Universidade de Amsterdã e viveu com o tio Jan (Johannes Stri-
cker, 1817-1885), viúvo, comandante da Marinha. Em julho de
1878, aos 25 anos, após um ano, reconheceu que seria incapaz
de se qualificar para os exames admissionais da escola teológica
da Universidade de Amsterdã. Abandonou os estudos e tentou
um curso preparatório para evangelizadores em Bruxelas. Repro-
vado, voltou à casa paterna, agora em Etten. De janeiro a agosto,
foi missionário nas minas de carvão do Borinage, na Bélgica,
onde viveu em extrema pobreza, em uma choupana, em condi-
ção de asceta. Seu fanatismo religioso exagerado foi o principal
determinante da não renovação do seu contrato pela Comissão
de Evangelização de Bruxelas em julho de 1879. Decidido a se
tornar um artista, ali pintou retratos de mineiros e passou a vi-
ver com o auxílio financeiro de Theo, que sempre trabalhou na
Goupil. Em 1880, tinha 27 anos, quando, finalmente, decidiu
dedicar-se integralmente à pintura e tentou ingressar na Acade-
mia de Belas Artes em Bruxelas. Em setembro de 1881, de Etten,
escreveu a Theo que estava novamente apaixonado. Desta vez
por K., letra com a qual se referia à prima viúva Kee Vos-Stricker,
filha de seu tio Johannes Stricker. Recém-viúva de Christoffel
Vos, vivia em Amsterdã com o filho de 4 anos. Enfrentou oposi-
ção e grandes conflitos com a família, particularmente com seu
pai, que classificou a relação de incestuosa. Como prova de seu
amor, à negativa da mulher em recebê-lo em uma visita, quei-
mou as mãos na chama de uma lâmpada de querosene.

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Kee Vos-Stricker e seu filho de 4 anos.

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A partir desse episódio seu comportamento tornou-se ainda
mais irritadiço e nervoso, seu relacionamento com os pais foi-se
tornando cada vez mais difícil e em dezembro, depois de uma
violenta discussão com o pai, partiu subitamente para Haia, pro-
curando pelo primo Anton Mauve (1838-1888), notável pintor
de camponeses e um dos líderes da escola de Haia. Nesse local,
no início de 1882, escandalizou Mauve e sua família ao acolher
uma prostituta grávida e doente, Clasina Maria Hoornik (que ele
chamava de “Sien”), que lhe serviu de modelo de alguns de seus
desenhos. Com ela teve sua única relação mais estável, que durou
18 meses. Em junho de 1882, uma infecção gonorreica requereu
sua hospitalização por 25 dias. Sien tinha uma filha de 5 anos e
deu à luz Willem, quando em sua companhia.
Trabalhou e estudou com pintores holandeses até o final de 1883,
quando, após tormentosa desaprovação familiar, deixou Sien e voltou
à sua família. Em 1884, aos 31, vivendo com os pais em Nuenen, teve
uma relação amorosa também não aprovada com a vizinha Margot
Menina ajoelhada diante do berço. Bergemann, que tentou o suicídio. Seu pai morreu subitamente em
Vincent van Gogh, 26 de março de 1885 e, no final de abril, Vincent completou um de
Haia, março de 1883. seus quadros mais famosos, Os comedores de batatas.
O menino é Willem, nascido Em setembro, o pároco local proibiu que seus fiéis posassem
em julho de 1882. como modelos para as pinturas de Van Gogh. Em janeiro de
Embora não seja possível confirmar 1886, matriculou-se na academia de arte em Antuérpia, mas
a identidade da menina, é possível que não foi aceito na classe de alunos avançados. Estudando Rem-
seja Maria Wilhelmina, filha de Sien, brandt, Rubens e Franz Hals, à noite trabalhava com modelos
nascida em 7 de maio de 1877. vivos. Nessa época tinha hábitos alimentares precários e suas
refeições incluíam apenas o café da manhã e café com pão à tar-
de. Vangloriava-se da sua prática de jejum, que lhe ocasionava
crises de tontura, desmaios, emagrecimento, fraqueza e proble-
mas digestivos. Apresentava ainda sérios problemas dentários.
Há referência à necessidade de procurar auxílio médico com
quadro sugestivo de uma não confirmada febre tifoide.

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Os comedores de batatas.
Vincent van Gogh, Nuenen, abril de 1885.
“Estas pessoas, comendo suas batatas à luz
da lâmpada, cavaram a terra com as mãos
que levam ao prato; assim, enfatizei seu
trabalho manual e como elas ganharam
honestamente o seu alimento...”

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A vida em Paris

De março de 1886 a fevereiro de 1888, Vincent viveu em Paris


com Theo, à época gerente da galeria Goupil, sendo um dos pou-
cos negociantes de arte que apoiavam a pintura experimental. Ini-
cialmente à Rue de Laval, coração de Montmartre, e depois à Rue
Lepic, 54. Theo o apresentou aos impressionistas, entre os quais
Camille Pissarro, Paul Signac, Edgar Degas, Paul Gauguin e Henri
de Toulouse-Lautrec, este último viciado em álcool e que o intro-
duziu ao absinto, na época uma bebida muito popular, servida nos
cafés e restaurantes na “Hora Verde” do final da tarde. Usado de
forma ritualística, era servido em um copo especial, acompanhado
de uma colher perfurada sobre a qual se colocavam cubos de açú-
car e se despejava água fria, transformando a cor verde do licor em
branca pela precipitação das ervas solúveis no álcool.
Nos anos em Paris, teve problemas dentários e gástricos. “... Ele
O absinto. teve de fazer uma gran-
Edgar Degas (1834-1917), Paris, 1876. de operação na boca,
Um símbolo da Belle Époque. porque tinha perdido
quase todos os dentes,
Agostina Segatori no Café du Tambourin. devido às más condi-
Vincent van Gogh, Paris, ções de seu estôma-
fevereiro-março de 1887. go...” [Carta de Theo
Muito da vida de Vincent em Paris se à mãe, verão de 1886].
passou no Café du Tambourin no Boulevard As cores invadiram sua
de Clichy. Ali teve um affair com sua paleta, pintou com os
proprietária, a italiana de 46 anos, “ainda impressionistas, com-
bonita”, Agostina Segatori, por quem se prou fi­guras da arte ja-
apaixonou. Ela vivia com um homem que ponesa e retratou o pai
exigia seus favores apenas para si e um dia Tanguy, um modesto
atirou um copo de cerveja em Vincent e o comerciante de tintas,
expulsou dali. circundado por elas.

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Retrato de pai Tanguy.
Vincent van Gogh, Paris,
inverno de 1887/88.

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A vida em Arles

Em fevereiro de 1888, aos 35 anos, cansado de Paris, viajou


para Arles, no sul da França, para construir o “Estúdio do Sul”,
uma comunidade de artistas. Viveu em um quarto no Restauran-
te Carrel e no Café de la Gare e escreveu a Theo: “Quando deixei
Paris, estava seriamente doente; doente de coração e de corpo,
quase um alcoólatra...”. Encontrava-se otimista, produtivo, cria-
tivo e esperançoso (Heerlein, 2000). Em maio, alugou quatro
salas na Casa Amarela, na Praça Lamartine.
Foi em busca de luz e cor, e a ele se juntou o primeiro pintor,
Paul Gauguin, a quem recebeu com sua série de girassóis. Gau-
guin chegou a Arles aos 40 anos, em 23 de outubro de 1888, e,
em decorrência de suas diferenças no temperamento e tendências
estéticas, compartilhou com Vincent, então com 35, as “nove tur-
bulentas semanas em Arles” (Gayford, 2006). Gauguin tinha certa
reputação como pintor de vanguarda e elevada autoestima; van
Gogh era um desconhecido que se sentia um aprendiz.
Os dois homens foram reunidos por Theo, o negociante da
Paul Gauguin. obra de Gauguin em Paris. Vincent persuadiu Theo, que já o su-
Homem com barrete vermelho. portava financeiramente, a oferecer a Gauguin alojamento gratui-
Vincent van Gogh, Arles, to em troca de suas pinturas se ele concordasse em viver com ele na
1 de dezembro de 1888. Place Lamartine 2, em Arles. Para Theo, Gauguin estaria ao lado
do instável Vincent dividindo as despesas e dando vida ao sonho
de Vincent, uma comunidade artística quase monástica.
Para Vincent foi uma fase de trabalho intenso e ingestão pesada
de álcool e outras substâncias químicas, como absinto associado ao
tabaco do inseparável cachimbo. Trabalhavam freneticamente ao ar
livre, muitas vezes à noite. Pintavam tudo que estava à mão – cenas
de Arles, a casa, os móveis, as praças, um ao outro. Gauguin pintou
o retrato de van Gogh pintando girassóis, diante do qual Vincent
exclamou: “Certamente sou eu, mas sou eu tornando-me louco...”.

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A Casa de Vincent em Arles.
Vincent van Gogh,
Arles, setembro de 1888.

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Em novembro, escreveu: “Gauguin me encoraja a pintar se-
guindo minha imaginação. Certas coisas, de memória, parecem
ter um caráter mais misterioso... Pas­samos os dias trabalhando,
trabalhamos sempre. À noite, sentimos um cansaço mortal, va-
mos ao Café e logo cedo para a cama. Esta é nossa vida...”.
O inverno aprisionou os dois na Casa Amarela. Com exceção
das saídas aos bordéis locais – que eles chamavam de “excursões
higiênicas” – os dois raramente se separavam, o que certamente
anunciava problemas. Nessa época, Vincent tornou-se propenso
a ataques de raiva violentos e perdeu progressivamente o interesse
sexual. Gauguin descreveu: “Entre dois seres como ele, e eu, ele
um verdadeiro Vulcano e eu também em ebulição interna, desde o
começo se preparava para algum tipo de luta...”.
No final de novembro e início de dezembro de 1888, pin-
tou uma série de retratos de todos os membros da família do
carteiro Joseph Roulin. Theo tornou-se noivo de Johanna, com
quem pretendia passar o Natal; o carteiro Joseph Roulin havia
sido transferido para Marseille e Gauguin deixava claro que não
pretendia continuar ali. “Prezado Sr. Van Gogh: Ficaria grande-
mente agradecido se me enviasse parte do dinheiro dos quadros
que vendeu. Afinal de contas, tenho de voltar a Paris. Vincent e
eu simplesmente não conseguimos viver juntos em paz devido à
incompatibilidade de gênios, e ambos necessitamos de tranqui-
lidade para desenvolver nosso trabalho...” [Carta de Gauguin a
Theo]. Nessa época, Van Gogh passou a apresentar os episódios
críticos de natureza não absolutamente clara, os quais perma-
neceram até o final de sua vida, dois anos depois. Nos 15 me-
ses que viveu em Arles sofreu os dois primeiros. No inaugural,
ocorrido na noite de 23 de dezembro de 1888, se automutilou,
cortando o lóbulo da orelha esquerda e entregando-a para o outro
vértice de um provável amargo triângulo amoroso: uma prostituta
chamada Rachel. Seguiu-se uma internação no Hospital de Arles

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Retrato de Vincent van Gogh.
Paul Gauguin, Arles, 1888.

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por 14 dias. Entre 7 e 17 de fevereiro de 1889, foi readmitido no
hospital por 10 dias, pois sofria alucinações e suspeita de que o
estavam intoxicando. No final de fevereiro, a população local fez
uma petição para que fosse detido, o que forçou uma nova inter-
nação no mesmo hospital a partir de 26 de fevereiro, por quatro
semanas. “Escrevo-lhe em plena consciência de minhas faculdades
e não como um louco, o que, como meu irmão, você sabe. Esta é
a verdade. Algumas pessoas daqui (eram mais de 80 assinaturas)
fizeram uma petição ao prefeito (acho que seu nome é M. Tar-
dieu), descrevendo-me como alguém inadequado para viver em
liberdade. E aqui estou novamente...”. Em 23 de março de 1889,
recebeu a visita de Signac, que relatou que, além de altas doses de
álcool, ingeria terebintina e, para combater a insônia, embebia seu
colchão e travesseiro com cânfora. Ele recomendava a Theo o uso
de cânfora para insônia: “Eu combato a insônia com uma dose
muito, muito forte de cânfora em meu travesseiro e colchão e, caso
não consiga dormir, recomendo isto a você...” [Carta de Vincent a
Theo, Arles, 9 de janeiro de 1889].

A vida em Saint-Rémy

Após considerar as opções de alistamento na Legião Estran-


geira ou internação em um hospital psiquiátrico, optou pela se-
gunda, internando-se voluntariamente em 8 de maio no Hospi-
tal Saint Paul de Mausole, em Saint-Rémy de Provence, a 30 km
de Arles. Theo reservou dois quartos, um dos quais lhe servia de
estúdio. Muitas de suas obras mais significativas são desse ano no
hospital, de onde saiu em 16 de maio de 1890, e onde os episó-
dios de sua doença se sucederam. O tratamento no hospital era
simples, consistindo em repouso e hidroterapia. A alimentação
não palatável o fez preferir sopa e pão. A atmosfera religiosa com
as freiras merecia comentários como: “Sou um prisioneiro sob

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Íris.
Vincent van Gogh, Saint-Rémy,
maio de 1889.
Impossibilitado de sair, pintava as
flores do jardim interno do hospital.

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Campos de trigo sob um céu nublado. estas aberrações religiosas, quando o objetivo deste local seria
Vincent van Gogh, Auvers-sur-Oise, curá-las. O que me conforta é que comecei a encarar a loucu-
julho de 1890. ra como uma doença como outra qualquer e a tratá-la como
tal...”(Todkill, 1999).

O último refúgio. – A ida para Auvers

Aconselhado por Camille Pisarro, decidiu partir para


Auvers-sur-Oise, onde chegou em 20 de maio de 1890, à pro-
cura de Dr. Paul Gachet, um velho homeopata que escreveu
um tratado sobre melancolia e era um artista amador e amigo
de alguns impressionistas (Morrant, 1993). “Ele me parece, na
verdade, tão doente e perturbado quanto você e eu. Ele é mais
velho e perdeu há poucos anos a mulher; contudo, é muito
bom médico e sua profissão e sua fé o sustentam. Já somos ami-
gos...”. O diagnóstico feito por Dr. Gachet foi de intoxicação

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crônica por terebintina e lesão cerebral pela luz solar intensa do
sul da França. Ele lhe prescreveu trabalho, ao qual Van Gogh se
dedicou compulsivamente durante sua estada de dez semanas
em Auvers, pintando cerca de 80 quadros.

O fim

Vincent van Gogh vendeu um único quadro em vida, no iní-


cio de 1890, A vinha vermelha, mas tornou-se o maior pintor
holandês do século XIX, contribuindo para a arte moderna com
a vitória da cor sobre o desenho, libertando a cor.
Há oito cartas de Vincent à sua família em julho de 1890.
Nelas, não há menção à sua última obra. Após a visita a Theo
no dia 6, expressava tristeza e preocupação com os problemas
do irmão em seu trabalho, forçando-o a deixar a Goupil, agora
Boussod & Valadon, o que ameaçava o futuro de sua família
e o seu próprio. O pequeno Vincent Willem estava seriamente
doente. No passado, ele reagiu com marcada depressão em duas
ocasiões e esse foi provavelmente o fator principal em sua morte.
No retorno a Auvers: “Comecei a pintar novamente, embora seja
difícil até mesmo sustentar o pincel, mas sabendo exatamente o
que desejo pintar, passei a fazer três quadros maiores... Um gran-
de campo de trigo sob um céu nublado no qual não foi difícil
expressar tristeza e solidão... Eu acredito que estes quadros dizem
o que as palavras não podem, ou seja, quão saudável e revigoran-
te eu encontro o campo...”.
Van Gogh foi um homem complexo que cortou a orelha por
várias razões e por estas, em 27 de julho de 1890, aos 37 anos
de idade, chegou ao Café Ravoux, em Auvers, retirando-se para
seu quarto. Atrasando-se para descer para o jantar, fato que nunca
ocorria, foi encontrado ferido em sua cama pelos donos da pensão.
Dr. Gachet e um colega da vila não puderam remover a bala e

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chamaram por Theo, que escreveu a Johanna: “Não fique muito
preocupada: seu estado de saúde já esteve em condições igual-
mente desesperadoras antes, mas sua constituição robusta enga-
nou os próprios médicos...”. Dessa vez a esperança mostrou-se
vã. No início da manhã de 29 de julho, Vincent faleceu (van
Gogh-Bonger, 2004).
Theo van Gogh parecia irrecuperável pelo pesar. Em setem-
bro, organizou uma exposição com as obras do irmão em seu
apartamento em Paris e, amargurado pela forma como era trata-
do pelos empregados, demitiu-se da galeria. Já totalmente con-
fuso, tentou estabelecer uma associação de pintores. Em outubro
foi admitido em uma clínica de Paris com sinais de paralisia. Em
novembro, já sem esperança de recuperação, foi transferido para
um asilo em Utrecht, onde faleceu em 25 de janeiro de 1891. Foi
enterrado em Utrecht, mas, em 1914, Johanna transladou os res-
tos de Theo para o cemitério de Auvers, próximo aos de Vincent.

Auberge Ravoux, aposentos


de Vincent van Gogh.

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Absinto

D e março de 1886 a fevereiro de 1888, Vincent viveu em


Paris com Theo, e Toulouse-Lautrec provavelmente o in-
troduziu ao absinto, na época uma bebida muito popular, retra-
“Depois do primeiro copo, você vê as coisas
como gostaria que elas fossem. Depois do
segundo, você vê as coisas como elas não
tando-o com um copo dessa bebida; o próprio Van Gogh pintou são. Finalmente, você passa a ver as coisas
uma natureza morta com absinto. como elas realmente são, e essa é a coisa mais
No século XIX e início do século XX, a ingestão de absinto, horrível do mundo.”
considerado afrodisíaco e potencializador da criatividade, foi o
maior problema social da França, até sua proibição nesse país em Oscar Wilde (1854-1900)
1915. Plínio, o velho, no século I denominou “absinto” uma bebi-
da extraída da planta europeia wormwood (Artemisia absinthium),
assim chamada por causa de sua utilização, já no Egito antigo,
como vermífugo. Ao redor de 1700, o extrato dessa planta, asso-
ciado a anis, erva-doce, melissa, menta e outras plantas aromáticas,
foi redescoberto, sendo utilizado em uma receita de uma forte be-
bida contendo 70% a 80% de álcool. O absinto possui uma subs-
tância nociva, a tuinona (de óleo de tuia, Thuja occidentalis, planta
da qual também pode ser extraída), derivada principalmente da
wormwood e que é uma cetona. Indivíduos que ingerem absinto
podem sofrer intoxicação dupla pelo álcool e pela tuinona. Em
coelhos, a injeção de absinto, assim como a da tuinona, promove
perda da regulação autonômica, inconsciência, crises convulsivas e
até lesões permanentes no sistema nervoso. A nicotina diminui o
limiar convulsivógeno da tuinona (Arnold, 1988). O absintismo
é um tipo específico de alcoolismo cujas manifestações clínicas in-
cluem problemas gastrintestinais, alucinações visuais e auditivas,
crises epilépticas, lesão cerebral e aumento do risco de doenças psi- Estrutura de terpenos. Tuinona (absinto),
quiátricas e suicídio (Strang et al., 1999). O mecanismo de ação da pineno (terebintina) e cânfora.

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α-tuinona é o antagonismo do
receptor GABAA, como a picro-
toxina, também convulsivógena
(Hold et al., 2000).
O uso excessivo do absinto e
conhaque parece ter desempe-
nhado papel crucial na doença
de van Gogh. Sujo e encrenquei-
ro, seu comportamento irascí-
vel causou cenas desagradáveis,
tornando-o indesejável em vá-
rios lugares. Nessa época, vivia
em Paris à Rue Lepic, 54, com
o irmão, que agora começava a
sentir sua presença como um far-
do. Theo escreveu a Wilhelmina:
“Parece que há nele duas pessoas:
uma maravilhosamente bem do-
O café da noite. tada, meiga e refinada; a outra, egoísta e dura. Elas se apresentam
Paul Gauguin, Arles, 1888. em períodos distintos, sempre com argumentos de ambos os la-
Aqui, à mesa de Marie Ginoux dos... É uma pena que ele seja seu próprio inimigo, pois isso torna
(A arlesiana), a esposa de Joseph sua vida difícil, não só para os outros, mas para si próprio...”.
Ginoux, dono do Café de la Gare, Mais tarde, em Arles, o uso do absinto, associado à cânfora,
há um sifão de soda, um copo com a qual embebia o colchão para conciliar o sono, e à tere-
de absinto no qual está a colher bintina, solvente de tintas, fez que Arnold propusesse a hipótese
e, ainda, dois cubos do açúcar para sua doença de intoxicação por terpenos (Arnold, 1988).
necessários para o ritual da bebida, “O fato que mais me aterroriza é a insônia. Eu a combato
a preferida pelos pobres do sul da com uma dose muito, muito forte de cânfora em meu travesseiro
França. Atrás, as figuras, como “as e colchão, e se você tiver dificuldade em dormir, eu recomendo
que são vistas nos bordéis...”. Entre isto a você...” [Carta de Vincent a Theo, 9 de janeiro de 1889].
eles está Joseph Roulin. No entanto, não há registros médicos que tenham documentado
a utilização contínua de absinto ou de terebintina por Van Gogh.

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Natureza morta
com absinto.
Vincent van Gogh,
Paris, 1887.

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Vincent van Gogh.
Henri de Toulouse-Lautrec,
Paris, 1887.

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Glaucoma

O s halos coloridos da pintura de van Gogh poderiam ser atri-


buídos a uma compensação de perda visual crônica em de-
corrência de glaucoma (Maire, 1971). Seriam três as razões pelas
quais essa hipótese poderia ser aventada: o halo visto em torno da
luz em algumas das suas pinturas dos últimos anos, como no Café
da Praça Lamartine em Arles, sua preferência pelo brilhante sul da
França e a relativa ausência de depressão precedendo sua morte em
contraste ao seu padrão comportamental prévio.

Segundo essa hipótese, em 1888 ele decidiu residir em Arles,


por já perceber os efeitos insidiosos do dano retiniano causado
pelo glaucoma, e buscou um local de luz mais intensa. Ali pintava
ao ar livre, pois a claridade promovia constrição pupilar, uma das
formas de tratamento de glaucoma. Finalmente, em Auvers-sur-
Oise, ele já sabia que estava perdendo a visão e, por isso, cometeu
suicídio. Mas não há nenhum indício dessa hipótese nos escritos
de van Gogh e a única menção a uma alteração visual está em uma
carta enviada a Gauguin: “Ouça, da outra vez em que escrevi a
você, minha vista se encontrava estranhamente cansada. Eu des-
cansei por dois dias e meio e então comecei a trabalhar novamente,
mas ainda sem coragem de sair para o ar livre...” [Carta de Vincent
a Gauguin, Arles, 17 de outubro de 1888]. Finalmente, outra evi-
dência de um possível glaucoma é a assimetria pupilar verificada
em alguns de seus autorretratos sugerindo anisocoria. Dilatação
pupilar é comum no olho glaucomatoso.

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O café da noite na praça Lamartine em Arles.
Vincent van Gogh, Arles,
setembro de 1888.
O Café de la Gare, de Joseph Ginoux, onde Vincent lia
jornais, revistas e novelas. “... tentei expressar a ideia de que
o café é um local onde alguém pode arruinar-se, tornar-se
louco ou cometer um crime...”

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Sífilis

E m 1882, aos 29 anos, Vincent foi hospitalizado em Haia com


gonorreia. Permaneceu no hospital durante 25 dias, por algu-
ma complicação, por volta do 14º dia. O tratamento dessa doença
“Caro Theo,
Caso você venha até aqui no final de junho,
encontrar-me-á trabalhando novamente, eu
venérea, que frequentemente se associa à sífilis, foi bem documen- espero; agora estou no hospital, onde ficarei
tado em sua vida. No entanto, não há dados a esse respeito. cerca de duas semanas. Por três semanas
Em fevereiro de 1886, na Antuérpia, “totalmente extenuado”, sofro de insônia e febre baixa e o ato de
tornou-se doente e acreditou que pudesse estar desenvolvendo febre urinar tem sido doloroso. Agora parece
tifoide. Dr. Cavenaille tratou Vincent com óleo de grãos de castor e que realmente eu tenho o que chamam
banhos de imersão de alumínio, e o médico supostamente teria co- gonorreia, mas apenas um quadro discreto.
mentado com sua família que Vincent contraíra sífilis. No entanto, Preciso permanecer no leito, tomando pílulas
nem os seus sintomas nem a medicação prescrita eram sugestivos de quinino e recebendo injeções de água
dessa doença (Lubin, 1996). pura ou água com alúmen...”
O diagnóstico de neurossífilis foi considerado por alguns,
pelo estilo de vida de Vincent, a coabitação com a prostituta [Carta a Theo, Haia, 8 ou 9 de junho
Sien, e depois em Paris e Arles, onde frequentava prostíbulos, de 1882; Hospital Municipal (classe 4,
a prevalência elevada da doença no final do século XIX e seus enfermaria número 9)]
diversos sintomas nervosos. A neurossífilis resulta da infecção
do sistema nervoso central pelo Treponema pallidum. Há duas
formas de apresentação da doença: a precoce (assintomática,
meníngea e meningovascular) e a tardia (paralisia geral progres-
siva e tabes dorsalis).
De dez a noventa dias após a invasão pelo Treponema palli-
dum, forma-se o cancro primário. Nessa fase, há invasão do sis-
tema nervoso em 20% dos casos. Após a involução do cancro,
entre seis e doze semanas, ocorre a disseminação hematológica
do agente com linfadenopatia e exantema. O estágio secundário
se resolve espontaneamente em quatro semanas, com invasão do

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“Van Gogh (Theo) também precisa se cuidar. sistema nervoso em 70% dos casos. Segue-se um período assin-
Ele continua parecendo doente e emaciado, e tomático chamado lues latente. A partir dessa fase, pode haver
está se sentindo fraco. Se ele não fosse alguém evolução para a forma terciária da sífilis com comprometimento
tão cabeça dura, já teria consultado Dr. do parênquima nervoso, sob a forma da paralisia geral progressi-
Gruby há muito tempo...” va e da tabes dorsalis.
Atualmente infrequente, a paralisia geral progressiva constituiu
[Carta de Andreis Bonger (irmão de uma das causas mais comuns de internação em hospitais psiquiá-
Johanna) a seus pais, tricos no passado. Ocorre 15 a 20 anos após a primoinfecção. Seus
Paris, 18 de fevereiro de 1887]

Tristeza.
Vincent van Gogh, Haia,
11 de novembro de 1882.

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Autorretrato com
chapéu de palha.
Vincent van Gogh, Paris,
verão de 1887.

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sintomas psiquiátricos iniciais incluem irritabilidade, dificuldade
de concentração, labilidade emocional e ideação delirante. Segue
esses sintomas iniciais quadro demencial franco rapidamente pro-
gressivo, com características psicóticas que incluem alterações da
personalidade, hostilidade, confusão, alucinações, expansivida-
de, ilusões e disforia. Além desses sintomas, pode-se mencionar
temperamento explosivo, labilidade emocional, anedonia, perda
das relações sociais, redução da atenção ao autocuidado, caracte-
rísticas histriônicas, hipersexualidade e mania. Verifica-se, ainda,
incidência significante de depressão. Entre os sinais neurológicos
propriamente ditos, os encefálicos se associam aos da tabes dorsalis
com tremor, disartria e, em fases finais, crises convulsivas, paresias
e incontinência esfincteriana.
Na França do século XIX, a sífilis era claramente diferenciada
da gonorreia; os médicos diferenciavam o cancro mole do duro,
reconheciam as três fases da doença e os sintomas das sífilis se-
cundária e terciária. O tratamento era feito com mercúrio e iode-
to de potássio. Contudo, não conheciam o agente (o Treponema
pallidum só foi descoberto em 1905); o primeiro teste sanguíneo
(Bordet-Wasserman) surgiu em 1906 e a penicilina só foi usada
para o tratamento da sífilis em 1943.
A infecção gonorreica de Van Gogh ocorreu em 1882 e o
primeiro surto psicótico, em dezembro de 1888, seis anos de-
pois. Em geral, os sintomas neuropsiquiátricos de sífilis são mais
tardios após o contágio, e esta se manifesta com os sinais da pa-
ralisia geral progressiva, anteriormente descritos, entre eles, o
quadro demencial, o qual não esteve presente em sua doença.
Vincent conservou seu senso crítico e sua autodisciplina até o
último dia de vida.
Nos meses finais de sua vida, Theo van Gogh foi admitido
na Geneeskundig Gesticht voor Krankzinnigen em Utrecht. Em
novembro de 1990, os arquivos do Centro Psiquiátrico Willem

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O bordéu.
Vincent van Gogh, Arles, outubro de 1888.
Copos de absinto são vistos nas mesas.
O esboço do que poderia ter sido uma
de suas principais obras.

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“Querido Theo,

Agradeço muito sua carta e a nota de cinquenta francos. À medida que o sangue me volta, volta-me também a
ideia de triunfar. Não me espantaria muito se sua doença também fosse uma reação a este horrível inverno, que
durou uma eternidade. E então será a mesma história que aconteceu comigo, respire o máximo possível este ar de
primavera, durma muito cedo, pois você precisará de sono, e quanto à alimentação, muitos legumes frescos, e nada
de vinho ruim ou de álcool ruim. E muito poucas mulheres e muita paciência. Se isso não passar logo, não faz mal.
Agora, lá, Gruby lhe dará uma alimentação forte, à base de carne. Aqui eu não poderia comer muita carne, e aqui
isto não é necessário. Quanto a mim, o torpor justamente está me deixando, eu não sinto mais tanta necessidade
de me distrair, sou menos atormentado pelas paixões e posso trabalhar com mais calma; poderia ficar só sem me
aborrecer. O resultado é que me sinto um pouco mais velho, mas não mais triste. Eu não acreditaria se em sua
próxima carta você me dissesse não ter mais nada, este talvez seja um processo mais sério, e eu não ficaria surpreso
se você ficasse, durante o tempo necessário para se restabelecer, um pouco abatido. Em plena vida artística, por
momento, sempre nos assola a nostalgia da verdadeira vida ideal e irrealizável...”

[Carta de Vincent a Theo van Gogh,


Arles, 10 de maio de 1888]

Arntsz Huis de Utrecht foram disponibilizados para consulta e


transcritos por Han van Crimpen e Sjraar van Heugten, colabo-
radores científicos do Museu van Gogh. Os dados lhes permiti-
ram a conclusão de que Theo van Gogh teve demência paralítica
e sofreu deterioração rápida de sua situação nos últimos meses de
vida. É provável que seus sintomas tenham se iniciado em 1886,
quando vivia em Paris, e que, por essa razão, tenha sido tratado
pelos Drs. Rivet e Gruby, mencionados várias vezes por Vincent
em suas cartas. É provável que Vincent tenha percebido os sinto-
mas de Theo durante a visita que fez a ele e à cunhada Johanna
em 6 de julho de 1890 e que eles também possam ter influen-
ciado o balanço de sua vida, que, finalmente, levou Vincent van
Gogh ao suicídio (Voskuil, 1992).

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Intoxicação Digitálica

U ma característica marcante em várias obras dos últimos


anos da vida de Van Gogh, entre elas a famosa A noi-
te estrelada, é um halo em corona circundando cada um dos
astros pintados de amarelo. Van Gogh era fascinado por esse
pigmento vibrante. Seria simplesmente sua preferência artística
ou teria sido ele influenciado por sua condição médica?
Intoxicação digitálica é uma das hipóteses aventadas para a doen-
ça de van Gogh, uma vez que promove visão amarelo-esverdeada ou
enevoada e em manchas circundadas por coronas. Nos dois retratos
de Paul-Ferdinand Gachet, com a dedaleira Digitalis purpurea, da
qual o digital é extraído, poderia haver um indício de que Van Gogh
conhecia os aspectos medicinais da planta e, mais, que poderia ter
sido tratado com ela.
Em um dos retratos, Dr. Gachet segura um ramo de digital
com a mão esquerda, no outro ele está em um vaso, o que fez que
Lee, em 1981, aventasse a hipótese de que seus sintomas, sua pai-
xão pela cor amarela e os característicos halos verificados em sua
pintura nos últimos anos de vida poderiam decorrer de intoxica-
ção crônica por digital e representar seus sintomas característicos,
xantopsia e coronas. Os outros sintomas de intoxicação digitálica,
presentes em 7% a 20% dos pacientes tratados com digital, in-
cluem fadiga, dores abdominais, anorexia, náusea, vômitos, tontu-
ra, inquietação noturna, confusão mental, desorientação e delírio
(Lee, 1981).
Embora o digital tenha sido usado no século XIX para trata-
mento de epilepsia, mania e insanidade aguda, não há nenhuma
referência a ter sido administrado a Van Gogh.

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Em frente ao Dr. Gachet, Vincent apresentou um episódio explosivo de cólera. Ao constatar que um quadro de
Guillaumin estava sem moldura, acusou-o de indiferença à arte e aos artistas e insistiu até que o médico lhe
prometesse que iria emoldurá-lo. Na visita seguinte, ao constatar que o quadro continuava inalterado, Vincent
ameaçou-o com o revólver que havia emprestado do Sr. Ravoux, com o qual tiraria sua vida alguns dias depois.

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Retratos do Dr. Gachet.
Vincent van Gogh, Auvers-sur-Oise,
junho de 1890.

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A noite estrelada. Vincent van Gogh,
Saint-Rémy, junho de 1889.

“José teve ainda outro sonho e o referiu a seus


irmãos, dizendo: ‘Sonhei também que o sol, a
lua e onze estrelas se inclinavam perante mim’.”
Gênesis 37:9

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Intoxicação por Chumbo

A intoxicação por chumbo, metal pesado usado há milhares de


anos, promove o aparecimento de um quadro conhecido como
saturnismo, plumbismo ou cólica do pintor, causado pelo aumento
Há semelhanças entre as manifestações clínicas
da intoxicação por chumbo e da porfiria
intermitente aguda.
cumulativo dos níveis sanguíneos de chumbo, o que ocasiona lesões O chumbo tem uma afinidade pelos grupos
aos sistemas nervoso e urinário, efeitos cardiovasculares e toxicidade sulfidril das enzimas como a deidratase do ácido
reprodutiva (González Luque e Montejo González, 1997). δ-aminolevulínico, envolvida na síntese do
As tintas de Van Gogh continham chumbo, que poderia tê-lo in- heme. A inibição dessa enzima em indivíduos
toxicado pela ingestão delas em seus pincéis, que é a via pela qual os com intoxicação por chumbo promove excreção
pintores são intoxicados pelo chumbo. No seu impasto em camadas urinária excessiva do ácido δ-aminolevulínico.
espessas, empregava uma técnica de pintura muito arriscada, pre- Ainda, a inibição da ferroquelatase, enzima que
parando suas tintas com chumbo branco (carbonato de chumbo) catalisa a incorporação do ferro para formar
e cromo amarelo (cromato de chumbo). Há ainda alguns indícios o heme, contribui para a anemia verificada
de ingestão voluntária de chumbo. Dr. Peyron referiu uma tentativa na intoxicação por chumbo. Os sintomas de
de suicídio no asilo com a ingestão de tintas e querosene. Um dos dor abdominal, constipação, vômitos e paresias
sintomas da intoxicação por chumbo é o edema das retinas, que são comuns à porfiria intermitente aguda e
poderia ocasionar halos circulares ao redor de objetos. à intoxicação por chumbo, embora os outros
Entre os sintomas iniciais atribuídos por Luque e González à in- sintomas neuropsiquiátricos sejam muito menos
toxicação por chumbo, figuram fraqueza, prostração e desânimo. comuns na última (Arnold, 2004).
Na Antuérpia, Vincent teria tido gengivite como sintoma do sa-
turnismo, descrevendo: “Há pelo menos 10 dentes que perdi ou
serão perdidos... E isto me faz parecer envelhecido, acima de 40
anos... Decidi cuidar deles... Disseram-me ainda que deveria cuidar
do meu estômago, pois ele está mal... Que tornava difícil a inges-
tão de alimentos...” [Carta de Vincent a Theo, Antuérpia, início de
fevereiro de 1886], e ainda há referência de “esputo acinzentado”.
Dores abdominais difusas e recidivantes são comuns na in-
toxicação crônica por chumbo. “Tenho o estômago fraco...”
A anemia da intoxicação plúmbica estaria manifesta em al-
guns autorretratos como no pintado em Arles, dedicado a Paul

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Gauguin “É um meu retrato, quase sem cor, em tons páli-
dos...” (González Luque e Montejo González, 1997).
Finalmente, a encefalopatia saturnínica, com crises epilépti-
cas, focais ou generalizadas, e delírio manifestado em Vincent
por alucinações visuais e auditivas, além de outros sintomas
como vertigem, insônia, disfunção sexual, transtorno afetivo,
entre outros. O chumbo tem afinidade por enzimas como a
deidratase do ácido δ- aminolevulínico na via da biossíntese do
heme, além da ferroquelatase, que incorpora o ferro à hemo-
globina, daí a anemia. Os sintomas neurológicos da intoxica-
ção por chumbo são similares aos da porfiria intermitente agu-
da. Para Arnold (2004), a intoxicação por chumbo promoveria
sintomas progressivos, e não episódicos.

Autorretrato
(dedicado a Paul Gauguin).
Vincent van Gogh,
Arles, setembro de 1888.

Neste autorretrato, enviado para Gauguin


em Pont-Aven, antes de sua chegada a Arles,
seus cabelos e a barba estão incomumente
curtos. Sua face é angulada, seus olhos,
castanho-amarelados, numa expressão
enigmática, como um monge budista,
indicando que o retratado tinha uma vida
contemplativa e calma.

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Porfiria Intermitente Aguda

E ste diagnóstico foi proposto por Loretta Loftus do laborató-


rio do bioquímico americano Wilfred N. Arnold. A doença,
um distúrbio metabólico hereditário, produz compostos tóxicos
precursores das porfirinas, os quais são os responsáveis por crises,
as quais se manifestam por vários sintomas, desde dores abdomi-
nais até episódios de confusão com alucinações.
As evidências que suportam essa hipótese foram retiradas das
cartas de Van Gogh e de informações de seus contemporâneos
por Arnold, que pesquisou os sintomas por mais de dezoito anos
e defendeu-a contrapondo-a com os outros diagnósticos: trans-
torno bipolar, esquizofrenia, epilepsia, neurossífilis, intoxicação
por chumbo e alcoolismo. Depois, entre os muitos diagnósti-
cos propostos, foi realizada uma análise detalhada dos sintomas
de cada um deles, que foram comparados aos descritos por van
Gogh. Algumas hipóteses foram tratadas brevemente, como a
doença de Ménière, a qual foi prontamente descartada.
Arnold e Loftus concluíram que a doença de Van Gogh foi
mais provavelmente uma psicose tóxica. Com essa hipótese em
mente, consideraram especialmente as possibilidades de alcoo-
lismo e intoxicação por chumbo. Após exame dos efeitos dos
produtos tóxicos do absinto, eles consideraram que a porfiria
intermitente aguda seria uma hipótese que unificaria todos os
sintomas de Van Gogh. Segundo Arnold (2004), o termo “agu-
da” se refere ao fato de que os sintomas da porfiria intermitente
aguda têm início súbito e término abrupto e “intermitente”, por-
que é periódica, ou seja, períodos de normalidade se intercalam
aos sintomáticos. Essa hipótese é particularmente atraente ante a
sua tendência maníaco-depressiva e seu uso ocasional de absinto.
Períodos de depressão incapacitante e desconforto físico eram

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Havia similaridade entre as doenças de Vincent e seu irmão Theo e ela teria sido notada por Vincent: “... nossa
neurose, uma herança fatal...”. Aos 19, Theo sofreu uma doença grave que se apresentou com febre e tornou-o
incapacitado por sete semanas. Dez anos depois ele apresentou “...um problema nervoso sério, tão grave que impediu
sua movimentação...”, de acordo com Andreis Bonger, seu futuro cunhado. Três meses depois, Theo admitiu que sua
doença mental contribuiu para a interação conflituosa com Vincent. Havia referência a dores nas pernas. Dois meses
após o suicídio de Vincent, de acordo com Émile Bernard, Theo “...perdeu a razão e entrou em colapso; ele estava
paralisado...”. Theo sofreu dores nas pernas e alucinações, tornou-se irritado e ocasionalmente violento, apresentou
retenção urinária e morreu seis meses após o irmão. Calculose renal e uremia foram sugestões diagnósticas. Para
Loftus e Arnold (1991), a presença de dores em membros, doença mental, paralisia e insuficiência renal sugerem o
diagnóstico de porfiria intermitente aguda. Como os sintomas de porfiria intermitente aguda são dependentes da
exposição a fatores precipitantes, é possível que a má nutrição, o abuso de absinto e o hábito de fumar cachimbo (a
nicotina é metabolizada pelo citocromo P450) os tenham tornado mais exuberantes na vida de Vincent
(Loftus e Arnold, 1991).

suficientemente severos e graves para promover sua automutila-


ção e eventual suicídio.
A porfiria intermitente aguda é uma doença por deficiência
enzimática da deaminase do porfobilinogênio que afeta múlti-
plos órgãos, mas principalmente o fígado, responsável por dois
terços da produção do grupamento heme da hemoglobina e dos
componentes do citocromo P450. A interrupção dessa via me-
tabólica promove o excesso de precursores de porfirinas (o ácido
δ-aminolevulínico e o porfobilinogênio), os quais são substâncias
neurotóxicas que resultam em uma série de sintomas tais como
episódios mentais agudos, crises epilépticas, períodos de depressão
incapacitante, impotência sexual, graves problemas gastrintesti-
nais e hipertensão, que pode resultar em insuficiência renal de iní-
cio precoce. É uma doença genética, com um padrão de herança
autossômico dominante, que se manifesta geralmente na terceira
década de vida; se um dos pais for portador do gene, ele o transmi-
tirá para 50% de sua prole. No entanto, a penetrância é variável,
de tal forma que, em algumas famílias, apenas alguns portadores

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Os bebedores.
Vincent van Gogh, Saint-Rémy,
fevereiro de 1890.

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realmente apresentarão sinais e sintomas da doença, a qual é duas
vezes mais comum em mulheres. Para Arnold (2004), os sintomas
de Vincent foram típicos de porfiria intermitente aguda e precipi-
tados por sua pica por terpenos. O irmão de Vincent, Theo (1857-
-1891) e sua irmã Wilhelmina (1862-1941), que viveu metade dos
seus 79 anos em um asilo, apresentaram sintomas que poderiam
também ser sugestivos da doença. O pai, o reverendo Theodorus,
faleceu de um mal súbito, provavelmente um acidente vascular
cerebral, aos 63 anos, eventualmente relacionado à hipertensão ar-
terial. No entanto, um especialista no assunto, Jan Waldenstrom,
é cético sobre esse diagnóstico, pois alguns sintomas cruciais para
o diagnóstico de porfiria intermitente aguda jamais foram men-
cionados, como a coloração avermelhada ou acastanhada da urina
algum tempo após a emissão, a qual é promovida pela polimeri-
zação do ácido δ-aminolevulínico e do porfobilinogênio, ou dores
abdominais excruciantes associadas a vômitos, constipação e diar-
reia. Neuropatia periférica com sinais motores e fotossensibilidade
cutânea com formação de bolhas após a exposição solar certamen-
te teriam sido mencionados por Vincent van Gogh.

Fatores precipitantes das crises de Vincent van Gogh


(segundo Arnold, 2004)
Data da crise Local Precipitantes
1880 Borinage Jejum ou má nutrição*
Junho de 1882 Haia Gonorreia**
Dezembro de 1888 Arles Álcool
Fevereiro de 1889 Arles Cânfora, jejum, álcool
(*) Escassamente documentada,
Julho/agosto de 1889 Saint-Rémy Álcool/visita a Arles
relacionada às preocupações de seu pai.
(**) No 14º dia de internação em Haia Dezembro de 1889 Saint-Rémy Terebintina***
teve uma “complicação”. Janeiro de 1890 Saint-Rémy Álcool/visita a Arles
(***) Pica por terpenos e terpenoides:
Fevereiro/abril de 1890 Saint-Rémy Álcool/visita a Arles. Esta
cânfora, pineno (da terebintina),
crise iniciou-se em Arles
tuinona (do absinto).

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Doença de Ménière

V an Gogh teve ataques paroxísticos, ocasionalmente de início


abrupto, na ausência de sinais prodrômicos. Arenberg et al.
(1991) interpretaram sua automutilação como indício de que
“Há alguém aqui que grita e fala o tempo
todo, por duas semanas, como eu. Ele pensa
que ouve vozes e palavras nos ecos dos
sofreria de tinito e doença de Ménière. Os autores incluíram que
corredores, provavelmente porque o nervo
suas alucinações visuais poderiam ser decorrentes de nistagmo.
O próprio Vincent van Gogh considerava que alguns de seus sin- auditivo está doente ou hipersensível e, em
tomas poderiam ser decorrentes de um problema no seu ouvido. meu caso, foram afetadas ambas, a visão e a
No entanto, suas crises nunca foram descritas como episódios de audição, ao mesmo tempo, o que é usual no
vertigem e nunca foram unilaterais. A mais provável explicação início da epilepsia, de acordo com o que me
de suas palavras é uma aterrorizante antecipação de alucinações disse Rey um dia...”
recorrentes, pois Van Gogh escreveu que estava “aterrorizado
ouvindo sons e vozes estranhas”. Finalmente, embora tenha fre- [Carta de Vincent a Theo, Saint-Rémy,
quentemente mencionado “seu estômago”, ele parece ter sofrido
22 de maio de 1889]
meramente de sintomas dispépticos, atribuídos ao tabaco, asso-
ciado ao “vinho ruim” e a uma dieta limitadamente balanceada.
Assim, nada nas cartas escritas por Van Gogh aponta para o
diagnóstico de doença de Ménière, a qual produz vários sinto-
mas bem estabelecidos e pode ainda ser caracterizada mesmo na
ausência de algumas de suas manifestações. A maioria dos seus
episódios parece ter sido desencadeada por excesso de álcool e ca-
racterizava-se por estado psicótico acompanhado de alucinações
visuais e auditivas. Descrevia claramente alucinações auditivas e
visuais, e não zumbido. Ele não tinha consciência desses perío-
dos; perda de consciência não é associada à doença de Ménière,
embora episódios de queda sem perda de consciência possam ser
observados, nas chamadas quedas de Tumarkin. Indivíduos que
apresentam tais quedas relatam a sensação de serem puxados ou
atirados ao solo, o que resulta em ferimentos. São as chamadas
“catástrofes otolíticas de Tumarkin” pela presunção de que são o
resultado da estimulação aguda dos otólitos. A proposta diag-
nóstica de Arenberg et al. foi, por esses motivos, imediatamente
contestada por vários autores (Baker, 1991; Feldman, 1991; Fre-
eman, 1991; Kunin, 1991; Jamison e Wyatt, 1991).

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Autorretrato com bandagem na orelha.
Vincent van Gogh, Arles, janeiro de 1889.

“... A última vez que vi Vincent foi em Arles,


na primavera de 1889, quando estava no
hospital dessa cidade. Algum tempo antes, ele
havia cortado o lobo de sua orelha (e não ela
toda) nas circunstâncias que você conhece.
Mas no dia da minha visita, o médico interno
permitiu minha saída com ele, que usava a
bandagem famosa e o boné de pele. Ele me
levou à Place Lamartine e aí vi suas pinturas
maravilhosas. Durante todo o dia me falou
sobre pintura, literatura, socialismo. Naquela
noite se encontrava um pouco cansado. Havia
um mistral amedrontador soprando, o que
pode tê-lo enervado. Ele quis beber um litro
de óleo de terebintina de uma garrafa que
se encontrava sobre a mesa da sala. Era o
momento de retornar ao hospital...”
[Carta de Paul Signac, que, a caminho de
Cassis, visitou Vincent no dia 23 de março
de 1889, a Gustave Coquiot, publicada em
1923. Signac convidou Vincent para que se
juntasse a ele num novo estúdio
no sul de Cassis.]

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O Episódio da Automutilação

U ma discussão no café da estação em meados de dezembro


de 1888, enquanto bebia um “fraco” absinto com Gauguin,
terminou de maneira abrupta: o holandês arremessou seu copo
contra o amigo, que apenas se esquivou. Gauguin tomou-o pelo
braço e o levou à Casa Amarela, onde dormiu profundamente.
Só acordou na manhã do dia seguinte. “Querido Gauguin, tenho
uma vaga memória de que o ofendi na noite de ontem...” Ao que o
amigo replicou que, caso o episódio da noite anterior se repetisse,
poderia reagir com igual violência. Na noite do dia 23 de dezem-
bro, Gauguin saiu pelas ruas de Arles, pois não conseguiu tolerar a
irritabilidade de Vincent. Quando cruzava o parque Victor Hugo,
sentiu passos lhe seguindo. Virou-se e viu Van Gogh, com uma
navalha na mão, que, ao sentir-se descoberto, fugiu. Gauguin pas-
sou a noite num hotel vizinho. Às sete da manhã retornou à Casa
Amarela e a encontrou rodeada por vizinhos e pela polícia. Na
véspera, logo após o incidente no parque, Van Gogh cortou parte
da orelha esquerda e levou-a, embrulhada num jornal, para Rachel
na casa de tolerância da Rue du Bout nº 1. Logo voltou ao seu
quarto e dormiu. Após a transferência de Vincent para o hospital
Hôtel Dieu de Arles e a chegada de Theo, Gauguin partiu imedia-
tamente para Paris. Nunca mais se encontraram.
No hospital de Arles, Vincent permaneceu em estado psicótico
agudo com agitação, ilusões e alucinações por três dias em confina-
mento solitário. Não havia memória do seu ataque a Gauguin, da

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Espectadores na arena em Arles.
Vincent van Gogh, Arles,
dezembro de 1888.

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Autorretrato com
curativo na orelha e
cachimbo.
Vincent van Gogh,
Arles, janeiro de
1889.

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Notícias sobre a automutilação de Van automutilação nem
Gogh. Jornal O Forum Republicano, de 30 dos seus primeiros
de dezembro de 1888: “No último domingo dias no hospital (Blu-
às 11:30h da noite, Vicent van Gogh, pintor mer, 2002). Seu ato
nascido na Holanda, entrou na casa de psicótico talvez tenha
tolerância nº 1, à procura de Rachel, e lhe sido influenciado pelo
entregou sua orelha, dizendo-lhe: ‘Guarde ritual das touradas,
este objeto cuidadosamente’ - após o que comum em Arles, no
desapareceu. Informada do ocorrido, que qual o matador pre-
só poderia ter sido praticado por um pobre senteia a mulher ama-
alienado, a polícia foi a casa dele na manhã da com a orelha corta-
seguinte e o encontrou no seu leito quase da do touro (Blumer,
sem sinais de vida. O infeliz foi em seguida 2002). “Ontem eu as-
admitido de urgência no hospício”. sisti a outra tourada, na qual cinco homens atiçaram o touro com
lanças e banderilhas. O toureiro estava vestido em azul-celeste e
dourado...” [Carta a Theo, 9 de abril de 1888]. A orelha represen-
taria, ainda, um símbolo fálico e o ato de van Gogh, a castração
(Lubin, 1996). No entanto, contrariamente às expectativas, ele se
recuperou rapidamente da automutilação, recebendo alta em duas
semanas: “Fisicamente estou bem. A ferida está se cicatrizando
muito bem e a grande perda sanguínea está se corrigindo, estou
me alimentando bem e minha digestão é boa...” [Carta a Theo, 9
de janeiro de 1889].
Para outros, Vincent pode ter lido as notícias da Inglaterra so-
bre “Jack, o estripador”. Uma de suas vítimas, Catherine Eddowes,
assassinada no dia 30 de setembro, teve o corpo esquartejado e
uma de suas orelhas cortadas. Le Figaro, de 3 de outubro, publi-
cou a tradução completa de uma das cartas do estripador: “Meu
próximo trabalho foi cortar as orelhas daquele senhora e enviá-las
para os oficiais de polícia...” (Gayford, 2006). Ainda, para outros,
a automutilação foi um ato automático, realizado em um período
pós-ictal (Gastaut, 1956).

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Epilepsia

D r. Félix Rey, interno do hospital em Arles, era o planto-


nista durante as festas de Natal de 1888 e, no dia 24 de
dezembro, internou Vincent após o drama do decepamento da
orelha. Houve simpatia mútua entre eles. Seu diagnóstico foi
o de uma espécie de epilepsia caracterizada por alucinações e
episódios de agitação confusional, cujas crises seriam favoreci-
das pelo excesso de álcool. Dr. Rey prescreveu doses elevadas
de brometo de potássio e supressão do álcool, terapêutica que,
segundo Gastaut (1956), poderia ter evitado a catástrofe em
que se transformou sua vida. Brometo, utilizado pela primeira
vez por Charles Locock, em 1857, foi a primeira droga eficaz
para o controle de crises epilépticas (Scott, 1993).

O diagnóstico de Dr. Félix Rey baseou-se nos conhecimentos


sobre epilepsia àquela época atestados, por exemplo, no editorial
do British Medical Journal de 1877: “Todos os alienistas conhe-
cem o fato de que pacientes epilépticos tornam-se furiosamente O quarto de Vincent no hospital de Arles.
maníacos após seus paroxismos; a maioria das autoridades con-
corda que esses episódios súbitos de mania substituem seus paro-
xismos epilépticos usuais. Acreditamos que a mania e outros atos
elaborados que ocorrem subitamente são de natureza pós-ictal,
pois, em geral, esse evento é precedido por um paroxismo discre-
to”. Dr. Rey certamente conhecia os trabalhos de Benedict Au-
gustin Morel (1809-1879) e Jules Falret (1824-1902), psiquia-
tras e diretores de asilos, sobre pacientes com epilepsia em estágio
avançado que cometiam atos violentos (“raiva e fúria epiléptica”
precedendo ou seguindo um ataque epiléptico) e eram sujeitos
a preocupações teóricas e práticas com relação a eles. Em 1860,

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“Até agora tive quatro ataques maiores. Morel descreveu-os sob a denominação de epilepsia “larvária” ou
Nesses episódios, não sei o que fiz, disse ou “mascarada”, que poderia manifestar-se sem crises epilépticas, as
queria. Antes desses, fiquei inconsciente por quais, quando manifestas, promoviam melhora de seus sintomas.
três vezes, sem qualquer razão reconhecida, O artigo de Falret, do mesmo ano, abordou conceito semelhante
e não me lembro do que senti nesses dividindo as alterações intelectuais da epilepsia em três categorias:
períodos...”. “As alucinações intoleráveis 1. alterações intelectuais podiam preceder, coexistir ou suceder cri-
cessaram e são atualmente reduzidas a um ses epilépticas; 2. alterações intercríticas, nos intervalos das crises,
simples pesadelo, acredito que pelo uso que o “caráter epiléptico”; e 3. um estado de delirium prolongado, a in-
venho fazendo de brometo de potássio...” sanidade epiléptica (“folie épileptique”) (Temkin, 1971). Dr. Rey
[Carta a Theo, Arles, 23 de janeiro de era colega de Dr. Aussoleil, que, entre 1889 e 1890, exatamente na
1889]. “Na minha enfermidade, volto a época em que cuidou de Vincent, escreveu uma tese sobre esse as-
cada quarto da casa de Zundert, cada sunto em Montpellier (Gastaut, 1956) e comunicou seu diagnós-
caminho, cada planta do jardim, aos tico a Dr. Urpar, médico-chefe do Hospital de Arles, a Dr. Peyron,
aspectos dos campos ao redor, aos vizinhos, que o admitiu no asilo em Saint-Rémy, a Theo van Gogh a ao
ao cemitério, à igreja, nossa horta nos fundos próprio Vincent, que permaneceu ali internado por duas semanas
- até ao ninho de pega na alta acácia do e cuja crise teve a duração de sete dias.
cemitério, como uma forma de pensamento
obsessivo...” Gauguin partiu no Natal de 1888, Vincent permaneceu só e as
alucinações se sucederam, obcecando-o e aterrorizando-o. Em 7 de
[Carta a Theo, Arles, 23 de janeiro de fevereiro de 1889, foi readmitido no hospital durante 10 dias, por
1889] uma recaída da qual também se recuperou rapidamente. No final
de fevereiro foi readmitido, agora por um mês, pela pressão dos vi-
zinhos, que assinaram uma petição para que fosse detido. A perse-
guição de uma população que agora o temia e se assustava à sua vista
continuou e, ansioso pela angústia da crise seguinte, ele decidiu, sob
os insistentes conselhos de Theo e do pastor Salles, internar-se no
asilo Saint-Paul de Mausole, em Saint-Rémy de Provence.
No seu registro de admissão no asilo para lunáticos em Saint-Rémy,
Dr. Theophile Peyron, um oftalmologista aposentado, escreveu:
“Como diretor do asilo de Saint-Rémy, certifico e assino que
van Gogh (Vincent), 36 anos de idade, nascido na Holanda e
domiciliado atualmente em Arles, tendo sido tratado no hospi-

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Retrato do Dr. Félix Rey.
Vincent van Gogh, Arles,
janeiro de 1889.
“Quando o vi esboçando
minha cabeça inteiramente
em verde (ele tinha apenas
duas cores principais,
vermelho e verde), que
ele pintou meu cabelo e
meu bigode em vermelho
brilhante num fundo verde
chocante – eu não tinha
cabelo vermelho, com certeza
–, fiquei simplesmente
horrorizado”, lembrou-se
Dr. Félix Rey, em 1929,
sobre o retrato que Vincent
van Gogh pintou dele em
Arles, 40 anos antes. Após
a alta do hospital Hôtel-
Dieu, ele continuou a ver
regularmente Dr. Rey para
trocar os curativos de sua
ferida. Em agradecimento
ao seu dedicado tratamento,
ele pintou o retrato do jovem
médico em janeiro de 1889
(Martin, 2008).

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“Meu caro Theo, a fim de tranquilizá-lo tal daquela cidade, apresenta mania aguda e alucinações visuais
totalmente quanto a mim, escrevo-lhe estas e auditivas que o levaram à automutilação, cortando a orelha.
breves palavras no gabinete do médico Atualmente parece recuperado, mas ele refere não apresentar co-
interno Sr. Rey, que você mesmo conheceu. ragem nem força para a vida independente e, voluntariamente,
Ficarei alguns dias aqui no hospital e solicita a admissão nesta instituição. Como resultado da exposi-
depois posso esperar voltar para casa muito ção anterior, acredito que Sr. Van Gogh apresenta crises epilépti-
tranquilamente...” cas infrequentes sendo aconselhável que permaneça em observa-
ção prolongada neste estabelecimento (Dr. Peyron, 9 de maio de
[Carta de Vincent a Theo, Arles, 1889). Por ocasião da internação, Van Gogh contou a Dr. Peyron
2 de janeiro de 1889] que “uma de suas tias, irmã de sua mãe, era epiléptica e que havia
outros casos na família” (Gastaut, 1956). Os conceitos de epilep-
sia larvária àquela época eram os de que seria sempre hereditária.
Questionamentos realizados mais tarde à sua família negaram que
houvesse casos de epilepsia nas famílias Carbentus-Van Gogh.
“O médico daqui parece inclinado a considerar que eu apre-
sento uma espécie de ataque epiléptico. Mas não lhe perguntei
nada sobre isso...” [Carta de Vincent a Theo, Saint-Rémy, 10 a
15 de maio de 1889]. Ele se descrevia como “um epiléptico” con-
forme o diagnóstico de Drs. Rey e Peyron e dizia que as freiras e
os atendentes do asilo se referiam a ele como epiléptico. Porém,
observava que seus sintomas eram diferentes daqueles de outros
pacientes com epilepsia e escreveu a Theo: “Dr. Rey me disse que
este poderia ser o início da epilepsia...” e que “outros pacientes,
descrevendo seus ataques, referiam que, como eu, ouviam sons e
vozes estranhas e que apresentavam alterações visuais. Isto redu-
ziu meu horror causado pelo meu primeiro ataque...” [Carta de
Vincent a Theo, Saint-Rémy, 22 de maio de 1889].
“A maioria dos epilépticos morde a língua e se mutila. Dr.
Rey me disse que viu um caso em que alguém decepou a própria
orelha, com eu fiz, e penso que ouvi de outro médico daqui, que
veio me ver com o diretor, que disse também ter visto isto antes...”
[Carta de Vincent a Theo, Saint-Rémy, 22 de maio de 1889].

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Árvores do hospital de
Saint-Rémy.
Vincent van Gogh, Saint-
Rémy, outubro de 1889.

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“Eles sabem agora que sou um louco ou Dessa época, há o relato de um caso de automutilação por John
um epiléptico provavelmente por toda a Hughlings Jackson. Trata-se do caso Emily A., uma mulher de
vida (embora de acordo com o que ouvi, há 35 anos que em janeiro de 1874, num estado pós-ictal, cortou o
cinquenta mil epilépticos na França, dos braço esquerdo, expondo a articulação do cotovelo (Taylor, 1958).
quais apenas 400 confinados e assim, isto “Tenho razão em acreditar que o ataque que ele tem tido é o
não é extraordinário)...” resultado de um estado de epilepsia” [Carta de Dr. Peyron a Theo,
Saint-Rémy, 29 de janeiro de 1890]. Suas descrições e o registro do
[Carta de Vincent a Theo, Arles, 2 de Hospital de Saint-Rémy atestam crises de início abrupto e resolu-
maio de 1889] ção gradual. A primeira recorrência foi em julho de 1889. “Deves
saber que me é muito difícil escrever, pois estou totalmente con-
fuso... Durante muitos dias tenho estado absolutamente fora de
mim, como em Arles, e o pior, penso que essas crises irão se repetir.
Por quatro dias não pude comer devido à inflamação na garganta.
Esta nova crise, meu querido irmão, me assaltou em pleno campo,
quando estava pintando em um dia de ventos fortes. Vou enviar-
lhe a tela que terminei, apesar de tudo...” [Carta de Vincent a
Theo, Saint-Rémy, 22 de agosto de 1889].

A recuperação foi rápida, pois em setembro escreveu: “Tra-


balho sem parar em meu quarto. Isto me faz bem e alivia meus
ataques, essas ideias anormais. Durante as crises, as pessoas me
parecem diferentes do que são na realidade... Vejo nelas seme-
lhanças positivas e negativas em relação a pessoas que conheci
no passado e em outros lugares...”. Há documentação de uma
tentativa de suicídio no asilo ao ingerir querosene e tintas, tes-
temunhada por Dr. Peyron e pelos atendentes Trabuc e Poulet.
Para Gastaut (1956), esse ato teria sido realizado em um auto-
matismo pós-crítico.

Era 31 de janeiro de 1890. Theo e Johanna van Gogh-Bonger


anunciam-lhe o nascimento de seu sobrinho Vincent Willem,
convidando-o para padrinho.

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Entrada de uma pedreira.
Saint-Rémy, meados de julho de 1889.
O quadro que Vincent terminou,
apesar de uma crise.

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No entanto, em fevereiro de 1890, seu estado permanecia
inalterado. No dia 20, ficou dois dias em Arles e, no Café dos
Ginoux, festejou com Rachel sua saída. Seguiu-se uma crise ter-
rível, na qual perambulou por toda a noite em Arles e perdeu
uma tela que havia levado consigo. “Ele teve outro ataque que
ocorreu após sua ida a Arles. Notei que os ataques estão se tor-
nando mais frequentes e se iniciam subitamente, toda vez que ele
sai deste hospital. Não acredito que ele se exceda quando está em
liberdade, sempre o vejo sóbrio e reservado. Contudo, sou força-
do a reconhecer o fato de que cada vez que sai, torna-se doente.
Em alguns poucos dias, recuperará sua sanidade como antes...”
[Carta de Dr. Peyron para Theo, Saint-Rémy, 24 de fevereiro de
1890]. O uso de álcool era inquestionavelmente um fator pre-
cipitante dos sintomas. Dois de seus episódios, um em 1888 e
outro em 1889, ocorreram durante as festas de Natal.

Não há cartas até meados de abril de 1890, pois esse último


O quarto de Vincent no Hospital em episódio persistiu por dois meses e foi seguido de melancolia.
Saint-Rémy. Os “banhos” no sanatório, onde “Tem-me chegado cartas de minha família, mas não tenho âni-
o tratamento consistia em hidroterapia. mo de lê-las, de tão triste e melancólico que estou...” [Carta de
Vincent a Theo, 1 de maio de 1890]. Em maio, constatou “... de
acordo com minha experiência, depois dessas crises, das que tive
até agora, há três ou quatro meses de completa tranquilidade...”
[Carta de Vincent a Theo, maio de 1890]. No asilo, seu trata-
mento consistiu em hidroterapia: “Agora tomo duas vezes por se-
mana um banho no qual fico duas horas, e o meu estômago está
infinitamente melhor que há um ano, portanto, só me resta con-
tinuar aqui...” [Carta de Vincent a Theo, 25 de maio de 1889].

Ao chegar a Auvers-sur-Oise, estava bem. O diagnóstico de


Dr. Gachet foi de intoxicação por terebintina e pela luz solar
intensa do sul da França em um cérebro nórdico.

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Retrato de Trabuc, um atendente
do Hospital Saint-Paul.
Vincent van Gogh, Saint-Rémy,
setembro de 1889.

Charles-Elzéard Trabuc. “... Ontem


comecei o retrato do atendente-chefe. Ele
estava no hospital em Marseille em duas
epidemias de cólera, é um homem que viu
uma quantidade enorme de sofrimento e
mortes, porém há uma espécie de calma
contemplativa em sua face...”

[Carta de Vincent a Theo, Saint-Rémy,


setembro de 1889]

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Diagnóstico atual

As seis crises maiores de Vincent van Gogh


iniciadas em dezembro de 1888.
Modificado de Arnold (2004).

Esses episódios poderiam ser atribuídos a crises parciais com-


plexas, iniciadas com aura de alterações no humor ou consci-
ência, com duração de horas ou dias antes do início súbito de
confusão mental. Vincent descreveu: “Por vários dias minha
mente torna-se anuviada...”. As crises epilépticas focais ou par-
ciais são aquelas em que os sintomas iniciais sugerem ativação
de um grupo de neurônios em uma parte de um hemisfério ce-
rebral. Podem ser subdivididas em crises parciais simples (sem
perda da consciência), parciais complexas (com perda parcial
ou total da consciência) ou crises parciais simples ou complexas
evoluindo para crises secundariamente generalizadas. Vincent
jamais apresentou evolução de seus sintomas para crise tônico-
clônica generalizada (Commission, 1981). Entre as primeiras,
o diagnóstico de crises parciais complexas com sintomatologia
afetiva como medo, terror, depressão, raiva ou fúria. Automatis-
mos pós-ictais seguem essas manifestações. Para Gastaut (1956),
a amnésia dos eventos, frequentemente referida, é um forte in-
dício de que seus eventos eram crises epilépticas. Crises psico-
motoras com automatismos teriam sido descritas por Gauguin,
em quem atirou subitamente e sem razão aparente um copo de
absinto e após o que precisou ser carregado à Casa Amarela, onde

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Ramo de amendoeira em flor.
Vincent van Gogh, Saint-Rémy,
fevereiro de 1890.

Este quadro foi enviado a Theo e Johanna para decorar o


quarto de seu filho, Vincent Willem.

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“Nos últimos dias de minha estada, Vincent dormiu. No dia seguinte, desculpou-se dizendo não se lembrar
tornou-se ora excessivamente agitado, de nada. Automatismos noturnos (“sonambulismo epiléptico”)
ora silente. Várias noites eu o surpreendi foram testemunhados por Gauguin, que se dizia aterrorizado ao
levantando-se e vindo à minha cama. A que ver Vincent ao pé de sua cama à noite, em episódios que eram
posso atribuir meus despertares justamente seguidos de completa amnésia. Também pelo guarda do asilo,
naqueles momentos? Em todos aqueles Poulet, em quem aplicou um golpe quando voltava do campo
eventos era suficiente lhe dizer, de maneira onde estivera pintando e permaneceu confuso por várias horas.
austera: ‘Qual é o problema que o aflige, Esse ato foi parcialmente amnéstico, já que dizia ter se defendido
Vincent?’ para ele voltar para sua cama e da polícia que o perseguia. Ainda segundo Gastaut (1956), o
cair em sono profundo...” guarda Trabuc teria relatado um evento ocorrido no hospital
em Saint-Rémy, em 7 de julho de 1889, no qual Vincent apre-
Paul Gauguin sentou mão crispada e um ar desfigurado, o que o levou, após
analisar todos os aspectos da doença de Van Gogh, a sugerir
o diagnóstico de epilepsia psicomotora associada a alterações
psíquicas intercríticas do tipo esquizoide, ambas decorrentes
provavelmente de uma lesão irritativa têmporo-paratemporal
por provável traumatismo de parto, a qual seria denunciada
pela assimetria facial em alguns de seus retratos. Na experiên-
cia do iminente epileptologista francês, as alterações psíquicas
intercríticas na epilepsia psicomotora são geralmente do tipo
esquizomorfa e assim os dois diagnósticos não são incompa-
tíveis (Gastaut, 1956). A Classificação dos Transtornos Neu-
ropsiquiátricos em Epilepsia refere que a psicose paranoide de
indivíduos com epilepsia apresenta forte componente afetivo
sem embotamento afetivo. Os sintomas incluem alucinações
de comando e auditivas na terceira pessoa, entre outros. Há
preocupação com temas religiosos. A personalidade e o afeto
tendem a se manter preservados, diferentemente de outras for-
mas de psicoses esquizofrênicas (Krishnamoorthy et al., 2007).

Certamente, Vincent van Gogh apresentava muitas das carac-


terísticas de personalidade descritas na síndrome de Geschwind

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de indivíduos com epilepsia do lobo temporal, que inclui: agres-
sividade, viscosidade, senso de destino pessoal, dependência
emocional, passividade, depressão, religiosidade, comportamen-
to obsessivo, elação, euforia, circunstancialidade, culpa, hiper-
grafia, hipo ou hipermoralismo, interesses filosóficos, paranoia,
emocionalidade, irritabilidade e hipossexualidade (Waxman e
Geschwind, 1975). A viscosidade em Vincent se manifestava pela
sua intensa aderência e dependência das pessoas que ele amava,
sua perseverança aos detalhes, uma tendência a debater de forma
interminável e sua escrita compulsiva e excessiva. Gastaut (1956)
considerava a viscosidade como o traço central de um indivíduo
com epilepsia do lobo temporal e ainda enfatizou como a perso-
nalidade hipersocial, espiritual e hiper-religiosa de Vincent con-
trastava com seus episódios de raiva que culminavam em fúria,
um sintoma considerado nuclear em pacientes com epilepsia e
acentuada emocionalidade. Sua hipossexualidade teria sido con-
fidencializada a Theo quando se comparou à seguinte passagem
em Maupassant. “Você se lembra, no Guy de Maupassant, do
caçador de coelhos e outras caças, que durante dez anos tinha ca-
çado tanto e tinha se esgotado tanto correndo atrás da caça, que
no momento em que queria casar-se não se entesava mais, o que
lhe causava as maiores inquietudes e consternações? Sem estar
no caso deste senhor quanto a ter ou querer me casar, quanto ao
físico estou começando a me assemelhar a ele. Segundo Ziem, o
homem torna-se ambicioso no momento em que não se entesa
mais. Ora, se para mim dá mais ou menos na mesma me entesar
ou não, protesto que isso deva fatalmente me levar à ambição...”
[Carta de Vincent a Theo, 9 de junho de 1888].

Blumer (2002) retomou o diagnóstico de epilepsia do lobo


temporal defendido pelos médicos que acompanharam Van
Gogh nos seus internamentos psiquiátricos no Hospital de Ar-

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les e no Hospital Psiquiátrico de Saint-Rémy. Defendeu que os
sintomas de Van Gogh podem ser explicados como crises par-
ciais complexas no contexto de uma epilepsia do lobo temporal,
provavelmente desencadeadas pelo abuso de absinto. O autor
argumentou que os sintomas psicóticos e as alterações de humor
podem ser explicados como devidos, respectivamente, a episó-
dios psicóticos provocados pela epilepsia e a uma perturbação
disfórica interictal. Seu quadro psicótico parece também suges-
tivo de psicose pós-ictal, a qual segue crises agrupadas, raramente
advém após crises únicas e se manifesta 24 a 48 horas após estas
(o intervalo lúcido). Sua duração é de dias a várias semanas, e
apresenta-se com confusão mental e amnésia, alucinações visuais
e auditivas, conteúdo de pensamento paranoide, características
afetivas e de forte conteúdo religioso (Krishnamoorthy et al.,
2007). Faltam em Van Gogh, no entanto, as descrições das crises
parciais complexas e, embora haja relatos de desmaios, também
não há descrições de crises tônico-clônicas generalizadas. Se Van
Gogh não teve crises espontâneas, ele não tinha epilepsia. Antes
de iniciar o uso pesado de álcool em Paris, quando estava pró-
ximo à desnutrição em Antuérpia, ele tinha “desmaios” e após
a ingestão de álcool, especialmente absinto, uma droga convul-
sivante, ele continuou a apresentar eventos semelhantes. Para
Hughes (2005), seus episódios podem ser explicados por má nu-
trição crônica e abuso de álcool, possivelmente exacerbados pelo
absinto. Embora considere Van Gogh um exemplo excelente da
síndrome de Geschwind, esse fato não seria suficiente para esta-
belecer o diagnóstico de epilepsia.

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Transtornos Psiquiátricos

Diagnósticos psiquiátricos

“Seu irmão está internado no hospital pela ordem da polícia


como resultado de uma petição assinada por seus vizinhos. Essa
petição, que eu li, certifica que sua aparência e seus atos são
os de um lunático e há perigo real em mantê-lo em liberdade.
Desde a sua admissão, o comissário tem interrogado os signatá-
rios da petição. Como você pode compreender, tudo tem sido
feito discretamente e sem alarde: os testemunhos são coletados
por escrito e arquivados. Li alguns e minha impressão é de que
são exagerados. Evidentemente, os vizinhos temem seu irmão e
magnificaram o ocorrido. Os atos que reprovam em seu irmão
(supondo que sejam reais) não justificam acusar um homem
de insanidade e exigir seu aprisionamento. Eles dizem que as
crianças se agrupam em torno dele e o seguem, e que ele, por
seu lado, os persegue e poderia feri-los; que ele bebe em excesso
(o dono do café, seu vizinho, disse-me exatamente o oposto)
e, finalmente, as mulheres o temem ‘porque ele toma algumas
pela cintura e as toca’. Esta última expressão apareceu várias
vezes nos depoimentos” [Carta do Reverendo Salles a Theo,
Arles, 2 de março de 1889].

“... que reduz o horror que me assaltou no primeiro ataque,


o qual, quando chega sem aviso, só pode ser extremamente ater-
rorizante. Quando você sabe que é parte da doença, você o aceita
como outra coisa qualquer… O choque foi tal que me impedia
até de me mover e nada me daria mais prazer do que nunca ter
de acordar novamente. No presente, esse horror da vida é menos

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intenso e a melancolia, menos aguda. Mas não tenho motivação,
raramente sinto algum desejo ou nenhum em absoluto e pouco
desejo por qualquer coisa da vida ordinária... Isto é porque ainda
não alcancei o ponto onde desejaria pensar em deixar aqui; eu
teria esta depressão em qualquer lugar...” [Carta de Vincent a
Theo, Saint-Rémy, 22 de maio de 1889].

Entre os diagnósticos psiquiátricos, figuram os transtor-


nos psicóticos como a esquizofrenia, os transtornos do humor
como o transtorno bipolar, os transtornos psiquiátricos relacio-
nados à epilepsia, os transtornos de personalidade e a neuraste-
nia (Heerlein, 2000).

Esquizofrenia

O termo “psicose” tem sido utilizado pelas escalas diagnósticas


em psiquiatria para definir um estado comportamental em que há
presença de delírios, isto é, alterações do conteúdo do pensamen-
to, havendo crenças que não correspondem à realidade (ex.: tem
ideias de que o paciente está sendo perseguido ou sendo vítima
de um complô), ou alucinações, que consistem em alteração da
sensopercepção, em que há uma percepção sem objeto (ex.: ouvir
vozes ou ver objetos inexistentes), ou, ainda, grave desorganiza-
ção do discurso ou do comportamento, associada a um compro-
metimento funcional, interferindo amplamente na capacidade de
atender às exigências da vida. De acordo com o DSM-IVR, a es-
quizofrenia consiste em um tipo de transtorno psicótico, caracte-
rizando-se pela presença, por pelo menos seis meses, dos seguintes
critérios: A) Dois ou mais dos seguintes sintomas: delírios, alu-
cinações, discurso ou comportamento gravemente desorganizado
e/ou sintomas negativos (perda da iniciativa, prejuízo do afeto,
empobrecimento do discurso) presentes por pelo menos um mês;

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Autorretrato.
Saint-Rémy.
Vincent van Gogh,
Saint-Rémy,
final de agosto de 1889.

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B) Os sintomas listados em A são associados a uma acentuada dis-
função social ou ocupacional; C) Os sintomas não são mais bem
explicados por um outro transtorno psicótico; D) Os sintomas
não são mais bem explicados por um efeito fisiológico direto de
uma substância (ex.: drogas de abuso) ou de uma condição médica
geral (American Psychiatric Association, 2000).

O primeiro episódio psicótico de Van Gogh teve início no dia


23 de dezembro de 1888 e culminou num período de ansiedade,
tensão, irritabilidade e insônia. O provável estopim para esse epi-
sódio foi o comunicado de Gauguin de que iria deixar Arles. Nesse
período, Vincent apresentou uma sequência de comportamentos
bizarros, tendo tentado agredir Gauguin com uma navalha. Im-
pedido, cortou parte de sua orelha esquerda e a entregou à pros-
tituta Rachel. Na internação, no hospital em Arles, na manhã do
dia 24, apresentava agitação psicomotora intensa, alucinações e
delírios. Durante esse episódio, “tinha medo de ficar só durante a
noite, estava intranquilo e não conseguia dormir...” [Carta de Vin-
cent a Theo, 19 de janeiro de 1889]. Após três dias de admissão,
recuperou-se de seu estado psicótico, e três semanas depois havia
recuperado sua capacidade para pintar. Após sua recuperação, des-
creveu seu estado mental em cartas a Theo e à irmã Wilhelmina:
“As intoleráveis alucinações cessaram, reduziram-se a apenas sim-
ples pesadelos...” ou, ainda, em outro trecho: “Sofri três ataques
sem explicação plausível, e não guardo a menor lembrança do que
fiz...” [Carta de Vincent a Theo, 19 de janeiro de 1888]. Van Gogh
iria ainda apresentar mais um episódio psicótico com duração de
10 dias em fevereiro antes de sua internação voluntária no asilo
de Saint-Rémy, em maio de 1889 (a internação durante o mês de
março deveu-se à ordem judicial em resposta à petição dos seus
vizinhos). Durante o ano que passou no asilo de Saint-Rémy, apre-
sentou quatro episódios psicóticos, sendo dois de rápida duração

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Retrato de um paciente no
Hospital Saint-Paul.
Vincent van Gogh, Saint-Rémy,
outubro de 1889.

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e recuperação. O último durou de fevereiro a abril de 1890, tendo
cursado com alucinações terríveis e intensa agitação psicomotora.
No entanto, obteve recuperação completa do quadro. Sua produ-
ção artística em Saint-Rémy foi extensa, tendo produzido cerca de
300 trabalhos ao longo do seu ano de internação.

Proposta por Karl Jaspers, em 1924, a hipótese de esquizo-


frenia ulteriormente não encontrou suporte. A análise baseou-se
em um número limitado de documentos biográficos e de história
da arte que motivaram o referido autor a observar nos quadros
produzidos nos últimos meses um espessamento das linhas. O
próprio Jaspers oportunamente escreveu: “Creio que minhas ob-
servações são muito pobres porque me falta formação artística,
artesanal e científica; e me é doloroso não poder realizar uma
investigação que me parece essencial por falta de material”. Em
sua consideração final reconheceu “o fato de van Gogh haver
mantido totalmente sua capacidade crítica e a disciplina, apesar
dos episódios psicóticos tão violentos, durante dois anos, não
é usual na esquizofrenia, embora seja possível”. Embora vários
autores tenham suportado a hipótese de esquizofrenia, van Gogh
não apresentava quaisquer dos sintomas fundamentais desse tipo
de transtorno, e a presença de episódios psicóticos com carac-
terísticas amnéstico-confusionais e recuperação completa torna
improvável esse diagnóstico a despeito do diagnóstico de esqui-
zofrenia de início tardio em uma de suas irmãs (Blumer, 2002).

Transtornos do humor (afetivos)

Os transtornos de humor, ou afetivos, têm como principal


característica uma perturbação do humor. O último pode ser de-
finido como “a disposição afetiva básica, a partir da qual os fenô-
menos mentais recebem o colorido emocional”, ou ainda como

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“o estado de ânimo de um indivíduo”. A CID-10 e o DSM-IV
dividem os transtornos do humor em duas grandes categorias,
sendo uma caracterizada por sua “diminuição” – os transtornos
depressivos – e outra, por uma “oscilação permanente” do hu-
mor – os transtornos bipolares.
O transtorno depressivo maior se caracteriza pela ocorrência
de um ou mais episódios depressivos maiores. Os critérios para
este são: A) pelo menos duas semanas de humor deprimido ou
perda do interesse por atividades outrora prazerosas (anedonia);
B) pelo menos quatro dos seguintes sintomas: diminuição da
concentração e atenção, autoestima reduzida, ideias de culpa e
inutilidade, fadiga ou perda de energia, pessimismo em relação
ao futuro, ideias ou atos autolesivos ou suicídio, insônia ou hi-
personia, perda ou ganho de mais de 5% do peso corporal sem
dieta específica; C) os sintomas são associados a uma acentuada
disfunção social ou ocupacional; D) os sintomas não são mais
bem explicados por um efeito fisiológico direto de uma subs-
tância (ex.: drogas de abuso) ou de uma condição médica geral
(American Psychiatric Association, 2000).
O transtorno afetivo bipolar, também denominado no
passado de psicose maníaco-depressiva, psicose cicloide ou
folie à double forme, se caracteriza pela ocorrência de um ou
mais episódios depressivos maiores, alternados a pelo menos
um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco. Os cri-
térios para episódio maníaco são: A) pelo menos uma semana
de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou
irritável; B) pelo menos três dos seguintes sintomas: auto-
estima inflada ou ideias de grandiosidade, mais loquaz do que
o habitual ou pressão para falar, fuga de ideias ou experiência
subjetiva de que os pensamentos estão correndo, distraibili-
dade, redução da necessidade de sono, aumento da atividade
dirigida a objetivos, envolvimento excessivo em atividades

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prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas
(ex.: surtos incontidos de compras, indiscrições sexuais ou
investimentos financeiros insensatos); C) os sintomas são as-
sociados a uma acentuada disfunção social ou ocupacional;
D) os sintomas não são mais bem explicados por um efeito
fisiológico direto de uma substância (ex.: drogas de abuso) ou
de uma condição médica geral (American Psychiatric Asso-
ciation, 2000). Os critérios para episódio hipomaníaco, por
sua vez, consistem em: A) pelo menos quatro dias de humor
anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável;
B) pelo menos três dos seguintes sintomas: autoestima inflada
ou ideias de grandiosidade, mais loquaz do que o habitual
ou pressão para falar, fuga de ideias ou experiência subjetiva
de que os pensamentos estão correndo, distraibilidade, redu-
ção da necessidade de sono, aumento da atividade dirigida
a objetivos, envolvimento excessivo em atividades prazerosas
com alto potencial para consequências dolorosas (ex.: surtos
incontidos de compras, indiscrições sexuais ou investimentos
financeiros insensatos); C) o episódio está associado a uma
inequívoca alteração do funcionamento, que não é caracte-
rística do indivíduo quando assintomático; D) a perturbação
do humor e a alteração no funcionamento são observáveis por
terceiros; E) os sintomas não são associados a uma acentua-
da disfunção social ou ocupacional; F) os sintomas não são
mais bem explicados por um efeito fisiológico direto de uma
substância (ex.: drogas de abuso) ou de uma condição médica
geral (American Psychiatric Association, 2000).
Após dois insucessos (um amor não correspondido na
adolescência e um fracasso como evangelizador), van Gogh
apresentou episódios de depressão prolongados, os quais pre-
cederam alterações maiores em sua carreira. Apresentou ainda
períodos de hipomania ou mania. Sua carreira como evan-

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O exercício dos prisioneiros
(após Doré).
Vincent van Gogh,
Saint-Rémy,
10 a 11 de fevereiro de 1890.

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gelizador terminou quando ele desenvolveu uma espécie de
mania religiosa altruística. Uma história de períodos prolon-
gados de níveis extremamente elevados de energia, entusias-
mo e produtividade alternando a períodos de depressão não
é incomum entre escritores e artistas. A elevação do seu nível
de humor durante sua estada em Paris provavelmente foi o
fator que o levou ao uso de absinto, uma substância que pos-
sivelmente precipitou a ocorrência da epilepsia, sua segunda
doença maior (Blumer, 2002). Seu quadro comportamental
claramente seguiu um curso fásico, com manifestação predo-
minante de excitação e remissão completa. Devido ao extre-
mo entusiasmo de Van Gogh e à sua dedicação primeiramente
à religião e depois à arte, sugeriu-se que pelo menos alguns
sintomas de mania (ou hipomania) tenham sido frequentes
em sua história de vida. Tais episódios eram seguidos de uma
sensação de intensa exaustão e depressão, o que sugeriria a
ocorrência de um transtorno bipolar do humor. Karl Leo-
nhard, ao levantar a hipótese de uma psicose cicloide, uma
das várias denominações para transtorno afetivo bipolar ao
longo da história, referiu que esta preenchia “praticamente
todas as alterações psicopatológicas descritas nos documen-
tos históricos para a enfermidade de Van Gogh, apesar de
também ser possível encontrar, nesses mesmos documentos,
trechos que contradizem tal hipótese” (Leonhard, 1988).
Durante os seus dois últimos anos de vida, entretanto, Van
Gogh não experimentou nenhuma das alterações de humor
mantidas que caracterizam o transtorno bipolar. Ao contrário,
apresentou alterações súbitas e breves de humor depressivo, ela-
ção, ansiedade ou fúria, e seus intensos esforços artísticos eram
frequentemente interrompidos por episódios de anergia; tais al-
terações pleomórficas e intermitentes não preencheriam critérios
suficientes para diagnosticá-lo como bipolar (Blumer, 2002).

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Transtornos psicóticos na epilepsia

A complexa relação entre epilepsia e transtornos psiquiátri-


cos demanda atenção e notoriedade desde os estudos mais anti-
gos, tanto por sua elevada prevalência como pelo agravamento
do prognóstico do quadro neurológico entre os pacientes com
epilepsia. Apesar de frequente em todos os tipos de epilepsia, tal
associação permanece como uma das áreas menos exploradas da
epileptologia. Indivíduos com epilepsia apresentam riscos maio-
res de desenvolver transtornos afetivos, de ansiedade e psicóticos,
embora estes frequentemente sejam subdiagnosticados (Trimble
et al., 2000; Kanner e Weisbrot, 2001). Na epilepsia, tais trans-
tornos psiquiátricos apresentam características distintas das ve-
rificadas em outras condições e apenas em 2007 a Comissão de
Psicobiologia da Liga Internacional contra a Epilepsia propôs
uma classificação dos distúrbios psíquicos especificamente asso-
ciados è epilepsia (Krishnamoorthy et al., 2007).
Do ponto de vista da relação temporal, os referidos proces-
sos podem ser ictais, definidos como aqueles nos quais os sin-
tomas psiquiátricos constituem parte da manifestação crítica,
peri-ictais, quando precedem ou sucedem as crises epilépti-
cas, e interictais, quando não guardam relação temporal com
elas, sendo os últimos os mais frequentemente encontrados
(Kanner e Weisbrot, 2001; Krishnamoorthy et al., 2007).
Os quadros psicóticos ocorrem em 2% a 7% dos pacientes
com epilepsia e são mais comumente associados a refratarieda-
de clínica, epilepsia do lobo temporal e lateralidade à esquer-
da (Adachi et al., 2002; Krishnamoorthy, 2002). Em relação
à temporalidade com as crises, seus subtipos são classificados
em psicose ictal, psicose pós-ictal e psicose interictal. A psicose
ictal é caracterizada por sintomas psicóticos (delírios, alucina-
ções, desorganização do comportamento, agressividade e agita-

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ção) que ocorrem de forma concomitante às crises, geralmente
cessando quando as manifestações clínicas e eletrográficas des-
tas acabam. A psicose pós-ictal se caracteriza por ocorrer após
um intervalo lúcido de pelo menos 12 horas em relação aos
fenômenos ictais, podendo, no entanto, ocorrer até uma sema-
na após estes. É sempre precedida por crises parciais complexas
com ou sem generalização secundária. Os sintomas psicóticos
ocorrem por uma semana a até um mês, podendo apresentar
ou não remissão espontânea. O quadro em geral é polimórfico,
podendo haver sintomas maníacos, hipomaníacos, alucinações
auditivas e visuais ou mesmo delírios e alucinações de caráter
persecutório e bizarro semelhantes àquelas encontradas na es-
quizofrenia (Adachi et al., 2002; Krishnamoorthy, 2002; Kane-
moto, 2002; Krishnamoorthy et al., 2007). A psicose interictal,
por sua vez, não guarda relação com as crises, é mais duradoura
e persistente, ocorrendo em paralelo à epilepsia. O quadro se
inicia em geral após 10 a 15 anos do início das crises epilépti-
cas (Marchetti et al., 2003). As alterações psicopatológicas são
mais definidas, sendo mais semelhantes àquelas encontradas na
esquizofrenia, com a presença de delírios em geral de conteú-
do persecutório, alucinações auditivas, perda da sociabilidade e
maior retraimento afetivo e social. Seu curso é geralmente crô-
nico, evoluindo de forma semelhante à esquizofrenia (Adachi
et al., 2002; Krishnamoorthy, 2002; Kanemoto, 2002; Krish-
namoorthy et al., 2007).
Após seu primeiro episódio psicótico ocorrido em 23 de de-
zembro de 1888, Van Gogh foi internado em um hospital em
Arles, tendo ficado aos cuidados de Dr. Félix Rey. Este o diag-
nosticou como tendo “uma espécie de epilepsia caracterizada por
alucinações e episódios de agitação confusional, cujas crises se-
riam favorecidas pelo excesso de álcool”. Foi medicado com bro-
meto de potássio, tendo alcançado rápida melhora após poucos

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dias de internação. O diagnóstico de Dr. Félix Rey baseou-se nos
conhecimentos sobre epilepsia da época (Temkin, 1971).
Parecia haver um consenso entre seus médicos, Drs. Félix Rey
e Theophile Peyron, de que Van Gogh padecia de epilepsia. Uma
vez estabelecido tal diagnóstico, as alterações comportamentais
apresentadas por Van Gogh em muito se assemelhariam a um
quadro de psicose pós-ictal. De fato, o início abrupto, se precedi-
do por crises epilépticas, seu caráter polimórfico e flutuante, com
sintomas psicóticos efêmeros e comprometimento da consciên-
cia, bem como uma recuperação rápida e completa do quadro,
torna essa hipótese uma das mais plausíveis. Faltam nos registros
de van Gogh, no entanto, descrições mais específicas e claras a
respeito da semiologia das crises epilépticas possivelmente apre-
sentadas por ele, tais como relatos de crises parciais complexas.
Muito embora haja relatos de “desmaios” sofridos pelo artista,
também não existem descrições de crises tônico-clônicas genera-
lizadas em seus registros médicos (Hughes, 2005).

Transtornos de personalidade (“psicopatias”)

O termo transtorno de personalidade é utilizado em psiquia-


tria para descrever “um padrão persistente de vivência íntima ou
comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas
da cultura do indivíduo. Tal comportamento é generalizado e in-
flexível, tem início na adolescência ou no começo da vida adulta,
é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo”
(American Psychiatric Association, 2000). A CID-10 e o DSM-
-IV listam 10 transtornos de personalidade, cada um com suas
características peculiares e atualmente operacionalizados sob a
forma de grupos (clusters). Os transtornos de personalidade do
grupo A (esquizoide, esquizotípico e paranoide) são caracte-
rizados por um padrão de comportamento persistente de dis-

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tanciamento, suspeita em relação ao outro e excentricidade. Os
transtornos de personalidade do grupo B (histriônico, narcisista,
borderline e antissocial) se caracterizam por impulsividade, in-
tolerância à frustração, agressividade e instabilidade emocional,
enquanto os transtornos de personalidade do grupo C (esquiva,
dependente e obssessivo-compulsivo) são caracterizados por ini-
bição social, hipersensibilidade e submissão ao outro.
Pacientes com quadro de epilepsia crônica poderiam também
apresentar mudanças sutis de personalidade com a progressão
da doença. Dentre estas, destacam-se três tipos de alterações: 1)
aprofundamento da emotividade, apresentando comportamento
hiperético e voltado às questões espirituais; 2) tendência a se-
rem detalhistas, ordeiros, prolixos e repetitivos no discurso (vis-
cosidade); 3) maior labilidade afetiva, com sugestionabilidade
e imaturidade (“eternos adolescentes”) (Krishnamoorthy et al.,
2007). Em 1975, Waxman e Geschwind descreveram alterações
de personalidades em pacientes com epilepsia do lobo temporal,
caracterizadas por: agressividade, viscosidade, senso de destino
pessoal, dependência emocional, passividade, depressão, religio-
sidade, comportamento obsessivo, elação, euforia, circunstan-
cialidade, culpa, hipergrafia, hipermoralismo, interesses filosófi-
cos, paranoia, emocionalidade, irritabilidade e hipossexualidade
(Waxman e Geschwind, 1975). A maioria deles estava presente
em Vincent van Gogh, que, para alguns, seria um exemplo qua-
se perfeito para essa síndrome: ele amava ou odiava, alternava
períodos de estados depressivos e maníacos, perdeu o interesse
sexual, expressava raiva ou hostilidade a maior parte do tempo,
tentou ser um pregador religioso, acreditava que as pessoas esta-
vam tentando matá-lo e escreveu 1.700 páginas sob a forma de
cartas a seu irmão (Hughes, 2005).
O transtorno de personalidade borderline, proposto por
Mehlum (apud Hughes, 2005), é um padrão de instabilidade

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nos relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos, bem
como de acentuada impulsividade. No DSM-IV é caracterizado
por oito critérios: 1) Esforços frenéticos para evitar o abandono
real ou imaginado. Embora van Gogh tenha apresentado grande
dificuldade para estabelecer relações interpessoais, viveu aterrori-
zado pela ideia de viver sozinho – quando pressentiu o abandono
de Gauguin em Arles, entrou em pânico; 2) Padrão de relações
interpessoais intensas e instáveis, caracterizado por alternância
extrema entre idealização e desvalorização. Este foi um traço pre-
sente em toda a vida de van Gogh, seja com seu irmão Theo, seus
pais, suas mulheres, seja com os homens presentes em sua vida,
o pai, Theo, Tanguy, o carteiro Roulin; 3) Perturbação da identi-
dade: instabilidade persistente e marcada da autoimagem ou do
sentimento de si próprio. Van Gogh sempre pareceu procurar
seu lugar no mundo da arte e não ter consciência clara do eu; 4)
Impulsividade pelo menos em duas áreas que são potencialmente
autolesivas (gastos, sexo, abuso de substâncias, condução ousa-
da, voracidade alimentar). Dois exemplos foram a automutilação
cortando a orelha e a queimadura na mão numa lâmpada de
querosene quando da negativa de sua prima Kee; 5) Compor-
tamentos, gestos ou ameaças recorrentes de suicídio, ou com-
portamento automutilante. Vincent ingeriu terebintina e, em
outra ocasião, querosene com tintas; 6) Instabilidade afetiva por
reatividade de humor marcada (por exemplo, episódios intensos
de disforia, irritabilidade ou ansiedade, habitualmente durando
poucas horas ou mais raramente alguns dias). Em toda a sua vida
adulta, alternou períodos de exaltação e profunda depressão; 7)
Sentimento crônico de vazio. Esse traço foi permanentemente
expresso em suas cartas; 8) Raiva intensa e inapropriada ou difi-
culdades de controlá-la (por exemplo, episódios de destempero,
raiva constante, brigas constantes), como o episódio em que ati-
rou absinto na face de Gauguin.

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“Fiz o retrato, ou melhor, dois retratos Joseph Roulin foi o amigo mais devotado durante a vida
de um carteiro. Um tipo bem socrático, de Vincent em Arles. Logo após o episódio da automutilação,
também comparável a Sócrates por sua conseguiu um cargo melhor em Marseille, para onde se mudou
adição ao álcool, e, por consequência, um com a sua família em 1889. No ano de sua morte, em 1903,
rosto avermelhado. Sua esposa acaba de Joseph Roulin testemunhou os primeiros rumores do sucesso
ter um filho, o que o enche de satisfação. do amigo como pintor.
É um republicano terrível, como Tanguy Haveria, dessa forma, evidências para o diagnóstico de trans-
!Demônio! Que motivo para pintá-lo à torno de personalidade borderline em Van Gogh. No entanto, o
maneira de Daumier” padrão de comportamento no referido transtorno deve se mani-
festar continuamente, ser generalizado e inflexível, ter início na
[Carta de Vincent van Gogh a Émile adolescência ou no começo da vida adulta e ser estável ao longo
Bernard, do tempo e durante a maior parte da vida do indivíduo, o que
4 a 5 de agosto de 1888] não se percebe na biografia do artista, cujas alterações compor-
tamentais se alternavam com períodos de “calmaria”, tendo se
acentuado apenas em seus dois últimos anos de vida.

Neurastenia

O termo “neurastenia” (“exaustão nervosa”) foi introduzido,


na década de 1860, pelo psiquiatra George Miller Beard, que o
aplicou à condição caracterizada por fadiga crônica e incapaci-
tação, que apareceria após um período de estresse prolongado.
Os critérios diagnósticos pela CID-10 são: A) queixas persisten-
tes e perturbadoras de sensação de exaustão após esforço mental
maior ou após mínimo esforço físico, por pelo menos três meses;
B) pelo menos um dos seguintes sintomas deve estar presente:
dores musculares, tontura, cefaleias tensionais, transtornos do
sono, incapacidade para relaxar, irritabilidade; C) o paciente é
incapaz de se recuperar dos sintomas A por meio de repouso, re-
laxamento ou entretenimento; D) os sintomas não são mais bem
explicados por um efeito fisiológico direto de uma substância
(ex.: drogas de abuso) ou de uma condição médica geral (World

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Retrato do carteiro
Joseph Roulin.
Vincent van Gogh, Arles,
início de agosto de 1888.

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Health Organization, 1993). Esse termo não é mais utilizado
com frequência, porém aparece na literatura psiquiátrica e ainda
permanece como um diagnóstico pela CID-10. Pelo DSM-IV,
no entanto, essa condição não é mais considerada um diagnósti-
co distinto, tendo sido englobado pelos transtornos depressivos,
de ansiedade ou somatoformes.
Sintomas intermitentes de caráter somático ou afetivo, no
entanto, são frequentes entre pacientes com epilepsia crônica.
Manifestam-se de maneira pleomórfica, incluindo oito sinto-
mas: humor deprimido ou eufórico, irritabilidade paroxística,
inércia, insônia, ansiedade, medo, dores atípicas (Krishnamoor-
thy et al., 2007). Tais sintomas ocorrem em intervalos variados e
são flutuantes, podendo durar desde horas até dois ou três dias,
nunca preenchendo critérios suficientes para um transtorno de
ansiedade ou do humor. A presença de pelo menos três dos re-
feridos sintomas geralmente acarreta considerável disfunção so-
cial ou ocupacional. Com relação à temporalidade com as crises,
tais sintomas podem ser: transtorno disfórico interictal, quando
ocorre entre as crises, não guardando relação com estas; transtor-
no disfórico prodrômico, quando precede as crises em horas ou
dias; ou transtorno disfórico pós-ictal, quando sucede as crises
em horas ou dias, causando importante disfunção ao paciente
(dores de cabeça, irritabilidade, ansiedade e humor deprimido)
(Krishnamoorthy et al., 2007).
Van Gogh poderia ter sofrido de neurastenia ao longo de
sua vida, em que frequentemente aparecem períodos de gran-
de “exaustão, cansaço e depressão” sucedendo momentos de
intensa produtividade e excitação. Entretanto, a ocorrência de
episódios psicóticos francos, ainda que breves em sua maioria,
não nos faz pensar na neurastenia como sua principal hipótese
diagnóstica psiquiátrica. Além disso, há relatos do próprio ar-
tista acerca de períodos em que se mantinha calmo e relaxado:

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“Meu caro Theo, a fim de tranquilizá-lo totalmente quanto a
mim, escrevo-lhe estas breves palavras no gabinete do médico
interno Sr. Rey, que você mesmo conheceu. Ficarei alguns dias
aqui no hospital e, depois, posso esperar voltar para casa muito
tranquilamente...” [Carta de Vincent a Theo, Arles, 2 de janei-
ro de 1889]. Em maio de 1890, constatou que “de acordo com
minha experiência, depois destas crises, das que tive até agora,
há três ou quatro meses de completa tranquilidade” [Carta de
Vincent a Theo, Saint-Rémy, maio de 1890].
Certamente, entre os eventos psicóticos e os possivelmen-
te epilépticos, o pintor holandês apresentava também sintomas
sugestivos de um transtorno disfórico interictal. Em suas cartas,
Van Gogh se referia aos seus sintomas disfóricos como “ataques
de melancolia”, “momentos de entusiasmo ou loucura”, “crises
de ansiedade” ou um “sentimento de vazio e fadiga transitório”,
fornecendo um quadro lúcido de um estado mental episódico, o
qual claramente consistia em alterações mais intermitentes e mais
pleomórficas do que aquelas experimentadas por um indivíduo
com alteração mantida do humor da doença maníaco-depressiva
(Blumer, 2002). No entanto, para que tal diagnóstico pudesse ser
formulado seriam necessárias evidências mais claras de um quadro
de epilepsia, o que foi comentado anteriormente.

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Suicídio

A pós a alta do hospital de Saint-Rémy, a caminho de Auvers,


em 17 de maio de 1890, visitou o irmão e a cunhada por
três dias em seu apartamento em Paris (Maire, 1971). Johanna se
“... Dr. Gachet e o outro médico foram
exemplares em cuidar dele, mas viram
desde o primeiro momento que não havia
surpreendeu por sua compleição forte e suas cores saudáveis, si- nada que pudessem fazer. Vincent disse:
nais de saúde física e emocional. Em seguida, em Auvers, passou ‘Eu gostaria de ir-me assim...’ E meia hora
algumas semanas tranquilas. Em 4 de junho de 1890, escreveu depois seu desejo foi realizado. Não se pode
a Theo: “É tão belo aqui. Minha saúde está bem...”. Em 8 de descrever até que ponto se está triste nem
junho, um domingo, recebeu a visita do irmão, da cunhada e do encontrar o menor conforto. É uma tristeza
sobrinho na casa de Dr. Gachet. Em 6 de julho, visitou o irmão que vai perdurar e que, certamente, não
novamente em Paris. A programação da visita incluía um en- conseguirei esquecer enquanto viver. A única
contro com Toulouse-Lautrec (que almoçou com ele) e com sua coisa que posso dizer é que ele recebeu agora
irmã Wil, mas foi marcada por preocupação e ansiedade. Theo o descanso pelo qual tanto ansiava... A vida
considerava sua demissão da galeria e um trabalho independente foi sempre um fardo pesado demais para
e encontrava-se exausto pelos problemas de saúde do filho (Van ele; mas agora, como acontece com tanta
Gogh-Bonger, 2004). Não obstante, antes da chegada da irmã, frequência, todo mundo está louvando o seu
bruscamente após uma discussão com Theo, mas sem explica- talento... Oh, mãe, ele era tão meu, meu
ções, interrompeu a visita e voltou a Auvers. A ameaça da perda próprio irmão!”
do suporte do irmão reforçou a profunda depressão e solidão que
[Carta de Theo a sua mãe e a Wil,
sentia. Em 25 de julho, dois dias antes do suicídio, Vincent es-
Paris, 1 de agosto de 1890.]
creveu: “Na realidade tenho muitas coisas para escrever-lhe, mas
não consigo, me parece inútil...”. E Theo relatou a Johanna: “Te-
nho em mãos uma carta de Vincent que me parece totalmente

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incompreensível. Quando finalmente chegará um tempo de feli-
cidade para ele?”. Esse estado pode ter sido por ele interpretado
como um sinal prodrômico de uma nova crise, como supôs Jo-
hanna: “A angústia ante a uma recaída de sua enfermidade, que
o ameaçava, ou a própria crise o levaram à morte”. Após duas
tentativas de suicídio em Arles, quando bebeu uma garrafa de
terebintina e ingeriu suas tintas com querosene em Saint-Rémy,
disparou um tiro no peito em 27 de julho de 1890 e faleceu dois
dias depois (Van Gogh-Bonger, 2004).

Lápides de Vincent
e seu irmão Theo.

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Autorretrato.
Vincent van Gogh, 1888.

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Autorretrato com chapéu de feltro.
Vincent van Gogh, 1887.

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Conclusão

M uito tem sido escrito sobre a condição patológica de Vin-


cent van Gogh. A maioria dos autores se baseia, para seus
diagnósticos, nos sintomas que ele apresentou nos seus dois úl-
timos anos de vida. Mas seu desejo de suicídio teve início na
infância. No entanto, Van Gogh durante uma parte considerável
de sua vida apresentou, para alguns, sintomas consistentes para
o diagnóstico do transtorno de personalidade borderline: impul-
sividade; alterações do humor; comportamento autodestrutivo;
medo do abandono; problemas de autoimagem; conflitos de au-
toridade e outras relações complicadas (Mehlum, 1996). Para
outros, transtorno disfórico de personalidade interictal: início
apenas aos 35 anos após possível diagnóstico de epilepsia, qua-
dro polimórfico, resolução em dias ou semanas, e que melho-
rou com brometo (Blumer, 2002). O elemento precipitante que
rompeu o balanço psíquico de Van Gogh – instável de qualquer
forma, pela história familiar, má-nutrição, intoxicação, exaustão
e a personalidade borderline ou transtorno disfórico – pode ter
sido a deserção de seu amigo Gauguin. Ele (também) desenvol-
veu uma psicossíndrome orgânica com sintomas psicóticos e ele-
mentos epilépticos. O estresse (devido ao seu isolamento social,
sentindo-se um paciente psiquiátrico com poucas perspectivas),
a continuação da intoxicação quando saía do hospital e especial-
mente os problemas relacionados ao seu irmão Theo causaram
uma espiral descendente que culminou com o seu suicídio.

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adulto. CONTRAINDICAÇÕES: Hipersensibilidade ao succinato de desvenlafaxina monoidratado, ao cloridrato
de venlafaxina ou a qualquer excipiente da formulação. Não deve ser usado em associação a um IMAO ou em, no
mínimo, 14 dias após a descontinuação do tratamento com um IMAO. Deve-se esperar no mínimo 7 dias após a
interrupção do succinato de desvenlafaxina antes de iniciar um IMAO. ADVERTÊNCIAS: Monitoramento quanto
ao aparecimento de alterações incomuns de comportamento, piora da depressão e ideação suicida, especialmente
ao iniciar a terapia ou durante alterações posológicas. Cautela em casos de mania ou hipomania ou história familiar.
Síndrome da serotonina pode ocorrer particularmente com o uso concomitante de outras drogas serotoninérgicas
ou que prejudicam o metabolismo da serotonina. Midríase foi relatada; portanto, pacientes em risco de glaucoma
de ângulo fechado devem ser monitorados. PRECAUÇÕES: Não deve ser usado concomitantemente com
produtos contendo venlafaxina ou desvenlafaxina. Aumentos da pressão arterial (PA) e da frequência cardíaca
foram observados particularmente com doses maiores. Quando existe aumento mantido da PA, a redução da
dose ou a descontinuação deve ser considerada. Hipertensão preexistente deve ser controlada antes do início do
tratamento. Cautela na administração a pacientes com distúrbios cardiovasculares ou vasculares cerebrais. Uso
não recomendado em pacientes com angina instável. O controle periódico dos lipídios séricos deve ser realizado.
Cautela na prescrição a pacientes com história de convulsões. Efeitos adversos de descontinuação podem ocorrer
particularmente com a retirada súbita do medicamento. Cautela em pacientes predispostos a sangramento e em
uso concomitante de drogas que afetam a coagulação ou agregação plaquetária. Não é esperado efeito sobre
as atividades que requerem concentração. Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas ou
lactantes sem orientação médica. REAÇÕES ADVERSAS: Possível aumento sérico de transaminases, de colesterol
total e frações, de triglicérides e presença de proteinúria. Eventos muito comuns: náusea, boca seca, constipação,
fadiga, tontura, insônia, hiperidrose, cefaleia. Eventos comuns: palpitações taquicardia, tinido, visão anormal,
midríase, diarreia, vômitos, calafrios, astenia, nervosismo, irritabilidade, alteração de peso, elevação da PA,
apetite diminuído, rigidez musculoesquelética, sonolência, tremor, parestesia, disgeusia, transtorno de atenção,
ansiedade, sonhos anormais, nervosismo, diminuição da libido, anorgasmia, orgasmo anormal, hesitação urinária,
disfunção erétil, ejaculação tardia, bocejos, erupção cutânea, fogachos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS:
Não são esperadas interações clinicamente relevantes com drogas inibidoras ou substratos das isoenzimas do
CYP450, exceto, talvez, um possível aumento de suas concentrações se administrado com inibidores potentes
da CYP3A4; ou exposição menor a uma droga concomitante que seja metabolizada pela CYP3A4; ou, ainda,
aumento da concentração de uma droga concomitante que seja metabolizada pela CYP2D6. Não é indicado uso
concomitante com IMAO. Cautela no uso com outros agentes serotonérgicos e com drogas que interfiram na
hemostase. POSOLOGIA: 50 mg, via oral, uma vez por dia. Pacientes com insuficiência renal grave: 50 mg em
dias alternados. Pacientes com insuficiência hepática: nenhum ajuste de dose é necessário. Pacientes idosos: não
é necessário ajuste; porém, uma possível diminuição na depuração renal deve ser considerada. A descontinuação
deve ser gradual. Venda Sob Prescrição Médica. Só Pode ser Vendido com Retenção da Receita. Registro
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50 mg com 28 comprimidos
100 mg com 14 comprimidos (HamD6, HamD17, Madrs, Sheehan e CGI)3-7

Referências bibliográficas: 1. Diário Oficial da União, 28/07/2008, RE2.605, de julho de 2008. 2. Bula do produto. 3. Tourian KA et al. Efficacy, Safety, and Tolerability of Desvenlafaxine 50 mg/d in Patients With Major Depressive Disorder. Poster NR6-071 Elza Márcia Targas Yacubian

492310 PTD1023 Livro A doença e a arte de Vincent Van Gogh


presented at the American Psychiatric Association, May 16-21, 2009, San Francisco, California. 4. Thase ME et al. An Integrated Analysis of the Efficacy of Desvenlafaxine Compared with Placebo in Patients with Major Depressive Disorder. CNS Spectr
2009;14(3):144-54. 5. Pitrosky B, Thase ME et al. Efficacy of desvenlafaxine compared with placebo in patients with major depressive disorder: a pooled analysis. Poster presented at the 50th Anniversary of the CINP Congress, 13-17 July 2008, Munich,

A doença e a arte de
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IMPORTANTE CONTRAINDICAÇÃO: NÃO DEVE SER USADO CONCOMITANTEMENTE A UM IMAO.


IMPORTANTE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA: POSSÍVEL AUMENTO DE SUAS CONCENTRAÇÕES
PLASMÁTICAS SE ADMINISTRADO COM POTENTES INIBIDORES DA CYP3A4. Vincent van Gogh
Material produzido em novembro/2010 2ª edição
Veja no verso mais informações sobre o produto.
Material destinado à classe médica.
Wyeth Indústria Farmacêutica Ltda
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Itaim Bibi - CEP 04530-001
São Paulo - SP - Brasil

PRISTIQ018_10 ANUNCIO 2 ANOS 21x21 cm_AF.indd 1 04/11/2010 10:52:37


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