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Mestrado em Sociologia

Disciplina de Temas Contemporâneos - Professores Carlos Benedito e Gerard Delanty

Trabalho Final: Aspectos ideológicos da subjetividade no capitalismo atual e o destino


incerto da espécie humana

Estudante: Paulo Vinícius Santos da Silva - Matrícula 18/0058533

Brasília-DF, 27/02/2019

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Apresentação
O capitalismo hegemonizou a cena final do século XX e inaugura o século XXI sob a égide
da oligopolização, da concentração de capital, da hipertrofia do capital financeiro, do câmbio
flutuante, de um patamar inflação, das crises financeiras e da instabilidade internacional. Como
hegemonia, contempla o domínio e também a legitimação da lógica inclemente, verdadeira
juggernaut a vencer, atropelar e a esmagar o que se lhe interponha no caminho: a lógica do capital.
Em busca de compreender algumas formas ideológicas de legitimação do capitalismo na
contemporaneidade, cobriremos uma pequena parte do estado da arte, explicitando diferenciados
aspectos de legitimação do sistema capitalista segundo reflexões da Sociologia, quais sejam:
- os "espíritos" do capitalismo em Weber, Luc Boltanski e Ève Chiappello;
- a globalização em contraste com o cosmopolitanismo, segundo Delanty;
- o neoliberalismo como nova razão do mundo que urde o homo empresarial do
neoliberalismo em suas diversas vertentes, com Dardot e Laval;
- a psicologia, as redes sociais, e a mercantilização da subjetividade, segundo Eva Illouz.
O intento é apreender distintas estratégias ideológicas de legitimação da hegemonia do
sistema capitalista, a despeito de sua imensa e múltipla crise, decorrente das transformações do
imperialismo em seus aspectos rentista e oligopolista. Remeteremos à tessitura ideológica descrita e
aos seus ardis para a justificação do sistema capitalista como obstáculos à compreensão e à ação dos
dilemas ameaçadores que podem decidir - cenário mais otimista - a continuidade da vida na Terra.
Para isso, o olhar disciplinar abrange as disciplinas de Sociologia, História, Economia, Biologia,
Química, assim como a Geologia, ainda que superficialmente, para o debate da mudança climática e
das escalas de compreensão envolvidas na relação com o fenômeno, segundo Chakrabarty.
A modelagem das ideologias como instrumentos, gramática para a vida concreta nas
sociedades contemporâneas, a reproduzir o capitalismo, internalizar a lógica de mercado
subjetivamente e sua relação com "o destino incerto da espécie humana", eis o objetivo deste ensaio
instigado pela ampla e instigante literatura de Temas Contemporâneos, ministradas pelos
professores Carlos Benedito e Gerard Delanty, num esforço de teorização interdisciplinar.

Uma época de crises e incertezas


É disseminada a percepção de vivermos uma época de transformações intensas e de crise.
Mas, não são correntes a crise e a incerteza na Modernidade?! Qual a novidade, perguntaríamos?! A
célebre metáfora marxista, tudo que é sólido desmancha - esvanece - no ar, ilustra noções de evolu-
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ção, transformação e progresso intrinsecamente ligadas à Modernidade. Mesmo assim, temos a per-
cepção de um acelerar dos tempos, intensificado com a 3a. Revolução Técnico-Científica, com a
internet e a atual passagem para uma 4a. Revolução, de redes sociais ainda mais amplas por
smartphones, a internet das coisas e os avanços em inteligência artificial, a digitalização, a impres-
são 3D, o trabalho em plataformas, as novas formas de precarização, como a uberização.
O processo está em curso, com acelerado desenvolvimento e sua crescente influência abran-
ge bilhões de seres humanos, no que destacamos os seguintes aspectos:
-> A interligação de civilizações e culturas por uma nova forma de comunicação em rede, com leis
próprias, uma nova fronteira tecnológica e organizacional, armazenando e distribuindo conhecimen-
to e ignorância numa escala cada vez maior. A integração das diversas civilizações sob um mercado
mundial capitalista se radicaliza on line. A rede mundial de computadores amplia as possibilidades
de interação humana e com os sistemas desenvolvidos graças à Tecnologia da Informação. A revo-
lução nas telecomunicações e informática proporciona incomparável base de dados, escritos, ima-
gens, obras de arte, música, estudos em todas as ciências, entretenimento, pornografia, atividades
criminosas, cultura inútil e propaganda, massas inacreditáveis de dados gerados, disponíveis e re-
produzíveis;
-> A potencialidade de cataclismos, dentre eles o risco da mudança climática;
-> A hegemonia do capitalismo e a progressiva incorporação de valores de mercado na composição
de um novo Homem e uma nova Mulher, cujas subjetividades são forjadas mercadologicamente.

Mercado mundial on line e a globalização neoliberal


O interesse mercantil é a raison d'etre desse novo mundo integrado pelo capitalismo e pela
internet, on line. A geopolítica favoreceu as pretensões do capitalismo, e os avanços tecnológicos
aconteceram simultaneamente ao fim da URSS e do Socialismo Soviético, à ascensão Chinesa com
o seu Socialismo de Mercado, e à disputa incruenta dos EUA para manter seu status de super-potên-
cia internacional, livre das contenções da Guerra Fria.
Tais circunstâncias potencializaram a integração mundial via financeirização, rentismo espe-
culativo, com a rapidez e a automaticidade dos avanços tecnológicos, a desregulamentação financei-
ra e a "construção" de derivativos financeiros. A débàcle do Socialismo Soviético no Leste Europeu
ensejou um amplo sentimento de vitória, exuberância e promessas de felicidade sob o capitalismo.
E para este, nada há de mais feliz, moral e belo que a acumulação de capital.
A financeirização da economia acabou por confirmar a tese marxista da tendência de con-
centração do capital sob o capitalismo. A lógica do capital é central para entender o movimento ge-
ral da História sob o sistema capitalista e a conformação do mercado mundial e das formações soci-

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ais que configuram o sistema internacional, processo que avançará até a profunda internalização da
lógica capitalista ao nível das emoções e da psicologia individual.
Marx descreve sua lei geral da acumulação capitalista: o avanço da centralização e da
concentração do capital, da acumulação capitalista, com a concentração da riqueza em um pólo e a
ampliação da miséria da classe trabalhadora como resultado no outro pólo, e a necessária existência
de uma parcela miserável da classe trabalhadora como exército industrial de reserva.1
Essa tese é retomada por Lênin em suas formulações sobre o imperialismo, caracterizado
pela concentração do capital, pelo planejamento, pela produção em grande escala, levando a um
processo que negaria toda a lógica de livre mercado, que superaria a etapa do capitalismo concor-
rencial para a concentração cada vez maior da riqueza, com os oligopólios protagonizando um novo
momento do capitalismo, com a fusão do capital bancário com o capital industrial gerando o capital
financeiro, para uma etapa superior do capitalismo, técnica, do ponto de vista do planejamento, mas

1
(…) no interior do sistema capitalista se consumam todos os métodos para a elevação da
força produtiva social do trabalho à custa do operário individual; que todos os meios para
o desenvolvimento da produção se convertem em meios de dominação e de exploração do
produtor, estropiam o operário [tomando-o] um homem parcelar, desdignificam-no a um
apêndice da máquina, aniquilam com o tormento do seu trabalho o conteúdo deste, alie-
nam-lhe as potências espirituais do processo de trabalho na mesma medida em que a este
último é incorporada a ciência como potência autónoma; deformam as condições no inte-
rior das quais ele trabalha, sujeitam-no durante o processo de trabalho ao despotismo mais
mesquinhamente odioso, transformam o seu tempo de vida em tempo de trabalho, lan-
çam-lhe mulher e filhos para debaixo da roda de Juggemaut[N179] do capital. Mas todos
os métodos para a produção da mais-valia são simultaneamente métodos da acumulação e
cada extensão da acumulação torna-se, inversamente, meio para o desenvolvimento da-
queles métodos. Segue-se, portanto, que na medida em que capital se acumula, a situação
do operário — seja qual for a sua paga, alta ou baixa — tem de piorar. Finalmente, a lei
que mantém a sobrepopulação relativa, ou o exército industrial de reserva, sempre em
equilíbrio com o volume e a energia da acumulação, solda o operário mais firmemente ao
capital do que as cunhas de Hefesto [agrilhoavam] Prometeu ao rochedo. Ela condiciona
uma acumulação de pobreza correspondente à acumulação de capital. A acumulação de
riqueza num pólo é, portanto, simultaneamente, acumulação de miséria, tormento de tra-
balho, escravatura, ignorância, brutalidade e degradação moral no pólo oposto, i. é, do
lado da classe que produz o seu próprio produto como capital.
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Primeiro: O processo de
produção do capital. Sétima Seção: O processo de acumulação do capital.Vigésimo tercei-
ro capítulo: A lei geral da acumulação capitalista. 4. Diversas formas de existência da
sobrepopulação relativa. A lei geral da acumulação capitalista. Disponível em <https://
www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap23/04.htm>
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que seria toda dirigida ao ciclo de crescente acumulação e concentração do capital sob os monopó-
lios: “o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo”.2
A previsão marxista de concentração inexorável do capital se confirmou, estudos e dados
nos informam sobre a riqueza do 1% mais rico ter superado a riqueza possuída pelos 99% do restan-
te da população terrestre.3 Acelera-se esse movimento desde os anos 70, e o rompimento unilateral
do acordo de Bretton Woods pelos EUA marca uma orientação mais ampla de desmonte da legisla-
ção que punha limites ao capital financeiro, surgida no curso do crash de 19294.
Essa dominância da esfera financeira e do rentismo se expressou na superação do regime de
câmbio fixo que se tentou recompor no pós-guerra. Eventos econômicos próprios da economia esta-
dunidense e as consequências financeiras de guerras como a do Vietnã levam à acumulação de défi-
cits simultâneos dos EUA - fiscal e em conta corrente - que deixaram às claras aos seus credores a
ausência de lastro, abrindo a época de câmbios flexíveis e de impressão desmesurada de moeda sem
lastro, o dólar como reserva e moeda de referência no sistema financeiro internacional. A con-
sequência da volatilidade extrema do sistema financeiro desregulado crescentemente se expressa
também na inflação, no aumento e especulação sobre o preço das commmodities, com derivativos, e
na recorrência das crises de superprodução de capital fictício, as temíveis bolhas..5
Assim, a desregulamentação, a concentração da riqueza, a oligopolização e os avanços tec-
nológicos ocorreram indiferentes às advertências de Karl Polanyi nA Grande Transformação. A au-
sência de regulação das forças "de mercado" prevaleceu e submeteu a sociedade em profundidade.
Um resultado é a recorrência das crises econômicas, sejam localizadas na periferia do capitalismo,
sejam crises no centro do sistema, como o estouro da bolha especulativa do subprime, crise dos ins-
trumentos financeiros complexos estruturados, os derivativos, que eram originados no mercado
imobiliário, mais exatamente no sistema de seguro e mercado de títulos desses seguros combinados,

2 O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral. Mas
o capitalismo só se transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau, muito elevado, do seu desenvol-
vimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando ga-
nharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e soci-
al mais elevada. O que há de fundamental neste processo- do ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capita-
lista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em
geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre concorrência, mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em
monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando
a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trusts e, fundindo-se com
eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam
da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos parti-
cularmente agudos e intensos. O monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior.
Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopo-
lista do capitalismo. LENIN. V. I O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras Escolhidas. Vol. 1. p. 641. 3a. Edição. Editora
Alfa-Ômega. São Paulo.

3 OXFAN. Documento Informativo da Oxfam 210. Resumo. 18 de Janeiro de 2016. P. 2. Disponível em <https://www.oxfam.org.br/
sites/default/files/arquivos/uma_economia_para_o_um_por_cento_-_janeiro_2016_-_resumo.pdf>

5 ROUBINI, Nouriel e MIHM, Stephen. A Economia das crises. P. 34.

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que cobriam o gigantesco endividamento imobiliário. Ainda segundo Roubini, a referida crise mar-
ca o fim da estabilidade financeira propiciada pela “pax americana”, anunciando o declínio da su-
perpotência e novas e devastadoras crises.6
Uma perspectiva sombria em meio à exuberância, características ambivalentes e terríveis da
modernidade, como na leitura de Marshall Berman da Modernidade e de Marx:
(…) suas energias, intuições e ansiedades mais características brotam dos movi-
mentos e pressões da moderna vida econômica: de sua insaciável demanda de cres-

cimento e progresso; sua expansão dos desejos humanos para além das fronteiras
locais, nacionais e morais; sua pressão sobre outras pessoas para explorarem não só

os outros seres humanos como a si mesmas; a volubilidade a interminável de todos


os seus valores no vértice do mercado mundial; a impiedosa destruição de tudo e de

todos que a modernidade não pode utilizar - quer em relação ao mundo pré-moder-
no, quer em relação si mesma e ao próprio mundo moderno e sua capacidade de

explorar a crise e o caos como trampolim para ainda mais desenvolvimento, de ali-
mentar-se de sua própria auto-destruição.7

Se “Uma pessoa só encarna a personagem econômica do capitalista porque o seu dinheiro


funciona continuamente como capital”8, por diversos caminhos, o capitalismo avançou ampliando
as dimensões em que a lógica do capital se expande continuamente, moldando a personalidade das
pessoas, fazendo com que a legitimação da ordem capitalista penetre no mais recôndito da nossa
mente, seja ela própria a lógica do nosso agir. Alimentar-se das crises e das próprias contradições e
críticas para renovar-se e fazer prevalecer a continuidade da acumulação do capital.

A internet e as mudanças na interação e na psicologia humana


A internacionalização de valores e da lógica de mercado como a própria subjetividade asse-
guram uma aparência de eternidade e indestrutibilidade ao sistema capitalista. Imersos que estamos
nesse grande processo simultâneo e contraditório que envolve diferenciação e uniformização, se-
guimos uma "normalidade" que o capitalismo moldou. O trabalho e o descanso, o prazer e as di-
mensões do sofrimento, os tipos de roupas que usamos, que comida comemos, e inclusive a gramá-
tica da sedução e o sexo. O processo de ampliação das necessidades, o sentido de individualidade e
a uniformização de valores e formas de viver operam para a manutenção da acumulação capitalista.

6 Idem, p. 289.

7 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A Aventura da Modernidade. P. 119.
8 MARX, KARL. O Capital. Vol. 1 tomo 2. Coleção Pensadores. Abril Cultural. São Paulo. 1984. p. 153
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A despeito do discurso da mudança, da evolução e do progresso encarnarem a modernidade
e o capitalismo, este, contraditoriamente, pretende-se eterno, legítimo representante da “natureza
humana”. Sua evolução cumpre o destino da maior profecia auto-realizada: a internalização dos va-
lores capitalistas no processo de construção do mercado mundial.
Para a perspectiva neoliberal dominante, austro-estadunidense, a figura do “empreendedor”
substitui, na condição de sujeito, o trabalhador. Sua motivação é pensada a partir da individualiza-
ção da lógica empresarial como a própria dimensão da ação humana. A “robinsonada” que Marx
critica - projetar o presente capitalista no jus naturalismo de um ser humano Robinson Crusoé como
paradigma - reafirma-se como projeção para o passado e o futuro de uma singular “natureza huma-
na” imutável, empresarial, empreendedora, propagando o capitalismo para todas as épocas, ilus-
trando a dimensão metafísica e mítica da perspectiva que eterniza o capitalismo e o discurso merca-
dológico que é disseminado no momento de maior oligopolização da economia. Assim, vemos a
reificação do mercado como dimensão perpétua, espaço e processo que assegura a ação humana a
partir da possibilidade de empreender.
A própria racionalidade decorreria do aprendizado que o mercado possibilita, e a agência
humana estaria na concorrência, no conduzir-se no mercado, a facultar a liberdade e o poder de
transformar a realidade a partir das escolhas racionais e egoístas dos seres humanos. Dardot e Laval
chamam a atenção do caminho subjetivista da escola de Hayek e Von Mises, que “convertem a teo-
ria dos preços de mercado em uma teoria geral da escolha humana”.
Von Mises aspira, assim, à panaceia, teria descoberto – eureka – a chave da “ciência de to-
dos os gêneros do agir humano”, a “praxeologia”. Como panaceia, contém a saída para uma ques-
tão central e universal, a contradição dos interesses coletivos e individuais. O nó górdio é desfeito a
fio de espada pela teleologia do interesse egoísta, sob a regência providencial da mão invisível do
mercado, que solucionaria o problema da “coordenação das tarefas especializadas e da alocação de
recursos” a partir de uma estrutura descentralizada que se atualizaria permanentemente a partir das
escolhas que assegurariam a liberdade dos indivíduos. Persistiria, no entanto, a dissimilitude de in-
formações que caracteriza as possibilidades e habilidades (knowledge) no mercado. O mercado, as-
sim, seria um processo de formação de condução de si mesmo, reunindo uma dimensão meritória do
comportamento humano, o empreendedorismo9.

A internet e as novas formas de interação virtual


Até o século XX, a interação social face a face constituiu praticamente toda a interação hu-
mana. O conceito de interação social tem uma larga história nas Ciências Sociais e é importante

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para a Sociologia refletir sobre o impacto desta nova forma de interação entre os seres humanos,
que sofre uma grande ampliação a partir desses desdobramentos tecnológicos, que em muito supe-
ram o telefone.
A interação social, segundo Goffman define, compreende as infindáveis atividades cotidia-
nas entre indivíduos, realizadas face a face, baseando-se na presença; detém um protagonismo do
corpo e da mente (mas não apenas da racionalidade) como instrumentos de aprendizado complexo,
que envolvem exatamente a participação de alguém mais com quem se negocia permanentemente
os termos da interação segundo as opiniões, convicções e gostos, um processo em permanente exer-
cício. O sentido comum compartilhado no contato pessoal em interação envolve um conjunto de
experiências referenciais, as impressões voluntárias e espontâneas que transmitem e absorvem os
indivíduos, a projeção de sua persona e seus impactos sobre os demais e as expectativas envolvi-
das10. A pedra de toque do pensamento de Goffman, projetada internacionalmente a partir de The
presentation of self in everyday life, é o conceito de self que é resgatada por Carlos Benedito:
o conceito fundamental em Goffman é o de self, que longe de constituir uma dimensão psicológica
localizada e fixada no interior do indivíduo, é o resultado de um processo social. Dessa forma, o self
não constituiu uma propriedade da pessoa, mas reside no padrão de controle social que é exercido
pela pessoa e por aqueles que a cercam. Sua análise trouxe, com isso, o self para o centro da ordem
interacional. 11

A ordem interacional abrangeria as situações de encontros sociais em que uma apresentação


de si seria exercitada nesse contato face a face, expressando uma das dimensão que a compõem
como pessoa, como a pessoa compreende a si a seu status, e o exercício das ações correspondentes
na situação concreta. Esta dimensão presencial, temporária, envolve situar os atores que fazem a
interação social a partir da projeção de seu self e do reconhecimento do self dos presentes na intera-
ção. O telefone e o correio, como Goffman também pontua, era uma forma reduzida da interação
real, mas mesmo assim, considera-as formas de presença, co-presença. Parece-me que isto ocorre
como uma interação carente de parte de suas características, a superação da distância através de
uma interação limitada ao áudio e ao microfone constituiu.
Quanto à interação na internet, ela retira exatamente parte das dimensões da presença, do
contexto e do tempo presente, deixando, em seu lugar, o perfil na internet e a comodidade da ausên-
cia e do registro, porque não é uma interação necessariamente de tempo presente, e quando o é, ex-
clusivamente ocorre - ainda - por texto (HotMessenger, Messenger do Facebook, Whats App) etc.

10 MARTINS C. B. C. Notas Sobre O Sentimento De Embaraço Em Erving Goffman. Revista Brasileira De Ciências Sociais - Vol.
23 No. 68.

11 Idem. P. 140.
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No entanto, se presencialmente as palavras se perdem, submetidas à memória, no caso das redes o
registro é incontornavel. Restam os áudios, o texto, os nudes.
No passado, a ficção científica nos brindou diversas antecipações do momento em que a
humanidade poderia superar a distância através de uma comunicação em tempo real com imagem e
som, como divertidamente exemplifica o filme Barbarella, de Roger Vadim, de 1968. A inesqueci-
velmente bela Jane Fonda, uma viajante do século XLI, viaja em missão pelo espaço em captura do
vilão, Duran Duran. Ocorre então a cena futurista de uma missão sendo dada em um diálogo breve,
com imagem e som, utilizando um aparelho como uma televisão super avançada. Se as naves não se
difundiram, a verdade é que apenas poucas décadas após, a comunicação já atingiu esse patamar de
unir áudio e vídeo em tempo real a partir de nossos smartphones, que são ao mesmo tempo: telefo-
ne, computador, GPS, gravador de áudio, câmera fotográfica digital, câmera de vídeo, gravador de
voz, microfone, videogame, enciclopédia, treinador físico, são computadores potentíssimos. Essa
incrível capacidade de miniaturização e de design de um novo e indispensável objeto, o celular, so-
nho de consumo de uma nova maneira de viver conectado. E, a partir dele, tornam-se banais as ví-
deo conferências que a ficção científica via habituais apenas no século XL.
Assim, o texto, o áudios e o vídeo se tornam disponíveis na palma na mão, assim como uma
conexão permanente com a rede mundial de computadores. Cada um dos meios, ou a sua combina-
ção, são utilizados nas diversas formas de interação que temos, abrindo possibilidades diversas, in-
finitas de expressão e comunicação. Passamos a andar com o celular nas mãos, distraídos do mundo
e com a mirada fixa na tela, nas redes, um esporte perigoso, roleta-russa contemporânea, em que ao
custo da própria segurança, prestasse um comovente culto, sacrificando o olhar sobre o real para a
tela encantadora que nos abre um novo mundo, em que somos um perfil, ou um avatar.
Assim, a interação social, que existia sobretudo de modo presencial e que tinha como possi-
bilidade de ampliação o telefone e carta, passa a ter não apenas novos meios, mas novos mundos.
Viver a internet e a partir dela estabelecer seu trabalho, estudo e lazer, passando a estar permanen-
temente “conectado”. E a força do movimento é tamanha que a pobreza e a exclusão passam tam-
bém a conter a dimensão da ausência de acesso à internet e às redes, portanto12.
Eva Illouz chama a atenção para a interação virtual que surge a partir da acelerada difusão
da internet pelo mundo. Sob a promessa de ampliar as relações entre as pessoas para uma nova
fronteira, a internet de fato entrega o prometido, mas o faz de modo mediado e segundo uma gra-
mática que será convertida até às combinações de zeros e uns que constituem esse universo cons-

12 É oficial: maior parte dos brasileiros só acessa a internet pelo celular. <https://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/
2018/07/24/mais-da-metade-dos-usuarios-de-internet-brasileiros-nao-utiliza-computador.htm>
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truído desde o pequeno byte até o Yotabyte13. Tamanha transposição não poderia ser sem dano. A
compressão dos sentimentos, de si próprio, dos sonhos, da projeção mesma do self, tudo deve caber
no texto que está na rede, mas não qualquer texto, mas um texto especial, o credo psicológico:
Primeiro, a identidade é construída mediante sua decomposição em categorias distintas de
gostos, opiniões, personalidade e temperamento, e portanto é levada a conhecer um outro com
base na ideia e na ideologia da compatibilidade psicológica e afetiva. O encontro requer uma
enorme dose de introspecção e a capacidade de articular o perfil psicológico de si mesmo e
de terceiros.
Segundo, o ato de permitir a postagem de um perfil faz com que a internet, à semelhança de
outras formas culturais psicológicas como os programas de entrevistas e os grupos de apoio,
converta o eu privado numa representação pública. Mais exatamente, a internet torna
visível o eu privado e o exibe publicamente para uma plateia abstrata e anônima, a qual,
no entanto, não é pública (no sentido habermasiano da palavra), e sim uma agregação de eus
particulares. Na internet, o eu psicológico privado torna-se uma representação pública.
Por fim, como grande parte do credo psicológico, a internet contribui para uma textualização
da subjetividade (como foi discutido na Conferência 1), ou seja, para uma forma de apre-
ensão de si mesmo em que o eu é externalizado e objetificado através de meios visuais de
representação e linguagem. 14

Os três pilares apropriados das aplicações da psicologia no mercado de trabalho à expansão


da produção estão sob a "neutralidade" da internet e apregoam:
1) a crença na fiel tradução de si em texto e imagem a partir de categorias derivadas da psicologia;
2) o eu privado psicologicamente definido tem uma dimensão pública na rede;
3) a apreensão de si e a externalização como objeto na rede, o que corresponde ao sentido de mer-
cado.
Quando passam as redes a conectar e separar as pessoas pela internet, ocorre uma redefini-
ção profunda das relações sociais, não só porque ampliam enormemente as possibilidades não pre-
senciais das mesmas, mas também por criar um mundo que promete desfazer do peso e dos limites
de nossos corpos e lugares sociais, um novo modo de ser quem desejamos. Somos nós mesmos
quem constituímos os perfis ou avatares que permitem e concentram as interações nas redes segun-
do essa linguagem que decompõe a personalidade acorde uma visão de mundo definida.
Destarte, a interação ocorre entre avatares, entre perfis, não é uma interação face a face
como outrora, "a internet se baseia numa interação textual incorpórea”, que é a nossa tradução
para a estrutura que intermedia uma relação mais ampla, quanto à escala dos envolvidos. É a rede
mundial de computadores, a melhor idealização do mercado mundial. Passamos a ter milhares de

13 1 YT (Yotabyte) corresponde a 280 bytes, ou seja: 1.208.925.819.614.630.000.000.000 bytes. Já um byte corresponde a 8 bits, ou
seja uma combinação de zeros e uns com 8 algarismos, que corresponde à quantidade de informação de um caractere. <https://
www.algosobre.com.br/informatica/unidades-de-medida-do-computador.html>.

14 ILLOUZ, Eva. O Amor nos tempos do Capitalismo. Zahar Editores. 2011.Rio de Janeiro. P. 48.
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“amigos” ou curtidas, paquera-se em escala industrial. Convivem lado a lado relações pessoais e
virtuais e é difícil estabelecer o que é real e o que é “vida de videogame”. Não é uma vida falsa, é
uma nova realidade, que articula o virtual e o real, as informações, o histórico, as presenças e as co-
presenças.
A construção dos avatares e perfis que possuímos nas redes se baseia na decomposição pro-
gramada de nossa personalidade em texto, segundo um raciocínio psicologizante e de mercado. Há
aí um processo que desencarna o indivíduo tanto no que omite, quanto no que desconhece acerca de
si. Cada qual expõe o que se espera seja aceitável segundo o objetivo instrumental que levou à
construção do perfil. Aqui, as possibilidades do cinismo e dos comportamentos criminosos também
ganham dimensões titânicas. Ainda assim, em meio às incertezas, apenas admitimos a dita tradução
como fidedigna, tanto de nossa parte quanto alheia, e absorvemos as informações e os critérios de
mercado que medeiam uma rede de relacionamentos que incorpora a lógica dos interesses em nível
muito profundo.
Essa ampliação da esfera do interesse, essa distância real e axiológica e essa objetificação
remetem, como a autora esclarece, a uma forma de interação mercadológica, que inverte a sequên-
cia multi-secular que antepunha o contato social, a presença física, uma imensa sorte de imponderá-
veis, tudo isso espremido na situação da interação pessoal presencial, e que passa a ser traduzida,
purgada, limpa, desconstituída e reconstituída de modo parcial. Mas antes mesmo dessa interação
virtual direta existe a necessidade da aproximação, e aqui se amplia a noção de contato que só exis-
te segundo a lógica que antepõe o racional, o instrumental, o compatível antes da interação virtual,
é o interesse pelas informações disponíveis no perfil que permitisse elucidar a outra pessoa para
essa primeira interação. Há, desse modo, uma ordem inversa à interação face a face.
Nas interações face a face há um self a projetar e defender, sua lógica interna precisa ser
afirmada e se espera a efetividade dessa afirmativa que, se em risco, há de ser defendida, reafirma-
da. Sua desconstrução causa o ‘embaraço’ - o constrangimento ante à ameaça da desconstrução não
intencional do self laboriosamente construído -, e os processos traumáticos que envolvem a coação
e a desconstrução do self, como Goffman observou no estudo de instituições psiquiátricas.
a partir de vemos na internet a ampla pretensão à popularidade, cujo inverso pode também ter con-
sequências trágicas e devastadoras, muito mais disseminadas que qualquer embaraço, inclusive por-
que não se origina numa situação que expõe as vulnerabilidades do self, mas pode derivar de um
mero e destrutivo boato, cujo poder de estigmatização pode ser devastador. A “viralização” de “fake
news” e o advento da “pós-verdade” dão ideia da potencialidade dos bots, ferramentas de inteligên-
cia artificial que interagem e desenvolvem estratégias sistêmicas para propagar conteúdos, dentre

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os quais notícias falsas e ataques a indivíduos ou grupos, com interesse financeiros, políticos, ou
não15.
Desse modo, a exposição negativa de falhas e desmoralização pública por calúnia superam
enormemente as possibilidades negativas da interação face a face, como o embaraço. É incompará-
vel a escala da exposição de si nas redes sociais, e a viralização que pode ser entendida como o de-
sejo universal, essa popularidade, pode também ser negativa ou atrair os haters, sejam reais ou não.
Caso recente que demonstra essa perigosa ambiguidade foi o caso em que um aposentado de 72
anos se celebrizou como o 'vovô do slime’, um senhor inocente que brinca com uma massa que imi-
ta uma amoeba e que é feita pessoalmente pelas crianças como uma brincadeira e que ganhou re-
percussão mundial, reunindo crianças de todo o mundo em torno dos modos de fazer o slime, sua
qualidade, seu mercado etc. Ora, o senhor Nilson Izaias atingiu mais de três milhões de inscritos em
seu modesto canal no Youtube em que sua grande simpatia brincando cativou a audiência, com um
vídeo seu superando sete milhões de vizualizações. No entanto, no curso do fenômeno de populari-
dade, também veio um ataque em forma de fake news atribuindo-lhe falsas acusações de pedofilia e
a apropriação política de suas imagens em perfis falsos, com uma dimensão semelhante à do êxito,
deixando-o em pânico, dado a natureza estigmatizante com que as mentiras são disseminadas na
rede.
Isso coloca o peso da necessidade de as pessoas escreverem seus perfis e afirmarem suas
opiniões de modo bastante distinto das interações sociais face a face: a exigência implícita de rea-
ções populares positivas, afirmações de sentido definitivo, jocoso, irônico, crítico, laudatório, mas
sempre em tom correspondente ao sentido encantado da auto-apresentação nas redes sociais, e no
geral com um registro. Eva Illouz, limitando sua análise à esfera do romance nas plataformas de
relacionamentos na internet, conclui:
A racionalização, a instrumentalização, a administração total, a reificação, a
fetichização, a mercantilização e o “arrazoamento” heideggeriano, tudo isso
pareceu saltar dos dados que colhi. Dir-se-ia que a internet leva o processo
de racionalização dos afetos e do amor a níveis nunca sonhados pelos teóri-
cos críticos.16
Outrossim, contribuíram decisivamente para a internalização e equiparação das interações
face a face às interações virtuais: o credo psicológico e suas consequências na internet e nas redes

15 Um exemplo trágico do fenômeno foi a triste história da "dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu na manhã des-
ta segunda-feira (5), dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores de Guarujá, no litoral de São Paulo. Segundo a fa-
mília, ela foi agredida a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava
crianças para utilizá-las em rituais de magia negra”, em <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-
apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html>

16 ILLOUZ, Eva. O Amor nos tempos do Capitalismo. Zahar Editores. 2011. Rio de Janeiro. P. 55.

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sociais. Ambos tem cumprido papel central em propagar as ideias que formam desde as camadas
dirigentes até a classe trabalhadora, a fim de adestrar a subjetividade aos valores que são encarna-
dos hoje no neoliberalismo.

A justificação moral da lógica amoral do capital


A Sociologia Pragmática retoma com sagacidade a dimensão da legitimação e da justifica-
ção do capitalismo a despeito de sua amoralidade, que se contorna através de um espírito que possa
subsistir à face revolucionária e iconoclasta que sacrifica referências morais seculares no sacrossan-
to altar do “cálculo egoísta”.
Tamanho furor por rasgar véus sacros acabou, entretanto, deixando o sistema carente de jus-
tificação moral à lógica da acumulação desapiedada do capital. A liberdade do proletário(a) significa
a eleição entre o trabalho assalariado ou a fome. Uma motivação negativa. A auri sacra fames - a
ambição desmedida pelo lucro, a motivação positiva. Ambas, entretanto, acabaram por se demons-
trar muito menos mobilizadoras que o necessário para a força de trabalho e seus gerentes atuarem
com a eficiência produtiva e tecnológica adequada aos ditames inclementes da acumulação de capi-
tal, cuja execução exige crescentes graus de "envolvimento do pessoal”, um engajamento cada vez
mais importante à medida que as novas tecnologias demandam características distintas do tayloris-
mo-fordismo: capacidade de julgamento, empatia, motivação, discernimento etc.
Ora, para analisar o processo de justificação desse tipo de engajamento necessário ao pro-
cesso de acumulação capitalista, Boltanski, discípulo rebelde de Bourdieu, desenvolveu uma leitura
sobre os espíritos do capitalismo - retomando A ética Protestante, obra clássica de Weber - ideolo-
gias a suplantar a aridez moral da acumulação de capital, legitimando esse movimento profundo e
permanente no sentido da acumulação.
Weber identifica no protestantismo, em especial do calvinismo, derivar uma prática ética
adequada à acumulação capitalista a partir de sua concepção da existência de um Decretum Horribi-
lis divino. As onisciência, onipotência e exclusividade de critério na concessão da Graça que carac-
terizam o poder divino e sua impenetrabilidade ao entendimento humano e condenariam a todos à
incerteza perpétua quanto à própria salvação, tendo como único lenitivo - e sem certeza -, uma vida
de virtudes, o trabalho de qualidade para embelezar a Terra, o consumo restrito e a frugalidade, a
acumulação e o reinvestimento. Tais seriam as bases éticas apropriadas pelo primeiro espírito do
capitalismo, que as retira de sua contextualização sagrada e o impulsiona como critério válido em si
mesmo.
Boltanski e Chiappello elucidam pelo menos dois "espíritos" que correspondem à própria
evolução do sistema capitalista em seu caminho rumo à financeirização, à concentração desmedida

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de riqueza como seu Perpetuum mobile, a despeito tudo. Se o primeiro espírito corresponderia ao
sentido heróico do capitão de indústria, e do ascetismo protestante, o segundo corresponderia ao
taylorismo-fordismo, à emersão do executivo, do planejamento e o terceiro espírito assumiria a flui-
dez correspondente à volatilidade do capitalismo financeirizado.

Mundo mundo vasto mundo

A despeito dos inegáveis avanços tecnológicos e das possibilidades educacionais e de inte-


gração da humanidade, crescentemente questiona-se a pertinácia do otimismo com a chamada Glo-
balização, vendida como a superação das barreiras entre as nações, o congraçamento universal e o
fim das guerras. Lamentavelmente, a sucessão de guerras, as tragédias humanitárias delas decorren-
tes - como a crise mundial dos refugiados -, demonstraram sobejamente que - exceto para o capital -
as fronteiras continuam, e que há e haverá muros, campos de refugiados, assim como xenofobia e
racismo, assim o demonstra a onda mundial de extrema direita que se converteu em alternativa elei-
toral em países como Estados Unidos, Brasil, Hungria, Polônia, Filipinas, Itália, Grécia, entre ou-
tros.
Assim, o avanço das tecnologias de telecomunicação e transportes, da informática e da ci-
bernética, a rede mundial de computadores, apesar das possibilidades de integrar-nos, estão presos e
foram impulsionados a partir da própria lógica de acumulação do capitalismo, da concentração da
riqueza, do regime de monopólios, radicalizado por uma série de vicissitudes políticas e econômicas
e do próprio desenvolvimento do mercado mundial sob o colonialismo e, após, sob o imperialismo.
Essa é a tendência dominante. Seu avanço e força não ocorre, entretanto, sem contradições,
contra-tendências e dilemas. Afinal, se num sentido, a despeito do maior contato entre os povos do
mundo, maior comércio mundial, uniformização de características comportamentais, avançam o
nacionalismo xenofóbico, as lutas nacionais de resistência na periferia, pari passu criaram condi-
ções sem precedentes para o despertar de uma verdadeira consciência mundial, um cosmopolitismo
que se distancia da ideologia da globalização e que decorre das possibilidades positivas abertas pela
internet.
Esse sentido cosmopolita implica um olhar global a partir das próprias sociedades nacionais,
o compartilhamento de valores morais globais e locais, a internalização do sentido de igualdade in-
trínseco aos seres humanos independente das nacionalidades, um sentimento de uma interdepen-
dência profunda que supera muitíssimo os limites do fetiche da mercadoria e da acumulação do ca-
pital.
Gérard Deanty discute em The Cosmopolitan Imagination o delineamento de um cosmopoli-
tanismo crítico que avance para além da perspectiva cosmopolita compreendida como o espaço
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transnacional e a diversidade cultural, dimensões partilhadas pelo cosmopolitanismo tradicional e
pela globalização. A História registra períodos de comopolitanismo que coincidem com momento
importantes de transformação social: o Império helênico de Alexandre, O Grande, a ascensão do
Confucionismo entre os séculos V e II A. C., os séculos XVIII e XIX na Europa, período de crise do
absolutismo, da afirmação do capitalismo, da rapina colonial, o período que sucedeu a II Guerra
Mundial e a nova onda, que corresponde ao momento atual.
A perspectiva crítica do cosmopolitanismo atual se expressaria na auto-compreensão huma-
na em sua universalidade, a partir da consciência dos desafios globais. É a crítica cosmopolita -
como toda crítica - implica um ponto de vista alternativo sobre a realidade, e deste lugar, envolve,
sim, espaço transnacional e a diversidade cultural em que a espécie humana está imersa, mas a per-
cepção de um destino comum e desafios exigem uma auto-reflexão e uma auto-problematização.
O desafio da crítica, entretanto, não é apenas um desafio teórico. O caráter consciente da crí-
tica e a exigência de uma grande empatia universal são ideias que, para se concretizarem, precisam
sair do plano das formulações, se correspondem a desafios capazes de mobilizar. A afirmação da
ideia como realidade vai além da dimensão da razão e passa pelo poder de encarnar-se nas pessoas.
Ora, em tempos de internet, cumpre entender melhor como essa grande revolução contribui ou difi-
culta uma tal consciência.
A conjuntura internacional, contudo, pontua o inverso. A política de Guerra ao Terrorismo
inaugurada por George Bush Jr. legou uma progressão de guerras, atingindo Iraque, Afeganistão,
Síria, Líbia, Yêmen etc. As consequências são muitas e dramáticas, como o drama dos refugiados,
que em 2017, segundo a ACNUR, chegavam à incrível cifra de 68,5 milhões de pessoas17 . Esses
problemas globais - guerras e a explosão do número de refugiados - polarizam hoje a humanidade,
sendo uma das causas do ressurgimento da extrema direita e do nacionalismo xenofóbico em países
como Grécia, Hungria, Itália, Alemanha, Polônia, Ucrânia, Filipinas, Brasil e Estados Unidos.
Assim, podemos identificar tendências opostas - o nacionalismo ultraliberal e elitista de ex-
trema direita racista e o cosmopolitanismo crítico. E em debate, as alternativas que temos face às
crises alimentar, climática, econômica, do sistema internacional, de valores, energética etc. Nesse
cenário, entretanto, cumpre reconhecer a ofensiva das forças da ordem, um período de ausência de
alternativa de projeto societário de sentido universal, como foi o Socialismo Soviético. O capital
detém a iniciativa histórica, malgrado as inúmeras lutas de resistência em torno das críticas ao capi-
talismo neoliberal, ao patriarcado, ao racismo e em defesa da igualdade. O capitalismo vive e se de-
senvolve nas crises e em meio às críticas.

17 ACNUR: número de pessoas deslocadas chega a 68,5 milhões em 2017 <https://nacoesunidas.org/acnur-


numero-de-pessoas-deslocadas-chega-a-685-milhoes-em-2017/>
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O Espírito atual do capitalismo

Parte dessa batalha ocorre na própria construção da subjetividade como parte da estrutura-
ção da sua incorporação à lógica de mercado e suas consequências para a saúde psíquica e para a
toda vida. Boltanski e Ève Chiappelo deslindaram como o processo de resposta à crítica que o capi-
talismo incorpora como parte de sua remodelagem, reinventando-se no pós guerra, em sintonia com
o processo econômico de liberalização que se consolidou com o avanço da globalização capitalista.
A crise de Maio de 1968 impactou profundamente na agenda de formação do pessoal responsável
pela própria gestão da acumulação capitalista ao nível das empresas, a cultura que envolveu os exe-
cutivos. Esta leitura sobre a forma como as "ideologias associadas às atividades econômicas” se de-
senvolvem, como as pessoas são convencidas a se engajarem de corpo e alma nas ações que repro-
duzem o sistema capitalista, absorvendo-lhe noções de justiça servirão à perpetução da própria
acumulação do capital.
A lógica da acumulação do capital se pretende universal. À fantasia das robinsonadas que
contavam a história pretérita da humanidade a partir do indivíduo da sociedade burguesa se somam
às ideologias que asseguram a eternidade do capitalismo, e à ampliação da lógica de mercado para
todas as esferas da vida humana, a serviço da “acumulação ilimitada de capital por meios formal-
mente pacíficos”. Capital não se refere a riqueza concreta, mas à relação social perpétua de trans-
formação do capital em produção (ou em valorização rentista), produção em moeda e moeda em
investimento, sem qualquer limite, insaciável, motivador como a certeza de cada capitalista de que
se não crescer, será eliminado. E, na maioria das vezes, a transformação de dinheiro em mais di-
nheiro, sem qualquer relação real com a produção, senão a de desindustrializar países inteiros.
Boltanski e Ève Chiappelo mostram como o espírito do capitalismo corresponde a sucessi-
vas alterações na lógica de mercado como bússola universal, mudanças derivadas da crítica e de sua
absorção e resposta, com o fito de perpetuar a lógica da acumulação capitalista.
O cânone fundador das ideologias de justificação do capitalismo é levado a sério a despeito
de seu sentido mitológico: o egoísmo individualista, por obra da invisível mão do mercado acabaria
por levar ao bem comum. Ora, para além das intenções, cumpre perguntar de que mercado se está
ainda a falar, já que as transformações do capitalismo no curso de suas revoluções industriais foram
exatamente de fortalecimento dos oligopólios, ameaça que efetivamente liquidou o capitalismo
concorrencial já em fins do século XIX.
Esse descompasso entre a realidade e o discurso e entre as motivações do interesse como
justificativas morais exige a construção de ideologias que respondem às críticas que surgem pelas
próprias condições conflituosas das lutas de classes - entre tantas - que envolvem o capitalismo. O
capitalismo concorrencial e seus capitães de indústria, o capitalismo organizado keynesiano do pós-
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guerra e o neoliberalismo globalizado construíram cada qual o seu próprio espírito, que mobiliza
com legitimidade, segundo a tecnologia para a acumulação do capital.
Boltanski e Ève Chiappelo demonstram que a ausência de justificativa moral intrínseca ao
capitalismo não causa maiores problemas graças à apropriação de justificativas morais que são es-
tranhas a si, mas que, descontextualizadas, compõem a justificação do sistema. O capitalismo tem
uma relação ambivalente e complexa com a crítica. Por um lado, sua história é cheia de exemplos
que ilustram como combate a crítica, censura a oposição, reserva os direitos políticos aos possuido-
res de renda e chega inclusive a exterminar os críticos e a censurar a crítica, demonstram-nos inú-
meras ditaduras, o fascismo e o nazismo.18
Observa-se, entretanto, a resiliência e as formas habilidosas e sutis com que o capitalismo
absorve a crítica para reinventar-se e como o faz com capacidade comparável à de se impulsionar a
partir de suas próprias crises. Isso, todavia não se confunde nem remotamente com abrir mão do
poder político sobre o Estado, em mãos da burguesia e de seus prepostos, assim como a garantia -
até às baionetas - da propriedade e da liberdade para o capital. É salvaguardadas essas fronteiras
que sob o confronto da crítica se iluminam aspectos importantes de reforma para o próprio sistema
capitalista, que vai hibridizando sua natureza, sempre em função da sua legitimidade e da acumula-
ção. Foi isso que permitiu à ambição passar de pecado medieval a principal virtude moderna.
A crítica teria três utilidades para o capitalismo: a) contribuiria para deslegitimar os espíritos
anteriores e lhes substituir em eficácia; b) efetivamente desafiariam as noções de justiça correntes,
levando a reações efetivas que acabam por conformar um novo “espírito" que inclui numa atualiza-
ção da legitimação do sistema como favorável ao bem comum; c) a crítica é emasculada de seu po-

18 A despeito de superar o objeto do artigo, é importante mencionar que repressão e censura da crítica ocorreram e ocorrem em maior
ou menor grau em praticamente todas as experiências socialistas do século XX. Sistematicamente expostas a bloqueios e guerra
econômica, agressões militares, subversão externa financiada do exterior, e pressões de toda sorte - acabaram por agigantar o estado,
reprimir o mercado - mesmo as atividades econômicas privadas de pequeno porte - e padeceram de uma militarização para fazer face
às pressões externas que culminaram na II Guerra Mundial e na invasão nazista, que cobrou 27 milhões de vidas da URSS. A con-
tenção do sistema socialista pelo capitalismo mobilizou meios militares, econômicos e tecnológicos, e acabou por ensejar uma dura
competição, enfrentada nas experiências soviéticas pelo incremento do planejamento, do Estado e pela militarização, com vistas ao
aumento da produtividade. Se já o marxismo partilhava a condição progressista, evolucionista da modernidade, as experiências sovié-
ticas tinham tanto o respaldo científico quanto as motivações políticas e de sobrevivência para considerarem o progresso um impera-
tivo e a ação humana como central, assim como a ingenuidade quanto às suas possibilidades de atingir camadas profundas da natu-
reza e assim comprometer o planeta como um todo.
A perda de dinamismo e a posterior falência motivou profunda Reforma e Abertura na China, cujo socialismo passou da
ultra-centralização vivida nos anos finais de Mao, marcados pelos danos da Revolução Cultural, em que o Partido detinha poder de
decisão e de administração universal. A opção chinesa foi precisamente, segundo Harry Harding, descentralizar o poder para cinco
esferas: Partido, Governo, Mercado, Academia, Sociedade Organizada. O caráter reitor do Partido, dessa maneira, passou a ser exer-
cido com maior restrição, legalidade, atribuindo a eficiência de mercado segundo as áreas definidas, os prazos e as metas, como uma
síntese das diversas vertentes reformistas: “These proposals reflected a common premise: limits on the power of the Party should be
grounded simply on the self-restraint of individual Party leaders and Party committees, but should be rooted in institutional procedu-
res and safeguards that permanently limit the prerrogatives of the Party (…) In short, the Party is now to act as a national manager,
seeking to lead the system toward the goals the Party wants to pursue, but doing so after consultations with tecnical specialists and
important interest groups”a. E dessa complexa relação é que surgiriam formas superiores de planejamento que integram estado e mer-
cadob.

aHARDING, Harry. China’s Second Revolution. TheBrokings Institution. Washington D. C. 1987.


bJABBOUR, Elias. China hoje. Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado; Apresentação de Armen Mamigonian;
prefácio de Domenico Losurdo. Anita Garibaldi. São Paulo. 2012. Pás 189.
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tencial destrutivo para o sistema, com vistas à continuidade da acumulação capitalista com o pro-
gresso técnico que promove, apropriado para a mesma lógica da acumulação do capital, formando
uma nova etapa de acumulação em que os critérios de justiça do sistema mantenham as faculdades
mobilizadoras dos gerentes e no envolvimento da força de trabalho.
O Maio de 1968 foi um fenômeno mobilizador de toda uma geração de jovens e com im-
pressionante participação de trabalhadores, entrou para a história pela pretensão de radicalidade em
sua crítica, com fortes componentes morais, existenciais e estéticos. Segundo os autores, essa críti-
ca, a despeito de seus ideais, foi sabiamente apropriada pelo sistema, gerando inovadoras respostas
importantes - a exemplo da França, da Alemanha e dos EUA -, mudanças de grande envergadura na
gestão da força de trabalho e na produção e compartilhamento de conhecimento, correspondentes à
própria mudança tecnológica que vivenciamos.
A sua crítica estética, refletem Boltanski e Chiapello, partiu da percepção de que o lucro e o
medo da fome - logo eles - não motivavam nem a gerência, nem a força de trabalho, como seria de
se esperar. Para a classe trabalhadora e mesmo para os gerentes, luzia a necessidade de justificar-se,
de serem partícipes da construção do “bem comum”, a diferença entre viver e ter “razão de viver”.
Ao mesmo tempo, a crítica ao taylorismo-fordismo à estrutura do capitalismo organizado e das
grandes empresas e de sua estrutura hierárquica, leva à ampliação da autonomia na organização do
trabalho, à descentralização, ao discurso meritocrático e à administração por objetivos.
A crítica à burocracia, a rejeição à hierarquia, a organização do trabalho em rede, as inexo-
ráveis mudança e incerteza, a defesa da mobilidade social e de sua justiça, a mobilização da força
de trabalho pela "visão de seus líderes”, a terceirização, a flexibilização (precarização), o impacto
das novas tecnologias sobre o trabalho, o novo papel do cliente, o controle da força de trabalho pela
própria força de trabalho, a perda de limites entre vida pessoal e profissional, todos esses elementos
compõem a ideologia que é coerente com a própria financeirização do capitalismo, a desregulamen-
tação, as fusões, aquisições e reengenharias, dando um sentido para o trabalho nesse novo contexto.
Nesse novo espírito os valores associados aos dirigentes empresariais encarnam as caracte-
rísticas do próprio capital financeiro, convertidas em práticas da sociabilidade humana. Neste siste-
ma normativo, grande, exitoso é quem: envolve-se plenamente nos projetos; é elo entre seres dife-
rentes e contribui com um diferencial nos projetos em que se engaja; é polivalente, flexível, móvel,
desprendido de lugar, família, atividade específica; não guarda o que obtém de suas conexões; con-
tribui para o bem comum; favorece a conexão com redes organizacionais e profissionais; é motiva-
do(a) e mobilizador; é liberto de paixões e aberto às diferenças; não é crítico, salvo para defender a
tolerância e a diferença; é ambivalente para lidar com incertezas e situações complexas; não se
apega a patrimônio, preferindo a locação que a posse; não se deixa prender pelas instituições e suas

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obrigações; prefere autonomia à garantia de emprego; Sacrifica certa interioridade e fidelidade a si
mesmo para ajustar-se às pessoas e situações, sempre mutáveis.
Por pequeno, fracassado, entende-se quem: não consegue se engajar em um projeto; não
consegue mudar de projeto; não confia nos outros; ser quem as pessoas não podem confiar; não di-
vulga as informações que tem; não sabe se comunicar; tem ideias atrasadas; é autoritário, intoleran-
te, rígido; prefere a garantia do emprego a mais autonomia; apega-se a projetos e lugares, o que o
impede de se engajar em novos projetos e estabelecer novas conexões.
Observa-se aqui, em comparação com o perfil do “protestantismo ascético” em seu aspecto
moral, vemos que a despeito do tempo, as características moralmente desejáveis são aquelas que
contribuem para a acumulação do capital no período em tela, com grande relação com as tecnologi-
as e a própria gestão e reprodução do capitalismo. Esse caminho do sucesso corresponde, por outro
lado à crítica do segundo espírito do capitalismo, pesado, burocrático, vertical, confiável, metódico,
materializado, industrial.

O problema das escalas de compreensão diante dos dilemas da Terra

A potência das ideologias dominantes em moldar o comportamento humano no contexto da


estruturação do mercado mundial capitalista é perceptível pela dominância de valores que defendem
o mercado, entendido de modo idealizado, algo que não corresponde à realidade. Em verdade, na
vigência do imperialismo, a evolução da economia capitalista e seus principais protagonistas são os
oligopólios. Um exemplo é o mercado de alimentação, cujo mapa obtido a partir de dados da OX-
FAM, em sua campanha Behind de Brands, que mostra a concentração e vínculos entre as grandes
empresas multinacionais do setor de alimentos e bebidas que consumimos todos os dias, e que se
resumiam, ainda em 2012, a dez19:
Thomas Piketty agrega argumentos a confirmar a inexorável concentração do capital a partir
da própria desigualdade nos rendimentos de capital entre investidores de grande e de pequeno porte.
O autor esclarece que, ao contrário dos modelos econômicos, que pressupõem um mesmo rendi-
mento sobre o capital para todos os seus detentores, ocorre de outro modo. As evidências colhidas
pelo Crédit Suisse e difundidas pela OXFAM da concentração da riqueza do mundo e sua progres-
são são entendidas em sua estrutura por uma lógica simples, a de que os maiores possuidores de ca-
pital tem tratamento e rentabilidade diferenciada e superior àquela dos menores. Possuem os mais
ricos os melhores gestores de patrimônio e investimento, com o adicional de os maiores capitais

19 OXFAM. 166 OXFAM BRIEFING PAPER 26 FEBRUARY 2013, disponível em <https://www.behindthebrands.org/images/


media/Download-files/bp166-behind-brands-260213-en.pdf>
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proporcionarem natural economia de escala num processo que se radicaliza quando investidores
passam a ser programas de TI que fazem milhares de operações automaticamente, extraindo um pe-
queno lucro que se multiplica exponencialmente. Ao mesmo tempo, a sua massa de capital permite-
lhes investir em ativos expostos a maior risco, e por isso com maior rentabilidade. As "maiores for-
tunas mundiais (inclusive as herdadas) progrediram em média a taxas elevadíssimas ao longo das
últimas décadas (da ordem de 6-7% ao ano) - rendimentos bem mais altos do que a progressão mé-
dia dos patrimônios20 , processo que leva a uma ampliação ilimitada da desigualdade.
Curiosamente, isso não implica uma diminuição no número dos bilionários. Como o autor
demonstra a partir dos rankings da Forbes:
A criação de riqueza fictícia derivada da especulação financeira cria uma situação de cresci-
mento artificial, que não apenas diverge da efetiva geração de riqueza, como estabelece um patamar
de crescimento econômico superior, mais elevado. Segundo o próprio autor esclarece, entretanto, é
o crescimento da economia mundial um mitigador da progressão da desigualdade, que se ampliaria
com maior velocidade em cenários de baixo crescimento econômico. No entanto, as perspectivas da
economia mundial apontam para uma queda do crescimento, segundo o IPEA21 e o Banco Mundi-

20 PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. A desigualdade mundial da riqueza no século XXI. Pág 420. Editora Intrínseca. Rio
de Janeiro. 2014.

21 IPEA. CARTA DE CONJUNTURA NÚMERO 41 — 4 ̊ TRIMESTRE DE 2018, p.3. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/


portal/images/stories/PDFs/conjuntura/181207_cc41_economia_mundial.pdf>
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al22 , especialmente derivadas da redução do ritmo das taxas de crescimento da economia chinesa e
de seu grande impacto para os números do crescimento mundial. Assim, as perspectivas apontam
para crise e concentração da riqueza e mais desigualdade, numa economia em que 1% já possui
mais riqueza que os 99%.
Essa desigualdade econômica replica-se para todas as esferas de poder no contexto da he-
gemonia do capitalismo no mundo23. Um poder capitalista tão concentrado, a economia submetida à
financeirização e ao caráter oligopólico convivem com a ampla difusão de ideologias apologéticas
do “mercado”, cuja defesa não se faz por fora, mas por dentro de nossas mentes, sentimentos, além
do consumismo e do endividamento.
A simultaneidade de diversas crises marca a geopolítica mundial: crises econômicas recor-
rentes e a ameaça de outra crise derivada do não enfrentamento das causas da havida a partir de
2008. A principal ferramenta de enfrentamento do estouro da bolha do subprime foi a adoção da
emissão de mais moeda, a política de quantitative easing, que supria a falta de liquidez derivada do
estouro da bolha, proporcionando um pouso suave, programado. Sem realizar quaisquer das refor-

22 The World Bank. Perspectivas Econômicas Globais. Nuvens Negras. p.30. Disponível em <http://www.worldbank.org/pt/publica-
tion/global-economic-prospects>

23 Não é objeto deste artigo a situação chinesa e o caráter de seu socialismo de mercado. A título de elemento para a análise, entre-
tanto, interessa-nos a contribuição chinesa para os dados da economia mundial e o impacto de seu projeto nacional de desenvolvi-
mento para uma outra perspectiva de desenvolvimento.
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mas quanto às regulações do capital financeiro, assegurando o resgate dos investidores, que não
apelaram então para a mão invisível do mercado, o bailout pelo Estado providência para o rentismo
estadunidense assumiu dimensões pantagruélicas. Afora os cerca de 800 bilhões de dólares cedidos
pelo Tesouro para sanear parte dos ativos ainda no início da crise de 2008, o Federal Reserve emitiu
nada menos que 2 trilhões de dólares de 2008 a 2014.24
Esse cenário de vulnerabilidade e desaceleração do crescimento mundial convive com gra-
ves conflitos geopolíticos, que tem suas manifestações mais gritantes nas guerras (Afeganistão, Ira-
que, Síria, Yemen, Venezuela) e na crise dos refugiados. Além destas, a crise na produção de ali-
mentos, a mudança climática e a perda de biodiversidade, além das consequências da continuidade
do padrão energético baseado em combustíveis fósseis.
O avanço de extremistas de direita e a reedição de ideais fascistas, xenofóbicos, de intole-
rância religiosa e fanatismos completam esse cenário tenebroso que aponta para graves dilemas para
a humanidade e para uma grande incerteza quanto a condições de governabilidade sobre tais vetores
críticos.
Um primeiro, e creio o mais importante se refere à desproporção do poder mundial, a opor
os interesses de 1% mais ricos sobre os 99% restantes. A radicalização política de direita na Europa,
nos EUA e o reaparecimento do fascismo como alternativa política, no que de diversos casos em-
blemáticos, o brasileiro tem causado estarrecimento com a eleição de Jair Bolsonaro. Longe de
fenômeno isolado, a eleição de Donald Trump e o regresso da extrema direita alemã ao parlamento
em 2017 (Alternativa para a Alemanha, terceira força política, com 12,9% dos votos) ilustram as
“saídas” dos mais ricos para as diversas crises, e o remédio é mais veneno.
Um segundo elemento é o próprio modo de vida que o capitalismo ensejou e a dificuldade
de mudar uma trajetória civilizacional mundial baseada no consumismo desenfreado, na desigual-
dade e na utilização irracional dos recursos. É crescente a consciência global acerca da irracionali-
dade desse modelo, inclusive no debate acadêmico, mas gostaria de destacar outra opinião, muito
mais influente, a opinião da indústria cultural. É difícil não perceber a proliferação da temática do
fim do mundo na televisão, no cinema, nos novos aplicativos de streaming, a exemplo do Netflix,
Amazon etc. Pode-se escolher a forma, mas a certeza do fim não abandona as telas: cometa, aliení-
genas, vírus, zumbis, catástrofes climáticas que envolvem vulcões, tsunamis e o aquecimento glo-
bal. Essa certeza cinematográfica no fim do mundo expressa em certa medida a deprimente confor-
midade com o fim, seja qual for e, portanto, um enorme desamparo quanto às possibilidades de a
humanidade se salvar a si própria, que talvez resida na consciência do impacto de nossa ação para

24 Quantitative Easing Explained How Central Banks Create Massive Amounts of Money. Disponível em <https://www.thebalance.-
com/what-is-quantitative-easing-definition-and-explanation-3305881>
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resultados apocalípticos e na descrença em uma mudança cultural correspondente, que passaria pela
superação dos imperativos dos oligopólios e da acumulação do capital.
Dipesh Chakrabarty explicita essa angústia "the historicist paradox that inhabits contempo-
rary moods of anxiety and concern about the finitude of humanity”25 . Sua análise, entretanto, parte
da constatação de diferentes escalas históricas, cuja inconsciência por parte da humanidade pode
acarretar uma linha de não retorno face a elementos apocalípticos que tem dimensão própria, inco-
mensurável no tempo histórico humano que naturalmente referimos, esses “míseros” últimos dez
mil anos, se tanto. E, igualmente, não controláveis quando desatados no espaço e no tempo, ou seja,
impossíveis de deter a partir de um certo ponto que desconhecemos, mas que parece cada vez mais
próximo.
A polêmica envolve a acepção mesma da Geologia, fenômenos cuja lentidão, rapidez e di-
mensões escapam à compreensão humana, à racionalidade pragmática, produtivista, instrumental,
imediatista, forjada exatamente, por diversas vias, no homo economicus que herda a terra na alvo-
rada do século XXI. Ora, a novidade seria exatamente a constatação de que os seres humanos teri-
am potestade para ocasionar fenômenos de escala geológica. O aquecimento global, um fenômeno
climático de aumento na temperatura da Terra, seria precisamente a consequência da modernidade
capitalista a partir da 1a. Revolução Industrial, do consumo de combustíveis fósseis nos últimos
200 anos. O impacto de uma população que se prevê de 9 bilhões de pessoas em 2050 sobre os re-
cursos naturais é agravado por uma lógica de mercado que no longo prazo se demonstra de con-
sequências devastadoras:
The situation changed in the 2000s when the warnings became dire, and the
signs of the crisis—such as the drought in Australia, frequent cyclones and
brush fires, crop failures in many parts of the world, the melting of Hima-
layan and other mountain glaciers and of the polar ice caps, and the increa-
sing acidity of the seas and the damage to the food chain— became politi-
cally and economically inescapable.
Este cenário de catástrofe bíblica é humanamente causado, segundo o levantamento do uni-
verso acadêmico feito pelo autor, que a ele se refere como consenso: "The scientific consensus
around the proposition that the present crisis of climate change is man-made forms the basis of what
I have to say here”. Fenômenos dessa escala monumental não param por aí em suas repercussões, e
neste caso, as consequências apontam para uma visão muito além do pragmatismo mercantil e ins-
trumental. Desafiam a nossa noção usual de história e inclusive de ciência. O abalo sobre a Geolo-

25 CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry, Vol. 35, No. 2 (Winter 2009), pp. 197-222. The
University of Chicago Press. P. 197. disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.1086/596640>

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gia - que maneja escalas de compreendem os 4,54 bilhões de anos em que se estima a idade da Terra
-, levou-a a definir um novo período, o Antropoceno, uma ruptura com o Holoceno, em que nos si-
tuávamos, nova era geológica iniciada a 12 mil anos atrás, subdivida em três períodos (temporão,
médio e tardio, em que estamos, iniciado há 4250 anos): the beginning of a new geological era, one
in which humans act as a main determinant of the environment of the planet. The name they have
coined for this new geological age is Anthropocene.26
Na História, o impacto não é menor, e diz respeito à sua própria concepção enquanto disci-
plina. Chackrabarty agumenta que o aquecimento global põe em xeque a distinção entre a História
Humana e a História Natural, com grandes repercussões para as Ciências Sociais: "I begin with the
proposition that anthropogenic explanations of climate change spell the collapse of the age-old hu-
manist distinction between natural history and human history.”
Esta perspectiva que punha o homem, particularmente o homem moderno, como o foco de
sua análise, é ampliada enormemente, primeiro ao reconhecer uma história profunda, que abrange o
período de 300 mil anos que contempla a existência do homo sapiens. Nessa escala, o período dos
caçadores coletores, as extinções em massa e o papel do ser humano como uma espécie dentre inu-
meráveis, expõem a elevação do agir humano como força geológica, que marca, infelizmente pelos
impactos negativos de um período muito pequeno, mas inegavelmente revolucionário da história
humana, compreendendo os últimos 10 mil anos e, ainda mais rapidamente, a partir da modernida-
de, desde a 1a. Revolução Industrial e do advento do capitalismo como sistema econômico. Esse
último período corresponde exatamente à predominância da Ciência e da ampla aplicação da Histó-
ria, da Economia, da Psicologia e da Sociologia como ferramentas de conhecimento e ação na con-
formação das sociedades humanas sob o capitalismo e nas diversas experiências socialistas levadas
a cabo a partir do século XX. A base filosófica iluminista e humanista, a confiança na Ciência e no
progresso, a consideração da história humana como algo em si, estas perspectivas são desafiadas a
inserir a humanidade na natureza, reconhecer os seres humanos como uma parte, dela dependente.
Em segundo lugar por superar a própria noção de uma História Humana fora da História Na-
tural. Ainda que a importância de nossa espécie em si não possa ser argüida como necessária para o
desenvolvimento dos ecossistemas como um todo, o impacto de nosso domínio absoluto sobre as
demais espécies do planeta e que se estende para além, a ponto de causar a mudança climática, afe-
tando processos como o ciclo do carbono. A emissão de CO2 assumiu uma escala tal que levou ao
virtual consenso científico quanto a seu impacto no processo de aumento da temperatura da Terra, o
Aquecimento Global, decorrente do Efeito Estufa.

26 Op. Cit. P. 209.


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O ciclo do carbono.
Fonte: Portal de Estudos em Química. Ciclo do Carbono, disponível em <https://www.profpc.com.br/ciclo_carbono.htm>

O ciclo do carbono sofre o impacto dessa superprodução de gás carbônico (CO2, dióxido de
carbono), decorrente da queima de combustíveis fósseis, a base energética principal desse período
decisivo, não apenas História Humana, mas da própria História da Terra. Para além da humanidade,
a História carece de incorporar as demais espécies, a geologia, a biologia e a física, numa outra
perspectiva, bastante distinta das especializações da Ciência que marcaram a sua consolidação. Só
essa perspectiva ampliada dá-nos conta de que os ciclos biogeoquímico e biológico do carbono tem
durações bastante discrepantes, e que os impactos da ação humana sobre a natureza, para a comple-
ta absorção da quantidade de CO2 emitida nesses módicos dois séculos acabe por demorar centenas
de milhares e até de milhões de anos para a sua conclusão27 .

27 "While some argue that 'the Earth will heal itself,' the natural processes for removing this human-caused CO2 from the atmosphere
work on the timescale of hundreds of thousands to millions of years," the University of Pittsburgh's Werne said. "So, yes, the Earth
will heal itself, but not in time for our cultural institutions to be preserved as they are. Therefore, in our own self-interests, we must
act in one way or another to deal with the changes in climate we are causing."
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O gráfico ao lado ilustra a emissão de carbono versus o seu sequestro, o que permite com-
preender tanto a emissão quanto a absorção de CO2 pelo ecossistema, o sequestro de carbono, entre
1750 e 2000. O gráfico chama atenção não apenas pela aceleração incrível das emissões no último
século, como pela igualmente radical am-
Emissões e resgate de carbono segundo maiores participações
pliação da sua absorção pelo oceano, di- (1750-2010). Fonte: https://cienciaeclima.com.br/grafico-co2-acu-
mulado-e-sumidouros/
minuindo seu PH e conse-
quentemente ampliando a sua
acidez, o que tem como decor-
rência a destruição da própria
cadeia alimentar dos oceanos,
com o aumento da temperatura e
da acidez a destruir o fitoplâncton
e os corais, num processo mais
amplo de declínio da calcificação
dos organismos com impactos
negativos na
sobrevivência, tamanho, amplia-
ção dos casos de malformação da
estrutura das artes duras dos ani-
mais marinhos, compostas a par-
tir do carbonato de Cálcio
(CaCO). Assim, os desafios postos diante da humanidade se situam para além da própria espécie
humana e a escala de suas consequências é incomensurável como os anos-luz, podendo-se prolon-
gar para muito além de nossa existência na Terra.

Conclusão
Articulando diversos autores, tentamos dar conta de dois movimentos simultâneos na Modernidade.
Por um lado, o avanço do capitalismo rumo à sua etapa financeirizada, imperialista e oligopolista,
radicalizando a concentração de capital, o consumo e a desigualdade, sobre a estrutura de um pa-
drão energético de alarmante crescimento da emissão de CO2, com efeitos de escala planetária, tor-
nando o ser humano um agente biológico, cujas ações superam em muito a sua própria história
como espécie.

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E de outro lado, pari passu, a construção de um sujeito desse mercado mundial, sob o neoli-
beralismo, nesse início o século XXI, o homo empresarial28. Um sujeito '“hipermoderno”, “impreci-
so”, “precário”, “fluido”, “sem gravidade”, que no entanto é imerso em diversas ideologias que
permitem manter acesa a chama necessária para a ampliação do lucro, do crescimento, para o pro-
gresso, progresso da acumulação capitalista, em nome do que se destruiu e se construiu coisas tão
belas. Percorremos alguns dos caminhos que permitiram adestrar progressivamente a humanidade
nessa forma capitalista, eternalizada, absorvida ao nível mais profundo, seja pelo prazer e pela dor,
pela razão e pela força. Assim, completar-se-ia o ciclo da razão neoliberal, que reduz o conjunto das
condutas humanas ao postulado da concorrência e que tem a empresa capitalista como o modelo de
subjetivação humana.
O reconhecimento do êxito dessa estratégia que se modifica como a tecnologia, os espíritos
e a própria Ciência percorre os distintos espíritos do capitalismo e a sutileza com que o sistema arti-
cula diferentes formas de justificação moral para o seu motor de acumulação e crescimento perpé-
tuo. E o homem e a mulher neoliberais se encarnam nesse terceiro espírito, marcado pela atomiza-
ção e pela fluidez interessada e pela precarização e decomposição do sistema de garantias preceden-
tes, que caracterizou o segundo espírito taylorista-fordista. O sujeito neoliberal é o sujeito do capital
financeiro e deve sertão sem espinha quanto ele. A ansiedade e a precariedade, a mudança e a incer-
teza passam a ser o cotidiano, ainda que embelezado pela nova vida virtual que possibilita-nos uma
outra maneira de estar nesse mundo.
É esse sujeito, gerente ou trabalhador(a) que se defronta com os desafios da escala geológi-
ca, planetária que decidirá a vida na Terra. Ao tempo do maior avanço tecnológico, de uma crescen-
te consciência cosmopolita e ecológica, verificamos que a dimensão do poder político se situa no
extremo oposto, e que a contraposição dos 1% interessados na manutenção o status quo, que se
opõem não apenas aos 99%, mas à própria vida na Terra.
A incomensurabilidade da compreensão dos desafios da Terra diante do horizonte de curtís-
simo prazo da politica e da economia coloca um desafio à compreensão humana, ao próprio para-
digma científico, assim como da economia e do poder. Longe da apologia os interesses do mercado
e da acumulação do capital, parece que a saída da humanidade passa por caminhos ainda não traça-
dos, de levar em conta no projeto de desenvolvimento a multiplicidade de interesses de longo prazo,
interesses que nada tem a ver com a obrigatoriedade do crescimento, do lucro, da acumulação do
capital. Dado a vigência dos oligopólios e a própria lógica da acumulação capitalista serem os mai-
ores inimigos de um mercado real, o desafio da humanidade implica retomar a própria dimensão de
uma nova forma de organização humana que supere a visão restrita da História Humana, inserindo-

28 DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a s neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016

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nos na natureza e revolucionando assim a compreensão que temos de nossa realidade e papel, do
sujeito e do objeto, do todo e da parte, das dimensões sobrepostas da História e um olhar cosmopo-
lita no sentido de entender uma conexão e uma unidade internacional inescapável e pelo menos hu-
manista - porque não basta uma perspectiva estritamente nossa, pois isso não existe. Não sei se
a sociedade que substituirá o capitalismo vigerá, está dando barbárie na partida em jogo, mas, cer-
tamente, uma organização humana que leve em conta os interesses tão amplos da sociedade e da
situação do nosso ecossistema. A superação do capitalismo e do seu modelo de desenvolvimento
emerge não só por um problema moral de distribuição da riqueza, vai muito além, afirmando-se
como uma necessidade histórica, e a utopia, a revolução e o futuro passam pela compreensão pro-
funda da situação dramática que vivemos, de imenso poder e flagrante fragilidade, com o "destino
incerto da espécie humana".29

29 A expressão consta como título do último artigo de Fidel Castro. Citamo-la pela justeza e pelo emblemático de ter sido escrita
pelo mais antigo veterano protagonista do socialismo no século XX e pela sua lucidez. Disponível em <https://www.elmundo.es/
internacional/2016/11/26/5839607c46163fe3438b45a7.html>
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