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ENTREVISTA COM

Farmacêutico Carlos Alberto Balbino

ANTI-INFLAMATÓRIOS:
uma compreensão total
Revista PHARMACIA BRASILEIRA traz uma longa entrevista com o farmacêutico
Carlos Alberto Balbino sobre anti-inflamatórios, em que ele aborda o tema com a
necessária complexidade, na expectativa de levar o leitor a compreender essa classe
de medicamentos sob diferentes pontos de vista.

O ponto de partida para esta matéria foram os indícios de aumento no volume


da venda de anti-inflamatórios, a partir do momento em que a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) passou a controlar a comercialização de
antimicrobianos. Pessoas que faziam uso de antibióticos sem prescrição médica
estariam migrando para o uso de anti-inflamatórios, na vã e perigosíssima
expectativa de que um e outro apresentem as mesmas indicações terapêuticas.
Pelo jornalista Aloísio Brandão,
Editor desta revista.

Q uando o farmacêutico Carlos Alberto Balbino


confirmou que nos concederia uma entrevista tendo
por tema os anti-inflamatórios, não imaginávamos que
ele fosse abordar o assunto com tamanha complexi-
dade. Por isto, a PHARMACIA BRASILEIRA traz sete
páginas dedicadas à matéria. As respostas do Dr. Balbi-
no às nossas perguntas são uma aula sobre o assunto,
e pode servir de material para consulta de profissionais
e acadêmicos de Farmácia, profundos e diversos são
os estudos que esse especialista em anti-inflamatórios
e antimicrobianos realizou em tantas fontes para nos
atender com o mesmo zelo de sempre. Sem contar a
generosidade com que acolheu o nosso convite para
esta entrevista. Os anti-inflamatórios (esteroides e
não-esteroides) são abordados, aqui, quanto ao seu
mecanismo de ação, indicação, reações adversas, inte-
rações; automedicação, segurança, eficácia, farmacovi-
gilância e mercado.
A pauta da matéria nasceu numa conversa, na
redação desta revista, entre seu editor e o farmacêu-
tico magistral, consultor farmacêutico e Presidente do
farmacêutico Carlos Alberto Balbino Sindicato dos Farmacêuticos de Goiânia, Cadri Awad.

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
“Farmácias, em Goiânia - e é possível que no País afora autoridades sanitárias a formarem uma opinião sobre
-, estão relatando o aumento excepcional no volume o assunto.
de vendas de anti-inflamatórios, desde que a Anvisa O leitor pode estar, já, se perguntando o motivo
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passou a de a venda de anti-inflamatórios ter crescido, a par-
controlar a dispensação de antimicrobianos”, alertou tir do controle de antimicrobianos. A resposta pode
o Dr. Cadri Awad. estar na migração de quem fazia uso de antibióticos
O controle de antimicrobianos veio, por meio da por conta própria para os anti-inflamatórios (estes não
RDC 40/10, substituída, em maio de 2011, pela RDC estão sob o mesmo tipo de controle) na vã e perigo-
20/11, que o mantém. Os indícios do aumento de ven- síssima expectativa de que um e outro apresentem a
das inclusive já foi tema de matérias publicadas pela im- mesma indicação terapêutica.
prensa e são citados nas respostas de Carlos Balbino. Bem, o melhor é ler a entrevista com o Dr. Carlos
A realização desta entrevista contou com a co- Balbino. Boa leitura.
laboração do farmacêutico Tarcísio Palhano, Professor
de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte, Ex-Diretor
da farmácia do Hospital Universitário Onofre Lopes,
de Natal, e Assessor Técnico do Conselho Federal de
Farmácia (CFF). A indicação do nome do Dr. Carlos
Balbino partiu do farmacêutico-bioquímico Radif
Domingos, Ex-Diretor da Faculdade de Farmácia da
Universidade Federal de Goiás e Diretor-Presidente da
Fundação Brasileira de Ciências Farmacêuticas do CFF.
Profissional de vasto currículo, o Dr. Carlos Balbi-
no é farmacêutico-bioquímico pela Universidade Es-
tadual de Maringá (UEM), no Paraná, com especializa-
ção em Sanitarismo e Saúde Pública pela Universidade
Federal de Mato Grosso e mestrado em Fisiologia pelo
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de
São Paulo (USP). Foi proprietário e Diretor Técnico da
Farmácia Confiança, entre 1982 e 2005, em Cuiabá; co-
ordenou a Central de Medicamentos do Mato Grosso,
Estado onde fundou e presidiu o Sindicato dos Far-
macêuticos; e ocupou os cargos de Secretário-Geral
e Vice-Presidente do Conselho Regional de Farmácia
mato-grossense do qual é, hoje, assessor técnico-cien-
tífico. Balbino foi professor de Deontologia e Legisla-
ção Farmacêutica, Fisiopatologia e Farmacoterapia I e
II e Fisiopatologia da Universidade de Cuiabá (UNIC).
Atualmente, é docente no Programa de Pós-Gradua-
ção da Fundação Brasileira de Ciências Farmacêuticas
do CFF.
Nesta entrevista, Dr. Carlos Balbino faz um pro-
fundo mergulho no tema anti-inflamatórios, tratando-
-o sob diferentes e necessários abordagens e pontos
de vista, com o desejo mesmo de oferecer todos os
elementos científicos e técnicos que radiografem essa
classe de medicamentos e levem os farmacêuticos e

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PHARMACIA BRASILEIRA - O O pensamento completo era de
que diferencia um anti-inflamatório que, se a expressão do gene da enzi-
esteroide (AIEs) de um não-esteroide ma COX-2 necessitava da indução de
(AINEs), do ponto de vista do seu me- mediadores químicos inflamatórios,
canismo de ação? provavelmente, seria através dela que,
Farmacêutico Carlos Alberto num segundo momento da reação in-
Balbino - As diferenças são grandes. flamatória, as taxas de eicosanóides se-
Ambas as drogas possuem apenas um riam mantidas. Por outro lado, sendo
ponto em comum: a inibição da síntese conhecidas muitas ações fisiológicas da
de um grupo de mediadores químicos COX-1, os eicosanoides produzidos por
inflamatórios denominados de eicosa- ela seriam os iniciadores desta resposta.
nóides. Os efeitos colaterais em comum, Seguindo este raciocínio, após a
também, são apenas os resultantes des- etapa inicial da inflamação, a presença
ta via de biossíntese. No mais, são dro- dos eicosanoides seria mediada tanto licenciadoras de medicamentos (ex.
gas totalmente distintas. pela COX-1, como pela COX-2. Como “Food and Drug Administration - FDA”,
Os principais representantes do eram desconhecidas as ações fisiológi- “European Medicines Agency-EMEA”,
grupo dos eicosanóides inibidos pelos cas da COX-2, o pensamento resultante Agência Nacional de Vigilância Sanitária
AINEs são as prostaglandinas, as prosta- era que a sua inibição causaria menos - Anvisa etc.) e, também, pela comuni-
ciclinas e os tromboxanos. Os AINEs, ba- efeitos paralelos (colaterais) do que a dade científica.
sicamente, atuam sobre as enzimas pros- inibição indistinta das duas isoformas Os anti-inflamatórios esteroidais
taglandinas sintetases, mais conhecidas feitas pelos AINEs convencionais. (AIEs) são drogas que mimetizam os
como ciclooxigenase-1 (COX-1), com Isto levou à busca de drogas ini- efeitos do hormônio cortisol. Este hor-
ampla distribuição tecidual, e sobre a ci- bidoras seletivas da COX-2 e a sua in- mônio é essencial à vida, sendo respon-
clooxigenase-2 (COX-2) cujo gene, ape- trodução no mercado. No período de sável por vários processos, desde o esta-
sar de possuir distribuição tecidual seme- pós-marketing do lançamento destes do de embrião. Além de possuir efeitos
lhante, na maioria dos casos, somente é pretensos inibidores seletivos, trabalhos metabólicos próprios, também, age am-
expresso em condições patológicas. de farmacovigilância demonstraram re- plificando o efeito de outros hormônios
Mais recentemente, foi isolada lação entre o uso deste tipo de AINEs no organismo humano.
uma nova isoforma de prostaglandina com o surgimento de efeitos cardíacos. Se em um extremo, a sobrevida
sintetase, que recebeu a denominação Trabalhos posteriores demons- humana, após adrenalectomia (remo-
de Ciclooxigenase - 3 (COX-3). Sua traram que, em alguns tecidos, a ciclo- ção da glândula supra-renal produtora
distribuição é mais restrita que as duas xigenase-2, também, era constitutiva, ou de cortisol), é breve, no outro, taxas
anteriores, porem é abundantemente seja, também, exercia atividades fisioló- elevadas de cortisol (endógeno ou exó-
encontrada em amostras de tecido en- gicas, principalmente, sobre a fisiologia geno), por períodos prolongados, le-
cefálico e cardíaco. cardíaca. Por este motivo, a maioria das vam ao desenvolvimento da Síndrome
Até um passado próximo, acre- drogas denominadas como seletivas de Cushing. De tão severas que são as
ditava-se que somente a cicloxinase-1 para COX-2 foram retiradas do merca- alterações metabólicas neste distúrbio,
possuía funções fisiológicas, além de do. As que ainda permanecem são vistas nele ocorre inclusive modificações do
participar como mediador químico com reservas pelas agências reguladoras biótipo de seus portadores (ver imagens
iniciador e mantenedor do processo
inflamatório. Devido aos primeiros iso-
lamentos da cicloxinase-2 terem sido
feitos somente em amostras de tecido
inflamado, formou-se a idéia de que sua
expressão era dependente de mediado-
res inflamatórios presentes somente em
microambientes de tecidos lesados.
Devido a isto, a COX-2 passou a
ser, também, conhecida como cicloo-
xigenase induzida (seu gene necessi-
tava da indução, depois de instalada
a resposta inflamatória) e a COX-1 de
constitutiva (sua expressão independe
da indução, por fazer parte de vias bio-
químicas fisiológicas de tecidos sadios).
Portador da Síndrome de Cusshing

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Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
“Atualmente, um substratos para estas duas enzimas que festação, o balanço final é positivo, pois
tanto o cortisol (natural e endógeno) a morte das células próprias é compen-
dos aspectos pouco como os seus análogos sintéticos, os sada com a eliminação dos fungos, vírus,
observados, quando corticosteróides (exógenos) exercem bactérias ou até mesmo helmintos cutâ-
sua atividade anti-inflamatória. neos (ex.: larvas migrans) ou intestinais.
se fala em interações Os principais exemplos de inibi- Uma vez eliminados os agentes inva-
entre medicamentos, é a ção da transcrição de genes de proteí- sores, a produção local de mediadores
influência que os novos nas relacionadas ao processo inflamató- autolesivos cessa e os tecidos locais se
rio mediada pelos AIEs são a inibição da recompõem, através da cicatrização ou
sistemas de liberação de transcrição de citocinas iniciadoras da regeneração.
drogas exercem sobre inflamação, como o interleucinas (IL) As reações alérgicas são uma res-
1,2,3 6; interferon-y; fator de necrose posta inflamatória exacerbada voltada
a farmacodinâmica dos tumoral (TNF); algumas quimiocinas e; para um elemento inócuo. Basicamente,
princípios ativos” a expressão das enzimas cicloxigenases. as lesões observadas neste tipo de do-
(Farmacêutico Carlos Alberto Balbino). Consequentemente, ocorrem a dimi- ença são decorrentes da ação dos pro-
nuição do acúmulo e função de células dutos químicos, próprios da resposta in-
que participam das reações inflamató- flamatória, que possuem atividade lítica
rias e imunes, como linfócitos, células sobre os tecidos do hospedeiro; da ação
livres de portadores da Síndrome de natural killers, monócitos, macrófagos, de mediadores químicos inflamatórios
Cusshing). eosinófilos, neutrófilos, mastócitos e ba- promotores do aumento da permeabi-
Os receptores deste hormônio sófilos. lidade vascular e com ação vasodilata-
são intracelulares do tipo IV. Seus princi- Devido a estes últimos efeitos, al- dora, e, no caso das atopias respiratórias,
pais efeitos estão relacionados à indução guns AIEs estão, também, incluídos na mediadores com ação broncoconstrito-
ou inibição da transcrição gênica, com classificação de drogas imunossupresso- ras. Por se tratar de um distúrbio do sis-
reflexos diretos sobre o sistema cardio- ras. Apesar do bloqueio da genetranscri- tema imune que ocorre, durante a fase
vascular, endócrino, urinário, digestório ção destas citocinas contribuírem para de reconhecimento de patógenos.
e o metabolismo de forma geral. As ati- esta última classificação, a mais impor- Como todos os demais sistemas,
vidades anti-inflamatórias e imunossu- tante entre elas e a que mais reputa aos o imune, também, é passível de adoecer.
pressoras são apenas mais uma de suas AIEs atividades imusossupressoras é o Dado a sua natureza funcional, quan-
ações. bloqueio da expressão da interleucina-2. do adoece, um dos eventos esperados
Os produtos finais da transcrição Esta citocina é fundamental na expan- é a ocorrência de “erros” de sinalização
gênica (proteínas) inibidos ou induzidos são clonal de linfócitos T e B, após sen- química. Para o controle destes “erros”, é
pela ação do cortisol, na maioria das sibilização. Assim, impacto causado pela importante a inibição da síntese destes
vezes, são chaves de importantes vias sua ausência é muito significativo sobre sinalizadores.
enzimáticas. Exemplo importante de ex- a resposta imune. Nisto, os AIEs são muito mais efi-
pressão gênica induzida pelo cortisol é a cientes que os AINEs, devido a sua ativi-
do gene de uma proteína denominada PHARMACIA BRASILEIRA - A dade inibitória de muitos destes media-
genericamente de lipocortina. classificação esteroide e não-esteroide dores. Ambos, tanto AINEs como AIEs,
A sua principal ação sobre o pro- implica em diferenças de indicação? possuem atividade inibitória sobre a sín-
cesso inflamatório é inibir a enzima fos- Farmacêutico Carlos Alberto tese de eicosanóides. No entanto, os se-
folipase A2. Na via bioquímica da síntese Balbino - Os primeiros (os esteróides) gundos, além desta atividade, também,
de eicosanóides, ela está um nível acima são de primeira escolha para amenizar influência a produção do mediadores
(upstream) das cicloxigenases e lipooxi- os sinais e sintomas desencadeados pelo peptídicos da inflamação anteriormente
genases. Como resultado da sua ativida- processo inflamatório, como a febre e a citados.
de, ocorre a liberação do ácido araqui- dor. Os segundos são de primeira esco-
dônico no meio intracelular que, então, lha para alívio dos sinais e sintomas de- PHARMACIA BRASILEIRA - Por
pode ser metabolizado tanto pela via sencadeados por doenças atópicas (de que, então, existem, no mercado, tantos
das prostaglandinas sintetases, como fundo alérgico). antiinflamatórios não-esteroides, se o
pelas vias das lipooxigenases (LOX). Dentre os mediadores químicos mecanismo de ação é o mesmo?
A inibição da fosfolipase A2 me- da inflamação, alguns possuem ativida- Farmacêutico Carlos Alberto
diada pelos corticóides (ou AIEs) dimi- des microbicidas inespecíficas, ou seja, Balbino - A princípio, a pergunta de-
nui a concentração do ácido araquidô- possuem potencial lesivo tanto para os veria ser “por que, ainda, existem tantos
nico para ser processado pelas COXs e microorganismos, como para as células anti-inflamatórios não-esteroidais (AI-
LOXs e, assim, ao mesmo tempo, inibe do hospedeiro. Apesar disto, no caso de NEs) no mercado?”. Mas, respondendo
ambas as vias. É através da restrição de inflamação associada à infecção ou in- a sua pergunta, em quase totalidade

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Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
das doenças conhecidas, a resposta in- que eram apenas manifestações sinto-
flamatória está presente ou, ao menos, máticas de um processo.
existe a participação direta ou indireta Atualmente, já está comprovado
dos mediadores inflamatórios, com des- que, apesar de desagradáveis, estes sinais
taque para as citocinas iniciadoras da e sintomas (principalmente, a febre e o
inflamação. edema local), também, contribuem para
Como faz parte desta resposta a a defesa e recomposição de tecidos do
síntese e liberação no meio de media- organismo. Desta forma, é injustificável,
dores com propriedades álgicas (desen- à luz do conhecimento científico atual, a
cadeadoras da dor inflamatória) e piro- maioria das utilizações que ainda se faz
gênicas (desencadeadoras da febre) so- destas drogas. Também, o aumento da permea-
mente seria justificável o uso dos AINEs Para não alongarmos muito a res- bilidade vascular, associada à expressão
como drogas sintomáticas voltadas para posta, com relação aos efeitos benéficos de proteínas de adesão na luz do vaso
o alívio destes sinais e sintomas. Como da febre, recomendo a leitura de um pelas células endoteliais, são os dois fe-
lesões de tecidos periférico, na maioria artigo de 2004, de autoria da Dra. Le- nômenos que possibilitam a transmigra-
das vezes, estão acompanhadas de dor nita Wannmacher e Dra. Maria Beatriz ção leucocitária para a região lesada. Ou
e são significativamente mais freqüentes Cardoso Ferreira, que está publicado seja, sem sua ocorrência, a defesa não se
que as atopias cutâneas e respiratórias, no site da Organização Pan-americana processaria. Restaria apenas a justifica-
o primeiro motivo da existência deste de Saúde (OPAS) e pode ser acessado tiva do efeito analgésico destas drogas.
grande número seria este. Um segundo no link http://www.opas.org.br/medi- No entanto, na maioria das situações
é que os processos infecciosos, como os camentos/site/UploadArq/HSE_URM_ em que estes medicamentos são pres-
das vias respiratórias, urinárias, intesti- FEB_0804.pdf. critos, existe a ausência deste sintoma
nais, dentre outras, são da mesma forma Poderíamos, aqui, citar inúmeros ou, ao menos, sua manifestação se en-
mais frequentes que doenças de fundo outros trabalhos sérios, publicados nas contra em patamares suportáveis.
alérgico. mais respeitadas revistas científicas, que Com relação à influência das ca-
Como os processos infecciosos ge- criticam o uso abusivo de AINEs nos es- racterísticas e estratégias do mercado
ralmente são acompanhados de febre, os tados febris. No entanto, o artigo “Febre: de medicamentos sobre a permanência
AIEs são, também, utilizados nestas situ- mitos que determinam condutas” é uma deste grande número de drogas anti-
ações. Enfim, o grande número de AINEs síntese muito bem feita da maioria de- -inflamatórias e seu uso indiscriminado,
existentes decorre do fato de situações les, conta com o aval científico tanto da infelizmente, o que se observa, através
práticas que requerem sua administra- OPAS, como do Ministério da Saúde do das propagandas voltadas para profis-
ção serem mais frequentes que as situa- Brasil e deixa claro que a utilização em sionais de saúde ou para o público leigo,
ções que demandam o uso dos AIEs. demasia dos AINEs como antitérmicos é a alimentação dos mitos descritos no
Devemos considerar, no com- se fundamentam muito mais em mitos artigo citado, anteriormente.
plemento desta resposta, os motivos do que em constatações científicas. Em muitas situações, as drogas
anteriormente discutidos: os AINEs e Nele, está bem claro que as evi- anti-inflamatórias são de extrema utili-
AIEs são drogas de grupamentos farma- dências contemporâneas apontam que dade, como no caso da artrite reumatói-
cológicos distintos e, portanto, possuem a hipertermia pode ser manifestação de, mas gosto de afirmar que, ao invés
indicações terapêuticas distintas. de defesa orgânica, não devendo ser de tantos anti-inflamatórios, em muitas
Agora, para responder a per- prontamente atacada na ausência de situações, seria preferível a existência de
gunta restrita que sugerimos no início comprometimento do estado geral do drogas inflamatórias que não gerassem
(“por que, ainda, existem tantos anti- paciente. dor ou febre.
-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Com relação ao edema, excetuan-
no mercado”?), é necessário compre- do os cerebrais, pulmonares, cardíacos e PHARMACIA BRASILEIRA - To-
endermos a evolução do pensamento viscerais, não existe justificativa alguma dos os anti-inflamatórios são capazes de
a respeito da inflamação, a partir de para a sua inibição na ausência de dor. desencadear as mesmas reações adver-
uma perspectiva histórica cientifica Sabendo que no foco de uma lesão es- sas?
e das características e estratégias do tão se processando, ao mesmo tempo, Farmacêutico Carlos Alberto
mercado de medicamentos. a defesa do organismo e o processo de Balbino - Se sua pergunta refere-se so-
No passado mais distante, os reconstrução do tecido, fica bastante mente aos medicamentos pertencentes
principais sintomas desencadeados óbvio que a vasodilatação e o aumento ao grupamento farmacológico dos AI-
pela resposta inflamatória (febre e da permeabilidade são positivos para o NEs, a resposta é negativa. Não caberia,
dor) eram vistos como um estado aporte local de fontes energéticas e de aqui, discutirmos uma a uma as diferen-
patogênico em si. Evoluiu em um pas- nutrientes para que ambos os processos ças de mecanismos de ação de cada um
sado próximo para o pensamento de evoluam a termo. dos de seus subgrupos.

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
“Quando se fala em dos AINEs, ocorre diminuição desta o fígado, e que ocorre em crianças (mais
proteção. (2) As prostaglandinas atu- freqüente, quando abaixo de três anos),
interação medicamentosa, am, regulando o fluxo sanguíneo para fazendo uso de salicilatos associados a
o primeiro pensamento é os rins, promovendo a vasodilatação uma infecção viral; a hepatotoxicidade
da artéria renal. Sob ação dos AINEs, o ao paracetamol (também, mais frequen-
que este é um fenômeno, fluxo sanguíneo renal é dificultado, pois te em crianças), e os sangramentos di-
sempre, indesejado. Em ocorre vasoconstrição. fusos, principalmente, em pacientes sob
algumas situações, com Em quadros de insuficiência renal, terapia com anticoagulantes (warfarin, o
isto pode assumir proporções desastro- mais freqüente) ou em casos de dengue.
bom conhecimento sas. (3) A prostaglandina F2α possuí im- As gastropatias induzidas por AI-
de Farmacologia e portante papel nas contrações uterinas, NEs, além da erosão da mucosa estoma-
durante o trabalho de parto. O uso de cal já discutida, incluem, ainda, esofagite,
Fisiopatologia, é possível AINEs, que atuam por mecanismos irre- hemorragia digestiva e reativação de do-
tirar proveito dela em versíveis de inibição das COXs (ex.: sali- ença inflamatória intestinal. Estas lesões
benefício do paciente” cilatos), na fase final da gravidez, pode revelam-se, através de náuseas e vômitos,
comprometer o trabalho de parto. dor gástrica e, em alguns casos, diarréia
(Farmacêutico Carlos Alberto Balbino).
A ação anti-inflamatória dos AIEs ou a presença de sangue nas fezes.
dá-se, através da indução da expressão Sobre os rins, são mais frequen-
A simples constatação de que os do gene da liporcortina que, depois de tes a nefrite intersticial, insuficiência
três mecanismos básicos pelos quais os sintetizada, inativa a fosfolipase A2. As- renal aguda, retenção de Na+ e edema
AINEs atuam são a inibição das COXs sim, além de produzir efeitos paralelos difuso. Sob o aparelho cardiovascular a
por mecanismos irreversíveis; inibição semelhantes aos dos AINEs, também, descompensação de insuficiência car-
competitiva reversível e inibição não influenciam as ações fisiológicas dos díaca (IC) e aumento do risco de even-
competitiva reversível demonstra que derivados da via das lipooxigenase (ex.: tos aterotrombóticos (expecialmente
devemos esperar que as reações adver- leucotrienos). os coxibs). Além destas, existem, ainda,
sas sejam, também, distintas entre cada Desta forma, os efeitos adversos relatos de desenvolvimento de urticária,
um dos AINEs. esperados pela ação dos AIEs estão angioedema e eritema polimorfo-Ste-
Se estiver se referindo a diferenças relacionados à inibição das atividades vens Johnson com praticamente todos
das reações adversas entre AIEs e AINEs, fisiológicas das prostaglandinas, pros- os AINEs.
a amplitude de efeitos fisiológicos do taciclinas, tromboxanos e, também, Com relação aos corticóides hor-
primeiro e ausentes no segundo, que dos leucotrienos. Além disto, está nos monais (AIEs ou corticóides), como já
discutimos anteriormente, deixam claro efeitos hormonais dos AIEs a gênese de respondido, soma-se a maioria destes
que os efeitos paralelos entre estes dois alguns tipos de diabetes e hipertensão; efeitos adversos aos seus efeitos hormo-
tipos de drogas são muito distintos. Ou- do ganho de peso iatrogênico, da in- nais. Dentre os efeitos adversos hormo-
tro fator que diferencia os efeitos adver- suficiência adrenal, de algumas formas nais, merecem destaque o desenvolvi-
sos entre os dois grupamentos são seus de úlceras pépticas, do surgimento de mento de miopatia, retenção de Na+
alvos farmacológicos nas vias bioquími- sangramentos digestivos, de estrias no e H2O (resultando em edema e hiper-
cas de síntese dos eicosanóides. Como abdome, da osteoporose (provavelmen- tensão arterial sistêmica-HAS), diabetes
alvo dos AINEs são as prostaglandinas te, por antagonizar efeitos da vitamina sacarino, catarata subcapsular posterior,
sintetases (COX-1, COX-2 e COX-3). D), do surgimento de edemas, da hipo- aumento de pressão intra-ocular e, em
Como os produtos finais das vias de potassemia, da necrose da cabeça do crianças, retardo do crescimento.
síntese destas enzimas (prostaglandinas, fêmur; do excesso de pelos no corpo, A sua utilização, por mais de duas
prostaciclinas e tromboxanos) possuem da obesidade tipo central, com o tronco semanas, mesmo em pequenas doses, fa-
atividades funcionais que independem obeso e membros finos, dentre outros. cilita a instalação de infecções pelos mais
da instalação da inflamação, a sua inibi- variados agentes, supressão da glândula
ção causará em paralelo impacto sobre PHARMACIA BRASILEIRA - Quais supra-renal (insuficiência) e necrose as-
a fisiologia normal de estruturas distan- são as reações adversas mais graves? séptica de ossos. Sua utilização mais pro-
tes e não relacionadas com o foco infla- Farmacêutico Carlos Alberto longada pode desencadear distúrbios
matório. Balbino - No caso dos AIEs, além das psiquiátricos e Cushing iatrogênico.
Apenas exemplificando: (1) no exemplificadas na resposta anterior, me-
estômago, as prostaglandinas são in- recem destaque a urticaria, agranuloci- PHARMACIA BRASILEIRA - A
dutoras da síntese e secreção do muco tose e a aplasia medular induzida pela segurança apresenta-se como um item
protetor que impede a ação do ácido dipirona; a síndrome de Reye, uma do- importante no perfil do medicamento,
clorídrico e das enzimas proteolíticas ença grave, de rápida progressão e, mui- ao lado de sua eficácia. A segurança é
sobre a parede estomacal. Sob a ação tas vezes, fatal, que acomete o cérebro e o principal indicador do sucesso mer-

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
cadológico de um antiinflamatório, no diversidade, ainda, não são de total co-
período pós-marketing? nhecimento da ciência.
Farmacêutico Carlos Alberto Basicamente, são estas proteínas
Balbino - Apesar de a resposta a esta os principais alvos farmacológicos da
pergunta ser sim, algumas conside- maioria dos medicamentos, hoje, utili-
rações devem ser feitas para melhor zados na clínica médica. Sabendo que,
aproveitá-la à luz dos conhecimentos até que se prove o contrário, a sequência
mais recentes. Também, não restringirei dos aminoácidos de todas as proteínas é
a minha resposta aos anti-inflamatórios, determinado pelos genes que compõe
visto que aquilo que ocorre com este o genoma de cada espécie, devemos
grupamento farmacológico no quesito considerar que, há apenas dez anos,
segurança acontece, também, com to- mais precisamente em fevereiro de 2001,
das as demais drogas. foram publicadas as duas primeiras ver-
Inicialmente, devemos considerar sões, preliminares, do genoma humano
que, tendo como base as definições de pelas revistas Nature e Science, respecti-
segurança e de marketing, é fácil perce- vamente, por Eric Steven Lander e John idéia da plêiade de proteínas com as
ber que é impossível as duas palavras Craig Venter. quais um medicamento pode interagir.
caminharem juntas. Enquanto seguran- A complexidade verificada no É muito mais provável que, diante de
ça pressupõe cercar um “tema” com to- genoma humano colocou em cheque, um número tão grande de proteínas,
das as variáveis possíveis, inclusive com pela primeira vez, a noção simples e uma substância química (medicamen-
aquelas cujas possibilidades e impactos unidirecional do gene como o ente ex- to) em um sistema fechado (organismo
possam aparentemente ser desprezível, clusivo portador de informações, como humano) interaja com mais que uma
o objetivo do “marketing” é o de “dourar proposto pelo norte-americano James delas, do que com apenas uma, como
a pílula”. Watson e o britânico Francis Crick em divulgado na maioria dos livros técnicos.
No caso específico do medica- 1953. Apesar de didática e pedagogica-
mento, para alcançar o sucesso mer- O primeiro trabalho voltado para mente ser importante, esta visão linear
cadológico, não é rara a omissão de estimativas do número de genes que o transmitida pelos livros de Farmacolo-
variáveis, não só com possibilidades pe- genoma humano abrigava foi publica- gia, durante a fase de aprendizado, não
quenas, mas também de algumas que, do, no ano 2000, por Phil Green e Brent é menos importante reconhecer que
no período pós-marketing, a farmacovi- Ewing, da University of Washington. esta é apenas uma parte da verdade do
gilância constata uma frequência consi- Através da comparação de um grupo modo de ação, não apenas das drogas
derável. de porções do DNA, denominadas de com atividade anti-inflamatórias, mas
Nestas situações, geralmente a Expressed Sequence Tags (ou ESTs), com também para todas as demais drogas.
droga é retirada do mercado, nesta fase. genes já identificados no cromossomo Retornando à discussão da segu-
Acredito que nenhum pesquisador, do- 22 e sequências de mRNA obtidas do rança dos medicamentos, é comum a
cente ou profissional de saúde reúna GenBank estimaram que aproximada- existência de drogas com elevada efi-
condições de conhecimento o suficien- mente 35.000 comporiam o genoma cácia para uma determinada doença
te para ser categórico, ao afirmar que humano. que nem chegam a entrar no mercado
uma substância química (no caso um Em trabalho posterior, ainda em devido à sua baixa segurança. Outras
medicamento), quando introduzida em 2000, Feng Liang e seus colaboradores são clinicamente utilizadas, apesar de
um sistema biológico, como o humano, estimaram a existência de um número sua baixa especificidade e, portanto, pe-
seja totalmente segura. Quem faz isto, quase três vezes superior a este, aproxi- quena margem de segurança, como, por
geralmente, ou não conhece a verdadei- madamente 120.000 genes. Mais recen- exemplo, as antineoplásicas.
ra dimensão dos sistemas biológicos e, temente, inúmeros trabalhos tentando Isto demonstra que a seguran-
portanto, é ingênuo, ou tem algum tipo estimar o número de genes existentes no ça está intimamente relacionada com
de interesse, ao fazer tal afirmação. genoma humano vem sendo publicados. o risco-benefício. No exemplo citado,
No cerne da dinâmica dos siste- Neste particular, é importante os antineoplásicos se enquandram em
mas biológicos, encontram-se três tipos ressaltar que, mesmo após a publicação grupamento farmacológico de risco. No
de moléculas: o DNA, o RNA e as prote- da sequência completa do genoma hu- entanto, os benefícios de sua utilização
ínas. Estas últimas estão representadas, mano, o número de genes presentes em são imensuráveis.
principalmente, na forma de proteínas nosso genoma continua indeterminado, Uma terceira possibilidade é a
estruturais, bombas e canais iônicos, fa- e vem se mostrando crescente nos tra- droga aparentemente ser segura e, no
tores de transcrição, enzimas, receptores balhos mais recentes. período de pós-marketing, mostrar-se
ou ligantes, dentre outras propriedades Mesmo sabendo que muitos ge- extremamente tóxica. Os exemplos clás-
funcionais, e seu verdadeiro número e nes não são transcritos, já dá para se ter sicos disto foram o uso da talidomida,

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
na década de 60, e, mais recentemente, das pela Comissão, o projeto para o es- Dentre outros itens com risco à
dos inibidores seletivos da COX-2. tabelecimento de um Sistema Nacional saúde coletiva, de certa forma, também,
Este tipo de engano é comum e de Registro de Reações Adversas (abre- atua como importante fonte de coleta
todo o cuidado é pouco, quando trata- viadamente SINARRA), com o subsiste- e divulgação de dados importantes na
mos da interferência de substâncias quí- ma RAM (Reações Adversas aos Medi- área de farmacovigilância.
micas sobre sistemas biológicos. Mesmo camentos) foi concluído. Porém, com a Existem, também, organizações
com toda a tecnologia científica e todo mudança de Ministro da Saúde, a idéia alternativas que se incubem de recolher,
o conhecimento acumulado, temos que foi inexplicavelmente abandonada. sistematizar e divulgar informações so-
ser humildes e internalizar que aquilo Esta temática somente retornou à bre os riscos oferecidos pelos medica-
que sabemos sobre os mecanismos da pauta do Ministério da Saúde, três anos mentos. Com o intuito de atuar como
vida, ainda, é apenas uma pequena par- após, com a edição da Resolução 001, fontes alternativas deste tipo de infor-
te de toda a verdade. de 26/04/99, que oficializou Regimento mação, a primeira organização extra-ofi-
Todas as vezes que é introduzido Interno da Agência Nacional de Vigilân- cial criada foi o CEBRID (Centro Brasilei-
um medicamento em um organismo, é cia Sanitária. Em seu 15º artigo, atribuiu ro de Informações sobre Drogas), fun-
sempre possível o surgimento de reações as competências da Gerência-Geral do dado, em 1978, e que, atualmente, vem
“inesperadas”, até porque, além da exis- Sistema Nacional de Registro de Rea- desenvolvendo atividades no campo de
tência de diferenças geneticamente de- ções Adversas (SINARRA). epidemiologia das substâncias psicoati-
terminadas entre os indivíduos, a sua con- Com pouco mais de um ano, vas e trabalhos com Plantas Medicinais.
dição fisiológica, também, é influenciada a Portaria Nº 593, de 25 de agosto de Além deste, merecem distinção
por hábitos sociais, nível socioeconômico, 2000, criou o Núcleo de Vigilância em a Sociedade Brasileira de Vigilância de
sócio-cultural, meio ambiente e tipo de Eventos Adversos e Queixas Técnicas e Medicamentos (Sobravime) e o Cen-
trabalho dentre muitas outras variáveis. dentro dela a Unidade de Farmacovigi- tro Brasileiro de Informações Sobre
lância, com as suas atribuições e compe- Medicamento (Cebrim), fundado, em
PHARMACIA BRASILEIRA - tências. Em menos de um ano, a Portaria 1992, e sediado no Conselho Federal
Como a farmacovigilância acompanha nº 306, de 13 de julho de 2001, atribui de Farmácia.
o comportamento dos antiinflamató- novas competências à Unidade de Far- Através dele, foi estabelecida uma
rios não-esteroides, no Brasil? macovigilância. rede de centros de informações estadu-
Farmacêutico Carlos Alberto Um mês após, uma nova altera- ais denominado de Sistema Brasileiro de
Balbino - Apesar de ser uma atividade ção no Regimento interno da Anvisa Informação sobre Medicamentos. Esta
fundamental para a segurança do usu- é feito pela Portaria Anvisa Nº 306, de rede atualmente é a que possui maior
ário e da população, podemos afirmar, 13/07/2001, sendo criada a Gerência- capilaridade dentre as extra-oficiais, por
com muita segurança, que, no Brasil, -Geral de Segurança Sanitária de Produ- estar presente na maioria dos Estados.
oficialmente, a farmacovigilância está tos de Saúde Pós-Comercialização, que Ao contrário disto, a rede oficial do
vivendo a passagem da infância para a conta com uma Unidade de Farmacovi- Ministério da Saúde possui núcleos es-
pré-adolescência. Tem apenas 12 anos. gilância. taduais somente nos Estados do Ceará,
Apesar de “subnutrida”, na primei- Em agosto de 2001, o Brasil foi Bahia, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro e São
ra infância, tem se mostrado uma pré- admitido no Programa Internacional de Paulo.
-adolescente muito vigorosa e com um Vigilância de Produtos Farmacêuticos da Apesar da existência destas ini-
futuro sadio e promissor. Mas, continu- OMS como o 62° País Membro oficial. ciativas, hoje, a farmacovigilância, não
ando na mesma analogia, ela, porem, Nesta ocasião, foi instituído um Cen- só de drogas anti-inflamatórias, mas
padece de uma crise de identidade e tro Nacional de Farmacovigilância, por de todos os medicamentos, ainda, está
sofre pela indefinição de paternidade. meio da Portaria n° 696, do Ministério da alicerçada na notificação voluntária de
A primeira tentativa de estabe- Saúde. Através dela, foi criado o Centro profissionais ou na informação passiva
lecer um sistema oficial de farmacovi- Nacional de Monitorização de Medica- do usuário.
gilância foi feita, através da edição da mentos (CNMM), sediado na Unidade Os medicamentos, sem exce-
Portaria 40/95, do Ministério da Saúde, de Farmacovigilância da Anvisa. ção, são produtos químicos que, pelas
somente em Maio de 1995. Neste pe- Em paralelo ao CNMM, o Mi- suas finalidades, comprovadamente,
ríodo, o Dr. Adib Jatene era o titular da nistério da Saúde, desde 1980, já conta possuem efeitos tóxicos. Assim, a ine-
pasta da Saúde, e à frente da Secretária com o Sistema Nacional de Informações xistência de uma busca sistemática da
da Vigilância Sanitária encontrava-se o Tóxico-Farmacológicas (SINITOX). Este ocorrência destes efeitos na população
Dr. Elisaldo Carlini. A referida Portaria órgão ou organismo é responsável pela é extremamente perigosa para a saúde
instituiu a Comissão de Farmacoepide- sistematização e divulgação das infor- pública. Para melhor compreensão dis-
miologia, com o objetivo de propor um mações oriundas da rede formada pelos to, segundo dados publicados pela em-
Sistema Nacional de Farmacovigilância. 37 Centros de Informação e Assistência presa ComputerWord e Active, ambas es-
Apesar das intempéries enfrenta- Toxicológica distribuídos pelo País. pecializadas em sistemas de automação

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
e informatização para a indústria farma- figuram entre os principais responsáveis por ordem de incidência de intoxica-
cêutica, o setor produz cerca de dois por intoxicações estão os benzodiaze- ções registradas, os analgésicos, antitér-
bilhões de unidades de medicamentos, pínicos, os antigripais (que na maioria micos e anti-inflamatórios estão em pri-
por ano. das vezes tem um AINE na sua compo- meiro lugar. Depois dos AINEs, vieram
Se considerarmos um prazo de sição), os antidepressivos e os antiinfla- os antidepressivos e estimulantes, em
validade médio para os medicamen- matórios. segundo, e os cardiovasculares, em ter-
tos de três anos, podemos estimar O Sinitox alerta, ainda, que os ceiro.
que o número de unidades em circu- grupos populacionais mais vulneráveis Observe-se que analgésicos e an-
lação seja da ordem de pelo menos o aos efeitos tóxicos dos medicamentos titérmicos componentes da primeira
dobro da produção anual. Tamanha são as crianças menores de cinco anos classe possuem vários medicamentos
quantidade de produtos com poten- (29%) e as mulheres, atingidas em 63% de venda isenta de prescrição. Implican-
cial “tóxico” sem um sistema formal de dos casos e em 65% dos óbitos registra- do diretamente a responsabilidade dos
acompanhamento é assustador. Isto dos. O curioso é que na página da far- farmacêuticos por este quadro.
se torna mais grave, ainda, quando macovigilância da Anvisa (VIGIPOS), no Acredito que os técnicos da Anvi-
eles são objeto de incentivo ao consu- campo “Alertas de Farmacovigilância”, e sa estão atentos para a grande oportu-
mo, através de propagandas, e o lucro nem em outros locais do site da Anvisa, nidade de estruturação de um sistema
de sua venda, o meio de subsistência constam registro de reações adversas refinado de farmacovigilância que pode
de empresas produtoras, distribuido- aos AINEs. ser idealizado, a partir da rastreabilida-
ras e de varejo. O segmento dos AINEs, no mer- de dos medicamentos atualmente em
Estima-se que o mercado farma- cado farmacêutico brasileiro, historica- pauta. Como está previsto o acompa-
cêutico mundial irá atingir $1.1 trilhões mente, esteve entre os primeiros mais nhamento dos medicamentos por uni-
de dólares com um crescimento de comercializados, ao lado dos antibióti- dade de comercialização, o simples cru-
5/8%, até 2014. Certamente, este cres- cos e hormônios (provavelmente, devi- zamento deste banco de dados com o
cimento será de proporções maiores, do aos anticoncepcionais). dos usuários do SUS pode, também, nos
no Brasil, com os programas governa- Dados do Centro de Assistência informar quem consumiu um determi-
mentais instituídos, que possibilitam o Toxicológica do Hospital de Clínicas da nado medicamento.
acesso aos medicamentos a parcelas da Universidade de São Paulo (CEATOX) A partir deste momento, é neces-
população que, há poucas décadas, não indicam que, por classe terapêutica e sário apenas o acompanhamento do
faziam parte do mercado.
Apenas aproveitando a oportuni-
dade, penso que a distribuição gratuita
de alguns itens de medicamentos, atra-
vés do Programa Farmácia Básica, ape-
sar de serem dispensados sob prescrição
médica, inclui um risco velado e pouco
discutido de intoxicações medicamen-
tosas. Este risco existe unicamente pela
ainda prevalente fragilidade das estru-
turas de farmacovigilância que deveria
estar acompanhando as toneladas de
medicamentos que estão sendo gratui-
tamente distribuídos.
Para fortalecimento deste pen-
samento, um estudo realizado com as
estatísticas de mortalidade americanas,
em 2005, mostrou que os medicamen-
tos causaram ou contribuíram para a
ocorrência de mais de 25 mil óbitos.
No caso brasileiro, segundo as
estatísticas divulgadas anualmente
pelo Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), os me-
dicamentos, desde 1999, são as princi-
pais causas de intoxicação e de óbitos
registrados, no País. Entre as drogas que

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
paciente para a observação do possível drogas que, futuramente, poderá ser uti- hemorrágicas, esta interação pode levar
desenvolvimento de reações inespera- lizado a favor dos pacientes portadores a complicações muito sérias.
das. Se o Ministério da Saúde, ainda, não de tuberculose. Assim como todas as pessoas, os
percebeu esta possibilidade, fica, aqui, Outras interações benéficas, cor- portadores de doenças que levam as
registrada a nossa sugestão. riqueiramente utilizadas na prática clí- condições fisiopatológicas citadas, não
nica, são a existente na associação da estão isentos de sentir dor e ter episó-
PHARMACIA BRASILEIRA - Anti- dipirona sódica com ácido acetilsalicíli- dios febris. Continuando neste mesmo
-inflamatórios interagem com vários co. Ao serem administradas, simultane- exemplo, tanto no local de trabalho
grupos de medicamentos. O senhor amente, o resultado clínico observado como no meio ambiente, é possível a
pode dar exemplos de interação clinica- é a potenciação da ação analgésica de inalação crônica de poluentes com ati-
mente significativa? ambos. Resultado semelhante é obtido vidades anticoagulantes.
Farmacêutico Carlos Alberto nas combinações de medicamentos Nestes pacientes, um simples
Balbino - Quando se fala em interação anti-hipertensivos com mecanismos de comprimido de ácido acetilsalicílico,
medicamentosa, o primeiro pensamen- ação diferentes, utilizadas para o trata- também, poderá desencadear conse-
to é que este é um fenômeno, sempre, mento da hipertensão arterial severa. qüências semelhantes às observadas na
indesejado. Em algumas situações, com Atualmente, um dos aspectos situação anterior. Esta última é uma das
bom conhecimento de Farmacologia e pouco observados, quando se fala em situações com fortes tendências de ser
Fisiopatologia, é possível tirar proveito interações entre medicamentos, é a classificada como reação idiossincrática,
dela em benefício do paciente. influência que os novos sistemas de li- sendo que, na realidade, o ocorrido com
Algumas interações, de tão úteis, beração de drogas exercem sobre a far- o paciente resultou da interação entre
terminaram por ser incluídas como al- macodinâmica dos princípios ativos. Em um poluente inalado com salicitlato.
ternativa farmacoterapeutica de uso algumas situações, a causa da ineficácia Após entendidos estes exemplos,
mais frequente que o das duas drogas, de um tratamento, ou o surgimento de torna-se evidente que não se pode afir-
isoladamente. Exemplo clássico des- efeitos colaterais incomuns, pode ter mar que a interação “A” ou “B” não é
te tipo de interação é a associação de como causa apenas o tipo de veiculação clinicamente significativa sem, antes, ser
sulfametoxazol e trimetoprima em con- utilizada para os princípios ativos dos feita uma criteriosa avaliação de todas
centrações definidas (também, chama- medicamentos. as variáveis que podem estar envolvidas.
da cotrimoxazol). Com relação às interações medi- Os mecanismos de interações
Em recente trabalho do Centro de camentosas indesejadas, todas são clini- medicamentosas não possuem uma
Patogênese Molecular da Faculdade de camente significativas, dependendo da classificação precisa e unifatorial. Ge-
Farmácia de Lisboa, foi constatado que condição fisiológica ou fisiopatológica ralmente, seus mecanismos são mais
os AINEs ibuprofeno, ácido acetilsalicí- do paciente. Para melhor compreensão complexos do que didática e peda-
lico e o seletivo para COX-2 rofexocib disto, pode ser tomado como exemplo gogicamente nos são apresentados e,
conseguem induzir diretamente, in vi- o uso profilático de salicilatos como nem sempre, são compreendidos na
tro, a morte de Mycobacterium smeg- anti-agregante plaquetário. sua totalidade. A reação final, clínica ou
matis e Mycobacterium tuberculosis. Em pacientes com distúrbio cardí- laboratorialmente observada, pode ser,
Apesar de não ter sido totalmen- aco já diagnosticado e controlado, a as- ainda, o resultado da ocorrência de mais
te desvendado por qual mecanismo sociação do ácido acetilsalicílico não im- de um mecanismo de forma simultânea.
microbicida estes AINEs são líticos para plicará em grandes problemas, quando Para melhor entendimento das
o M. tuberculosis, em trabalho posterior, em concomitância forem administradas interações medicamentosas indese-
foi feita a associação de cada um deles drogas que diminuam a sua absorção jadas, é necessário relembrarmos os
com pró-drogas da pirazinamida. com consequente diminuição das suas princípios, a natureza, as propostas de
Nesta segunda investigação, concentrações séricas. mecanismos e, com base nelas, os tipos
concluiu-se que a associação deste tu- No entanto, após um acidente de interações medicamentosas teorica-
berculostático com cada um dos três embólico ou isquêmico, qualquer in- mente conhecidas ou aquelas compro-
AINEs testados era sinérgica, ou seja, a terferência sobre a sua absorção, que vadas na prática clínica-terapêutica.
intensidade da resposta microbicida, diminua sua concentração sanguínea A primeira de todas as possibili-
quando eram associadas às duas drogas, ou sua atividade anticoagulante, pode dades são as reações droga-droga, que
era maior que a somatória das respostas ser letal. No caso da associação de sa- ocorrem devido às propriedades quími-
obtidas com cada uma delas, isolada- licilatos com drogas que aumentam a cas e físico-químicas de cada uma das
mente. sua concentração sérica, o resultado moléculas dos medicamentos envolvi-
Este resultado obtido, em Portu- pode ser banal para alguns indivíduos. dos. São mais frequentes, antes da admi-
gal, é apenas um dentre muitos exem- Porém em portadores de doenças que nistração das drogas e no momento que
plos da utilização dos conhecimentos induzem a fragilidade vascular, plaque- uma é posta em contado com a outra.
de Farmacologia e da interação entre topenia ou em portadores de doenças Devido a isto, são frequentes nas

Pharmacia Brasileira nº 81 - Abril/Maio 2011 39


ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
misturas destinadas ao uso endoveno- o mesmo carreador protéico estão cir- continuamente (ex.: antihipertensivos
so. São, também, conhecidas como culando, ao mesmo tempo, uma delas arteriais, contraceptivos etc.) pode ter
incompatibilidades farmacêuticas, in- pode ter afinidade maior por ele. Isto previamente induzido a expressão des-
terações físico-químicas ou interação faz com que esta última droga ocupe, tas enzimas.
farmacêutica. em maior número, o sítio de ligação das Ao ser administrado um segun-
As demais possibilidades ocor- moléculas do carreador (ex.: albumina) do medicamento que é metabolizado
rem, após a administração da droga, elevando a concentração sérica da de pela via cuja expressão foi previamente
sendo elas as interações farmacodi- menor afinidade. induzida, a sua metabolização será mais
nâmicas (que retrata o que droga faz O fenômeno resultante é conhe- acelerada que o esperado. Como conse-
com o organismo), e as farmacocinéti- cido como “deslocamento da (ou de) qüência, a sua concentração sérica pode
cas (o que exprime o que o organismo droga”. Exemplos de AINEs desloca- cair, em alguns momentos, para abaixo
faz com a droga). dores são a fenilbutazona, aspirina e o das taxas farmacologicamente reco-
As interações farmacodinâmicas paracetamol. De drogas por eles deslo- mendadas.
relacionam-se com os efeitos bioquími- cadas são o warfarin, a tolbutamina e o As soluções para esta situação
cos e fisiológicos das drogas e com o seu metotrexato. são duas: diminuir o intervalo entre as
mecanismo de ação. Referem-se às situ- Em casos de subnutrição ou qual- tomadas, ou aumentar a dose, quando
ações onde duas ou mais drogas produ- quer outra condição fisiopatológica que a margem terapêutica da droga permitir
zem efeitos antagônicos, ou competem diminua a concentração de albumina, é esta conduta.
pelo mesmo receptor ou estruturas in- necessário ser feito uma adequação po- Em situações em que não existiu
timamente ligadas a ele. Podem ocorrer sológica das drogas que circulam ligadas uma prévia indução do sistema micro-
em quatro etapas bem definidas: fase de a ela. Este cuidado deve ser observado, mossomal, a administração de uma
absorção, de distribuição (ou transpor- também, na presença de uremia que, droga associada a uma segunda que é
te), de metabolização e de excreção. dentre suas muitas consequências fisio- metabolizada pela mesma via, uma de-
A absorção dos AINEs pode ser lógicas e patológicas, leva ao estabeleci- las pode ser metabolizado mais pron-
reduzida por drogas que diminuem a mento da acidose metabólica. tamente que a outra. Nesta condição,
motilidade do trato digestivo (exem- Como a conformação terciária de a concentração daquela de mais difícil
plos: atropina, opiáceos) ou acelerada proteínas é muito sensível a alterações metabolização eleva-se, podendo atin-
por drogas procinéticas (exemplo: me- de pH, esta condição fisiopatológica gir concentrações tóxicas. Isto é particu-
toclopramida). O pH pode, também, pode comprometer o arranjo espacial larmente importante para medicamen-
influenciar a absorção de muitos AINEs. das proteínas e, consequentemente, tos com margem terapêutica estreita.
Os que são ácidos fracos (ex.: alterar seu sítio de ligação às drogas, Uma dica bastante simples para
salicilatos) são mais prontamente resultando em altas concentrações de presumir qual droga terá a sua meta-
absorvidos em meio ácido. Portanto, drogas livres. bolização prejudicada e qual será pron-
o seu uso associado aos antiácidos, A metabolização das drogas é tamente metabolizada, é observar a
inibidores da bomba protônica (ex.: um processo que continuamente esta concentração molar das duas. Aquela
omeprazol), bloqueadores dos recep- sendo desempenhado pelos tecidos he- que estiver presente em maior concen-
tores H2 da histamina (ex.: cimetidina) páticos. Para que os metabólitos, medi- tração molar terá um maior número de
ou drogas com características alcali- camentos ou outras substâncias tóxicas moléculas em suspensão. Obviamente,
nas intrínseca (ex.: bloqueadores H2 sejam eliminadas por via renal ou biliar, é a probabilidade de um maior número
e barbitúricos) farão com que a sua necessário que, antes, se tornem hidros- de enzimas estarem ocupadas por ela
absorção seja diminuída. solúveis. é mais elevada do que a probabilidade
O inverso disto ocorrerá com os Esta biotransformação é feita por de estarem ocupadas com a de menor
AINEs cujas características intrínsecas complexos enzimáticos presentes no concentração molar.
de suas moléculas é alcalina. fígado, sendo os principais conjuntos Ou seja, diante dos AINEs, que ge-
A distribuição das drogas é o de enzimas o citocromo C redutase e ralmente são administrados na ordem
primeiro fenômeno observado, após o citocromo P 450. O uso continuado de miligramas, todas as demais drogas
serem absorvidas. Somente as drogas de uma substância química (Ex.: medi- metabolizadas pelos mesmos comple-
livres na circulação, líquidos intersticiais camento, álcool, drogas ilícitas, anticon- xos microssomais que os metaboliza
e demais fluídos biológicos exercem a cepcionais etc.) que é metabolizada por e que são administradas na ordem de
sua atividade. Após serem absorvidos estas vias, pode induzir a uma hiper ou microgramas ou nanogramas possuem
e adentrarem a circulação, os medica- hipo-expressão dos genes destas enzi- poucas chances de ocupar as enzimas
mentos rapidamente se ligam a proteí- mas. metabolizadoras.
nas denominadas de carreadoras, sendo Como são muitos os medicamen- Nesta condição, o risco de intoxi-
a albumina a principal delas. tos que podem ser metabolizados por cação pela droga administrada associa-
Quando duas drogas que utilizam uma mesma via, aquele que é usado da aos AINEs é consideravelmente ele-

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
vada, por existir uma alta concentração psicose maníaco-depressiva (transtorno pacientes recebendo triantereno e indo-
dela livre para exercer sua atividade. Os bipolar). A maioria dos AINEs (excessão metacina; a diminuição da absorção dos
riscos embutidos nas interações medi- feita ao sulindaco) inibem a excreção de AINEs induzidos na sua associação com
camentosas de ocorrência na fase de renal do lítio, resultando em altos níveis a Colestiramina; a inibição dos efeitos
metabolização das drogas existem tanto sanguíneos deste mineral. anticonvulsivantes da fenitoina por to-
com o aumento como com a diminui- Outra droga que tem a sua eli- dos os AINEs e do ácido valpróico pelos
ção das concentrações plasmáticas das minação renal diminuída pela ação dos salicilatos; a elevação das concentrações
drogas envolvidas. AINEs é o Metotrexato (4-amino-N10 de digoxina feita por alguns AINEs, e a
Assim como a diminuição da metil ácido pteroglutamico). Esta droga influência da indometacina sobre os
concentração plasmática de antibióti- é estruturalmente similar ao ácido fóli- aminoglicosídeos, elevando as concen-
cos acarreta a diminuição da sua biodis- co, e atua como um potente inibidor da trações dos antibióticos desta classe em
ponibilidade no foco infeccioso, a ele- enzima dihidrofolato redutase. Devido à neonatos. Existem, ainda, relatos de AI-
vação da concentração de drogas com sua atividade como antifolato, o meto- NEs interferindo nas concentrações de
pequena margem terapêutica pode ser trexate é usado no tratamento do cân- ciclosporinas.
fatal. cer e doenças autoimunes, como artrite Por fim, é importante que fique
Dentre as diversas possibilidades reumatóide e psoriase. patente que as prostaglandinas são im-
apresentadas de interações entre AINEs Todos seus efeitos colaterais são portantes na modulação da função re-
e outras drogas, e que a significância mercedores de cuidadosa interferência nal normal, dilatação vascular sistêmica,
clínica independe de variáveis portadas clínica, pois vão desde reações cutanêas filtração glomerular, secreção tubular de
pelo paciente, a única que está entre as até hemorragias cerebrais, além dos he- água e sal, neurotransmissão adrenérgi-
dez mais perigosas e de mais difícil con- matológicos (pancitopenia), hepáticos e ca e, também, influenciam a regulação
trole é a que ocorre entre os AINEs e a pulmonares. Todos estes efeitos são, na do sistema renina-angiotensina-aldoste-
warfarina. sua maioria, expressão de sua atividade rona.
Nesta interação, os riscos de aci- antimitótica. A interação AINEs metro- O bloqueio dos seus efeitos fei-
dentes hemorrágicos graves é extrema- texate pode assumir proporções letais to pelos AINEs resulta em uma série
mente elevado. Isto não torna outras em casos de pacientes com diagnóstico complexa de eventos que culminam na
como a hipoglicemia resultante da as- prévio de insuficiencia renal. atenuação dos efeitos de muitos anti-
sociação de AINEs com as drogas desti- Muitas plantas medicinais sinteti- -hipertensivos. Podem antagonizar o
nadas ao controle do diabetes. O ácido zam um glicosídeo complexo denomi- efeito dos diuréticos tiazídicos, bloque-
acetilsalicílico por mecanismos ainda nado de salicina. Foi a partir dele que, no adores β-adrenérgicos, bloqueadores
não bem esclarecidos induz a uma hi- século XIX, foi isolado o ácido salicílico α-adrenérgicos e inibidores da enzima
poglicemia, quando associado à admi- que posteriormente deu origem ao áci- conversora de angiotensina, não exis-
nistração de insulina. do acetilsalicílico (AAS). Tanto a salicina tindo relatos de interações com os
Outro hipoglicemiante que, como o ácido acetilsalícilico exercem α-agonistas centrais ou os bloqueadores
quando administrado, associado aos suas atividades, após serem metaboliza- dos canais de cálcio.
AINEs, resulta em uma resposta hipogli- dos e liberarem ácido salicílico livre. Uma das facetas importantes de
cemiante senérgica é a sulfoniluréia. Os Assim, a utilização de plantas me- ser abordada nesta oportunidade que
anti-inflamatórios deslocam-na do seu dicinais com atividade analgésica e an- me foi cedida é lembrar que não é raro
sítio de ligação às proteínas plasmáticas. titérmica deve ser cercada do cuidado o uso de AINEs mascarar a evolução de
Estes efeitos podem assumir gravidade de esta não pertencer à família das sa- doenças graves. A mais recente consta-
maior quando, além do salicilato, asso- licaceae e seu efeito não ser decorrente tação neste sentido vem de um estudo
cia-se no mesmo paciente outros medi- da presença do glicosídeo salicina entre norte-americano sugerindo que o uso
camentos que possuem como atividade seus compostos. Isto potencialmente regular de anti-inflamatórios do tipo
paralela a diminuição da glicemia, como poderia levar ao desenvolvimento dos não-esteróide, como salicilatos e ibu-
os antibióticos do grupo das sulfonami- mesmos efeitos colaterais e mesmas profeno, pode reduzir os níveis de PSA
das, certos antidepressivos (inibidores interações medicamentosas esperadas no sangue e dificultar a detecção do
da monoamino oxidase), inibidores da para o ácido acetilsalicílico, embora não câncer de próstata.
enzima de conversão da angiotensina existam registros de estudos visando a Particularmente, estou convicto
(captopril, enalapril), bloqueadores dos comprovar esta possibilidade. que boa parte das idiossincrasias me-
receptores da angiotensina II, beta-blo- Outras interações mais pontuais dicamentosas na realidade é assim clas-
queadores, octreotido ou álcool. dos AINEs incluem o prolongamento do sificado devido, em primeiro lugar, ao
O lítio é um mineral presente em tempo de meia vida do azapropazone e não entendimento ou conhecimento
muitos suplementos dietéticos e, tam- fenilbutazona, quando utilizados em as- de interações entre drogas para as quais,
bém, utilizado isoladamente no trata- sociação com salicilatos; a insuficiência ainda, não foram estabelecidas relações
mento de distúrbios do humor, como a renal e hiperpotassemia relatadas em estatísticas. Em segundo, pelo negligen-

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ENTREVISTA COM
Farmacêutico Carlos Alberto Balbino
ciamento dos efeitos colaterais e contra- o aumento da permeabilidade vascular receptores de outros hormônios da
-indicações conhecidas. associado à expressão das proteínas de mesma família. Isto é bastante evidente
adesão na face voltada para a luz dos va- na Síndrome de Cushing, em que algu-
PHARMACIA BRASILEIRA - sos sanguíneos pelas células endoteliais mas das consequências observadas são
Gostaria que o senhor desse uma aten- serem fenômenos de capital importân- a infertilidade e masculinização, traduzi-
ção especial à interação entre antiinfla- cia para a transmigração dos leucócitos, da pelo hirsutismo.
matórios e antimicrobianos e anticon- principalmente, os neutrófilos, da circu- Ao contrário dos anti-inflamató-
cepcionais. lação para a região lesada. rios, existem evidências de que alguns
Farmacêutico Carlos Alberto Ao ser inibido o aumento da per- antimicrobianos, de fato, diminuem as
Balbino - Uma das principais interações meabilidade, a transmigração será difi- concentrações plasmáticas dos contra-
entre anti-inflamatórios e antimicrobia- cultada, tornando o organismo menos ceptivos, principalmente a rifampicina
nos está nas propriedades intrínsecas de eficiente ao combate dos microrganis- e a griseofulvina. Também, existem evi-
ambos. De um lado, para a eficiência e mos. Complementando este raciocínio, dências de que efeito semelhante é de-
eficácia dos antibióticos, é necessário é importante salientar que uma das sencadeado pela Vitamina C.
que a sua concentração no foco atinja a importantes atividades das prostaglan- Como no caso das infecções res-
Concentração Inibitória Mínima (CIM). dinas sintetizadas pelas células do foco piratórias é comum a associação destes
Os mecanismos naturais da in- inflamatório é induzir direta ou indire- três tipos de drogas, talvez daí venha a
flamação, de forma sintética, resultam, tamente a expressão dos genes dos me- ideia de que são os anti-inflamatórios
dentre outros fenômenos, em vasodi- diadores químicos que atuam sobre as os responsáveis por este tipo de evento.
latação e aumento da permeabilidade células endoteliais, sinalizando para que Apesar do Colégio Americano de Obs-
capilar, facilitando, desta forma, que a esta célula expresse as proteínas de ade- tetras e Ginecologistas concluir que a
CIM seja atingida. De outro, as drogas são. tetraciclina, doxiciclina, ampicilina, me-
anti-inflamatórias inibem a produção Em resumo, os anti-inflamatórios tronidazol, fluconazol e fluoroquinolo-
dos mediadores químicos indutores influenciam negativamente dois impor- nas não afetam os níveis de contracepti-
tanto da vasodilatação, como do au- tantes fenômenos da defesa natural do vos orais, dadas as graves consequências
mento de permeabilidade. Isto, além de organismo (comprovado que aumenta de uma gravidez indesejada, revisores
dificultar que os antibióticos alcancem o tempo para evolução da cura espon- da literatura tem sugerido uma aborda-
a biodisponibilidade necessária para que tânea). Neste contexto, deve, ainda, ser gem mais cautelosa, quando se associa
sua atividade antimicrobicida efetive-se, considerado que, no foco infeccioso, antibióticos ao uso de anticoncepcio-
também limita o aporte energético e de outras formas de defesas naturais, tam- nais orais, para salvaguardar as poucas
nutrientes à região. bém, estão em processo. mulheres que podem estar em risco de
Outra influência negativa exis- As células de defesa estão em falha do método contraceptivo.
tente na associação destes dois grupa- intensa síntese protéica (síntese de
mentos farmacológicos vem do fato de mediadores químicos e microbicidas) PHARMACIA BRASILEIRA - O
e em algumas, o processo mitótico foi senhor tem conhecimento do aumen-
induzido. O bloqueio dos mecanismos to do consumo de anti-inflamatórios, a
“Não é raro o uso de AINEs vasodilatadores e de aumento da per- partir do controle na venda de antimi-
mascarar a evolução de meabilidade restringe o acesso de fontes crobianos pela Anvisa?
energéticas e de nutrientes, que são es- Farmacêutico Carlos Alberto
doenças graves. A mais senciais para a ocorrência tanto da mi- Balbino - Oficialmente, os números que
recente constatação, neste tose, como da síntese protéica. constatariam este comportamento, ain-
Com relação a possíveis intera- da, não foram divulgados. Apesar disto,
sentido, vem de um estudo ções entre anti-inflamatórios e anti- a imprensa tem noticiado, através de en-
norte-americano sugerindo concepcionais, não existem evidências quetes feitas junto às farmácias e droga-
que o uso regular de anti- suficientes para ser afirmado que existe rias, que, de fato, isto está ocorrendo. A
influencia mutua entre estes dois grupa- primeira reportagem, neste sentido, foi
inflamatórios do tipo não- mentos farmacológicos que possam ser veiculada, ainda em dezembro de 2010,
esteróide, como salicilatos significantes. Tem que ser considerado no interior de São Paulo, e a primeira
apenas o fato de existir certa “promis- deste ano pela, rede Record, em janeiro,
e ibuprofeno, pode reduzir cuidade” entre os receptores dos hor- no programa “Hoje em dia”. O texto de-
os níveis de PSA no sangue mônios esteróides ao qual tanto o corti- senvolvido pelo jornalista Thiago Lemos
e dificultar a detecção do sol como o estrogênio e a progesterona pode ser lido no site www.R7.com, da
pertencem. emissora.
câncer de próstata” A maioria deles, quando em con- Para quem vivencia o mercado
(Farmacêutico Carlos Alberto Balbino). centrações elevadas, pode ligar-se aos de medicamentos, isto era esperado,

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por dois motivos. O primeiro é o, ainda, tórios, com predomínio da atividade No primeiro caso, quando a dor
prevalente pensamento de que os anti- analgésica. Em 2010, foram gastos pela resultante da contusão alcançar pata-
-inflamatórios possuem atividades anti- população R$ 1,5 bilhão na compra mares que limitam a locomoção ou o
microbicidas. Como já dito, a circulação desse tipo de medicamento, e isto, sem repouso do paciente, a solicitação está
deste mito não está restrita somente à considerar as demais indicações recebi- correta. Com relação à dor, o farmacêu-
população leiga. O segundo e mais de- das pelos AINEs. tico deve estar atento há quanto tempo
cisivo motivo é de ordem econômica e É urgentemente necessário que os o paciente desenvolveu os primeiros
reside no fato de anti-inflamatórios e an- órgãos responsáveis pela vigilância sani- sintomas e, com base na extensão da
tibióticos historicamente terem sido os tária realizem o acompanhamento crite- lesão, estimar, por quanto tempo, ela
dois grupamentos farmacológicos mais rioso da venda das drogas pertencentes persistirá.
envolvidos com o comportamento que, a este grupo, fazendo comparações dos Isto, porque, atualmente, está
criativamente, recebeu o jargão de “em- volumes vendidos, mês a mês, em 2010, bem estabelecido que a estimulação
purroterapia”. com as vendas, nos mesmos meses, nes- contínua das fibras do tipo “c”, condu-
Como os antibióticos representa- te ano. toras da nocicepção da periferia até a
vam em torno de 20% a 30% do fatura- Através da Fundação Brasileira de medula, desencadeia nos núcleos me-
mento das farmácias e drogarias e, a par- Ciências Farmacêuticas, estou orientan- dulares a amplificação dos sinais que
tir da edição da RDC 44/2010, passaram do um grupo de pós-graduandos que são transmitidos aos centros superiores.
a ter uma restrição maior para a venda, desenvolverão este trabalho, no Esta- Este fenômeno é denominado de poten-
era esperado que esta receita bruta fos- do de Rondônia, e provavelmente terei ciação de longo prazo e é desencadeado
se coberta por outros medicamentos. outro grupo, em Porto Alegre. Dado pela ativação de receptores medulares
Nada mais providencial e convincente aos impactos que estas drogas podem do tipo NMDA.
que aproveitar e alimentar a ilusão das causar sobre a fisiologia humana, é re- Isto somente ocorre, quando es-
atividades antimicrobianas dos anti- comendável que este tipo de trabalho, tímulos dolorosos partem da periferia,
-inflamatórios. também, seja desenvolvido, nos demais por períodos prolongados, a partir de
O Brasil já era um dos campeões Estados da União. um determinado período, que osci-
mundiais em consumo de anti-inflama- la dependendo da extensão da lesão.
PHARMACIA BRASILEIRA - Du- Para evitar sua ocorrência, é necessário
rante 30 anos, o senhor foi proprietário a inibição da geração do estímulo dolo-
de farmácia e traz, portanto, uma vasta roso na periferia, ou inibir o receptor de
“Isto (aumento do experiência prática em assistência far- NMDA na medula.
consumo de anti- macêutica, além de um vasto conheci- Na segunda situação, ou seja, a so-
mento teórico. Tomando por base essa licitação de anti-inflamatórios para a so-
inflamatórios, a partir experiência, é possível traçar um perfil lução de infecções banais (e que é muito
do controle na venda dos usuários que chegavam ao balcão frequente), está totalmente errada pelos
de sua farmácia, sem prescrição médica, motivos anteriormente discutidos. Está
de antimicrobianos pela para comprar anti-inflamatórios? Quais bem documentado que cerca de oiten-
Anvisa) era esperado, por eram as suas principais queixas? Os ta por cento dos estados infecciosos são
dois motivos: o ainda anti-inflamatórios que solicitavam eram autolimitados e evoluem para a cura es-
mesmo os medicamentos corretos para pontânea, sem a necessidade de uso de
prevalente pensamento o tratamento de suas doenças? qualquer tipo de droga.
de que anti-inflamatórios Farmacêutico Carlos Alberto Estudo sobre a utilização de AI-
Balbino - Apesar de ser a mesma dro- NEs, nestas situações, tem demonstrado
possuem atividades ga, geralmente, o usuário faz distinção que seu uso retarda o período de evo-
antimicrobicidas, e o fato entre analgésicos, antitérmicos e anti- lução para a cura espontânea. Apenas
de anti-inflamatórios -inflamatórios. Raramente, o leigo solici- exemplificando: se a média de dias para
ta um anti-inflamatório, em caso de dor a evolução para a cura é oito dias, com a
e antibióticos ou febre. Solicita, sempre, um analgésico introdução de AINEs, a média sobe para
historicamente terem ou um antitérmico, respectivamente. acima de dez dias.
Com relação à solicitação espe- Talvez, a gênese deste último
sido os dois grupamentos cífica de anti-inflamatórios, dois pensa- comportamento esteja em duas frases
farmacológicos mais mentos eram evidenciáveis: aqueles que muito frequentes entre os profissionais
envolvidos com a pediam um anti-inflamatório devido de saúde, durante a orientação ao usu-
a uma contusão, e os que solicitavam ário diante de infecções amenas, princi-
empurroterapia” anti-inflamatórios para solução de in- palmente, as viróticas. Respeitadas as va-
(Farmacêutico Carlos Alberto Balbino). fecções banais. riações, o contexto geral da frase é: “Caro

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paciente, o seu caso não se trata de uma A forma como a indicação de O caso particular dos AINEs na
infecção muito grave, sendo desneces- paracetamol para casos esta sendo di- rede pública não escapa desta realida-
sário o uso de antibióticos. Somente um vulgada tem induzido os leigos, prin- de. Este tipo de droga está cercado por
anti-inflamatório pode resolver o seu cipalmente os mais injustiçados so- uma aura de inocuidade perigosa que
problema”. cialmente, a pensarem que esta droga envolve, desde os agentes de saúde com
De tanto ouvir frases neste con- possui propriedades antivirais. Com este formação média, até os profissionais de
texto, é esperado que a população pensamento, existe o risco de, diante de nível superior, inclusive alguns com pós-
tenha internalizado que em situações dengue com fortes manifestações sinto- -graduação.
infecciosas banais, existem benefícios máticas, o leigo, por conta, aumentar a Todos os aspectos levantados,
no uso de AINEs. O que a ciência tem dose, ou diminuir os intervalos de uso durante a nossa entrevista, continuam
demonstrado é exatamente o contrário. do paracetamol que sabidamente é he- sendo negligenciados, apesar de a maio-
patotóxico. ria das informações, aqui, repassadas ter
PHARMACIA BRASILEIRA - Dr. Já tive oportunidade de orientar como suas fontes instituições da Orga-
Carlos Balbino, a previsão é que a den- pessoas que, além dos tradicionais sin- nização Mundial de Saúde, Organização
gue recrudesça, agora, com o fim das tomas da dengue, também, desenvolve- Pan-Americana de Saúde e o próprio
chuvas, vez que as águas deixam de ser ram sinais e sintomas de hepatotoxici- Ministério da Saúde.
correntes e passam a ficar empoçadas. dade por este fato. Tanto anti-inflamatórios esteroi-
Dengue e anti-inflamatórios. Isso lhe su- dais, como anti-inflamatórios não-este-
gere alguma coisa? PHARMACIA BRASILEIRA - O roidais são utilizados como racionaliza-
Farmacêutico Carlos Alberto senhor coordenou a distribuição de dor de trabalho e/ou prescritos ou indi-
Balbino - Apesar de amplamente divul- medicamentos, em seu Estado (Mato cados por profissionais não prescritores,
gado, duas coisas necessitam ser enfati- Grosso do Sul). Com essa experiência, muito mais com base em mitos do que
zadas em oportunidades como esta: o como o vê a dispensação dos AINEs na à luz da ciência.
risco do uso dos AINEs - principalmente rede pública de saúde? Lembro que é estimado que,
os salicilatos - estar associado com a am- Farmacêutico Carlos Alberto pelo menos, 4 bilhões de caixinhas
plificação dos sintomas hemorrágicos e Balbino - Com muita preocupação. contento substâncias químicas que,
os riscos hepáticos existente na super- Apesar de a assistência farmacêutica ter comprovadamente, interferem sobre
dosagem de paracetamol. avançado, nas mais de duas décadas de a fisiologia humana, estão circulando,
É importante ser lembrado que criação do SUS, ainda, está distante da em nosso País, com um acompanha-
apesar da trombocitemia não possuir necessária garantia da universalidade de mento oficial sistemático bastante
elevada frequência nas primoinfecções acesso aos medicamentos com qualida- precário. Que, dependendo de como
pelos vírus da dengue, ela pode ocorrer de garantida, que foram prescritos de foram transportadas, estão armazena-
e, se associada com uso de AINEs, pode forma racional e dispensados de forma das e, do destino, fins e objetivos que
ser agravada. Outro ponto importante profissional. serão dados a elas, podem se tornar
a ser lembrado é que, de acordo com o Quando assisto a propagandas venenos. Que os dados apresentados
Ministério da Saúde, o vírus DEN-4 ficou políticas que falam dos medicamen- pelo Sistema Nacional de Informações
28 anos sem circular, no Brasil, mas, em tos, observo que o tratamento dado ao Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) de-
2010, foram registrados os primeiros ca- tema é de que se está diante de uma monstram que, há mais de uma déca-
sos, em Rondônia. panacéia totalmente desprovida de da, os medicamentos figuram como
Assim, atualmente, podemos riscos. Se, de um lado, é importante principal causa de intoxicação, sendo
considerar a probabilidade de ocorrer o Estado prover a população com os sua frequência superior aos acidentes
infecções pelos quatro sorotipos conhe- medicamentos necessários para a solu- com animais peçonhentos e intoxica-
cidos (DEN-1, DEN-2 DEN-3 e DEN-4). ção dos agravos à saúde, é muito mais ções com agrotóxicos.
Sabendo da subnotificação de casos e importante garantir que ele chegue ao Fica para todos a pergunta: dian-
quase três décadas de epidemia, a pro- usuário, com a mesma qualidade que te deste quadro de tantas incertezas, a
babilidade de infecção por mais de uma saiu do laboratório; é importante que amplificação do acesso ao medicamen-
das cepas do vírus pela mesma pessoa é o usuário esteja sendo acompanhado, to, da forma como está sendo feita pelo
uma possibilidade concreta. para se garantir que não ocorrerão as Governo Federal e através de programas
Como a dengue hemorrágica reações adversas comuns a todos os sociais, é tão benéfico e inofensivo à saú-
é desencadeada nestas situações (ex.: medicamentos; que estes não tenham de pública como transmitido pela mídia
sidos prescritos de forma irracional de massa? Não estaríamos, através dele,
primeira infecção por DEN-1 e segunda
ou em situações que sabidamente são aumentado a incidência das iatrogenias?
por DEN-2, DEN-3 ou DEN-4), o risco da
forma hemorrágica da doença é eleva- contra-indicados; e que não estão sen-
Contatos com o Dr. Carlos Alberto Balbino
do, necessitando ser redobrada a aten- do prescritos em situações onde intera- podem ser feitos pelo e-mail
ção, ao ser recomendado os AINEs. ções são previsíveis. professorbalbino@hotmail.com

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