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“Interdisciplinar”: a primeira metade do século1

Roberta Frank2
(Tradução de Antonio A. Neto)

Que livro esplêndido se poderia montar narrando a vida e as aventuras


de uma palavra. Os eventos para os quais uma palavra foi usada sem
dúvida deixaram várias marcas nela; dependendo do lugar, ela
despertou noções diferentes; mas não se torna ainda mais grandioso
quando considerado em sua trindade de alma, corpo e movimento?
Honoré de Balzac, Louis Lambert3

“Interdisciplinar” provavelmente nasceu na cidade de Nova York em meados de


1920, presumivelmente, na esquina da 42nd com a Madison. A palavra parece ter
começado a vida nos corredores e salas de reuniões do Social Science Research Council,
como uma espécie de abreviatura burocrática para o que o Conselho via como sua função
principal: a promoção de pesquisas que envolviam duas ou mais de suas sete sociedades
constituintes4. “Interdisciplinar” começou com um conjunto de sentidos razoavelmente
limitado. Depois, sujeito a abusos indecentes nas décadas de 50 e 60, adquiriu uma
propagação precoce de meia-idade. Agora, não apenas a palavra está em todos os lugares,
mas ninguém pode definir o que as pessoas têm em mente quando a pronunciam.

Quem quer que tenha cunhado “interdisciplinar” nunca reivindicou paternidade,


como Jeremy Bentham se desculpou por criar um novo composto: “A palavra
internacional, deve-se reconhecer, é nova; embora, espera-se, seja suficientemente
analógica e inteligível.”5 O professor Robert Sessions Woodworth (1869-1962), o distinto
psicólogo da Universidade de Columbia e a primeira pessoa que presenciei usando
“interdisciplinar” em público, não se desculpa nem trata a palavra como um neologismo.

1
Do original: “Interdisciplinary”: the first half century. Items, New York, vol. 42, n.o 3, pp. 73-78, 1988.
2
A autora é professora no Departamento de Inglês e no Centro de Estudos Medievais da Universidade de
Toronto. Este artigo apareceu na Words, editada por E. G. Stanley e T. F. Hoad, e publicado por D. S.
Brewer (Woodbridge, Suffolk, UK) em 1988. Foi reimpresso na Items com a permissão dos editores. A
Words é uma publicação em homenagem a Robert Burchfield, editor do Oxford English Dictionary, por
ocasião do seu 65.o aniversário. A contribuição de Roberta Frank baseia-se, em parte, em materiais dos
arquivos do Conselho e demonstra o interesse inicial do Conselho em pesquisas interdisciplinares.
3
Œuvres complètes de M. de Balzac. La Comédie humaine, vol. 16.2 (Paris, 1846), p. 111.
4
Fundado em 1923, o Conselho era, de acordo com Charles E. Merriam, seu primeiro presidente,
normalmente para ”lidar apenas com problemas que envolvam duas ou mais disciplinas”. (“Relatório para
o ano de 1925 feito para a American Political Science Association por Charles E. Merriam, presidente,”
American Political Science Review 20 [1926], p. 186.)
5
Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. (Londres, 1780 [1789]), XVII, p. 25.
Na noite de segunda-feira, 30 de agosto de 1926, em Hanover, New Hampshire, onde os
membros do SSRC se reuniram para escapar do calor da cidade de Nova York e planejar
“Um Programa Construtivo para o SSRC”, ele falou sobre a gama de pesquisas
apropriadas para Conselho: “Há uma certa limitação no fato de sermos uma assembleia
de várias disciplinas, e em nossas declarações oficiais novamente está expresso que
devemos tentar fomentar pesquisas que envolvam mais de uma disciplina.”6 Prosseguiu
algumas frases depois: “Não haveria outro órgão, a não ser que assumíssemos, nós
próprios, a função, incumbidos de pensar onde seriam as melhores oportunidades para
um trabalho coordenado ou interdisciplinar”. O professor Woodworth, na época, membro
do Comitê de Problemas e Políticas do SSRC, fundador e que, em breve, seria Presidente
do Conselho (1931-32), acabava de servir como presidente da divisão de antropologia e
psicologia do National Research Council em Washington (1924-25). Ele claramente tinha
interesse e sensibilidade para a linguagem usada pelos planejadores em ambos os
Conselhos: em uma conferência da Brookings Institution de 1931 sobre pesquisa
cooperativa, quando seus colegas se envolveram nas disputas envolvendo cooperação,
colaboração e coordenação, Woodworth chegou a relatar que a palavra “co-ordenação”
havia sido favorecida no NRC uma década antes “como recurso de fuga de alguma palavra
pior, da qual não pareço me lembrar”.7

Essa “palavra pior” não era “interdisciplinar”, que, se existiu, não deixou
vestígios, pelo que posso apurar, nos relatórios, atas e arquivos do NRC ou da Academia
Nacional de Ciências. Os cientistas chegaram perto, é claro. George Ellery Hale, em 1916
o primeiro presidente do NRC, havia proposto, já em 1912, que a Academia deveria
fomentar o interesse em “assuntos situados entre as antigas divisões estabelecidas da
ciência”8 e insistiu, em 1914, na “inter-relação das ciências”9. Nos anos 1920 e 1930, os
termos mais populares no NRC eram “novos campos” (new fields), “projetos sobrepostos”
(overlapping projects), “pesquisa inter-relacionada” (interrelated research) e ― com

6
SSRC Hanover Conference, vol. II (Dartmouth College, 23 de agosto a 2 de setembro de 1926), p. 445.
7
Brookings Institution, Co-operative Research (Washington, D.C., 1931), p. 67.
8
G. E. Hale para C. D. Walcott, 17 de maio de 1912. Citado por Rexmond C. Cochrane, The National
Academy' of Sciences: The First Hundred Years, 1863-1963 (Washington, D.C., 1978), p. 327.
9
“National Academies and the Progress of Research II. The First Half-Century of the National Academy
of Sciences,” Science 39 (6 de fevereiro de 1914); citado por Cochrane, p. 196.
notória dianteira ― “fronteira” (borderlands) e “pesquisa limítrofe” (borderline
research).10

Fora das salas do comitê do SSRC, “interdisciplinar” parece não ter sido comum
entre os cientistas sociais nos anos 1920 ou 1930, embora, nos anos entre a fundação da
New School for Social Research (1919) e o Yale Institute of Human Relations (1929),
tenha sido produzida uma montanha de documentos pedindo a integração das ciências
sociais e as artes relacionadas da indústria, governo e bem-estar público. Estrelas em
ascensão como Margaret Mead pediram não por atividade interdisciplinar, mas por
“cooperação para fertilização cruzada nas ciências sociais”, e luminares bem
estabelecidos como Harold Laski lamentaram a existência dos “comitês intermináveis
para coordenar, correlacionar ou integrar”.11 “Interdisciplinar” parece não ter entrado nos
quinze volumes da Enciclopédia das Ciências Sociais (1930-35), cujos planos foram
traçados em 1923. “Pesquisa cooperativa” é o termo usual em meia dúzia de livros
publicados entre 1925-30, que apresenta todo o campo das ciências sociais como uma
unidade. Eles enfatizam a “inter-relação”, “interdependência mútua”, “interpenetração”,
“intercomunicação”, “relações cruzadas”, “interfiliação” e, é claro, “interação” das várias
disciplinas, juntamente com a necessidade de explorar “zonas crepusculares” e “áreas de
fronteira”, para preencher quaisquer “espaços desocupados” e para encorajar o “cultivo
ativo de áreas fronteiriças entre as várias disciplinas”. Mas “interdisciplinar” nunca dá as
caras.12

Enquanto isso, de volta ao Social Science Research Council, a palavra estava


começando a flexionar seus músculos. Na conferência de Hanover de 1930, o Conselho
adotou uma declaração de intenção, citada no Relatório Anual de 1929-30: “É provável
que o interesse do Conselho continue a correr fortemente na direção dessas atividades
inter-disciplinares.” O mesmo relatório também advertiu acerca de uma ambiguidade

10
Cochrane, p. 322.
11
American Journal of Sociology 37 (1931), p. 274; “Foundations, Universities and Research,” Harper's
Magazine 157 (1928), pp. 295-303.
12
Por exemplo, Harry Elmer Barne et al., eds., The History and Prospects of the Social Sciences (New
York, 1925); Edward Cary Hayes, ed., Recent Developments in the Social Sciences (Philadelphia, 1927);
William F. Ogburn and Alexander Goldenweiser, eds., The Social Sciences and their Interrelations
(Boston, 1927); Frederick A. Ogg, Research in the Humanities and Social Sciences (New York, 1928);
Wilson P. Gee, ed., The Fundamental Objectives and Methods of Research in the Social Sciences (New
York, 1929); Howard W. Odum and Katherine Jocher, An Introduction to Social Research (New York,
1929); Leonard D. White, ed., The New Social Science (Chicago, 1930); W. E. Spahr and R. J. Swenson,
Methods and Status of Scientific Research with Particular Application to the Social Sciences (New York,
1930).
inquietante, que “Não se deve permitir que a preocupação com ‘pesquisa cooperativa’ ou
‘problemas inter-disciplinares’ atrapalhe a mente de primeira classe...”13 Em 1933, em
um anúncio para bolsista do SSRC publicado no American Journal of Sociology,
“interdisciplinar” havia conquistado seu sufixo adjetivador14 e ampliado sua referência
para incluir “educação”, bem como “problemas”: “As bolsas foram planejadas para
oferecer oportunidades de formação em pesquisa, de preferência, de natureza
interdisciplinar.”15 A primeira citação para “interdisciplinar” no Webster's Ninth New
Colegiate Dictionary e A Supplement to the Oxford English Dictionary é da edição de
dezembro de 1937 do Journal of Educational Sociology, em um aviso que se seguia a um
anúncio sobre bolsas de pós-doutorado do SSRC: “O objetivo principal dessas bolsas é
alargar a formação em investigação e equipar jovens cientistas sociais promissores. ... Os
programas de estudos apresentados devem proporcionar quer estudos de natureza
interdisciplinar, bem como formação avançada nas áreas de especialização dos
candidatos, assim como trabalhos de campo ou outra formação experimental destinada a
complementar a preparação acadêmica mais formal para a pesquisa.”16 Em agosto de
1937, quando o sociólogo Louis Wirth da Universidade de Chicago apresentou seu
relatório mimeografado sobre as políticas do Conselho, “interdisciplinar” foi rotulado
como uma palavra da moda interna: “Também pode ser dito que o Conselho se permitiu,
até certo ponto, ficar obcecado por vezes, por frases de efeito e slogans que não foram
suficientemente examinados de forma crítica. Assim, há alguma justificação para dizer
que muito do que se falou em relação à política do Conselho, especialmente nos primeiros
anos, sobre cooperação e investigação interdisciplinar se revelou uma ilusão.”17 Na sexta-
feira, 1.o de dezembro de 1939, no prédio de Pesquisa em Ciências Sociais da

13
Social Science Research Council, Sexto Relatório Anual, 1929-1930, p. 18. Foi-me comunicado pela
primeira vez em uma carta de David L. Sills, Associado Executivo, SSRC, 7 de outubro de 1985, e citado
por ele em “Uma nota sobre a origem de ‘Interdisciplinar’”. Items 40 (março de 1986), 18. (Na conferência
Brookings de 1931 sobre pesquisa cooperativa, Robert S. Lynd, o Secretário Permanente do SSRC, falou
duas vezes de “cooperação no cruzamento de disciplinas” [Pesquisa Cooperativa, p. 12].) Agradeço ao Dr.
Sills pelo seu interesse em minha investigação original (carta de R. Frank para D. Sills, 10 de julho de 1985)
e por sua gentileza em compartilhar comigo material dos arquivos do SSRC.
14
Em Inglês: interdisciplinary, sufixo -ary (N. do T.).
15
American Journal of Sociology 39 (julho de 1933), p. 106; também 40 (julho de 1934), p. 108. Avisos
do SSRC antes de 1933 não trazem “interdisciplinaridade” e parecem mais precisos: “O objetivo principal
da oferta dessas bolsas continua a ser o desenvolvimento de investigadores mais adequadamente treinados
para a pesquisa...” (AJS 38 [julho de 1932 ], p. 118.)
16
Journal of Educational Sociology 2 (dezembro de 1937), p. 251. O mesmo anúncio apareceu no American
Journal of Sociology 41 (Setembro de 1935), 239 e 42 (julho de 1936), p. 104.
17
Social Science Research Council. “Report on the History, Activities and Policies of the Social Science
Research Council. Preparado para o Committee on Review of Council Policy.” p. 145. Citado por Sills, “A
Note…” p. 18.
Universidade de Chicago, em uma sessão intitulada “As Ciências Sociais: Uma ou
Muitas”, Robert T. Crane, representando o SSRC, falou de maneira semelhante sobre os
velhos tempos: “O Social Science Research Council tem falado menos, nos últimos anos,
sobre a integração das ciências, sobre fertilização cruzada e sobre uma abordagem
multidisciplinar ou interdisciplinar dos problemas.”18 Mark May, representando o
Instituto de Relações Humanas de Yale, lembrou como “o Social Science Research
Council, vendo a grande necessidade de integração, tentou enfatizar as formas
interdisciplinares de pesquisa, bem como o treinamento interdisciplinar em seu programa
de bolsas. ... Lembro-me, claramente, de haver comparecido às reuniões do Conselho, em
que a frase “fertilização cruzada” foi trocada por “esterilização cruzada” com a óbvia
intenção de desacreditar as atividades interdisciplinares.”19

O American Council of Learned Societies, fundado em 1919, ficou sem a palavra


por duas décadas. Na primavera de 1940, entretanto, o Conselho patrocinou uma
conferência em Washington, D.C., sobre “Os Aspectos Interdisciplinares dos Estudos do
Negro”.20 A relativa novidade de frases como “cooperação interdisciplinar”, “fertilização
cruzada interdisciplinar”, “caráter inter-disciplinar” e “natureza inter-disciplinar”, no
âmbito do ACLS, pode ser refletida na oscilação do editor do texto entre as formas
hifenizadas e não hifenizadas. No Relatório da Comissão de Humanidades do ACLS de
1964, apenas três sociedades, além do próprio índice, ostentam o termo “relacionamentos
interdisciplinares”. Mas qualquer timidez residual desaparece no Relatório do ACLS de
1985 para o Congresso dos Estados Unidos sobre o Estado das Humanidades, no qual
todas as vinte e oito sociedades constituintes reconhecem abertamente suas intenções
interdisciplinares e seu desejo de transcender perímetros disciplinares, derreter limites,
preencher lacunas , e escapar de confinamentos estreitos. A Bibliographical Society of
America, por exemplo, expressa sua disposição de entrar em “parcerias interdisciplinares”
e receber financiamento para “programas interdisciplinares” e “conferências
interdisciplinares”. A Medieval Academy of America menciona suas inclinações
interdisciplinares seis vezes em umas poucas páginas; enquanto isso, a Sociedade
Americana de Estudos do Século XVIII, um pouco à frente com doze menções, observa

18
Louis Wirth, ed., Eleven Twenty-Six: A Decade of Social Science Research (Chicago. 1940), p. 122.
19
Eleven Twenty-Six. p. 133.
20
Conf. ACLS Bulletin 32. Setembro de 1941.
sugestivamente “que os próprios Estados Unidos da América são uma das grandes
realizações interdisciplinares do século XVIII”.

Em meados do século, “interdisciplinar” era moeda corrente nas ciências sociais.


Já em 1951, um editorial da revista Human Organization, comentando um ensaio nessa
edição intitulado “Armadilhas na Organização de Pesquisa Interdisciplinar”, queixava-se
de que “a moda atual torna quase obrigatório o destaque dos aspectos interdisciplinares
do projeto”21. Numerosos manuais práticos e artigos, escritos por e para cientistas sociais,
começaram a aparecer, culminando com o livro Interdisciplinary Team Research:
Methods and Problems de Margaret B. Luszki (Washington: National Training
Laboratories, 1958)22. No final dos anos 50, a ideia parecia até ultrapassada: “Dez anos
atrás, a pesquisa interdisciplinar estava muito em voga”23. O adjetivo alcançou os círculos
de ciência política na França em 1959 (“o que chamamos no jargão comum de trabalho
‘interdisciplinar’”)24; o substantivo chegou uma década depois, bem a tempo de aparecer
num estandarte de Marianne, nas barricadas de maio de 1968 (“pluridisciplinaridade e
interdisciplinaridade: dois termos bárbaros, ainda que atuais”)25.

No decorrer dos anos 1960, “interdisciplinar” mudou de uma série de ocorrências


amplamente dispersas para uma espécie de clima. Uma conferência internacional
realizada em Nice em 1969, sob os auspícios da OCDE, produziu o primeiro de muitos
guias que nos anos 70 nos ensinaram a saborear as diferenças sutis entre interdisciplinar,
metadisciplinar, extradisciplinar, multidisciplinar, pluridisciplinar, cruzamento
disciplinar, transdisciplinar, não disciplinar, adisciplinar, polidisciplinar e discriminar
conscientemente entre as sete marcas de interdisciplinaridade (teleológica, normativa,
objetiva, orientada para o assunto, orientada para o problema, teoria de campo e teoria

21
10 (Inverno de 1951), p. 3.
22
Por exemplo, Dorothy S. Thomas, “Experiences in Interdisciplinary Research.” American Sociological
Review 17 (1952), pp. 663-69; R. Richard Wohl, “Some Observations on the Social Organization of
Interdisciplinary Social Science Research,” Social Forces 23 (1955), pp. 374-90. A produção de tais guias
continuous ao longo dos anos 1960: ver Interdisciplinary Relationships in the Social Sciences, eds. Muzafer
Sherif and Carolyn W. Sherif (Chicago, 1969).
23
Elizabeth Bott, Family and Social Network: Roles, Norms and External Relationships in Ordinary Urban
Families (Londres, 1957). II, p. 3. No entanto, o conceito parecia novo novamente para os autores dos anos
60: “A redação deste livro ... representa fundamentalmente um exercício no que agora é chamado de
‘pesquisa interdisciplinar’”. (Ben B. Seligman, Most Notorious Victory [New York. 1966], p. XI).
24
Pierre Gilbert. Dictionnaire des mots nouveaux (Paris, 1971), p. 277. Também Organization for
Economic Co-operation and Development, Interdisciplinary Cooperation in Technical and Economic
Agricultural Research (Paris, 1961).
25
Le Figaro, 8 de setembro de 1970.
geral dos sistemas).26 Na década de 1970, os designers de interiores estavam entre os
interdisciplinaristas mais fervorosos. A edição de agosto de 1975 da Designer ensina aos
assinantes que “Há uma grande lacuna entre equipes multi-disciplinares e equipes inter-
disciplinares. Aplica-se multi-disciplinar quando várias disciplinas fornecem seus pontos
de vista com interação cooperativa mínima. A interdisciplinaridade requer coordenação
entre as disciplinas e síntese de material por meio de um conceito de organização de nível
superior”27. Os educadores definiram “interdisciplinar” com seu talento usual: “A
pesquisa (ou atividade) interdisciplinar requer a interação cotidiana entre pessoas de
diferentes disciplinas ... e o intercâmbio em um modo interativo de amostras, ideias e
resultados. Naturalmente, isso é muito facilitado pela proximidade física”28.

Os humanistas descobriram aos poucos que suas carreiras também poderiam ser
incrementadas pelo uso de “interdisciplinar”: “Eu acredito que o Inglês deva se tornar
interdisciplinar, mas com cautela e sem ilusões. Na década de 1970, o Inglês deve se
tornar interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar ... Devemos nos tornar
interdisciplinares, antes de tudo, para a autopreservação”29. “Interdisciplinar” fez sua
primeira aparição no Speculum, o jornal da Medieval Academy of America, em 1951,
como parte de um aviso de bolsa do ACLS, o mesmo ano em que um estudo do SSRC
apareceu mostrando que cientistas sociais eram apoiados quatro ou cinco vezes mais
generosamente do que os humanistas30. A palavra não reaparece no Speculum até 1967,
quando a John Hopkins University se orgulha de ter um programa interdisciplinar,
seguido em 1968 pela Ohio State University. No mesmo ano, o novo anuário Viator
anuncia seu interesse em “pesquisa interdisciplinar e intercultural”; em 1970, a University
of Connecticut possui um “programa interdisciplinar”, o University College, de Dublin,

26
Interdisciplinarity: Problems of Teaching and Research in Universities (Paris: OECD/Centre for
Educational Research and Innovation, 1972). Ver também Harry Finestone and Michael F. Shugrue, eds.,
Prospects for the 70s: English Departments and Multidisciplinary Study (New York, 1973); Helmut
Holzhey, ed., Interdisziplinär: Interdisziplinäre Arbeit und Wissenschaftstheorie (Basel, 1974); Geoffrey
Squires, Interdisciplinarity (London, 1975); Joseph J. Kockelmans, ed., Interdisciplinarity and Higher
Education (College Park, 1979).
27
Definição elaborada por Sherry R. Arnstein da Academy for Contemporary Problems. Citado por Edwin
Newman, A Civil Tongue (New York, 1975), p. 157.
28
Rustum Roy. “Interdisciplinary Science on Campus: The Elusive Dream”, in Kockelmans
Interdiscipiinarity, p. 170.
29
Alan M. Hollingsworth, “Beyond Literacy”, ADE Bulletin, n.o 36 (Março de 1973), p. 7. Ver Elizabeth
Bayerl, Interdisciplinary Studies in the Humanities: A Directory (Metuchen, N. J., 1977), cujas 1091
páginas sugerem mais exagero do que autopreservação.
30
Elbridge Sibley, Support for Independent Scholarship and Research (New York: SSRC, 1951); ver
também Abraham Flexner, Funds amd Foundations: Their Policies. Past and Present (New York, 1952).
uma “abordagem interdisciplinar”, e o campo de estudos britânicos um “boletim
informativo interdisciplinar trianual”. Em 1971, a Medieval Academy publicou uma
brochura intitulada Programas medievais interdisciplinares e a formação de alunos: uma
discussão. Em 1972, patrocinou um painel de discussão sobre casamento na Idade Média,
“empregando o método interdisciplinar”31. No ano seguinte, a palavra aparece em um
artigo do Speculum (“A pesquisa abelardiana se tornará cada vez mais interdisciplinar”).
Em 1982, “interdisciplinar” chegou às Memoirs of Fellows of the Academy, um claro sinal
de respeitabilidade: o falecido é elogiado por sua “realização precoce do conceito de
estudos medievais interdisciplinares”, sua criação de um “grupo interdisciplinar” e de
“um centro interdisciplinar”. Os colaboradores de uma pesquisa de 1982, Medieval
Studies in North America: Present, Past and Future, usam “interdisciplinar” frequente e
fervorosamente32. Há tão pouca consciência de imitar as travessuras daqueles que
estiveram pela primeira vez naquela festa federal que um ensaio conclui: “Fora das
humanidades, há uma resistência generalizada à noção de interdisciplinaridade...” Não é
surpreendente que os autores preferissem pertencer a uma interdisciplina em expansão,
como os Estudos Medievais, do que a uma disciplina estabelecida, como os Estudos
Medievais. “Interdisciplinar” às vezes se transforma em um sorriso desencarnado, uma
floating demi-lune33 que vem repousar sobre aquilo que há muito já valorizamos.

Sua silhueta, no entanto, definitivamente engrossou com os anos.


Palavra não muito esbelta, mas de certa forma simples, “interdisciplinar” foi logo
acrescentada com sílabas gordurosas grossas na frente e atrás. Os substantivos, em Inglês,
incluem interdiscipline, interdisciplinarian, interdisciplinarianship, interdisciplinism e
interdisciplinarity (com um plural -ies, como em “previous potential
interdisciplinarities”)34. Um advérbio é percebido: “pessoa que é interdisciplinarmente
ativa”35. Uma vez que já existe um tal verbo “pluridisciplinar” (“campos aplicados sempre

31
A discussão teve lugar no encontro anual da Medieval Academy, em Los Angeles, em 15 de abril 1972,
tendo sido publicada no Viator 4 (1973), pp. 413-501.
32
Eds. Francis G. Gentry and Christopher Kleinhenz (Kalamazoo, Mich.: Medieval Institute Publications).
33
Tampo, prateleira, ou móvel decorativo, cafona, em formato de meia-lua (N. do T.).
34
Wolfram W. Swoboda, “Discipline and Interdisciplinarity: A Historical Perspective”, em Kockelmans,
Interdisciplinarity, p. 82. O arquivo do Oxford Dictionarie contém citação para interdisciplina,
interdisciplinaridade, interdisciplinismo e interdisciplinarismo; a interdisciplinaridade (junto com os outros
substantivos) está incluída no arquivo Merriam-Webster. Esta informação foi gentilmente fornecida por
Freda J. Thornton, Editor Assistente, Shorter Oxford English Dictionary, e Frederick C. Mish. Diretor
Editorial, Merriam-Webster Inc.
35
Robert L. Scott, “Personal and Institutional Problems Encountered in Being Interdisciplinary.” in
Kockelmans, p. 324.
tenderam a ser transdisciplinares e seus [sic] praticantes pluridisciplinados”)36, o
correspondente verbo “interdisciplinar” pode estar ao virar da esquina. Não consegui
encontrar nenhuma citação para “interdisciplinado”, como em “laxantes achocolatados”.
À medida que a palavra engordava, era contida por siglas como IDE (Interdisciplinary
Enquiry, 1965), IDR (Interdisciplinary Research, 1980), IDU (Interdisciplinary Units,
1979), IGPH (Interdisciplinary Graduate Program in the Humanities, 1970), ISC
(Interdisciplinary Studies Context, 1971), IRRPOS (Interdisciplinary Research Relevant
to the Problems of Our Society, 1970), e a entrada mais recente, um título de periódico
projetado para indicar graficamente que a interdisciplinaridade é central para o propósito
dos editores: AVISTA (Association Villard de Honnecourt for the Interdisciplinary Study
of Medieval Technology, Science and Art, 1986)37. Em 1977, “interdisciplinar” apareceu
em O Dicionário do Inglês adoecido38.

O alongamento das sílabas (como em “pseudointerdisciplinaridade”39) tem


andado de mãos dadas com uma extensão de significado. Conceitos diferentes e até
conflitantes agora se apegam à palavra, aumentando vagamente seu significado, sem
limitá-la a qualquer sentido específico. “Interdisciplinar” sempre promete coisa boa. Os
candidatos a bolsas usam a palavra para sugerir a natureza inovadora, solucionadora de
problemas e socialmente comprometida de sua pesquisa (= digna de apoio). Quando
usado pela agência concedente, “desenvolver interesses interdisciplinares” soa tão
natural, tão inevitável, como “vontade de crescer”; mas ainda pode significar “reequipar”,
o sentido básico da Depressão: “A bolsa amplia a competência do acadêmico de uma
forma interdisciplinar, ou dá a esse acadêmico a oportunidade de se retreinar para uma
carreira não acadêmica”40. Algumas ofertas de bolsas parecem mais divertidas: a
Rockefeller Foundation promete que “bolsas serão oferecidas a título de residência para

36
Ibid., p. 325.
37
(IDE) Ideas n.o 1 e Ideas n.o 2 (boletim obtido da University of London, Goldsmiths’ College Curriculum
Laboratory, Dixon Road, n.o 6, New Cross, UK); (IDR) Neil Nelson, “Issues in Funding and Evaluating
Interdisciplinary Research”, Journal of Canadian Studies 15/3 (Outono de 1980), p. 25; (IDU) Roy in
Kockelmans, Interdisciplinarity, pp. 171-2; (IGPH) in Kockelmans Interdisciplinarity, p. VIII; (ISC)
Daniel Bernd, “Prolegomenon to a Definition of Interdisciplinary Studies: The Experience at Governors
State University.”, Boletim ADE, 31 (Novembro de 1971) pp. 8-14; (IRRPOS) National Science
Foundation Factbook, eds. Alvin Renetszky et al. (Orange, N.J., 1970).
38
Kenneth Hudson, The Dictionary of Diseased English (London, 1977), p. 125.
39
G. W. Leckie, Interdisciplinary· Research in the University Setting (University of Manitoba: Centre for
Settlement Studies, 1975), p. 4.
40
Anúncio de bolsa de pós-doutorado para professores da Boston University no Directory of Research
Grants (Phoenix, Ariz ., 1986), n.o 617.
fomentar o trabalho interdisciplinar ...”, o Kellogg National Fellowships, que “os bolsistas
realizarão uma atividade não graduada, interdisciplinar e autodirigida para expandir seus
horizontes pessoais”41. Resulta que “a vida real é interdisciplinar”, que “finalmente, a
vida é interdisciplinar”, que “as questões contemporâneas são interdisciplinares” e que “a
interdisciplinaridade das principais questões sociais da década ― ou do século ― exige
soluções interdisciplinares”42. Somos ensinados que “algumas disciplinas parecem ser
mais interdisciplinares do que outras”, que “se quisermos ter realização interdisciplinar,
devemos ter uma linguagem interdisciplinar”, que “a nova ciência não é ‘interdisciplinar’
no antigo sentido da palavra”, e que os alunos lucram com “cursos que dão uma
introdução interdisciplinar às disciplinas julgadas por estudiosos experientes como
essenciais para a abordagem histórica dos estudos medievais”43. Uma nova publicação
trimestral destinada a ex-alunos generosos e politicamente liberais se descreve como
“uma revista interdisciplinar ... fundada na noção de que material acadêmico altamente
sofisticado pode ser tornado acessível a leitores de todas as disciplinas”44. Outro lado
alerta que “a temática da interdisciplinaridade abre uma perigosa fissura na continuidade
do saber burguês”45. “Interdisciplinar” pode ser um tanto indiscriminado em suas
colocações: “O programa ... é desestruturado e interdisciplinar, mas dirigido e rigoroso”46.
Graças a essa abertura, os revisores não estão mais na posição odiosa de ter que
especificar se um livro é culto, erudito, completo, original ou, inversamente, superficial,
fácil, geral, trivial: o adjetivo para todos os usos mantém os leitores alertas e autores
amigáveis.

Ao contrário de seus rivais mais próximos ― fronteira, interdepartamental,


cooperativo, coordenado ― “interdisciplinar” tem algo para agradar a todos. Sua base,
disciplina, é grisalha e decorosa; seu prefixo, inter, é cabeludo e amigável. Ao contrário

41
Anúncios veiculados em PMLA 100/4 (Setembro de 1985), p. 642 e no Directory of Research Grants,
n.o 2075.
42
Report of the Association of American Colleges 1985; Neil Nelson, “Issues in Funding and Evaluating
Interdisciplinary Research.”, Journal of Canadian Studies 15/3 (Outono de 1980), p. 25; Henry Winthrop,
“Interdisciplinary Studies: Variation in Meaning, Objectives and Accomplishments”, Boletim ADE, n.o 33
(Maio de 1972), p. 29 (reimpresso em Prospects for the 70s, p. 168); Nelson, “Issues in Funding”, p. 25.
43
Carl R. Hausman, “Disciplinarity or Interdisciplinarity?” em Kockelmans, Interdisciplinarity, p. 8; R.
I. Page, Anglo-Saxon Aptitudes (Leitura Inaugural, Cambridge, 1985), p. 25; George Cook, “Renewal
1987”, University of Toronto Alumni Magazine 14 (1987), p. 8; Pontifical Institute of Mediaeval Studies
Syllabus 1979-80 (Toronto.,1979), p. 6.
44
Harvard Graduate Society Newsletter (Verão de 1986), p. 9.
45
Arthur Krober, “Migration from the Disciplines”, Journal of Canadian Studies 15/3 (Outono de 1980),
p. 7.
46
Medieval Studies in North America, p. 73.
dos campos, com lama, vacas e milho, a Latina disciplina vem envolta em aço inoxidável:
sugere algo rigoroso, agressivo, perigoso de dominar. O inter sugere que o conhecimento
é algo caloroso, que se desenvolve mutuamente e é consultivo. O prefixo não apenas traz
a sensação certa, mas, como um ímã desequilibrado, atrai para si toda a família inter. E a
partir dos anos 20, entre as entrelinhas era onde estava a ação: das relações interpessoais,
intergrupais, inter-religiosas, interétnicas, interraciais, inter-regionais e internacionais à
intertextualidade, as coisas vêm juntas no estado conhecido, como se estivessem
encapsuladas nos maiores problemas que a sociedade enfrenta neste século47.
“Interdisciplinar” combinou a noção de que nada é estático ou fixo, que a descoberta vem
da quebra de algum limite ou barreira convencional, com o desejo de ver as coisas inteiras.
Talvez não seja totalmente coincidência que a citação mais antiga que pude encontrar
para “interdisciplinar” venha do mesmo ano em que Jan Christian Smuts (1870-1950)
cunhou “holístico”, referindo-se à “tendência da natureza de produzir totalidades a partir
do agrupamento ordenado de estruturas unitárias”48. A década de 1920 lançou uma série
de novos termos para interação recíproca dentro de um sistema total. Em 1928, Harold
Joseph Laski (1893-1950) estava reclamando que “em nossos dias, tornou-se moda para
o observador aplicar ao processo social as últimas descobertas da psicologia”49. E a moda
durou. “Interdisciplinar”, agora entrando em sua sétima década, dá poucos sinais de
enfraquecimento. Na verdade, é difícil imaginar passar o resto do século livres disso.

47
Peggy Rosenthal, Words and Values: Some Leading Words (New York e Oxford, 1984). Também David
Lodge, “Where It's At: California Language”, em The State of the Language, eds. Leonard Michaels e
Christopher Rick (Berkeley e Los Angeles, 1980), pp. 503-513; publicado de forma ligeiramente diferente
na revista Encounter magazine sob o título “Where It's At: The Poetry of Psychobabble”.
48
A Supplement to the Oxford English Dictionary, s. v., citando Holism and Evolution (London, 1926), p.
99.
49
“Foundation, Universities, and Research”, p. 295.

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