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É certo ou errado falar assim?

Quem são os puristas?


Por que norma? Por que culta?
Bagno (2003, 2009)

IELP I – Profa. Verena Kewitz


16/03/2015

Superstições linguísticas

 “Os brasileiros falam mal o português, estropiam a


língua de Camões, que só os portugueses sabem falar
direito, porque são os donos da língua”
 “A língua escrita é a forma certa da língua, porque tem
lógica, enquanto a língua falada é caótica e desregrada”
 “Os jovens só usam gíria e têm vocabulário pobre”
etc...

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Citações de autores e da imprensa
“Só índio fala pra mim fazer” (Eduardo Martins, IstoÉ, 1997)
“Não fique nenhuma dúvida, o português do Brasil caminha para a
degradação total” (Marcos de Castro, A imprensa e o caos na ortografia,
1998)
“O fato é que a ausência de perspectiva e a preguiça de leitura se refletem
na vida do usuário brasileiro da língua. Ele comete erros,
impropriedades, idiotismos, solecismos, barbarismos e, principalmente,
barbaridades” (Luís Antonio Giron, Cult, 2002)
“Que língua falamos? A resposta veio das terras lusitanas. Falamos o
caipirês. Sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa. Vale
tudo (...)” (Dad Squarisi, Correio Braziliense, 1996)
“Nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa” (Arnaldo
Niskier, Folha de S.Paulo, 1998)
“Mas quem é o povo? Aquela gente nordestina, magricela, tostada de sol,
que mal sabe falar?” (Ferreira Gullar, Folha de S.Paulo, 2008)
“O uso do gerúndio empobrece o texto. Lembre que não existe gerúndio no
português falado em Portugal” (Época, 1999)

Generalizações
Erro é tratado como: descaso pela língua
corrupção moral da juventude
falta de gosto pela leitura
estrangeirismos
preguiça e/ou incompetência dos professores
modismos da mídia etc.
Norma culta é vista como: elegante
civilizada
correta
Os gramáticos geralmente não definem quem são os falantes
cultos, tomam como já sabido, ou eles mesmos são a verdadeira
autoridade. Assim, o que não está nas gramáticas = erro crasso,
português estropiado, língua de índio ou não existe.

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Língua na visão tradicional
 reduzida à norma culta
 algo estável, homogêneo, um produto acabado, pronto
para ser consumido, ou ainda uma caixa de ferramentas já
testadas e aprovadas
 a gramática (com frases isoladas, descontextualizadas), é
reduzida a um conjunto de regras a serem seguidas (língua
= norma = gramática), ou ainda a um conjunto de palavras
dispostas num dicionário
 a língua é um objeto fora de nós, a que poucos têm acesso,
permite portanto dizer que "Lula maltrata o idioma"

Quem erra?
 O grau do erro é proporcional ao uso de quem está nas classes
mais privilegiadas  o erro menor é cometido pelas classes
cultas; o erro maior está na boca dos pobres.
 Os “erros crassos” só são “crassos” quando cometidos pelos
outros: aqueles que não pertencem à classe privilegiada.
 “Dúvida pertinente: até quando será considerado politicamente
correto ignorar que o presidente eleito do Brasil comete crassos
e constantes erros de português? (...) daqui a pouco será preciso
rever os currículos das escolas do ensino básico, a fim de
adaptar as lições sobre plural e concordância ao idioma que as
crianças ouvem o presidente falar na televisão” (Dora Kramer,
Jornal do Brasil, 2002)

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Exemplos
(1) Havia receio entre os petistas reunidos sábado passado (...)
com a possibilidade de vir a público gravações resultantes
de grampos em telefones de altas figuras do partido (Dora
Krammer, Jornal do Brasil, 2002)
(2) Não importa as sucessivas decisões judiciais favoráveis ao
pagamento (Correio Braziliense, 2001)
(3) Falta ao governo FH decisões corajosas e firmes,
principalmente contra os partidos que o apóiam” (O Estado
de S.Paulo, 1995)
(4) Basta 10 a 15 minutos de aplicação diária que, em poucos
dias, você elimina aquela gordurinha localizada... (Folha de
S.Paulo, 1996)

Exemplos
(1) “Seixas custou a conter-se” (José de Alencar, séc.XIX)  “não
se usa o verbo custar em construções pessoais”
(2) “a cabeça de Rubião meia inclinada” (Machado de Assis, 1891)
(3) “(...) transpõe-se poucas centenas de metros entre casas
deprimidas” (Euclides da Cunha, 1902)  “transpõem-se
(centenas)...”
(4) “tinha uma pedra no meio do caminho” (Drummond, 1925) 
“haver e não ter”
(5) “para nós, há trinta anos atrás, ...” (Antonio Candido, 1967,
prefácio ao livro Raízes do Brasil, de S.B.de Holanda) 
redundância: há – atrás

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Pronominais
Dê-me um cigarro
diz a gramática
do professor e do aluno
e do mulato sabido
mas o bom branco e o bom negro
da nação brasileira
dizem todos os dias
– deixa disso camarada
me dá um cigarro

(Oswald de Andrade. Poesias reunidas. São Paulo:


Difusão Européia do Livro, 1966: 102.)

Que fique bem claro...


Ninguém disse que não se deve ensinar a norma
culta nas escolas. O que se propõe é que as formas
não normativas – há muito tempo incorporadas na
atividade linguística no Brasil, inclusive dos mais
letrados e de grandes escritores – sejam consideradas
igualmente válidas, sem a patrulha dos consultórios
gramaticais ou de quem quer que seja. Somos todos
falantes da nossa língua materna.

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NORMA CULTA

SUBJETIVA OBJETIVA
Prescritiva Descritiva
Língua prescrita nas GNs Atividade linguística dos falantes cultos c/
inspiradas na literatura escolaridade superior completa e vivência
clássica urbana
Preconceito (sem Conceito (com base em investigações
fundamentação na realidade empíricas sobre a língua, relacionadas a
social) fatores sociais)
Doutrinária (não admite Científica (a partir de hipóteses, teorias e
contestação) dados reais de uso)
Homogênea Heterogêna
Elitista Socialmente variável
Presa à escrita literária Manifesta-se na fala e na escrita
Venerada como verdade Sujeita a trasnformações ao longo do tempo
eterna e imutável

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Norma culta objetiva / normal
 Projeto NURC – Norma Urbana Culta
 Anos 60/70: coleta de dados de falantes com
escolaridade superior completa, residentes em áreas
urbanas
 São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Porto
Alegre
 Inquéritos orais: Diálogo entre Dois Informantes
(D2), Diálogo entre Informante e Documentodor
(DID) e Elocução Formal (EF)

Projetos coletivos de investigação científica


 PEUL (RJ) – Usos linguísticos a partir de gravações
com pessoas de diversos níveis socioeconômicos e
de escolarização
 Varsul – Variação linguística na Região Sul do
Brasil
 PGPF – Projeto da Gramática do Português Falado
(diversos pesquisadores brasileiros, coord. pelo Prof.
Ataliba T. de Castilho)

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Ensaios do PGPC
 8 volumes de ensaios, divididos em grupos de
trabalho: fonética/fonologia, morfologia,
sintaxe gerativa e sintaxe funcional, texto

Gramática do Português Culto Falado no Brasil


 Descrição dos dados de fala do PB culto por
pesquisadores formalistas e funcionalistas;
convivência dos contrários na reflexão linguística;
processamento do discurso e conhecimento sintático:
ponto de convergência.

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Gramáticas

 Neves (2000): a 1ª.


baseada em dados
reais de uso da LE:
contos, crônicas,
notícias e artigos de
jorais, peças teatrais
etc.

Gramáticas
 Castilho (2010): dedicada ao PB;
não é uma gramática-lista;
identificação dos processos
criativos da linguagem; começa
pelo texto e só depois é que vai à
sintaxe, à morfologia etc.; é uma
gramática de exposição e
indagações, um diálogo com o leitor
e um convite à pesquisa, à reflexão
sobre a própria língua do leitor.

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Separando o joio do trigo....
 Norma culta dos prescritivistas – Gramática
Normativa ou Tradicional (GN/GT) – modelo de
língua ideal.
 Norma culta dos pesquisadores – língua que de fato
se usa, na fala e na escrita, estabelecida a partir de
critérios científicos.
 Norma popular – basicamente falada (mas também
escrita) por pessoas da zona rural ou urbana, com
baixa ou nenhuma escolarização, geralmente das
classes mais baixas.

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