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Aspectos Neuropsicopedagógicos da Aquisição e Aprendizagem de Línguas

Article · August 2018

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Rubens Pereira
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ASPECTOS NEUROPSICOPEDAGÓGICOS DA AQUISIÇÃO
E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

Rubens Pereira dos Santos1


Orientador: Alício Schiestel
Resumo

Nos últimos anos, as pesquisas no campo neurocientífico têm avançado


significativamente, conforme evoluem exames com neuroimagens, a partir de
tomografias e ressonância magnética. As contribuições das neurociências nas
diversas áreas do conhecimento humano têm sido enormes. Este artigo propõe um
sucinto estudo acerca de alguns dos aspectos neuropsicopedagógicos que permeiam
os processos de aquisição e aprendizagem de línguas. Diante dos desafios de ensinar
e aprender uma nova língua, saberes neurocientíficos se apresentam, não como
ferramentas alternativas, mas essenciais a serem somadas às práticas pedagógicas
e psicopedagógicas já testadas e implementadas nas últimas décadas no ensino de
idiomas. É foco deste estudo entender alguns processos neurobiológicos ligados à
aquisição e aprendizagem de línguas. Além da neurobiologia da linguagem,
propomos uma breve investigação acerca de fatores tais como desenvolvimento
neuronal, interação com o meio, estímulos, mielinização, emoção e suas implicações
no sucesso ou insucesso da aquisição ou aprendizagem de uma língua. É ainda
objetivo deste, contribuir para “o despertar” de novas práticas no professor de línguas
estrangeiras, práticas estas que estejam voltadas para um ensino calcado em noções
de como o cérebro aprende.

Palavras-Chave: Neuropsicopedagogia. Neurodidática. Aquisição. Aprendizagem.


Linguagem. Língua Estrangeira.

INTRODUÇÃO
Conforme avançam as pesquisas e estudos no campo das neurociências, bem
como conceitos de processamentos mentais ligados à capacidade cognitiva humana,
um número cada vez maior de educadores têm se dedicado a investigar quais são e
como funcionam certas áreas cerebrais ligadas à aprendizagem e a aplicabilidade
pedagógica de tais fundamentos.
Portanto, a pedagogia que antes já dialogava com conhecimentos oriundos da
psicologia, faz-se agora valer de saberes das neurociências. Sendo assim, a
1 Graduado em Letras – Inglês (UEPG). E-mail: rubens_ps@hotmail.com
Orientador: Alício Schiestel. E-mail: alicioetu@gmail.com
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“Neurodidática”, termo proposto em 1988 por Gerhard Preiss, professor de


matemática da Universidade de Freiburg na Alemanha, e mais tarde, nos anos 1990,
adaptado por Gerhard Friedrich, se apresenta como a ciência que “procura configurar
o aprendizado da melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender”.
Desta forma, este estudo pretende investigar como se processa a linguagem
no cérebro e quais são alguns dos fatores que influenciam o sucesso da aprendizagem
de um idioma. Estamos diante de uma das habilidades humanas mais complexas e
incríveis: a capacidade de adquirir uma ou mais línguas e se comunicar através dela
ou delas.
A referência a aspectos neuropsicopedagógicos do processo de aquisição e
aprendizagem de línguas quer dizer que lançaremos luz a conhecimentos da
neurociência para ampliar o repertório de embasamento científico relacionado à
linguagem, levando-se em conta principalmente as peculiaridades de como o cérebro
aprende e questões neuronais que influenciam no aprendizado do idioma.
Tais aspectos aqui abordados, ainda que de forma sumária e por vezes sucinta,
poderão levar o professor de língua estrangeira a aperfeiçoar a prática em sala de
aula, adaptando-se ao novo formato de ensinar tendo como base o cérebro humano
e suas particularidades, que torna cada aprendiz único. Ao entender como se
processam as atividades cognitivas no cérebro, o educador poderá intervir de forma
mais assertiva no processo ensino-aprendizagem, norteado pelo axioma de que
“ensinar é uma prática coletiva, mas aprender é um ato individual.”

LINGUAGEM

Segundo Rita Carter at al (2012, p. 140), “indicamos nossas intenções uns para
com os outros de várias maneiras.” Por exemplo, podemos nos valer de gestos e de
linguagem corporal para transmitir mensagens variadas e em enorme quantidade.
Outros animais se comunicam através de mecanismos parecidos com os humanos,
exceto por meio de palavras escritas ou faladas. “Apenas o cérebro humano possui
áreas dedicadas à linguagem.” (CARTER at al, 2012, p. 140).
Conforme afirma Lent (2010, p. 680), “todos os animais se comunicam, mas só
o homem fala e escreve”. A aptidão humana para a linguagem se origina em um ou

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mais genes, sendo, portanto, inata. Já nos primeiros meses de vida pós-natal, o
processo de aquisição da linguagem se desenvolve na maioria dos seres humanos.
Vale ressaltar a distinção entre o processo de aquisição de uma língua e a
aprendizagem de uma segunda língua.
Para Krashen (1982), o processo de aquisição é subconsciente. Trata-se do
processo de assimilação natural, intuitivo, fruto de interação em situações reais de
convívio humano em ambientes da língua e da cultura de maneira ativa. Nós
geralmente não estamos conscientes das regras linguísticas do idioma que
adquirimos. É comum nos referirmos à aquisição de linguagem como sendo nossa
língua materna, a chamada L1 (primeira língua). Normalmente, trata-se da língua que
aprendemos desde bebês, em casa e na comunidade da qual fazemos parte.
Em alguns casos em que pais falam mais de um idioma em casa e com o bebê,
o processo de aquisição de mais de uma língua pode ocorrer simultaneamente de
maneira natural. Estudos realizados por Patricia Kuhl e sua equipe, do Instituto do
Cérebro e Ciências da Aprendizagem da Universidade de Washington, indicaram que
bebês, antes de completarem um ano, conseguem fazer distinção entre todos os sons
de todas as línguas, e que aprendem a analisar as estatísticas dos sons de cada
idioma, o que os torna capazes de distinguir e, consequentemente, adquirir uma ou
mais línguas simultaneamente.
Já o processo de aprendizagem ocorre de forma consciente, uma vez que
tomamos ciência de que estamos diante de um processo formal de conhecimento da
língua enquanto seu conjunto de regras gramaticais e lexicais. Referimos-nos à
linguagem aprendida como sendo L2 (segunda língua).

A NEUROBIOLOGIA DA LINGUAGEM
Antes de falarmos das bases neurobiológicas da linguagem, vale descrever
áreas da linguagem de acordo com suas funções. Podemos dividir tais áreas
funcionais conforme sua localização nos hemisférios cerebrais direito ou esquerdo:
HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO
Articulação da fala Reconhecimento do tom
Compreensão da fala Ritmo, ênfase e entonação
Reconhecimento da palavra Reconhecimento do orador
Reconhecimento gestual
Fonte: Adaptado de Carter at al (2012, p. 144)

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Conforme vemos, “as três principais áreas da linguagem encontram-se do lado


esquerdo do cérebro. Isso vale para a grande maioria das pessoas, embora alguns
poucos tenham essa função distribuída nos dois lados do cérebro e poucos as tenham
apenas no direito.” (CARTER at al, 2012, p. 144).
Em se tratando das bases neurobiológicas e neuroanatômicas, de acordo com
Carter at al (2012, p. 146, grifo meu):
[...] o processo de linguagem ocorre principalmente nas áreas de Broca e de
Wernicke. De maneira geral, as palavras são entendidas na área de
Wernicke e articuladas pela de Broca. Um conjunto de fibras de tecido
nervoso (fascículo arqueado) conecta essas duas áreas. A área de
Wernicke ainda é cercada por outra, conhecida como Geschwind. Quando
alguém ouve palavras faladas, essa área faz a correspondência entre os sons
e os sentidos e acredita-se que neurônios especiais nela situados ajudam a
produzir a compreensão total, combinando as várias propriedades das
palavras (som, visão e sentido).
Em suma, conforme Lent (2010, p. 697):
[...] A área de Broca contém os programas motores da fala, ou seja, memórias
dos movimentos necessários para expressar os fonemas, compô-los em
palavras, e estas, em frases. [...] A área de Wernicke, então, faria a
identificação das palavras como símbolos linguísticos [...]

Figura 1 – Áreas da Broca e Wernicke conectadas pelo fascículo arqueado


Fonte: Adaptado de https://www.psicoactiva.com/blog/area-broca-localizacion-funcion/

Além de áreas responsáveis pela compreensão e emissão da linguagem, áreas


do lobo temporal, responsável pela audição e occipital, responsável pelo
processamento visual, também estão envolvidas quando ouvimos passivamente ou
lemos as palavras.

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Figura 2 – Imagens tomográficas indicando atividades neuronais em áreas funcionais do cérebro


Fonte: Adaptado de Lent (2010, p. 685)

DESENVOLVIMENTO CEREBRAL E LINGUAGEM


Conforme vimos até aqui, somos dotados de um sistema neurobiológico que nos
torna capazes de adquirir ou aprender uma ou mais línguas, privilégio único da nossa
espécie. O desenvolvimento e o funcionamento deste sistema é algo bastante complexo,
envolvendo entender processos a partir dos primeiros anos de vida pós-natal, período
marcado por muitas transformações neuronais.
Segundo Suzana Herculano Houzel (2015), “a infância compreende o período de
zero a dez anos de idade.” Esse período caracteriza-se principalmente pelo crescimento
neuronal exponencial, mielinização de estruturas cerebrais e desenvolvimento de padrões
de respostas que ocorrem através das experiências com o meio em que vivem.

CRESCIMENTO NEURONAL, APRENDIZAGEM E LINGUAGEM

De acordo com Lent (2010, p. 20), “o sistema nervoso central humano tem
quase cem bilhões de neurônios”. Os primeiros anos de vida são marcados por um
desenvolvimento neuronal de imensa projeção. “Durante o desenvolvimento ocorre
um aumento progressivo das conexões entre as células nervosas, formando circuitos
cada vez mais intrincados.” (COSENZA e GUERRA, 2014).
Um conceito neurocientífico que nos leva a entender como ocorre o
desenvolvimento neuronal é a neuroplasticidade. Segundo Lent (2010, p.148, grifo
meu), plasticidade cerebral “significa que os neurônios podem modificar, de modo
permanente ou pelo menos prolongado, a sua função e a sua forma, em resposta a
ações do ambiente externo. A plasticidade é maior durante o desenvolvimento, e
declina gradativamente, sem se extinguir, na vida adulta.”

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“A interação com o ambiente é importante porque é ela que confirmará ou


induzirá a formação de conexões nervosas e, portanto, a aprendizagem ou o
aparecimento de novos comportamentos que delas decorrem.” (COSENZA e GUERRA,
2014, grifo meu).
A infância é marcada por uma crescente ampliação das redes neuronais,
conforme as experiências são vivenciadas pelo indivíduo em sua interação com o
meio. Portanto, a infância é um momento bastante oportuno para o aprendizado de
um ou mais idiomas, conforme vemos em Carter at al (2012, p. 147):
[...] Ser fluente em dois idiomas desde a infância aperfeiçoa habilidades
cognitivas e pode proteger contra demência e outras deficiências do
envelhecimento. Falar uma segunda língua cria conexões entre os neurônios.
Estudos mostram que adultos bilíngues têm a substância cinzenta mais
densa, especialmente no córtex frontal inferior do hemisfério esquerdo, onde
a maior parte dos atributos de comunicação e linguagem é controlada. O
aumento na densidade é mais pronunciado nos que aprenderam uma
segunda língua antes dos cinco anos.

MIELINIZAÇÃO DE ESTRUTURAS CEREBRAIS, APRENDIZAGEM E LINGUAGEM


Conforme estabelecemos contato com o meio e interagimos com ele, um
número cada vez maior de conexões vai sendo consolidado. Além disso, marcos no
desenvolvimento vão sendo estabelecidos. “Esses marcos do desenvolvimento são
etapas cumpridas regularmente pelo amadurecimento progressivo das conexões que
se fazem entre os neurônios e também pela mielinização das fibras nervosas
envolvidas na sua execução.” (CONSENZA e GUERRA, 2014, grifo meu)
A bainha de mielina é um invólucro espiral ao redor de determinados axônios,
constituída por lipídios ou gorduras, que ajuda a acelerar e a isolar os impulsos
nervosos que eles transportam através de condução saltatória.
“O processo de mielinização determina a finalização do desenvolvimento neuronal,
momento em que ocorrerá a eliminação seletiva de neurônios, axônios e sinapses
excedentes”. (LENT, 2010, p. 34)
Conforme HOUZEL (2013, grifo meu):
[...] um estudo recente, que mediu por ressonância magnética um indicador
da espessura dos axônios e da formação da mielina no cérebro de crianças
e jovens de idades entre 8 e 18 anos, observou que esse indicador aumenta
com a idade. E mais ainda: o aumento da mielinização no lobo frontal,
responsável pelas habilidades cognitivas, acontece simultaneamente à

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melhora da memória de trabalho, e no lobo temporal, que abriga a


capacidade de compreensão da linguagem [...].

Figura 3 – Estrutura básica de uma célula neuronal. A bainha de mielina recobre o axônio
Portanto, áreas especializadas da linguagem vão sendo mielinizadas conforme
passam por maturação neurobiológica. Sendo assim, uma língua é aprendida com
bastante facilidade e quase sem ou sem nenhum prejuízo na pronúncia e sotaque antes
da puberdade. (Seliger, Krashen e Ladefoged, 1975). Isso não significa dizer que o adulto
não consegue aprender um idioma, mas normalmente o faz com esforço maior do que a
criança no tocante à expressão fonética e gramatical semelhante às do falante nativo.

EXPERIÊNCIAS E INTERAÇÃO COM O MEIO, APRENDIZAGEM E LINGUAGEM

O desenvolvimento das áreas ligadas à linguagem depende não só da formação


biológica das estruturas cerebrais, mas da interação com outros humanos.
São vários os casos encontrados relatados na literatura da psicologia, onde
crianças negligenciadas por seus responsáveis ou criadas por animais, chamadas de
crianças selvagens, tiveram comprometimento do desenvolvimento da linguagem humana
– a fala, uma vez que não foram estimuladas no período desejável, períodos estes
conhecidos como “janela de oportunidades” das inteligências múltiplas, especificamente,
linguística ou verbal. (ANTUNES, 1998)
A hipótese do período crítico, embora bastante controversa, nos leva a entender
que o cérebro passa por um refinamento das habilidades sociais e comunicativas.
Conforme avançamos em idade biológica, ocorre uma natural maturação e otimização de
áreas cerebrais. Podas neurais, desbastamento sináptico ou retração neuronal podem
ocorrer em redes ou ligações não utilizadas. Conforme Cosenza e Guerra (2014):
[...] Experiências feitas com animais mostraram que, quando se retira a
estimulação necessária para o desenvolvimento de determinadas
capacidades, elas simplesmente não se desenvolvem, ou se desenvolvem de
forma inadequada. Isso levou ao conceito de períodos “críticos” ou

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“receptivos” do desenvolvimento e desencadeou o receio de que, em nossa


espécie, também existam períodos que, se não aproveitados, levariam a
perdas irreversíveis. Embora existam, realmente, períodos em que
determinadas aprendizagens ocorram de forma ideal, tudo indica que uma
eventual perda de oportunidade nesses períodos sensíveis pode ser corrigida
no futuro, embora somente ao custo de esforços muito maiores. O
aprendizado de uma segunda língua, por exemplo, é feito com perfeição nos
primeiros anos de vida, enquanto uma aprendizagem posterior geralmente
não pode evitar a presença de um sotaque evidente. Contudo, mesmo isso
pode, em certos casos, ser corrigido, mas acarreta um grande esforço
adicional.
Falar de como o desenvolvimento neuronal, das janelas de oportunidade e da
plasticidade cerebral ocorrem de maneira propícia para a aquisição ou aprendizagem de
uma ou mais línguas nos primeiros anos de vida, não implica em dizer que o adulto não
aprende tão bem quanto à criança. Conforme ROBERTS (2015):
[...] há evidências que sugerem que os adultos podem aprender novas línguas
mais facilmente que as crianças. Existem apenas duas áreas onde as
crianças podem ser superiores aos adultos quando se trata de aprendizagem
de línguas. A primeira parece ser sua capacidade de adquirir um sotaque
nativo. É claro que, em alguns casos, adultos são capazes de alcançar
fluência semelhante à nativa também. Mas mesmo que um adulto estudante
de línguas tenha mais probabilidade de falar com sotaque, não há motivo para
ser excessivamente pessimista, contanto que isso não interfira na
inteligibilidade. A outra vantagem das crianças sobre os adultos é que elas
não têm ansiedade para aprender idiomas. Em outras palavras, porque as
crianças não são sobrecarregadas pela crença de que não podem aprender
uma língua, elas estão livres de tais pensamentos autodestrutivos.

A EMOÇÃO, APRENDIZAGEM E A LINGUAGEM

As emoções também têm sua importância para a aprendizagem em geral e de


línguas, uma vez que está intimamente ligada à cognição e a formação de memórias.
Conforme Sena (2015):
[...] A emoção também é de interesse da neuroeducação, pois este é fator
modulador da memória e da aprendizagem: as emoções ou os sentimentos
evocados na aprendizagem podem tornar qualquer aprendizado
inesquecível, facilitando e aperfeiçoando o aprendizado; [...] A emoção
também pode bloquear a memória.

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Em se tratando das bases neurobiológicas da emoção e memória, podemos


destacar a amígdala, o hipocampo e o circuito de recompensa do cérebro.
“Nos seres humanos, a amígdala cortical (do grego, significando “amêndoa”) é
um feixe, em forma de amêndoa, de estruturas interligadas, situado acima do tronco
cerebral, perto da parte inferior do anel límbico.” (GOLEMAN, 2011)
Ainda de acordo com Goleman (2011, grifo meu), a amígdala e o hipocampo
“são responsáveis por grande parte da aprendizagem e da memória do cérebro; a
amígdala cortical é especialista em questões emocionais.”
Segundo Carter at al (2012, p. 126, grifo meu):
[…] As informações do ambiente e do restante do corpo são constantemente
“experimentadas” em busca de conteúdo emocional. O principal sensor é a
amígdala, muito sensível à ameaça e à perda. Ela capta as informações
diretamente dos órgãos dos sentidos, pelos córtices sensoriais, e se conecta
ao córtex e ao hipotálamo, criando um circuito. Quando a amígdala é ativada,
envia sinais por esse sistema. Estes deflagram mudanças corporais à medida
que passam pelo hipotálamo e criam o reconhecimento consciente da
emoção ao percorrerem o lobo frontal. Sensações positivas são transmitidas
por um circuito à parte, que atinge a área do tronco encefálico produtora de
dopamina, melhorando o humor.
Assim sendo, quanto mais emoções positivas no ambiente de ensino,
mais chances se têm de criar condições favoráveis para o sucesso na aprendizagem
a posteriori.
Conforme Chaves at al (2017, grifo meu):
[...] Estudos de imagens cerebrais afirmam que o humor e situações
agradáveis estimulam o circuito de recompensa do cérebro e as taxas do
neurotransmissor dopamina se elevam. Esse neurotransmissor, por sua vez,
garante melhor atenção e captação de informação. Captando melhor o que o
ambiente traz, o indivíduo estaria mais capacitado a fazer melhores
associações e, portanto, construir melhores conexões de aprendizagem.

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Figura 4 e 5 – Localização da amígdala e do circuito de recompensa


Fonte: Adaptado de Cosenza e Guerra (2014)
Segundo a hipótese do filtro afetivo de Krashen (1982), algumas "variáveis
afetivas" desempenham um papel facilitador na aquisição ou aprendizagem da
segunda língua. Essas variáveis incluem: motivação, autoconfiança (ou
autoestima) e ansiedade.
Para Krashen, alunos com alta motivação, autoconfiança, auto-imagem positiva
(autoestima elevada) e baixo nível de ansiedade estão em melhores condições para
o sucesso na aquisição e aprendizagem da segunda língua. Baixa motivação, baixa
autoestima e ansiedade combinados fazem com que ocorra uma elevação do filtro
afetivo, formando um "bloqueio mental" que irá impedir que o input (informação
passível de ser compreendida) seja usada para aquisição ou aprendizagem. Em
suma, se o filtro estiver ativo, impedirá a aquisição/aprendizagem da língua.
Por outro lado, o afeto positivo é necessário para que a aquisição ou a
aprendizagem aconteça, ainda que não suficiente por conta própria, uma vez que
depende de outros fatores já descritos neste estudo.
Para Cosenza e Guerra (2014):
[...] é preciso lembrar que, por outro lado, as emoções podem ser prejudiciais,
pois a ansiedade e o estresse prolongados têm um efeito contrário na
aprendizagem. A própria atenção pode ser prejudicada por eles, sendo que,
em situações estressantes, os hormônios glicocorticoides secretados pela
suprarrenal atuam nos neurônios do hipocampo, chegando a destruí-los.
Podemos perceber que circuitos neuronais ligados à emoção, atenção e
motivação desempenham um papel fundamental na aprendizagem, cognição e
memória. Ambientes de ensino que não privilegiam o bem-estar, a descontração, o
lúdico tendem a se tornar obstáculos para a aprendizagem bem-sucedida, porquanto
fazem com que importantes áreas cognitivas do cérebro sejam comprometidas e,
consequentemente, não transformem inputs em memórias de longo prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propôs a entender, de maneira sucinta, como ocorre a aquisição


e aprendizagem da linguagem a partir de um viés neuropsicopedagógico. Portanto,
objetivou-se compreender sumariamente a linguagem humana através de conceitos
neurocientíficos, psicológicos e pedagógicos.

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Ao exploramos as bases neurobiológicas da linguagem, procuramos mostrar a


importância da identificação de áreas e circuitos envolvidos no funcionamento
neurolinguístico para que possamos embasar o ensino a partir da compreensão de
como este complexo mecanismo trabalha de forma harmoniosa, em resposta a
estímulos do meio.
Percebemos que o sistema nervoso central (SNC) possui áreas especializadas
na aquisição e aprendizagem de uma língua. Foi também objetivo deste estudo
compreender como o desenvolvimento neuronal ocorre e aperfeiçoa tais áreas.
Entendemos que a maturação de circuitos responsáveis pela linguagem acontece
conforme avançamos em idade, sendo a infância o período exponencial do
crescimento neuronal, criando condições muito propícias para a aquisição e o
aprendizado de uma ou mais línguas.
Conceitos como a neuroplasticidade e mielinização, explorados neste estudo,
indicaram que adultos podem aprender idiomas tão bem quanto à criança, fazendo-
se ressalva com relação à interferência no campo fonético e gramatical, uma vez que
estruturas da L1 já estão consolidadas e competem agora com a L2 .
Podemos também concluir que, além das bases cognitivas e neurobiológicas
da linguagem e de conceitos de plasticidade do cérebro, o sucesso do
desenvolvimento de um ou mais idiomas depende ainda de outros fatores. Por
exemplo, a interação com outros humanos falantes da língua alvo (a ser adquirida ou
aprendida) é de papel fundamental, uma vez que circuitos neuronais são ativados nas
bases supracitadas pelos estímulos provenientes do meio em que o aprendiz está
inserido.
Por fim, ao explorarmos o papel da emoção na aprendizagem, percebemos que
ela é de fundamental importância para que o processo ocorra. Fatores como
motivação, autoestima elevada, baixa ansiedade, bem-estar ativam circuitos
neuronais ligados à atenção, memória, prazer em aprender, levando ao sucesso na
aprendizagem.
Conclui-se, portanto, que, ao nos propormos a entender como funcionam as
áreas ligadas à aprendizagem e à linguagem, passamos a atuar de forma
fundamentada em saberes neurocientíficos, valendo-se de metodologias, técnicas,
abordagens e recursos que privilegiam a aprendizagem significativa.

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REFERÊNCIAS
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LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência.


2. ed. Atheneu, 2010.

COSENZA, Ramon M.; GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: como o


cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2014.

SENA, Tânia Virgínia Brito. Neuroeducação conceitos e estratégias cognitivas:


uma visão para a sala de aula do futuro. Salvador, 2015.

ROBERTS, Richard. Becoming Fluent: how cognitive science can help adults learn
a foreign language. The MIT Press, 2015.

CHAVES, Ana at al. A neurobiologia do aprendizado na prática. Alumnus, 2017.

KRASHEN, Stephen D. Principles and practice in second language acquisition.


Oxford: Pergamon, 1982.

GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o


que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

HOUZEL, Suzana Herculano. O cérebro adolescente: a neurociência da


transformação da criança em adulto. Objetiva, 2005.

GULLBERG Marianne; INDEFREY, Peter. The cognitive neuroscience of second


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ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos. Papirus.


Campinas:1998.

SCHÜTZ, Ricardo. Stephen Krashen’s theory of second language


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https://www.ted.com/talks/patricia_kuhl_the_linguistic_genius_of_babies?language=p
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HENNEMANN, Ana Lúcia. Desenvolvimento infantil: enfoques da neurociência.


E-book disponível em <https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/18172/1516
805711E-book_-_Desenvolvimento_Infantil_-_Enfoques_da_Neurocincia.pdf>

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