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CURSO DE AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

SUMÁRIO

MÓDULO I
1 INTRODUÇÃO
2 PRINCÍPIOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
2.1 HISTÓRICO DA NEUROPSICOLOGIA
2.2 A PRÁTICA CLÍNICA DA NEUROPSICOLOGIA HOJE
2.3 OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

MÓDULO II
3 FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS
3.1 BASES ANATÔMICO-FUNCIONAIS DAS FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS
3.2 MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
3.3 ATENÇÃO
3.4 FUNÇÕES EXECUTIVAS
3.5 RACIOCÍNIO E LINGUAGEM
3.6 PERCEPÇÃO E FUNÇÕES VISUOESPACIAIS E CONSTRUTIVAS

MÓDULO III
1 INTRODUÇÃO
2 PRINCÍPIOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
2.1 HISTÓRICO DA NEUROPSICOLOGIA
2.2 A PRÁTICA CLÍNICA DA NEUROPSICOLOGIA HOJE
2.3 OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
MÓDULO II
3 FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS
3.1 BASES ANATÔMICO-FUNCIONAIS DAS FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS
3.2 MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
3.3 ATENÇÃO
3.4 FUNÇÕES EXECUTIVAS
3.5 RACIOCÍNIO E LINGUAGEM
3.6 PERCEPÇÃO E FUNÇÕES VISUOESPACIAIS E CONSTRUTIVAS
MÓDULO III
4 BATERIAS DE TESTES BÁSICOS E ESPECÍFICOS
4.1 TESTES PARA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO COGNITIVO GLOBAL
4.1.1 Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve (NEUPSILIN)
4.1.2 Miniexame do Estado Mental (MEEM)
4.1.3 Clinical Dementia Rating (CDR)
4.2 TESTES DE INTELIGÊNCIA
4.2.1 Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III)
4.2.1.1 Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI)
4.2.2 Escala de Inteligência Wechsler para Crianças Quarta Edição (WISC-IV)
4.2.3 Teste de Inteligência Geral – Não Verbal (TIG-NV)
4.3 TESTES DE MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
4.3.1 Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT)
4.3.2 Teste de Memória da Lista de Palavras do CERAD
4.3.3 Teste de Memória de Figuras
4.3.4 Teste Comportamental de Memória de Rivermead (TCMR)
4.4 TESTES DE ATENÇÃO
4.4.1 Teste de Atenção por Cancelamento
4.4.2 D-2 Teste de Atenção Concentrada
4.4.3 Teste de Trilhas
4.5 TESTES DO FUNCIONAMENTO EXECUTIVO
4.5.1 Teste do Desenho do Relógio (TDR)
4.5.2 Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin (WCST)
4.5.3 Torre de Hanói, Torre de Londres e Torre de Toronto
4.6 TESTES DE RACIOCÍNIO E LINGUAGEM
4.6.2 Teste de Nomeação de Boston (versão reduzida)
4.6.3 Teste de Provérbios
4.6.4 Testes de Leitura e Escrita
4.7 TESTES DE PERCEPÇÃO E DO FUNCIONAMENTO VISUOCONSTRUTIVO
4.7.1 Teste de Praxia Construtiva da bateria CERAD
4.7.2 Figuras Complexas de Rey
4.7.3 Teste Gestáltico Viso-Motor de Bender – Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG)
4.7.4 Subteste Cubos do WAIS
4.7.5 Subteste Quebra-Cabeça do WISC
5 AVALIAÇÃO DO HUMOR, COMPORTAMENTO E FUNCIONAMENTO
ADAPTATIVO
5.1 ESCALAS E INVENTÁRIOS DE DEPRESSÃO
5.1.1 Inventário de Depressão de Beck (BDI)
5.1.2 International Neuropsychyatric Interview (MINI)
5.1.3 Escala de Depressão Geriátrica (EDG)
5.2 ESCALAS E INVENTÁRIOS DE ANSIEDADE
5.2.1 Inventário de Ansiedade de Beck (BAI)
5.2.2 Escala de Ansiedade de Hamilton
5.2.3 Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD)
5.3 ESCALAS E INVENTÁRIOS DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL
5.3.1 Índice de Katz para Atividades Básicas da Vida Diária
5.3.2 Functional Activities Questionnaire (FAQ)
5.3.3 Inventário de Atividades Avançadas de Vida Diária
5.3.4 Informat Questionnaire of Cognitive Decline of the Elderly (IQCODE)

MÓDULO IV
6 DESORDENS COGNITIVAS
6.1 DISTÚRBIOS DA MEMÓRIA
6.1.1 Amnésia
6.1.2 Síndrome de Korsakoff
6.1.3 Comprometimento ou cognitivo leve (CCL)
6.1.4 Síndrome demencial
6.2 DISTÚRBIOS ATENCIONAIS
6.2.1 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou Distu´rbio do
De´ficit de Atenc¸a~o (DDA)
6.3 DISFUNÇÃO EXECUTIVA
6.3.1 Síndromes disexecutivas
6.3.2 Demências frontotemporais (DFTs)
6.4 DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM
6.4.1 Afasias
6.5 DESORDENS VISUOESPACIAIS E CONSTRUTIVA
7 INTRODUÇÃO DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
7.1 OBJETIVO DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
7.2 ORIENTAÇÕES À FAMÍLIA DO PACIENTE E O ENCAMINHAMENTO PARA
REABILITAÇÃO
8 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MÓDULO 1

A avaliação neuropsicológica é conduzida por meio da aplicação de testes psicométricos


que procuram descrever a habilidade cognitiva do indivíduo avaliado e compará-la com
padrões pré-estabelecidos de normalidade. De forma geral, o propósito da avaliação
neuropsicológica é estabelecer a relação entre atividades comportamentais e o
funcionamento cerebral. Nesta avaliação são testadas funções cognitivas, tais como:
memória, atenção, linguagem, funções executivas, raciocínio, habilidades motoras e
visuoespaciais, bem como as alterações emocionais e de comportamento.

Contudo, para que o neuropsicólogo possa alcançar o objetivo da avaliação


neuropsicológica não basta aplicar e pontuar os testes; é preciso conhecer as regiões
cerebrais envolvidas nos aspectos comportamentais e nas funções cognitivas e também
ter noções de neuropatologia para não incorrer em suspeitas diagnósticas incorretas e
sugestões de tratamentos desnecessários.

PRINCIPIOS DA DAVALIACAO NEUROPSICOLOGICA

A neuropsicologia, enquanto uma área do conhecimento, surgiu a partir do interesse em


compreender a localização anatômica das funções mentais e suas primeiras evidências
enquanto ciência são oriundas de estudos conduzidos com indivíduos acometidos por
danos cerebrais. Contudo, desde a Antiguidade, busca-se identificar que parte do corpo
humano seria a sede de controle da mente, das emoções e do comportamento.

Há evidências de que técnicas de trepanação (Figura 1) eram praticadas desde a pré-


história e umas das hipóteses, dentre as várias existentes, para explicar esta prática é a
de que, na Antiguidade, acreditava-se que ao fazer orifícios no crânio criava-se uma
saída para os maus espíritos e assim era possível curar transtornos mentais e dores de
cabeça (RODRIGUES; CIASCA, 2010). O papiro egípcio chamado de Papiros de
Edwin Smith (1600 a.C.) é considerado o documento mais antigo com relatos da
localização das funções mentais, nele constam a descrição de 48 indivíduos com lesões
cerebrais (HAMDAN et al., 2011).

O coração também já foi tido como o centro da mente ou da alma humana. Essa
ideia ficou conhecida como hipótese cardíaca.

Ainda hoje, ouvimos popularmente expressões coerentes com esta ideia, como, por
exemplo, quando dizemos “fazer o que o coração manda”.
No período grego clássico, muitos filósofos buscaram explicar a relação corpo e alma.
Platão (428-348 a.C.) explicava que o corpo era a instância material, perene e mutável
do homem enquanto a alma era a imaterial, a eterna, imutável.

Aristóteles (384-322 a.C.) explicava a atividade mental dividindo-a em diversas


capacidades (pensar, julgar, imaginar, etc.), mas todas tinham o coração como sede
anatômica (HAMDAN et al., 2011).

TREPANACAO: O procedimento consiste de fazer buracos na calota craniana e expor a


dura-máter com o objetivo de tratar enfermidades ligadas direta ou indiretamente ao
cérebro.
As ideias baseadas na hipótese cardíaca enfrentaram críticas dos adeptos da chamada
hipótese cerebral, que viam o cérebro como o responsável pela atividade mental. O
filósofo Alcmaeon de Crotona (500 a.C.) defendia que havia no cérebro uma localização
para cada sensação humana. Um dos mais influentes defensores da hipótese cerebral foi
o médico grego Hipócrates (460-377 a.C.), “o pai da medicina”, defensor da ideia de
pensamento e sensações coordenadas pelo o cérebro (HAMDAN et al., 2011).

A hipótese cardíaca foi definitivamente abandonada a partir das confirmações da


hipótese cerebral. Entre essas confirmações encontram-se os achados de Galeno (130-
201 a.C.), obtidos a partir da dissecação do cérebro de animais e cadáveres que
contribuíram para a teoria ventricular. Segundo esta teoria, os ventrículos cerebrais
eram a sede da mente e os resultados de Galeno descreviam com precisão estas
estruturas anatômico-fisiológicas.
Nesta época, os ventrículos causavam grande interesse entre os anatomistas porque se
destacam na aparência gelatinosa que o cérebro não fixado apresentava. Segundo a
teoria ventricular, haveria três ventrículos, o primeiro associado às sensações, o segundo
associado à razão e ao pensamento e o terceiro seria o responsável pela memória. A
Igreja reconhecia a explicação de Galeno de que os fluidos que circulavam nos
ventrículos seriam os espíritos e que estes determinavam os comportamentos
(COSENZA et al., 2008). Com apoio da Igreja, que tinha forte influência sobre as ideias
da época, a teoria ventricular perdurou até boa parte da Idade Média.

O filósofo francês René Descartes (1596-1650), baseado nos princípios do dualismo


cartesiano, defende, no final do século XVII, a ideia de que a mente e o corpo seriam
entidades separadas e elas interagiam a partir de uma estrutura encontrada no corpo
humano, a glândula pineal. Esta glândula era vista como a sede do espírito no corpo e
por meio dela eram controlados os comportamentos (HAMDAN et al., 2011).

Hipotese Cerebral

A hipotese cerebral tornou-se a ideia predominante e o debate passou a ser quanto a


organizacao e o funcionamento do órgão de comando.

Entre os estudiosos que defenderam a hipótese cerebral estavam os holistas e os


localizacionistas, que apesar de concordarem sobre o cérebro como a sede de
funcionamento mental , discordavam sobre como a forma esse controle era possível.
Para os holistas, o cérebro atuaria como um todo, comandando as funções mentais e o
comportamento, enquanto os localizacionistas acreditavam em funcionamento
fragmentado, de forma que cada uma das regiões cerebrais, teria uma função especifica.

Entre os localizacionistas, teve grande influência a frenologia – teoria de Franz Joseph


Gall (1757-1828), difundida por seu aluno Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832).
Estes estudiosos afirmavam que o cérebro estava organizado em aproximadamente 35
funções específicas (ver Figura 2) e acreditavam ser possível, por meio da análise do
crânio, descrever a personalidade de uma pessoa. Esta técnica foi chamada de
personologia anatômica.

Segundo Consenza et al. (2008), os pressupostos básicos da frenologia podem ser


resumidos da seguinte forma:

1) cada região cerebral pode ser entendida como um “órgão” que comanda determinada
atividade mental ou comportamental específica;

2) a superfície craniana poderia ser moldada a partir do desenvolvimento de cada região


cerebral;

3) uma região cerebral bem desenvolvida pode crescer em volume e resultar em um


crescimento visível no crânio.

A frenologia foi criticada pela comunidade científica porque seus pressupostos não
foram comprovados. Um grande opositor de Gall foi Flourens (1794-1867), um
fisiologista que estudava o cérebro de animais e percebeu que alguns
comprometimentos em determinadas regiões cerebrais não resultavam em danos
permanentes. Em seu estudo com pássaros observou que, independente do local
lesionado, o animal poderia restabelecer o padrão de funcionamento, pois não era a
região lesionada e sim a extensão da lesão que dificultava a recuperação. Suas
conclusões o fizeram defender as ideias de que qualquer região cerebral poderia assumir
as funções de outra área em caso de lesão e que, portanto, o cérebro funcionaria como
um todo no qual todas as partes estariam envolvidas em todos os comportamentos
(GAZZANIGA et al., 2006).

Outro opositor das ideias localizacionistas e defensor das propostas de Flourens foi Karl
Lashley (1890-1958), que apresentou os princípios da “ação de massa” em referência a
ideia de que seria a quantidade de material lesionado que determinaria os prejuízos
funcionais e comportamentais e o princípio da “equipotencialidade” em referência a
possibilidade de diferentes regiões cerebrais poderem exercer a mesma função. Lashey
fez experimentos com ratos em labirintos e mostrou que os animais conseguiam
executar a tarefa de encontrar a saída mesmo após lesão em determinadas áreas
cerebrais. Sua conclusão sobre estes resultados era que para aprender a se locomover o
animal utilizava funções visuais e proprioceptivas, então a lesão em somente uma destas
áreas era compensada com uso da área preservada.

Mesmo diante do fracasso das ideias de Gall e de descobertas como a de Floures, o


debate entre holistas e localizacionistas permanecia a favor do segundo grupo uma vez
que novas e importantes descobertas foram feitas no sentido de se identificar áreas
especializadas do cérebro. Assim, por longo período os neurocientistas estudaram o
cérebro no intuito de descobrir novas regiões do cérebro responsáveis por uma função
mental ou comportamentos específicos.
Entre as principais contribuições para as ideias localizacionistas estão as descobertas
sobre as regiões cerebrais relacionadas à linguagem. Paul Broca (1824-1880) apresentou
a descrição de pacientes acometidos por lesões nos lobos frontais do hemisfério cerebral
esquerdo, que apresentavam comprometimento na produção da fala e preservação da
compreensão da linguagem. Essa síndrome foi chamada de afasia de Broca e a área da
lesão, conhecida atualmente como a área de Broca, passou a ser considerada como o
“centro funcional da linguagem”.

O Mapa Frenológico

Gall e seus seguidores identificaram 37 faculdades mentais e morais as quais eles


pensavam que eram representadas na superfície exterior do crânio. A lista inicial de Gall
compreendia 27 faculdades, para as quais, seu principal colaborador, Spurzheim,
adicionou mais dez. Estas faculdades foram divididas em várias esferas:
intelectualidade, percepção, energia mental, faculdades morais, amor, etc. A maioria das
faculdades tratavam de personalidades abstratas, tais como firmeza, aprovação, cautela,
eventualidade, espiritualidade, veneração, amabilidade, etc. Outros traços frenológicos
tinham contrapartidas científicas modernas as quais podiam ser avaliadas com testes
psicológicos específicos, tais como construção, destruição, individualidade, auto-estima,
idealismo, afeto, etc.

O principal resultado da teoria de Gall foi o tipo de gráfico do crânio, o qual mapeava as
regiões onde as protusões e depressões relacionadas a 37 faculdades poderiam ser
palpadas, medidas e diagnosticadas. Este era um excelente dispositivo para praticantes,
e foi amplamente usado.

Posteriormente, o neurologista Carl Wernicke (1848-1904) descreveu pacientes que


também apresentavam comprometimento de suas habilidades linguísticas, contudo
apresentavam um tipo de lesão diferente daquela descrita por Broca. Nos pacientes de
Wernicke a lesão ocorria no córtex temporal do hemisfério cerebral esquerdo e a
principal dificuldade era na compreensão da linguagem.

Esse tipo de comprometimento ficou conhecido como afasia de Wernicke. Outra


contribuição de Wernicke é a ideia de que lesões nas conexões entre estas regiões
cerebrais também levaria ao comprometimento da linguagem. A chamada afasia de
condução foi outro distúrbio da linguagem explicado por este estudioso. Nesta síndrome
as lesões ocorrem no fascículo arqueado, região responsável pela conexão entre as áreas
de Broca e de Wernicke.
Áreas do cerebrais associadas a linguagem

Outras evidências contribuíram de forma significativa para a neuropsicologia como a


conhecemos na atualidade, como a divulgação do caso do funcionário americano
Phineas Gage (1823-1860) que, em decorrência de uma explosão, teve o cérebro
perfurado por uma barra de metal (ver Figura 4).

A barra atingiu o olho esquerdo e atravessou a parte frontal do cérebro. Apesar disto,
Phineas sobreviveu, aparentemente, sem sequelas motoras e cognitivas, mas com
alteração significativa em sua personalidade, comportando-se de forma oposta ao que
costumava fazer antes do acidente. Essa sequela tão específica em uma lesão tão grave
gerou interesse dos estudiosos em neurociências.
O curioso caso de Phineas Gage

Fotografia de Phineas Gage junto com


a barra que atravessou seu crânio

Um 13 de setembro de 1848, como quase todo dia, o jovem Phineas Gage, de 25 anos,
saiu de casa para o trabalho.

Por suas virtudes pessoais, seu senso de responsabilidade, liderança, eficiência e


companheirismo, tinha sido nomeado capataz de um grupo de trabalhadores
responsáveis pela construção da via férrea. A missão do grupo, explodir grandes rochas
para permitir assim a colocação dos trilhos. Como de rotina, buracos de uns 30
centímetros eram feitos na pedra e posteriormente preenchidos com pólvora. Para
empurrar a pólvora, Phineas utilizava uma barra de ferro de mais de um metro de
comprimento e quase 3 centímetros de diâmetro. Mas para seu azar, nesse dia ao
empurrar a barra de ferro no interior do orifício uma faísca detonou a pólvora. A barra,
lançada como um projétil, atravessou a cabeça de Phineas. O ponto de impacto foi na
bochecha, logo abaixo do osso zigomático. A barra perfurou depois sua órbita
empurrando o globo ocular para fora. Destruindo parte do cérebro, finalmente saiu pela
região superior do crânio, trás provocar um orifício de quase seis centímetros de
diâmetro entre os ossos parietais e frontal. A barra foi parar a uns 20 metros, junto com
fragmentos de osso e massa encefálica.
Incrivelmente, Phineas não morreu. Embora desmaiasse pelo impacto, minutos depois
estava em pé conversando com os colegas. Levado ao médico da pequena cidade onde
vivia, este tentou recolocar os fragmentos de osso em seu lugar e suturou da melhor
forma possível o couro cabeludo. Alguns dias depois, a enorme ferida infeccionou e
Phineas entrou em coma. Esperando pelo pior, sua família já preparava o enterro,
porém, Gage se recuperou, e para o mês de janeiro, estava levando uma vida normal.

Mas já não era Phineas Gage. A descrição do acidente e sua vida posterior constam de
relatos apresentados por seus médicos. De acordo com um deles, Phineas conservou
todas sua faculdades intelectuais. Salvo a perda do olho e a cicatriz, nada parecia indicar
a gravidade do seu acidente. Sem problemas de memória, os cinco sentidos perfeitos,
movimentos em ordem, conversa fluente, inteligência normal... Mas foi sua esposa e
outra pessoas próximas que notaram alterações dramáticas em sua personalidade. Seu
médico descreve, “Seus chefes, que o consideravam o trabalhador mais eficiente e capaz
antes do acidente, disseram que as mudanças que tinha sofrido eram tão marcantes que
não poderiam lhe devolver seu antigo emprego. Era agora instável e irreverente, capaz
das condutas e blasfêmias mais grosseiras, mostrando escasso respeito pelos sus
semelhantes, impaciente, incapaz de escutar qualquer conselho que se opusesse aos seus
desejos. Também se mostrava insistentemente obstinado, teimoso e ao mesmo tempo
vacilante, imerso em muitos planos para o futuro mas, sendo incapaz de continuar uma
tarefa demasiado longa, mudava-os constantemente. Em virtude destas mudanças, seus
amigos e familiares concluíram que Gage “não era mais Gage”.”

Sem emprego, esposa ou amigos, Phineas decidiu ganhar dinheiro com sua desgraça,
exibindo-se com sua barra de ferro em cidades dos Estados Unidos e -provavelmente-
Europa. Posteriormente trabalhou como instrutor e condutor de carruagens, mudando
para o Chile e lá vivendo por sete anos. Com problemas de saúde, voltou à casa materna
nos Estados Unidos, onde morreu no dia 20 de maio de 1860, treze anos após o
acidente, devido a complicações provocadas por ataques epilépticos.

Em 1867, o corpo de Gage foi exumado e o crânio junto com a barra de ferro são
exibidos hoje em uma sala especial no museu da Faculdade de Medicina de Harvard.
Crânio e barra de ferro de Phineas, no museu da Faculdade de Medicina de Harvard

Em 1994, um grupo de pesquisadores liderados pelo português Antônio Damasio,


utilizando técnicas de neuro-imagem reconstruíram o crânio e o trajeto da barra de ferro,
de forma a descobrir quais áreas do cérebro tinham sido atingidas. Como já se
suspeitava, o acidente provocou a destruição de parte do lobo frontal esquerdo, embora
a extensão total da lesão não pudesse ser definida.
À esquerda, reconstrução computacional do trajeto da barra de ferro

Mais de 150 anos após o acidente, a neurociência tem uma explicação aproximada sobre
o que aconteceu com Phineas. Sabemos hoje que a região mais anterior do cérebro é
responsável pela nossa capacidade de planejamento, a fundamental capacidade de
prever o que vai acontecer caso façamos isto ou aquilo. Assim, nos ajuda a tomar a
decisão correta, às vezes até de forma não consciente.

Como consequência dessa capacidade de previsão, participa na inibição de respostas


inadequadas, o que permite que nosso comportamento seja o mais apropriado para cada
situação.Phineas Gage foi emblemático para a ciência porque com ele a velha separação
“corpo e alma” tal qual descrita por Descartes começava a ruir. O que nos torna o que
somos parece não flutuar no ar. Pode ser destruído junto com nossos lobos frontais.

O curioso caso de Phineas Gage pode não ser como “O curioso caso de Benjamin
Button”, mas nos mostra que quando nos permitimos admirar todo o drama e o
deslumbramento da vida através dos olhos perscrutadores de ciência, o panorama que se
apresenta pode ser tão interessante -e certamente mais real- quanto a mais premiada
história de Hollywood.
No início do século XX, o interesse em explicar as funções mais complexas foi
crescente e a noção de que as diversas áreas cerebrais estavam interligas foi ganhando
espaço. Em 1940, Walter Hess defendeu a ideia de que o número de estruturas cerebrais
envolvidas para realização de uma atividade seria proporcional à sua complexidade.
James Papez e Paul MacLean ampliavam o conhecimento sobre o sistema límbico,
explicando sobre a existência de um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas
para que fossem processados os conteúdos emocionais (COSENZA et al., 2008).

Neste mesmo período, o médico William Scoville descreveu o caso clínico do paciente
“H. M.”, que ficou amplamente conhecido na literatura como uma das primeiras
evidências de que os processos de memória e aprendizagem dependiam de
diversificadas áreas cerebrais e de suas conexões. Trata-se de um paciente epiléptico
que, após cirurgia para remover seu hipocampo e amígdalas, tornou-se incapaz de
aprender novas informações.

Quem foi H.M. ?


"H.M.", na verdade, são as iniciais de Henry Molaison, um cidadão norte-americano,
nascido na cidade de Manchester em 1926. Durante sua infância (a partir dos 10 anos),
Henry sofreu de episódios recorrentes de crises epilépticas focais. Alguns de seus
parentes alegam que as crises começaram após um acidente de bicicleta sofrido por ele
aos 7 ou 9 anos. Quando Henry completou 16 anos, suas crises começaram a aparecer
com mais frequência e se generalizaram, manifestando-se como crises tônico-clônicas,
que são o tipo mais conhecido de epilepsia, em que o indivíduo apresenta espasmos
musculares generalizados, perde o controle de seus esfíncteres e perde a consciência.

Henry Molaison, o "H.M."


Sua epilepsia piorou de tal forma que Henry foi declarado incapacitado para trabalhar
em 1953, com apenas 27 anos, mesmo tentando o tratamento com medicação
anticonvulsivante. Por causa disso, um neurocirugião chamado William Scoville se
ofereceu para fazer uma cirugia experimental em Henry com o intuito de curar sua
epilepsia. Após alguns testes, Scoville deduziu que a "origem" das crises de H.M vinha
dos lobos temporais mediais dos dois hemisférios cerebrais. O tratamento proposto foi,
então, realizar uma cirurgia de resecção dessas regiões encefálicas. H.M. e sua família
consentiram com o procedimento.
Quais foram as consequências da cirurgia de H.M. ?
Dr. Scoville retirou partes do lobo temporal conhecidas como hipocampo, amígdala e
uncus dos dois hemisférios cerebrais de H.M.. A princípio, a cirurgia parecia ter sido
bem sucedida, porque foi constatado que H.M. tinha melhorado muito em relação a suas
crises epilépticas. Porém, logo ficou claro que o procedimento de resecção cerebral
havia deixado uma sequela neurológica muito grande em H.M: o paciente desenvolveu
uma amnésia anterógrada gravíssima. Isso significa que H.M. não conseguia mais
consolidar nenhuma memória nova de fatos que aconteciam após a sua cirurgia.

Hipocampo: região cerebral responsável por consolidar memórias


Também houve um pequeno comprometimento de memórias passadas de H.M,
principalmente de sua infância, caracterizando uma amnésia retrógada. Porém esta não
era nem de perto tão grave quanto sua amnésia anterógrada. Apesar dessa incapcidade
de formar novas memórias, o restante da capacidade intelectual de H.M permaneceu
relativamente intacto, sendo preservada sua habilidade de raciocínio. Além disso, outros
tipos de memória não foram comprometidas em H.M. como, por exemplo, a "memória
de trabalho" (capacidade de reter informações por pouco tempo, apenas para elas serem
utilizadas em uma tarefa em andamento) e também a habilidade de aprendizado motor
(apesar de H.M. não conseguir se lembrar como havia adquirido essa nova habilidade).
O que a neurociência aprendeu com o caso H.M. ?
O caso H.M., sem dúvidas, é um dos mais estudados da história da neurociência. O
artigo publicado por Dr. William Scoville e Dra. Brenda Milner (uma das maiores
neurocientistas de todos os tempos, que contribuiu no estudo de Henry Molaison) em
1957 continua sendo citado extensivamente até os dias de hoje.
A contribuição mais óbvia e imediata do caso é que o lobo temporal está envolvido na
consolidação de memórias episódicas. Na época não se podia ter certeza (uma vez que
foram retiradas várias regiões do lobo temporal), mas depois de outros casos, hoje já se
sabe que o hipocampo é a principal região envolvida nesse processo. O caso H.M. foi
fundamental nessa dedução porque o paciente não possuia problema alguma antes da
cirurgia e, após o procedimento de resecção bilateral do lobo temporal, começou a
apresentar esse déficit.
Mais do que isso, talvez o principal ensinamento que o estudo do caso proporcionou foi
o de que os diversos tipos de memória são adquiridos e processados por processos
diferentes e em regiões cerebrais predominantemente distintas. O fato de Henry ter
perdido a capacidade de consolidar memórias de episódios ocorridos após sua cirurgia,
mas ter preservado outros tipo de memória como a memória de trabalho ou o
aprendizado motor foi algo que ensinou muito aos neurocientistas. Hoje em dia, já se
tem muito mais conhecimento sobre os processos que governam cada tipo de memória,
mas na época essa descoberta foi totalmente fantástica e inesperada.
E o que aconteceu com H.M. ?
Para vocês que ficaram curiosos de saber o que aconteceu com Henry Molaison: ele
morreu em 2008, com 82 anos de idade! Ele gostava de fazer palavras-cruzadas, mas só
conseguia completar com palavras que havia aprendido antes de sua cirurgia. Após a
sua morte, a Universidade da Califórnia de Davis ficou com o seu cérebro para realizar
pesquisas anátomo-patológicas e os resultados estão sendo divulgados até hoje.
A partir de estudos de casos como este e outros conduzidos – principalmente durante a
guerra – com indivíduos que sofreram lesões cerebrais, os processos mentais passaram a
ser explicados como dependentes da integridade de centros nervosos e suas conexões e
não, simplesmente, do funcionamento de áreas cerebrais específicas. Contribuíram
também para os avanços sobre a compreensão do funcionamento cerebral os estudos
histológicos de Camilo Golgi e do histologista Santiago Cajal. Golgi desenvolveu o
famoso método de coloração por prata, técnica que permitiu a identificação de toda
estrutura da célula nervosa (corpo celular, dendritos e axônios). Cajal, utilizando este
método de coloração, mostrou que estava errada a ideia de que o cérebro era uma massa
contínua e demonstrou que o tecido neural era composto de um emaranhado de células
(RODRIGUES; CIASCA, 2010).
Outra importante contribuição para a forma como o funcionamento cerebral é visto hoje
foi dada pelo anatomista Korbinian Brodmann (1909). A partir de seu estudo com
tecido corado, o córtex cerebral foi dividido em 52 regiões diferentes (Figura 5),
conhecidas como áreas citoarquitetônicas, isto é, áreas em que se diferenciam pela
estrutura e disposição de suas células (neurônios). Esta divisão é conhecida como mapa
das áreas corticais do cérebro humano e é uma das mais reconhecidas pelos
neurocientista que ainda a estudam e buscam seu aprimoramento.
As tendências localizacionistas ainda prevaleceram no início do século XX com
importantes descobertas que as validavam, como a diferenciação de funções entre os
dois hemisférios cerebrais. Contudo, as controvérsias apresentadas, nesta época, sobre a
localização de regiões específicas para a execução das chamadas “funções superiores”,
como a memória e o pensamento, diminuíram as certezas sobre as hipóteses
localizacionistas. Esse campo fértil de contradições contribuiu para ideias como a de
Monakow, que defendia a diásquise – dano em uma das regiões encefálicas pode
resultar em prejuízo em outras regiões – influenciasse muitos estudos com tendência
holista (GAZZANIGA et al., 2006). A discussão entre localizacionistas e holistas toma
novos rumos a partir das descobertas de Lev Vygotsky (1896-1934). Vygotsky
argumentou que a organização cerebral ocorria a partir de uma inter-relação complexa
entre suas partes e que desta forma se daria o funcionamento do todo.
Vygotsky desenvolveu seus estudos mostrando que o funcionamento mental variava
para os diferentes estágios do desenvolvimento humano e, ainda hoje, suas ideias estão
entre um dos importantes expoentes da psicologia da aprendizagem. Influenciado por
estas ideias, o psicólogo soviético Alexander Luria (1902-1977), a partir do estudo com
pacientes acometidos por lesão cerebral, desenvolveu um novo conceito de função.

Assim, as premissas localizacionistas deram lugar à proposta de funcionamento


interligado das áreas cerebrais que predomina na neuropsicologia atual. Luria atuou
junto com Vygotsky focalizando, inicialmente, no estudo da afasia e na relação da
linguagem com outros processos mentais, sendo um de seus maiores interesses o
desenvolvimento de técnicas de reabilitação. Durante o período da Segunda Guerra
Mundial, Luria desenvolveu pesquisas no Hospital do Exército e focou na descoberta de
métodos de reabilitação de deficiências no pacientes com lesões cerebrais.
Luria atuou também na elaboração de baterias completas para avaliação
neuropsicológica, que foram amplamente utilizadas em meados do século XX e ainda
influenciam a forma como os testes são elaborados e utilizados na testagem
neuropsicológica. A primeira versão dos testes de Luria deu origem a diversas outras
baterias neuropsicológicas, como a Luria-Nebraska e o teste de Barcelona, que
consistem em avaliações amplas dos diversos domínios cognitivos (HAMDAN et al.,
2011). Estes testes ainda são úteis, mas dividem espaço com uma infinidade de testes
neuropsicológicos que vêm sendo elaborados com intuito de se tornarem cada vez mais
específicos.

Além disto, Luria trabalhou na elaboração do conceito de neuroplasticidade, que pode


ser entendida como a capacidade adaptativa do sistema nervoso frente às agressões
sofridas em sua estrutura, isto é, a possibilidade do cérebro se regenerar, de modificar
sua morfologia e reassumir suas funções.

Este é um conceito central na área da neurociência atual, sobre o qual muitos cientistas
se debruçam na busca de inovações. A grande contribuição de Luria para as técnicas
utilizadas hoje na área da neuropsicologia, tanto no âmbito da avaliação quanto da
reabilitação, faz com que ele seja considerado por alguns como o pai da
neuropsicologia. Luria argumentava que apenas funções mais simples poderiam ser
localizadas e que funções complexas são executadas a partir de “sistemas funcionais”,
ou seja, grande parte dos processos mentais demandam sistemas que atuam em
conjunto, independente se áreas envolvidas estão localizadas em partes diferentes ou
mesmo distantes do cérebro.

Baseando-se nesta proposta de Luria, é possível distinguir no cérebro três grandes


sistemas funcionais (ver Figura 6), conforme descrito por Cosenza e Fuentes et al.
(2008):
O primeiro regula a vigiĺ ia e o tônus cortical e depende de estruturas como a formação
reticular e áreas do sistema límbico. O segundo se encarrega de receber, processar e
armazenar as informações que chegam do mundo externo e interno e está situado em
áreas do córtex cerebral localizadas posteriormente ao sulco central.

Ele organiza-se em áreas corticais primárias, secundárias e terciárias. Já́ o terceiro


sistema regula e verifica as estratégias comportamentais e a própria atividade mental, é
constituído pelo córtex cerebral situado nas regiões anteriores do cérebro e organiza-se,
também hierarquicamente, em áreas corticais primária, secundária e terciária.

Na abordagem neuropsicológica de Luria o funcionamento cerebral é explicado com a


coparticipação dos dois sistemas funcionais do cérebro e os objetivos centrais da
neuropsicologia seriam:
1) localizar as lesões cerebrais responsáveis pelos distúrbios do comportamento para um
diagnóstico preciso;

2) explicar o funcionamento das atividades psicológicas superiores relacionadas com as


partes do cérebro.
Na atualidade, a neuropsicologia superou esta necessidade de estabelecer a localização
das funções mentais como sua prioridade. A discussão localizacionismo versus holismo
foi superada com o surgimento das modernas técnicas de neuroimagem, que hoje são as
principais ferramentas para fins de localização de regiões lesionadas. Isso não quer dizer
que uma avaliação neuropsicológica não mantenha este objetivo, mas este propósito é
prioritário, exclusivamente, em casos de patologias cujos sintomas manifestam-se antes,
ou independente, das alterações cerebrais alcançarem um nível detectável pelos
procedimentos de neuroimagem. Assim, a neuropsicologia ganhou uma nova discussão,
a do funcionalismo versus o cognitivismo expressa por Hadman (2011) da seguinte
forma:

As técnicas tradicionais de avaliação neuropsicológica advêm da tradição funcionalista


que considera que a predição do desempenho do indivíduo é o objetivo primário da
avaliação e o construto psicológico é secundário. Por outro lado, os testes construídos
na tradição cognitivista enfatizam primariamente o construto psicológico e a predição
clínica como alvo secundário da avaliação.
No que se refere à neuropsicologia enquanto uma área da psicologia, mesmo sendo
reconhecido que a psicologia cognitiva e a neuropsicologia tinham objetos de interesse
em comum, até a década de 70, estas áreas caminhavam em paralelo. Aos poucos, a
neuropsicologia amplia seus estudos de casos clínicos e a construção de testes
neuropsicológicos de forma a ir se estabelecendo como uma área de prática clínica
embasada pelo arcabouço científico construído em conjunto com a psicologia cognitiva
(ANDRADE; SANTOS, 2004) profissão de neuropsicólogo ganhou o reconhecimento
da American Psychological Associacion (APA) como área de atuação do psicólogo em
1980 e como especialidade da psicologia em 1996. Foram marcos importantes para este
reconhecimento e para o auxílio da prática dos neuropsicólogos: a fundação da
International Neuropsychological Society (INS), em 1967; e a fundação da National
Academy of Neuropsychology (NAN), em 1975 (HAMDAN et al., 2011).
No Brasil, somente em 2004 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabelece a
especialidade da neuropsicologia e delimita o campo de formação deste profissional no
país. Para conceder o título de especialista, o CFP exige do profissional psicólogo:
registro profissional no conselho de no mínimo dois anos; aprovaçaõ em concurso de
provas e tit́ ulos promovido pelo próprio conselho ou a realização de curso de
especializaçaõ na área.

Atualmente, a neuropsicologia está voltada não só para os temas clássicos da psicologia


cognitiva, como a aprendizagem; a percepção, a atenção, como também se utiliza da
psicologia experimental e da psicometria para atuar na construção de testes. O
neuropicólogo ganhou espaço em hospitais, fóruns, clínicas, consultórios privados e em
atendimentos domiciliares com diferentes propósitos. Sua atuação é, em geral,
multidisciplinar e voltada não só ao próprio paciente, mas também à orientação de
familiares.

Além disto, pode atuar no meio acadêmico conduzindo pesquisas e auxiliando na


formação de futuros profissionais, por meio de aulas e supervisões. O campo para novas
descobertas sobre a forma de funcionamento cerebral é amplo e continuamente promove
inovações que obrigam os clínicos a reverem suas práticas. A neuropsicologia consiste,
portanto, em campo de conhecimento científico e prático ainda em expansão, e seus
desafios são ainda maiores em países como o Brasil, onde a delimitação profissional
ocorreu tão recentemente.

Recentes avanços das técnicas de neuroimagem possibilitaram e acrescentaram


evidências sobre a correlação entre as funções cognitivas e o funcionamento cerebral. O
aprimoramento da neuroimagem permitiu uma minuciosa identificação das áreas
cerebrais causando uma ampliação dos objetivos da avaliação neuropsicológica, antes
focada, primordialmente, na localização de áreas cerebrais acometidas por lesões.
Assim, a avaliação neuropsicológica, hoje, busca não só identificar o local de uma
lesão, mas também a dimensão e o impacto cognitivo e comportamental do prejuízo
cerebral, possibilitando que futuras intervenções promovam a adaptação emocional e
social dos pacientes acometidos por este tipo de adversidade (COSENZA et al., 2008).

Camargo et al. (2008) enumeraram diferentes objetivos para os quais uma avaliação
neuropsicológica pode ser solicitada, a saber:

Auxílio diagnóstico;

Prognóstico;
Orientação para o tratamento;

Auxílio no planejamento de reabilitação;

Seleção de pacientes para técnicas especiais como cirurgias de risco ou medicações de


alto custo;

Perícia.

No auxílio diagnóstico uma avaliação neuropsicológica estabelece o correlato


neuroanatômico com o desempenho cognitivo e funcional observado a partir das
alterações e manutenções dos mesmos. O objetivo neste caso é confirmar e/ou refutar as
hipóteses diagnósticas que explicam os sinas e sintomas apresentados pelo paciente.
Nesse sentido, a avaliação neuropsicológica é de grande relevância para o processo de
diagnóstico diferencial no qual relatos subjetivos das alterações cognitivas não auxiliam
para diferenciar entre as diversas possibilidades diagnósticas.

Por exemplo, em casos de pacientes idosos com prejuízos cognitivos cujos resultados
dos exames de neuroimagem e dos testes laboratoriais são insatisfatórios para explicar
as causas dos prejuízos que poderiam ser decorrentes de um quadro depressivo ou de
uma síndrome demencial em fase inicial.

No que se refere à orientação ao tratamento, a partir dos resultados da avaliação


neuropsicológica, é possível orientar sobre a melhor intervenção a ser oferecida em
diferentes contextos, como no educacional, auxiliando no planejamento vocacional e da
aprendizagem, e na saúde, fornecendo dados que facilitam na escolha e execução das
intervenções cirúrgicas, medicamentosas e de reabilitação. No processo terapêutico,
contribui para avaliação da eficácia de tratamento farmacológico e de técnicas de
reabilitação direcionadas para pacientes acometidos por agravos neurológicos. No caso
de pacientes acometidos pela doença de Alzheimer, por exemplo, a medicação parece
eficaz somente até a fase intermediária da doença, de forma que reavaliação do
funcionamento cognitivo do paciente é essencial para demonstrar de forma objetiva se a
medicação auxilia no sentido de retardar o avanço dos prejuízos ou se, em caso de
progressão para fase grave, o tratamento farmacológico tornou-se ineficaz
(ABRISQUETA-GOMEZ et al., 2004).
Um exemplo do uso da avaliação neuropsicológica como ferramenta útil no prognóstico
é em caso de sua aplicação com pacientes epilépticos no pré-operatório. Segundo
Camargo et al. (2008), nestes quadros, “estudos vêm mostrando que quando a avaliação
neuropsicológica dá indícios de que as alterações cognitivas são bilaterais, ou quando a
integridade funcional do hemisférios contralateral ao foco é baixa, a evolução será
negativa”.

Alguns procedimentos (cirurgias ou tratamentos com medicamentos, por exemplo)


implicam em algum tipo de risco para o paciente e nestes casos é necessária uma forma
objetiva de estimar os benefícios e os possíveis prejuízos decorrentes de tais
procedimentos. Nestes casos, uma avaliação neuropsicológica pode auxiliar em um
processo de triagem de quais pacientes seriam indicados para o procedimento de risco
(CAMARGO et al., 2008).

Dentre os vários propósitos da avaliação neuropsicológica, o diagnóstico é o de maior


demanda. Entre os acometimentos do sistema nervoso central que levam à demanda da
avaliação neuropsicológica estão os traumatismos cranioencefálicos (TCE), as
epilepsias, os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), as demências, as desordens
metabólicas, as deficiências de vitaminas e as desordens toxicológicas (a descrição
destes agravos está no Módulo IV deste curso).

Outra demanda, em geral, para avaliação neuropsicológica infantil está associada ao


diagnóstico de transtornos do desenvolvimento, em geral, associados a déficits de
aprendizagem. Este tipo de demanda aparece, com frequência, quando a criança está em
idade escolar, pois no contexto de aprendizagem são facilmente observadas alterações
da percepção, da atenção, da memória ou mesmo de comportamento e motivação.
Hamdan et al. (2011, p. 52) descreve da seguinte forma os objetivos da avaliação
neuropsicológica voltada para crianças:

Dentro dos objetivos específicos da avaliação neuropsicológica infantil está a


identificação precoce de transtornos cognitivos e desordens do desenvolvimento e,
como tal, alterações no processo de aquisição das habilidades. O termo precoce deve se
entendido como o mais cedo possível na história de vida da criança, portanto, dependerá
do tipo de comprometimento cerebral, da idade e do próprio processo de formação da
função. [...] A avaliação neuropsicológica infantil deve ser sensível ao conjunto dos
sinais cognitivo-comportamentais demonstrados durante o desenvolvimento da criança,
reconhecendo-o como uma desordem do processamento neuropsicológico ou não.

No Brasil, vem crescendo a demanda pela neuropsicologia tanto no âmbito da avaliação


quanto da reabilitação. Na população adulta jovem, principalmente a masculina, este
aumento é explicando pela incidência crescente de acidentes de trânsito que resultam
em traumatismo cranioencefálico e na população mais velha, meia e terceira idades, a
demanda vem do aumento do número de acidentes vasculares cerebrais e quadros
demenciais que são reflexos do aumento da expectativa de vida observada no país.
Em resposta a este cenário, instrumentos de avaliação neuropsicológica específicos
para diagnosticar os agravos comuns nas faixas etárias mais velhas vêm sendo
amplamente estudados e validados (nos Módulos III e IV estão descritos instrumentos
mais utilizados e as desordens cognitivas mais comuns nesta população,
respectivamente).
No que se refere aos procedimentos práticos de uma avaliação neuropsicológica, o
profissional deve seguir um roteiro que, apesar das adaptações necessárias para atender
a faixa etária e a demanda de solicitação da avaliação, deve contemplar: 3 etapas

Entrevista clínica (anamnese) para investigar os seguintes aspectos:

- Histórico clínico e do surgimento da patologia ou queixas que levaram a solicitação da


avaliação;
- Medicações em uso;
- Funcionamento cognitivo prévio.

Escolha e aplicação de testes e escalas:

- Testes para avaliação do desempenho cognitivo global;


- Testes para avaliação de cada domínio cognitivo;
- Escalas e testes para avaliação humor; o Escalas para avaliação da capacidade
funcional.

Escolha e aplicação de outras ferramentas diagnósticas:

- Exames de neuroimagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética,


spect);
- Observação do comportamento em ambiente real;
- Relatos de informantes que convivam com o paciente.

Para escolha dos testes a serem utilizados em uma avaliação neuropsicológica, o


avaliador deve considerar os seguintes aspectos:

- Objetivo da avaliação. Quando o objetivo é diagnóstico, por exemplo, o examinador


vai selecionando os testes para confirmar e/ou descartar as hipóteses diagnósticas que
são elaboradas ao longo das sessões de avaliação;

- Testes adequados à idade e à escolaridade do indivíduo a ser avaliado;

- Testes validados e adaptados para a cultura da população a ser avaliada;

- Normas para aplicação e pontuação. O examinador, principalmente se inexperiente,


deve preferir testes de fácil acesso e nos quais possua domínio para aplicação;
- Formação do examinador. Alguns testes são de uso exclusivo dos profissionais de
psicologia. Informações sobre teste podem ser obtidas no Sistema de Avaliação de
Testes Psicológicos do Conselho Federal de Psicologia (SATEPSI, 2013).

Além da escolha dos testes, existem condições situacionais que podem interferir na
testagem e, portanto, precisam ser controladas. São exemplos:

- Instruções do examinador pouco objetivas ou com incentivo desnecessário;


- Luminosidade, temperatura e conforto do ambiente de testagem;
- Interrupções e ruídos no momento da testagem;
- Condições do examinando no momento da testagem. Efeitos de medicação, alterações
do sono, estado emocional ansioso e mal estar físico podem interferir na resposta e
disposição do examinando, modificando o desempenho em relação ao seria expresso na
ausência destas condições. Finalmente, é importante destacar que diversos fatores
podem influenciar no desenvolvimento e no aprimoramento das funções cognitivas que
devem ser considerados como influentes no desempenho pré-mórbido e também como
fontes de reserva cognitiva. Alguns destes fatores incluem:

- O contexto socioeconômico, histórico e cultural;

- As oportunidades educacionais e de trabalho;

- Interações e atuações sociais;

- Interesses pessoais;

- Ambiente reforçador ou inibidor da capacidade individual.

A investigação destes fatores pode ser incluída como parte do roteiro de avaliação
neuropsicológica. Trata-se de informações que podem ser facilmente obtidas, por meio
de entrevista semiestruturada, com o próprio paciente ou com um informante quando
houver prejuízos que incapacitem o próprio paciente de fornecê-las. Estas informações
adicionais podem complementar o relatório de avaliação, principalmente, quando o
objetivo é o de fornecer suporte para elaboração de um programa de reabilitação
neuropsicológica que visa à recuperação do desempenho cognitivo global ou específico.
MODULO II

3. FUNCOES NEUROPSICOLÓGICAS

3.1 BASE ANATOMICA- FUNCIONAIS DAS FUNCOES NEUROPSICOLOGICAS

O funcionamento cognitivo pode ser avaliado por meio da mensuração de habilidades


como atenção, memória, linguagem, as habilidades viso-construtiva, as funções
executivas e demais capacidades associadas à cognição como a concentração, a
compreensão, o raciocínio, a aprendizagem, a velocidade de processamento de
informação, essas habilidades correspondem a um sistema complexo que correspondem
a um sistema complexo s que funciona a partir de rede de conexões das diversas regiões
cerebrais.

O sistema nervoso está dividido em sistema nervoso periférico e sistema


nervoso central. O sistema nervoso central é responsável pela recepção de
estímulos e comanda as respostas que deverão ser dadas a partir dos
estímulos recebidos. O sistema nervoso periférico é constituído por vias que
conduzem os estímulos ao sistema nervoso central e, ao contrário, vias que
levam até os órgãos os comandos vindos do sistema central.

O sistema nervoso periférico se divide em: nervos; gânglios e terminações


nervosas. O sistema nervoso central divide-se em encéfalo e medula espinhal.
O encéfalo, por sua vez, é formado por: telencéfalo (hemisférios cerebrais);
diencéfalo (tálamo e hipotálamo); cerebelo; e tronco encefálico (mesencéfalo,
ponte e bulbo). A disposição desta estrutura com suas partes e seus
respectivos componentes pode ser vista na Figura 7.

No diencéfalo, o tálamo é responsável pela condução dos impulsos às regiões


apropriadas do cérebro e o hipotálamo é o principal integrador das atividades
dos órgãos viscerais, da homeostase corporal (sistema endócrino, controle de
temperatura, apetite, hidratação, sono, emoção e comportamento sexual). Além
disto, é área central do sistema límbico (que será detalhado mais à frente,
ainda neste módulo).

Figura sistema nervoso central

No encéfalo são processadas as diversas funções nervosas que vão desde a


interpretação dos estímulos e os movimentos musculares até complexos
processos de armazenamento de informações e aspectos da personalidade. A
região do cerebelo é a responsável pelos movimentos musculares e pelo
equilíbrio do corpo. Por ele também passa a memória de habilidades motoras
(memória de procedimento).
O tronco encefálico corresponde à sede de funções associadas a atividades
involuntárias e é também a sede das emoções. A medula espinhal, com seus
pares de nervos espinhais, é por onde passam os impulsos nervosos que
levam os comandos do encéfalo para todo o corpo. O bulbo é responsável pelo
controle da vida vegetativa (batimentos cardíacos, respiração, pressão
sanguínea, salivação, tosse, espirros e o ato de engolir, etc.). A ponte transmite
impulsos ao cerebelo, além de participar de algumas atividades do bulbo. O
mesencéfalo auxilia em funções como a visão, audição, movimentos dos olhos
e movimentos do corpo.

O encéfalo é protegido pelo crânio e a medula espinal pela coluna vertebral.


Após esta proteção óssea, existe ainda uma proteção formada por tecido
conjuntivo, são as meninges, organizadas em três camadas: a dura-máter, a
aracnoide e a pia-máter. Entre a aracnoide e a pia-máter está o líquido
cefalorraquidiano (líquor), que é produzido dentro dos ventrículos cerebrais e,
na ausência de patologia, flui de um ventrículo ao outro, e então para fora do
cérebro, por meio da medula espinhal. Se houver alguma obstrução das vias
de drenagem do líquor, o fluido se acumula no cérebro, causando um inchaço
conhecido como hidrocefalia. Em bebês, ocorre um alargamento da cabeça;
nas crianças mais velhas e em adultos, não ocorre esse alargamento porque
os ossos do crânio já estão unidos e impedem essa expansão do fluido.

A maior parte do encéfalo é composta pelo telencéfalo, que se divide em dois


hemisférios: o hemisfério direito (HD) e o hemisfério esquerdo (HE). Estes
hemisférios estão unidos pelo corpo caloso, uma estrutura composta de fibras
nervosas separadas por uma lâmina de dura-máter, a foice cerebral.

Atualmente ocorre uma lateralizacao do hemisfério cerebral, isto é, ocorre uma


dominância de um hemisfério sobre o outro.
Algumas funções são facilmente diferenciadas por hemisférios, como a linguagem, a
gnnosia ( capacidade de interpretar estímulos sensoriais), e a praxia ( realização de atos
motores complexos). Assim no HE fica o controle de habilidades como: linguagem,
raciocinio lógico; de padrões gerais de comportamentos; destreza manual e demais
mebros do lado direito do corpo. O HD é responsável pelos estimilos de responsas
inespereadas do corpo, pelo processamento de informação visoespacial e não verbal, e
pela habilidade de reonhecer faces.

As superfícies dos hemisférios cerebrais estão divididas em estruturas


chamadas de giros que são delimitadas por depressões chamadas de sulcos.
Além disto, os hemisférios estão dispostos em grandes regiões ou lobos (ver
Figura 8). Estes lobos são: o frontal, o parietal, o temporal, o occipital e a ínsula
(localizada na parte interna do cérebro). Os sulcos são: sulco central (entre o
lobo frontal e o parietal), sulco lateral ou de Sylvius (entre os lobos temporal,
frontal e parietal) e sulco parieto-occiptal (entre o parietal e o occiptal)
As funções gerais dos lobos cerebrais foram descritas por Machado (1988),
conforme apresentado na Figura 9, e podem ser resumidas da seguinte
maneira:

a. lobo frontal – funções de planejamento de ações estão associadas área pré-


frontal e controle de movimentos sob responsabilidade do córtex e da área pré-
motora localizada neste lobo;

b. lobo temporal – processamento das informações auditivas, pois nele situa-se


a área auditiva primária; funções da linguagem na área de Wernicke;
processamento da informação visual ocorrem em suas porções inferiores e
ainda funções associadas a aprendizagem e memória ocorrem na parte mais
medial deste lobo. Divide os lobos temporal e frontal, destaca-se a fissura de
Sylvius, esta área é conhecida como “zona da linguagem perisylviana”;

2) lobo parietal – recebe as informações sensoriais vindas do meio externo (por


exemplo, dor e temperatura) e interpreta estas informações;

3) lobo occipital – associado à visão, nele estão situadas as áreas visual


primária e visual de associação;

4) lobo da ínsula – está envolvido no processamento de estímulos emocionais


e respostas fisiológicas.
O sistema límbico é formado por diferentes estruturas cerebrais (Figura 10),
que em conjunto atuam no controle das emoções. Além disto, este sistema
atua de forma secundária no processo de aprendizado e no auxílio ao sistema
endócrino.

Entre as principais funções do sistema límbico, de acordo com suas estruturas,


estão (MARTIN, 1998):

1) hipotálamo – atua na regulação do sono, na libido, controle do apetite e na


manutenção da temperatura do corpo. Esta estrutura, juntamente com a
hipófise, auxilia nas funções do sistema endócrino;

2) corpos mamilares – associa-se ao hipotálamo para regular os reflexos


alimentares, como a deglutição;

3) tálamo – as percepções táteis, visuais, auditivas e gustativas são


processadas nesta estrutura, por onde também passam as sensações de dor,
temperatura e a pressão do ambiente;

4) giro cingulado – é a região de processamento de odores e também de


alguns estímulos visuais;

5) amígdala – é a região que percebe o perigo e, portanto, associadas as


sensações de medo e ansiedade. As amígdalas também estão associadas ao
processamento das memórias emocionais;

6) hipocampo – é a estrutura responsável pela memória recente.


O sistema nervoso é constituído pela substância branca e a substância
cinzenta (ver Figura 11 - a seguir). A substância branca é encontrada,
principalmente, na parte interna da região cerebral e nela estão localizados os
axônios. A substância cinzenta corresponde à camada mais externa do cérebro
e nela estão os corpos celulares dos neurônios.
Os neurônios são as células do tecido nervoso responsáveis por transmissão
de impulsos elétricos. São compostos de três partes (corpo celular, dendritos e
axônios), cada uma com uma função específica. A estrutura do neurônio
(Figura 12 - a seguir) é composta por: corpo celular, onde ocorre a síntese
proteica; dendritos, que são ramificações cuja principal função é receber
estímulos; e axônios, que são prolongamentos que se originam, em geral, do
corpo celular e por meio deles são transmitidos os impulsos (LEVADA, 1996).

A porção terminal do axônio sofre várias ramificações formando milhares de


terminais onde ficam armazenados os neurotransmissores. Ao redor do axônio
são encontradas as “bainhas de mielina”, responsáveis por acelerar o
transporte de impulsos elétricos.

As áreas do córtex são divididas em áreas primárias, correspondem às regiões,


sensitiva primária e motora primária, e em áreas de associação secundária e
terciária. As áreas de associação secundária recebem informações das áreas
primárias e as repassam para outras áreas do córtex, enquanto as áreas de
associação terciária recebem e integram informações sensoriais que já
passaram por processamento nas áreas secundárias (MACHADO, 1988).

As áreas de associação primária do cérebro, segundo Seeley et al. (2006),


podem ser vistas na Figura 13, e suas principais funções estão resumidas na
Tabela 1
O declínio ou perda das habilidades cognitivas podem ocorrer em função de
determinantes genético-biológicos, ambientais ou situacionais que impliquem
em prejuízos neurológicos, sensoriais e/ou psicomotores que serão
caracterizados de acordo com a região cerebral afetada. Algumas vezes, as
perdas cognitivas ocorrem sem resultar na incapacidade do indivíduo para
realizar atividades do dia a dia, como ocorre, por exemplo, com as alterações
decorrentes do processo normal de envelhecimento cerebral onde a redução
do número de células neuronais implica na redução do processamento de
informação e declínio da memória operacional sem que o indivíduo deixe de
fazer qualquer atividade diária que já realizava (RAZ, 1999). Por outro lado, na
presença de quadros patológicos (tema do Módulo IV deste curso), as perdas
cognitivas acontecem em intensidade maior, provocadas por alterações
significativas do sistema nervoso central, e resultam em graves prejuízos
funcionais (CANÇADO; HORTA, 2002).

3.2 Memoria e Aprendizagem


A memória corresponde à função do sistema nervoso que permite a retenção
das informações/percepções para utilização posteriormente. O processo de
memorização pode ser entendido como o resultado da consolidação de um
conhecimento ou comportamento, que podem ser resgatados quando
necessários (IZQUIERDO, 2011).

Contudo, nem toda informação precisa ser armazenada por longo período de
tempo. A memória de curto prazo corresponde à capacidade de manter alguma
informação consciente durante um pequeno intervalo de tempo e memória de
longo prazo implica no armazenamento ilimitado de informações que são
armazenadas por longo período de tempo.

O processo de memorização ocorre a partir de três estágios (IZQUIERDO,


2011):

1) codificação ou percepção – consiste em receber as informações por meio


dos órgãos sensoriais e criar padrões de assimilação das mesmas;

2) armazenamento ou retenção – implica na manutenção das informações, isto


é, registros que são produzidos a partir da modificação das redes neurais;

3) recuperação ou evocação – corresponde à utilização do que foi armazenado,


ou seja, é o processo de lembrar aquilo que foi registrado.

A memória operacional engloba, além do armazenamento, a manipulação de


informações. Trata-se de uma memória de curto prazo, isto é, a informação é
retida por um curto período de tempo, e que envolve participação consciente no
processo de escolha e manipulação das informações a serem lembradas
(BERTOLUCCI, 2000). Um exemplo desse tipo de operação é a realização de
cálculos feitos mentalmente (sem o uso de papel e lápis para visualizar os
números). A memória operacional também é chamada de memória de trabalho,
mas este é um termo mais recomendado pelos especialistas e foi empregado
no português em função de uma tradução literal do termo em inglês working
memory.

O termo memória imediata é, em geral, utilizado para falar do armazenamento


de informações que dura apenas alguns segundos e não implica na
manipulação das informações como ocorre com a memória operacional.
Contudo, algumas vezes a memória imediata aparece na literatura citada como
correlato da memória operacional.
O tempo de armazenamento da memória operacional é apenas o suficiente
para que a informação seja utilizada para conclusão de uma tarefa. Depois de
concluído o procedimento que demandava a informação armazenada, ela é
descartada (BERTOLUCCI, 2000). O processo de repetição e atenção é o que
garante a manutenção deste tipo de memória e pode aumentar o tempo de
armazenamento da mesma, mas não a torna permanente. Quando a
informação precisa ser armazenada para além do cumprimento de uma tarefa
ela passa a ser uma memória de longo prazo.
A memória de longo prazo é dividida em memória explícita ou declarativa e
memória implícita ou não declarativa. A memória explícita corresponde ao
armazenamento e à recordação de eventos, de lembranças que podem ser
declaradas verbalmente ou com a lembrança de imagens do fato ocorrido
(BUENO; OLIVERIA, 2004).
A memória explícita está subdivida em memória semântica e memória
episódica. A semântica envolve o conhecimento de fatos que não estão
temporalmente delimitados, isto é, o indivíduo não é capaz de identificar em
que momento adquiriu determinada informação. Trata-se da memória de
conceitos, de conhecimentos gerais sobre o mundo adquiridos ao longo da
vida. A memória episódica é relacionada ao tempo, e a memória dos
acontecimentos da vida conhecida como a memória autobiográfica, embora
não se restrinja aos eventos pessoais (BUENO; OLIVERIA, 2004).
A memória implícita envolve o armazenamento de habilidades motoras e
condicionadas que exigem a participação consciente para que sejam emitidas,
isto é, não é necessário pensar nelas ou declará-las verbalmente para emissão
do conhecimento aprendido. Fazem parte da memória implícita as memórias
obtidas por condicionamento, como: memórias de procedimento; memórias
associativa e não associativa; e memória de representação perceptual
(BUENO; OLIVERIA, 2004).

A memória de procedimento envolve toda habilidade e comportamentos


habituais como, por exemplo, escovar os dentes e andar de bicicleta. As
memórias, associativa e não associativa são àquelas obtidas por
condicionamento clássico, como aprendizados obtidos a partir da exposição a
estímulo associados (BUENO; OLIVERIA, 2004). Por exemplo, uma sirene
pode ser um alerta para o qual nosso reflexo seria ficar atento à fonte que
causou o barulho, contudo, se a sirene ocorrer, frequentemente, em seu
ambiente e não exigir reação, sem que você se dê conta conseguirá ouvi-la e
ignorá-la de forma automática, pois um armazenado da memória implícita
indica que este barulho corresponde a algo a ser ignorado e não a um alerta
que demanda resposta.

A memória de representação perceptual corresponde àquelas memórias para


as quais podemos não ter registros padronizados, mas permitem algum tipo de
reconhecimento evocado por “pistas” (priming). Por exemplo, fragmentos de
imagens, odores, sons, partes de um texto podem ser armazenados mesmo
sem que sejam estabelecidas conexões completas sobre esta informação, ou
seja, mesmo sem saber o que é ou para que serve algo é possível armazená-lo
em nossa memória de representação perceptual.

Vem sendo descrito na literatura que um conteúdo carregado de emoções,


sejam elas positivas ou negativas, é mais facilmente evocado que os
conteúdos sem emoção. A explicação para memória emocional parece estar
nos componentes neuroanatômicos envolvidos no processo de memorização.
A amígdala – estrutura do lobo temporal medial – parece ser a responsável por
modular alguns conteúdos da memória declarativa conferindo-lhes uma
espécie de alerta, um destaque (BUENO; OLIVERIA, 2004).
As experiências de caráter afetivo seriam processadas na fase de codificação
via amígdala, que lhes confere uma facilitação na percepção. Assim, no
momento da evocação estas lembranças emocionalmente armazenadas
estariam mais vívidas que aquelas não processadas no sistema límbico.

3.3ATENCAO

Sternberg e Osório (2000) definiram a atenção como “fenômeno pelo qual o ser humano
processa ativamente uma quantidade limitada de informações de enorme montante de
informações disponíveis através dos órgãos dos sentidos, de memórias armazenadas e de
outros processos cognitivos”.

A atenção pode ser entendida a partir de suas diversas funções:

- função seletiva – permite o processamento de uma fonte de informação em detrimento de


outras fontes das quais o indivíduo está exposto simultaneamente;

- função de atenção dividida – permite o processamento simultâneo de mais de uma fonte de


informação. Utilizada quando mais de uma tarefa tem que ser executada ao mesmo tempo;

- função interruptora da atenção – possibilita um processamento alternado entre uma fonte e


outra de estimulação;

- função sustentadora ou concentrada da atenção – envolve focar em uma única fonte de


informação por longo período de tempo.

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