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NOVEMBRO 2020
1.Introdução
O ensino de inglês como língua
adicional vem crescendo em
todo o mundo. A língua inglesa
tem sido amplamente utilizada
no meio científico, de negócios
e em campos mais ligados à
tecnologia digital, como o
comércio eletrônico. Isso tem
levado governos de vários
países, assim como instituições
privadas, a intensificar o ensino
desse idioma desde a pré-escola
até a educação superior, seja
como ensino de língua tradicio-
nal ou como meio de instrução
(MARSH, 2006). Pesquisas mos-
tram que abordagens tradicio-
nais, ou seja, com base na estru-
tura gramatical hierárquica da
língua, ainda predominam no
mundo (SHAULES, 2018;
CAMMARATA et al., 2016). Em
nossa experiência, também
constatamos panorama similar
no Brasil. Se analisarmos o
material didático utilizado em
cursos de idiomas e aulas de
inglês de forma geral, percebe-
mos que o currículo é desenha-
do em torno de estruturas
gramaticais, scripts pré-defini-
dos de diálogos artificiais e
treino de vocabulário em con-
textos superficiais.
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Dentro da Linguística Aplicada, a disciplina Aquisição de Segunda Língua (ASL) é a sub-
-área que se dedica ao estudo de como as pessoas desenvolvem uma língua adicional. Em
2011, o linguista Dwight Atkinson e outros pesquisadores de ASL escreveram o livro
Alternative Approaches to Second Language Acquisition (Abordagens Alternativas para a
Aquisição de Segunda Língua), no qual apresentam seis teorias de aprendizagem de
língua adicional que se contrapõem à visão predominantemente cognitivista que prevale-
ce na disciplina. Mesmo reconhecendo a influência do contexto social, é essa visão cogniti-
vista que domina as pesquisas e teorias da área e entende a aquisição da língua como um
processo fundamentalmente intelectual, que se desenvolve, portanto, nos domínios inter-
nos da mente por meio do processamento de informações. Em linhas gerais, essas teorias
alternativas enfatizam a necessidade de olhar a aquisição da língua adicional para muito
além de um processo eminentemente interno, e considerando que é uma atividade social
ecologicamente situada, em que o sujeito interage com outros, com o ambiente e com os
artefatos e sistemas existentes nesse ambiente, influenciando e sendo influenciado por
eles (ATKINSON, 2011).
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2. INTERSEÇÕES ENTRE
A DISCIPLINA AQUISIÇÃO DE SEGUNDA
LÍNGUA (ASL) E NEUROCIÊNCIA
Com sua natureza biológica, química e física, a Neurociência pode enriquecer o debate
em torno das teorias de aprendizagem, que são baseadas em observações de comporta-
mento, e de suas derivações em forma de abordagens metodológicas. As intersecções
entre a Neurociência, a Psicologia e a Educação geraram até mesmo uma nova área de
conhecimento e disciplina acadêmica que vem ganhando espaço na academia e se desen-
volvendo. Uma das especialistas nessa nova disciplina é a Dra. Tracey Tokuhama-Espino-
sa, que, em 2011, publicou o livro Mind, Brain, and Education Science [A Ciência da Mente,
Cérebro e Educação], em que compila conhecimentos resultantes da interseção dessas três
áreas. Com o avanço da Neurociência aplicada, vale a pena, para professores e outros pro-
fissionais da educação, conhecer mais sobre o cérebro e os processos neurais que estão
envolvidos na aprendizagem de forma geral e, mais especificamente, na aprendizagem
de língua adicional, para tentar encontrar possíveis explicações para a ineficácia das
metodologias de ensino de inglês baseadas na estrutura gramatical hierárquica da língua,
que ainda são prevalentes no Brasil e no mundo e inferir caminhos metodológicos mais
eficazes.
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Gotlieb (2020, pos. 6797, tradução nossa), “extensivas pesquisas agora deixam claro que as
redes neurais que sustentam as emoções e as sensações do corpo são funcionalmente entre-
laçadas. […] As emoções são uma dimensão essencial e onipresente do pensamento,
importantes para mudar padrões de pensamento e para formar e evocar memórias.”
O neurocientista e engenheiro Daniel Wolpert (2011) abre sua palestra no TED com uma
afirmação contundente: “A única razão de termos um cérebro é para produzir movimentos
complexos e adaptáveis. O movimento é a única maneira que temos de afetar o mundo à
nossa volta.” Ele sustenta sua afirmação dizendo que qualquer atuação humana que possa-
mos imaginar demanda movimentos musculares para sua execução. É o caso, por exemplo,
da comunicação, seja ela oral, escrita ou gestual. Apesar de soar exagerada a princípio, a
afirmação chama a nossa atenção para a importância dos movimentos corporais em qual-
quer atividade. Nesse sentido, teorias de aprendizagem como Embodied Cognition [Cogni-
ção Corporificada/Incorporada], Embeddedness [Integração], Enactivism [Enativismo], clas-
sificadas como não-cartesianas (ELLIS, 2019), se contrapõem à visão puramente cognitivis-
ta da aprendizagem na medida em que defendem um olhar multidimensional, ressaltando
que outras dimensões, como a emocional, sensorial e social, são igualmente fundamentais
nesse processo.
No ensino de inglês para jovens e adultos, essas descobertas são particularmente relevantes
porque estão em flagrante desalinho com as práticas mais comuns em sala de aula. Linhas
de pesquisa específicas nessa área defendem que o ensino de língua adicional que é calcado
exclusivamente em processos cognitivos, ignorando as demais dimensões, tende a ‘empa-
car' em níveis mais simples de processamento cognitivo. Ao adotar uma visão de que a
aprendizagem de uma língua adicional é uma atividade meramente intelectual, o ensino
pode funcionar para objetivos mais limitados e imediatistas como, por exemplo, conseguir
bons resultados em testes (SHAULES, 2018). Entretanto, quando o objetivo é levar alunos
a um domínio efetivo de uma língua adicional, é necessário que se considerem todas as
dimensões envolvidas nesse processo.
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profundo e complexo do que a memorização de palavras e estruturas gramaticais em con-
textos superficiais, passamos a analisar os fatores envolvidos em aprendizagem de uma
maneira mais holística e abrangente e buscamos modos de integrá-los em uma proposta
pedagógica multidimensional. Analisemos, então, alguns processos do funcionamento do
cérebro relacionados à aprendizagem, especialmente à aprendizagem do inglês por adul-
tos.
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3. O CÉREBRO E PROCESSOS
NEURAIS QUE CONSTITUEM
A BASE DA APRENDIZAGEM
Quadro 1 - Principais estruturas do Sistema Nervoso Central (SNC) e resumo de suas funções
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Fontes de informação: KANDEL et al. (2014) e TIEPPO (2019)
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Fig. 1 - Corte sagital do SNC - algumas das estruturas citadas (ver as demais na Fig.2)
NÚCLEOS DA BASE
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A principal célula do sistema nervoso é o neurônio (Fig.3). Ele é formado pelas seguintes
estruturas:
Os oligodendrócitos são um dos vários tipos de células da glia, que também compõem o
sistema nervoso e são muito mais numerosas que os neurônios. As células da glia têm
várias funções de suporte aos neurônios. Elas são responsáveis pela nutrição dos neurô-
nios, manutenção do balanço iônico fora das células, defesa e eliminação de material morto
ou infeccioso. O que chamamos de massa cinzenta é a reunião dos corpos de neurônios. A
massa branca reúne os axônios e a cor é dada pela mielina, que é composta de 80% de
lipídeos (DUMONTHEIL e MARECHAL, 2020).
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De maneira geral, o ser humano nasce com todos os neurônios que usará durante a sua
vida, sendo que no hipocampo ocorre uma produção limitada de novos neurônios. O obje-
tivo específico dessa produção ainda é causa de um grande debate entre pesquisadores da
área. Em números aproximados, pode-se dizer que o cérebro tem cerca de 100 bilhões de
neurônios. O número ainda mais aproximado de 86 bilhões foi encontrado pela neurocien-
tista, pesquisadora e professora brasileira Suzana Herculano-Hozel, que desenvolveu uma
técnica inovadora de contagem de neurônios (TIEPPO, 2019). Cada neurônio pode fazer até
10.000 conexões! Essas conexões entre os neurônios são as sinapses. Na infância, a quanti-
dade de sinapses se multiplica, atingindo um total que, em algumas regiões do cérebro,
chega a ser 150% maior que o total típico de um adulto para, em seguida, começar o proces-
so inverso, ou seja de eliminação de sinapses. A redução do número de sinapses se chama
poda neural e ocorre de maneira dinâmica e não linear, ou seja, em épocas diferentes para
diferentes regiões do cérebro, desde a infância até o início da idade adulta. Essa poda
neural é interpretada como necessária para a estabilização de comportamentos (DUMON-
THEIL e MARESCHAL, 2020).
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Quadro 2 - Principais neurotransmissores e algumas de suas funções
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3.2. PRINCIPAIS PROCESSOS QUE CONSTITUEM A BASE
DA APRENDIZAGEM E SUA RELAÇÃO COM A
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ADICIONAL
Descrevemos, nesta seção, os seguintes processos: a atenção, as funções executivas, a
memória, as emoções, os sentimentos, e a relação de cada um desses processos com a
aprendizagem e seus possíveis efeitos no ensino da língua adicional.
No livro How we Learn: why our brains learn better than any machine… for now [Como apren-
demos: por que nossos cérebros aprendem melhor que qualquer máquina… por enquan-
to], de 2020, o neurocientista e matemático francês, Dr. Stanislas Dehaene, coloca a aten-
ção como um dos quatro pilares da aprendizagem e dedica um capítulo a ela (os outros
pilares são engajamento ativo, feedback sobre erros e consolidação). Segundo ele, a atenção
está presente em diversos circuitos cerebrais devido ao seu papel fundamental na identi-
ficação de informações relevantes. Ele cita três sistemas de atenção identificados pelo
psicólogo e neurocientista americano Michael Posner: o sistema de alerta, que determina
o nosso nível de vigília e indica quando prestar atenção a algum estímulo sensorial
impactante; o de orientação, que sinaliza a quê prestar atenção e amplifica o objeto de
interesse; e o de atenção executiva, que decide como processar a informação, seleciona os
processos relevantes para uma determinada tarefa e controla sua execução (DEHAENE,
2020).
O cérebro do adulto já não tem mais a mesma plasticidade do cérebro das crianças e ado-
lescentes. Em entrevista para um canal do YouTube, Dr. Andrew Huberman (2020), neu-
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rocientista da Universidade Stanford, explica que para o adulto aprender coisas novas, é
preciso que os sistemas de atenção sejam acionados com bastante intensidade. Eles são
mediados por dois neurotransmissores: a noradrenalina e a acetilcolina. O primeiro nos
tira da imobilidade, nos deixando em estado de alerta, prontos para 'entrar em ação'; o
segundo nos ajuda a focar no objeto do nosso interesse. Essa demanda sobre o cérebro
causa agitação e vontade de desistir, mas é preciso resistir a ela se realmente houver
intenção de aprender. O efeito do estresse inicial causado pela acetilcolina pode ser atenu-
ado por outro neurotransmissor, a dopamina. Ela é responsável pelo "bem-estar que
sentimos quando achamos que estamos no caminho certo”, diz Huberman, e também
pode ser gerada pela brincadeira, o bom-humor e por um bom trabalho em equipe onde
os componentes se ajudem.
Pesquisas mostram que ter funções executivas bem desenvolvidas são uma medida mais
confiável que o QI (quociente de inteligência) para prever sucesso acadêmico e na carrei-
ra. A cientista cognitiva Sabine Doebel (2018) , em sua palestra na TEDx, falou sobre a
influência do contexto no desenvolvimento das funções executivas. Ela critica a maneira
como o suposto treinamento das funções executivas começou a ser amplamente explora-
do comercialmente, de aplicativos em smart phones a jogos de computadores, ou mesmo a
‘prescrição' de atividades como, por exemplo, jogar xadrez com o intuito de desenvolver
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essas funções. Em seguida, ela mostra exemplos de experiências com crianças em seu
laboratório para demonstrar a força da influência do grupo, ou seja, do contexto social na
tomada de decisões. O neurocientista e professor Facundo Manes (2020) em uma aula
sobre emoção x razão, reforça essa ideia e diz que “nos interessa mais pertencer a uma
tribo que a verdade” e completa, “o contexto influencia na maneira como pensamos,
sentimos e decidimos”. Huberman (2020) afirma que a maior força motivadora da decisão
de adultos de aprender coisas novas é a pressão social.
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3.2.2. MEMÓRIA
Juntamente com a atenção, a memória é essencial para a aprendizagem. Trata-se de um
processo que envolve o processamento, codificação, armazenamento ou consolidação e
evocação de informações. Há vários tipos de memória e elas são classificadas segundo
diferentes critérios. No Quadro 3 definimos as memórias de longa duração que são rele-
vantes para a aprendizagem.
Essas classificações, apesar de didáticas, oferecem o risco de que olhemos para os proces-
sos de memorização como algo que ocorre ‘aos pedaços’, de maneira isolada. Nesse senti-
do, Duff et al. (2020) defendem que há mais integração entre memória episódica e memó-
ria semântica do que proposto anteriormente. Eles afirmam que, assim como a memória
episódica é caracterizada e medida pela riqueza de informações multimodais associadas
a uma determinada experiência, a memória semântica também pode ser caracterizada e
medida pela riqueza de informações associadas a determinada palavra (assim como aos
fatos, conceitos e conhecimento em geral), o que é denominado de riqueza semântica. A
palavra pode estar associada a outras palavras, a uma imagem ou imagens, à concretude
dos sentidos: cheiro, sabor, cor, forma, som, sensação tátil e suas nuances. Quanto mais
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associações, melhor será memorizada e, consequentemente, lembrada. Experimentos
demonstram que a quantidade de contextos diferentes em que essa palavra ocorre
também parece ser um fator mais facilitador da memorização do que a simples frequência
da ocorrência. Os pesquisadores alegam que, tanto estudos anteriores, que foram pouco
considerados, quanto estudos mais recentes demonstram a interdependência dos dois
tipos de memória declarativa e concluem dizendo:
Outro ponto importante derivado desses argumentos e trazido por Li e Jeong (2020) é o
que eles chamam de “representação léxica parasítica, [quando] uma palavra da Língua 2
é convenientemente associada a um sistema conceitual já estabelecido na Língua 1” (p.4,
tradução nossa). Além desse tipo de ligação ser fraca, a representação dessa palavra da
Língua 2 na memória fica desprovida de riqueza semântica e, portanto, menos acessível.
Igualmente relevante é a questão da aprendizagem implícita (inconsciente). Teorias emer-
gentistas (essencialmente cognitivistas) de aquisição de segunda língua têm uma visão
estatística da aprendizagem, ou seja, defendem que quanto maior a frequência da experi-
ência, mais fortes serão as representações geradas e reconhecem a influência incontestá-
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vel da aprendizagem implícita (ELLIS, 2019). Segundo Ullman (2020) vários sistemas de
memória dão sustentação à aprendizagem implícita, mas a função da memória procedu-
ral está relacionada apenas com a aprendizagem implícita.
É de conhecimento geral que crianças aprendem mais de uma língua com facilidade sim-
plesmente se são expostas a elas por um período de tempo razoável e querem ou preci-
sam interagir com outras pessoas. Essa aprendizagem natural, insconsciente e gradual é
atribuída à memória procedural. Em um contexto de sala de aula, especialmente com
adultos, a utilização da memória procedural não é muito estimulada uma vez que a maio-
ria dos métodos recorre ao treino consciente de estruturas gramaticais. Segundo o
linguista Michael Ullman (2020), essa prática, ao se basear no uso da memória declarativa,
pode desestimular o uso da memória procedural, o oposto do que ocorre em contextos de
aprendizagem natural ou informal, como uma experiência de imersão na língua. Discuti-
remos mais a teoria de Ullman adiante, na Seção 4.
São várias as estruturas cerebrais relacionadas à formação dos diversos tipos de memória.
O hipocampo, que antes se entendia como o principal centro de processamento da memó-
ria episódica, agora é visto como também importante no processamento da memória
semântica e envolvido até mesmo como a memória de trabalho e a memória implícita
(Duff et al. 2020). Isso nos leva a inferir que os diversos processos de memória, estudados
e descritos de maneira isolada, são interdependentes e ocorrem simultaneamente.
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3.2.3. EMOÇÕES E SENTIMENTOS
Em termos evolucionários, a emoções são comportamentos acionados em decorrência das
interações com o ambiente, seja por motivo de sobrevivência ou de reprodução (TYNG et
al., 2017). As emoções básicas são alegria, tristeza, raiva, nojo, medo e surpresa. Elas
geram alterações físico-químicas no corpo que provocam reações (movimentos), as quais
podem ir, desde um simples sorriso gerado pela alegria, até dilatação das pupilas, revira-
voltas no estômago e acionamento de toda a musculatura e articulações para fugir de
uma determinada situação que gerou medo, por exemplo. Apesar de frequentemente
confundidos, sentimentos não são o mesmo que emoções. Eles são a forma como percebe-
mos as emoções; é a avaliação cognitiva que fazemos das reações que elas nos causam,
atribuindo uma valência positiva ou negativa. (DAMÁSIO, 2012; TIEPPO, 2019)
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O Quadro 4, abaixo, mostra sete sistemas emocionais primários identificados por Pankse-
ep (2011, 2014), que segundo ele, são a origem dos sentimentos afetivos e determinam
comportamentos que buscam recompensa, prazer, sobrevivência, ou evitam a dor, o sofri-
mento, a morte.
Neuropeptídeo Y, CRF
FEAR Ansiedade
Desenhado para ajudar os animais a escapar ou
(fator liberador
evitar perigos que levem a sérios danos ou morte.
(MEDO)
de corticotrofina)
Fontes: adaptação a partir de PANKSEEP (2011) e da palestra feita pelo cientista na TEDx Rainier (2014)
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De acordo com Tyng et al. (2017), para Pankseep, as ações desencadeadas pelas emoções
primárias levam à aprendizagem associativa, ou seja, memorizamos o que nos leva ao
prazer e o que nos dá dor. Essas informações passam, então para áreas mais sofisticadas
do córtex, especialmente o pré-frontal, para que as utilizemos em nossos planejamentos
futuros, tendo como base nossas experiências prévias. Portanto, a compreensão do fun-
cionamento desses sistemas pode nos oferecer grandes insights para a melhoria do pro-
cesso de ensino-aprendizagem por meio de intervenções pedagógicas que visem ativar os
sistemas emocionais que geram sentimentos afetivos positivos (SEEK, CARE e PLAY) e
inibir os negativos (RAGE, FEAR e PANIC).
O raciocínio oposto também é verdadeiro, ou seja, se o que o aluno está aprendendo des-
perta seu interesse, sua curiosidade e suas motivações, e ele vê conexão com o mundo real
e com suas necessidades, ele se conectará emocionalmente ao processo de aprendizagem
e de maneira profunda. Aprender de verdade gerará grande prazer e será a sua recom-
pensa, tornando irrelevantes e desnecessárias quaisquer premiações extrínsecas e superfi-
ciais (IMMORDINO-YANG e GOTLIEB, 2020). Podemos considerar que este é um exce-
lente exemplo de uso do sistema SEEK.
Outra questão que merece bastante atenção quando se trata de ambiente escolar são os
sentimentos afetivos gerados pelo sistema primário CARE, ou seja, amor, carinho, interes-
se pelo aluno. A produção de ocitocina não é privilégio apenas das mães e recém-nasci-
dos. Em sua palestra na TED, o neuroeconomista Paul Zak (2011), fala da liberação de
ocitocina quando realmente nos conectamos com os outros, quando trocamos carinho e
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quando confiamos em alguém. Em nossa experiência, observamos que alunos, sejam
crianças ou adultos, que sentem um interesse genuíno de seus professores por eles e por
orientar bem seu processo de aprendizagem, tendem a se envolver mais com as aulas, se
sentem seguros e confiantes de que conseguirão de fato aprender e motivados a aprender
mais. Baseado nas pesquisas de Paul Zak, é razoável concluir que, tanto esses professores
quanto seus alunos provavelmente produzem bastante ocitocina em suas interações!
Não por acaso, uma meta-análise com 500.000 estudos feita pelo Prof. John Hattie, diretor
do Instituto de Pesquisa em Educação da Universidade de Melbourne, Austrália e pesqui-
sador da área de Ciência da Aprendizagem, mostrou que o impacto dos professores na
aprendizagem dos alunos é maior que qualquer outro fator que tem feito parte das
discussões sobre a área, como tamanho da turma, tecnologia, instrução individualizada,
mudanças nos horários e calendário escolar e separação de alunos por nível de habilida-
de. As expectativas do professor em relação à capacidade e à performance do aluno e seu
nível de expertise ficaram no topo do ranking dos fatores pesquisados. A pesquisa
também apontou que professores que rotulam seus alunos de acordo com suas habilida-
des e demonstram baixas expectativas em relação a eles chegam a ter impacto negativo
nos resultados de aprendizagem (QUEENSLAND BRAIN INSTITUTE, 2020b). Ao con-
trário do sistema CARE, é preciso evitar que o sistema PANIC seja acionado. A área de
pesquisa do neurocientista Matthew Lieberman é “o cérebro social”. Em sua palestra na
TEDx ST. Louis (LIEBERMAN, 2013), ele fala da necessidade básica dos seres humanos
de se relacionarem uns com os outros e da dor que é gerada quando nos sentimos excluí-
dos, inclusive demonstrando que a dor física e a dor emocional são processadas na
mesma região do cérebro. Ele defende uma inversão da famosa pirâmide de Maslow, que
considera que as primeiras necessidades que os seres humanos tentam atender são as
físicas, ou seja, comida, água e abrigo. Em segundo lugar viriam as necessidades sociais.
Lieberman defende que a necessidade primordial de qualquer mamífero, e mais ainda do
ser humano, é estabelecer conexões sociais. Talvez pareça exagerado, já que, para o nosso
corpo físico se manter vivo, precisamos de comida antes de qualquer coisa, mas, as cone-
xões sociais certamente estão na base de uma 'pirâmide emocional' e as emoções são o
grande 'drive' da nossa vida. De especial relevância para o ambiente de aprendizagem,
Lieberman defende a ideia de que nosso cérebro está equipado para ensinar o que apren-
demos e que isso traz grande prazer. A partir dessas descobertas, podemos concluir que
o bom professor garante uma sala de aula colaborativa e inclusiva, onde alunos são esti-
mulados a aprender para ensinar e, assim, se engajarem profundamente no processo de
aprendizagem.
Não menos importante para a sala de aula é o sistema emocional PLAY. É bastante óbvia
a ideia de que manter um clima leve e descontraído na sala de aula ajuda a manter o inte-
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resse dos alunos. Estudos mostram que o uso do humor em sala de aula leva a uma dimi-
nuição da produção de hormônios como o cortisol e a adrenalina, que são ligados ao
estresse, e a um aumento da ativação do sistema dopaminérgico. Entretanto, para conse-
guir esses benefícios, é importante que o humor não seja aleatório, mas que esteja relacio-
nado ao conteúdo (SAVAGE et al., 2017).
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4. COMO ESSE CONHECIMENTO
PODE EXPLICAR, PELO MENOS
PARCIALMENTE, A BAIXA EFICÁCIA DOS
CURSOS DE INGLÊS PARA JOVENS
E ADULTOS E QUE POSSÍVEIS CAMINHOS
PODERIAM TORNÁ-LOS MAIS EFICAZES
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tão desinteressante que é necessário apelar para estratégias extrínsecas para ganhar a
atenção e a participação do aluno.
Isso leva a uma questão essencial para a nossa discussão: o que é o 'objeto de estudo’ em
um curso de inglês tradicional? Ao invés de ser o uso que se faz da língua, o objeto de
estudo nesse tipo de curso é o funcionamento da língua, ou seja, apenas a mecânica dela.
Cammarata (2016) traz a visão de língua da Teoria Sociocultural moderna, segundo a qual
a função primária da língua não é apenas a de comunicação de informações, mas a de um
meio para pensar, construir conhecimento e negociar a identidade social. Ainda que se
abrace apenas a função de língua como um meio de comunicação, tentar ensinar a língua
adicional por meio de explicações de como suas estruturas funcionam, com subsequente
treino destas, não leva à aquisição dessa língua conforme defende Krashen (2009).
Esse linguista deu início, na década de 1970, a uma discussão que reverbera até hoje no
meio acadêmico da área de ASL. Apesar das críticas desse meio, sua teoria de aquisição
da segunda língua deu respaldo a abordagens e metodologias bem-sucedidas como o
Canadian Immersion [Imersão Candadense] e outras utilizadas em ensino de língua por
meio de conteúdos diversos e educação bilíngue (LIGHTBOWN E SPADA, 2015). Segun-
do Krashen (2009), a única condição que leva ao desenvolvimento da língua adicional é a
exposição a comprehensible input [pode ser interpretado como 'estímulo compreensível' ou
‘conteúdo compreensível’], que ele define como sendo ‘i + 1’, onde ‘i' é o estado linguístico
atual do aluno e ‘1' é o que ele está pronto para internalizar 1. Para Krashen, há uma distin-
ção clara entre aquisição e aprendizagem da língua: no processo de aquisição, a língua é
internalizada de maneira não consciente (sem necessidade de prestar atenção ao funcio-
namento dela), por meio da exposição a comprehensible input (mais ou menos como apren-
demos a primeira língua); já o processo de aprendizagem é consciente e serve apenas para
que o aluno corrija aquilo que ele já internalizou. Além disso, Krashen afirma que apren-
dizagem não se transforma em aquisição. Um outro ponto relevante dessa teoria é a
alegação de que o motivo pelo qual muitos alunos não aprendem, apesar de serem expos-
tos a comprehensible input, é a interferência dos ‘filtros afetivos’, ou seja, a interferência
negativa da emoção sobre a cognição!
A teoria proposta pelo linguista Michael Ullman com base em experimentos neurocientí-
ficos sobre a memória explícita e a memória procedural parece corroborar, em parte, o
que Krashen prega, há quase cinco décadas, a respeito da independência das duas vias de
desenvolvimento da segunda língua: a aquisição (não consciente) e a aprendizagem
(consciente). Vejamos uma das conclusões de Ullman (2020):
1
Utilizamos ‘aquisição' como tradução do substantivo ‘acquisition’. Para o verbo ‘acquire’, utilizamos ‘internalizar'.
26
aprendizagem (consciente). Vejamos uma das conclusões de Ullman (2020):
“[…] a proceduralização da gramática não se constitui de uma ‘transformação'
das representações declarativas em representações procedurais, mas da aquisi-
ção gradual do conhecimento gramatical pela memória implícita; a dependência
da memória implícita vai aumentando enquanto decresce a dependência de um
conhecimento gramatical análogo que foi aprendido via memória declarati-
va.”(p. 150, tradução nossa)
Essa constatação tem um certo paralelo com o que Krashen diz a respeito da não transfor-
mação de aprendizagem em aquisição, apesar de Krashen não admitir qualquer efeito
direto da aprendizagem consciente sobre o desenvolvimento da língua, como ele deixa
claro na seguinte afirmação:
Em resumo, para Krashen, a aquisição da língua será sempre não consciente e incidental.
Quando, por exemplo, o professor usa apenas a língua adicional em sala de aula para
ensinar as regras gramaticais e dar as instruções para o treino delas, a aquisição que ocor-
rerá será incidental e não derivada da compreensão daquelas regras ou do treino em si.
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do o sistema da memória declarativa, também servem de base para a memória
implícita.” (p. 155, tradução nossa)
No que diz respeito à prática de sala de aula, Ullman (2020) sugere que tarefas em que se
propõe que o aluno direcione sua atenção a outra coisa que não à estrutura gramatical da
língua podem encorajar a proceduralização. Isso combina perfeitamente com a afirmação
de Krashen (2009) de que o input ideal leva o aluno a focar na mensagem e não na forma
e que se for realmente interessante e relevante, o aluno pode até mesmo esquecer que a
mensagem está sendo passada na língua adicional!
Shaules (2018) propõe uma visão menos cognitivista da aprendizagem da língua adicio-
nal, que vá além da discussão de aprendizagem implícita e explícita; uma visão mais
holística e corporificada do aprendiz e mais psicológica da aprendizagem. Para ele, a
teoria de Deep Learning [Aprendizagem Profunda] possibilita essa visão porque enxerga a
aprendizagem da língua adicional no contexto de nossas experiências intuitivas do
mundo, e os desafios psicológicos de fazer ajustes de identidade. Em termos de pedago-
gia, isso se reflete em "focar nos sentimentos, necessidades, frustrações, aptidões, motiva-
ções e personalidade de cada aluno individualmente.” (p.12, tradução nossa) Shaules
ainda recomenda que os alunos sejam incentivados a compreender tudo que está envolvi-
do em um processo de aprendizagem profunda para que tenham plena consciência de
seus próprios processos e consigam reconhecer que condições os levam a uma melhor
aprendizagem.
Acreditamos que as evidências trazidas à tona pela neurociência que elencamos neste
trabalho dão uma boa noção das razões pelas quais os cursos de inglês para jovens e adul-
tos que se baseiam principalmente no conhecimento explícito do funcionamento da
língua adicional (gramática) não são eficazes em levar os alunos ao domínio dessa língua,
ou seja, não os levam à fluência. Baseado nessas mesmas razões, propomos, a seguir, uma
série de princípios que podem nortear um curso de inglês para jovens adultos que leve a
melhores resultados.
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Quadro 5 - Proposta de práticas pedagógicas baseadas nas descobertas da Neurociência
DESCOBERTAS/CONSTATAÇÕES
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
DA NEUROCIÊNCIA QUE CONTRIBUEM
CORRESPONDENTES
PARA UMA MELHOR APRENDIZAGEM
A atenção do aluno é potencializada pela Inserir meditação como uma prática recorrente e
meditação e exercícios de respiração. explicar os benefícios dela.
Evitar tentar motivar os alunos com base em Evitar basear a aula em jogos didáticos que têm o
fatores extrínsecos ao objeto da aprendizagem. único objetivo de ‘distrair’o aluno.
Potencializar o uso da memória implícita para Definir, como objetivo de cada aula, a exploração
proceduralizar/automatizar o uso da língua. profunda dos temas e experiências propostos.
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Para a execução dos 12 princípios pedagógicos propostos, é fundamental que o professor
entenda as teorias que dão sustentação a esses princípios e se mantenha como o principal
observador de sua própria prática. É igualmente importante que faça parte de uma comu-
nidade em que possa discutir teoria e prática, tanto com os pares quanto com mentores
e/ou estudiosos da área. Essas condições ficam cada vez mais evidentes em nossa prática
com a formação de professores para uso das metodologias de ensino de língua adicional
que temos desenvolvido ao longo de nossa atuação profissional.
É fundamental que o
professor entenda as teorias
que dão sustentação a esses
princípios e se mantenha
como o principal observador
de sua própria prática.
30
REFERÊNCIAS
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