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A Atenção Primária tem papel fundamental para as ações de Vigilância

em Saúde, uma vez que seu campo de atuação se estabelece a partir do


território que está inserida. Assim como exposto por Oliveira e Casanova

(…) é fundamental que a atenção básica organize seu


processo de trabalho tendo em vista a territorialidade, principal
pilar da vigilância da saúde. Ao trabalhar com mapeamento do
espaço de vida, induz-se a implementação de práticas de
saúde orientadas a contribuir para uma atuação planejada e
equânime sobre os problemas e as necessidades de saúde
(…) (2009, p. 931).

É a partir do processo de territorialização que as equipes de saúde


podem se aproximar e compreender as reais necessidades da população que
ali habita. Também, nesse processo podem estabelecer relações de confiança
e vínculo entre equipe de saúde e munícipes. Como estão dentro do território
há maior possibilidade de observação e de construção de espaços de
discussão e diálogo com a comunidade sobre as principais demandas e
preocupações dos cidadãos no que se refere às questões de saúde daquela
área de abrangência, questões essas que estão diretamente ligadas aos
determinantes sociais de saúde – condição de moradia, educação, cultura,
trabalho, renda – com isso, a atenção básica se apresenta como espaço
privilegiado para a prática da Vigilância em Saúde, principalmente as Equipes
de Saúde da Família, pois essas atuam através de uma compreensão ampliada
do processo saúde-doença.

Com a proposta de realização da territorialização como trabalho de


dispersão do primeiro semestre da residência, foi possível reiterar e reafirmar
como essa estratégia é essencial para o trabalho realizado pela Unidade
Básica de Saúde. Foi a partir dessa atividade que foi possível identificar as
principais demandas e necessidades da população e observar como, muitas
vezes, essas demandas não apareciam dentro dos espaços de discussão de
casos e matriciamento com as equipes de saúde, expondo como muitas vezes
não há um alinhamento entre os interesses da equipe de saúde e os interesses
da população atendida.
(…) é preciso estabelecer uma relação dialógica, em que é
essencial a escuta do outro, pois só assim se torna possível
identificar as reais necessidades, aquelas sentidas no cotidiano
da vida e que, em geral, não se coadunam com as observadas
pelos profissionais em sua prática. (OLIVEIRA, CASANOVA,
2009, p. 931)

Com o intenso processo de terceirização, do sucateamento e falta de


investimentos na área da saúde é notável que muitos serviços encontrem-se
precarizados, com insuficiência de insumos e, principalmente, grande
defasagem de recursos humanos. Essa situação impacta diretamente na oferta
de serviço das unidades de saúde, como exposto no trecho acima, por
exemplo, é necessário estabelecer espaços de escuta e diálogo para a
compreensão das reais demandas da população. Contudo, em muitas
unidades de saúde há pouca oferta de profissionais estabelecendo uma
organização de agenda que limita o tempo em 15 minutos por atendimento
para que, desse modo, seja possível atender um maior número de pessoas por
dia, podendo tornar o estabelecimento de um diálogo que instigue e investigue
mais profundamente as queixas dos usuários uma tarefa inviável. Também é
necessário pontuar a escassez de oferta de capacitações e espaços de
educação permanente para os profissionais de saúde, pois a intensa rotina e
cotidianidade favorecem práticas acríticas e mecanicistas, sendo
indispensáveis momentos para a reflexão e aprimoramento da prática para a
possibilidade de concepção de diferentes formas do agir e do pensar de cada
profissional. Aliado a isso, como exposto por Oliveira e Casanova,

Incentivar e motivar as equipes locais de atenção básica é um


importante dispositivo para promover a participação dos
trabalhadores de saúde nos processos decisórios da produção
da saúde, quando se busca uma relação mais humanizada
entre membros da equipe e usuários e a garantia de resultados
mais efetivos (2009, p. 932).

O espaço da reunião de planejamento e reuniões de equipe são, em


minha visão, potenciais para estimular e promover construções diferenciadas
da atuação e da relação entre trabalhadores de saúde e usuários na promoção
da saúde, como exposto pelos autores.

É possível observar dentro do cotidiano das Unidades Básicas de Saúde


(UBS) que a maior parte das ações de vigilância ainda se limitam a grupos
populacionais específicos, como gestantes, diabéticos e hipertensos. Pode-se
afirmar que o alcance das equipes de saúde para outras situações, como casos
de saúde mental e violência doméstica, por exemplo – situações muito comuns
no cotidiano dos territórios – são pouco exploradas e trabalhados pela unidade.
Na minha percepção pouco se faz de vigilância em saúde dentro das unidades
que estou inserida, até mesmo nos grupos populacionais específicos citados as
ações não se estendem ao território, atingindo somente aqueles que já
frequentam as UBS, caracterizando-se em ações centradas nas doenças e não
na promoção e prevenção da saúde da população.

É importante destacar também a fragilidade da articulação e trabalho


intersetorial das equipes das UBS, que habitualmente delegam essa tarefa à
equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB).
O trabalho intersetorial caracteriza-se como essencial dentro da atuação das
UBS, uma vez que as questões trazidas por muitos usuários extrapolam o
limite da atuação do serviço de saúde, sendo necessária a ação e intervenção
das diferentes esferas e políticas públicas.

(…) ao incorporar a ação intersetorial, permite-se que os


profissionais de vários setores contribuam com seus saberes,
linguagens e práticas para a melhoria da intervenção na saúde
(OLIVEIRA, CASANOVA, 2009, p. 933)

Dentro do atual contexto de pandemia, a atuação da Atenção Primária e


a prática da Vigilância em Saúde se fazem essenciais para o rastreamento e
monitoramento dos casos mais leves da COVID-19 e encaminhamento de
casos mais graves. Ainda, as práticas de educação em saúde são
extremamente necessárias para o fornecimento de informações, orientações e
recomendações oficiais e confiáveis sobre a doença. É imprescindível que as
UBS trabalhem sanando dúvidas e divulgando materiais explicativos sobre
formas de contágio, prevenção e cuidados referentes à COVID-19 através dos
mais diversos veículos de comunicação, como por exemplo, cartazes no
território, contato telefônico, redes sociais, por meio de visitas domiciliares de
agentes comunitárias de saúde onde há as equipes de Saúde da Família.

É importante ressaltar também a necessidade das equipes estarem


alertas para as demais questões de saúde de uma forma geral, principalmente
casos de saúde mental, situações de violência doméstica, doentes crônicos e
os demais casos mais graves que já eram acompanhados anteriormente, bem
como rastreamento de novos casos nessas condições.

As equipes de apoio também tem papel fundamental no auxílio do


monitoramento da população, bem como exercem um papel importante no
cuidado e acolhimento dos próprios trabalhadores de saúde no atual contexto,
que se apresenta através da mudança radical no cotidiano do trabalho, de
grandes incertezas e insegurança frente a pandemia.
REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, C. M.; CASANOVA, A. O. Vigilância da saúde no espaço de


práticas da atenção básica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n.
3, p. 929-936, 2009.

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