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Diagnóstico
Quadro Clinico
Os sintomas da CAD são de instalação rápida, variando de algumas horas a
cerca de dois dias, e incluem poliúria, polidipsia, perda de peso, náuseas, vômitos e
desconforto abdominal (mais comum em crianças). A presença de acidose metabólica
estimula o centro medular da respiração levando a respiração de Kussmaul. Outros
achados incluem o hálito cetônico e sinais de desidratação tais como diminuição do
turgor da pele, mucosas secas, taquicardia e hipotensão. A temperatura em geral é
abaixo do normal, podendo chegar até 34o C. Se febre estiver presente é provável a
existência de infecção. O estado mental pode variar desde alerta até letargia profunda.
Na chegada ao hospital cerca de 50% portadores de CAD estão alertas, sendo que
apenas 10% dos casos são hospitalizados com perda de consciência.
Avaliação Laboratorial
Os seguintes critérios laboratoriais são utilizados no diagnóstico da CAD:
glicemia > 250 mg/dl, pH arterial < 7,3, bicarbonato sérico < 15 mEq/l e graus variados
de cetonemia e/ou cetonúria. Estudos tem mostrado que amostras de sangue arterial ou
venoso podem ter uma concordância suficiente para serem utilizadas sem dinstição em
pacientes com CAD sem insuficiência respiratoria ou instabilidade hemodinâmica para
avaliação do pH e do bicarbonato. Com relação aos eletrólitos, entretanto, essa
correlação entre o sangue venoso e arterial já é mais complicada e os estudo mostram
uma ma correlação entre os valores de potássio na gasometria e amostras séricas.
A presença de drogas contendo radicais sulfidrila, tais como, o captopril, n-
acetilcisteina, penicilinamina ou metabolitos da levodopa podem levar a leituras falso-
positivas para cetonuria. Resultados falso-negativos podem ocorrer quando as tiras-
reagentes ficaram expostas por longo tempo ao ar ou na prsença de urina acida, por
exemplo após a ingesta de grandes quantidades de acido ascorbico. Também
devemos lembrar que a cetonúria pode ocorrer em até 20% das gestantes normais
após um pernoite. O desenvolvimento de testes laboratoriais com base nos valores de
β-hidroxibutirato sanguineo tem resolvido grande parte da avaliação da cetose nessas
situações.
A maioria dos pacientes com CAD apresentam leucocitose, que é proporcional
ao grau de acidose. As concentrações séricas de potássio são normais ou elevadas,
apesar da deficiência corporal total, devido ao seu deslocamento do intra para o
extracelular em decorrência da acidose metabólica, deficiência de insulina e
hipertonicidade. As concentrações séricas de sódio são geralmente baixas na CAD
devido ao fluxo de água do intra para o extracelular devido a hiperglicemia. Na Tabela 1
apresentamos os criterios para diagnostico e classificação da cetoacidose diabetica.
Tabela 1: Critérios para o diagnóstico e classificação da Cetoacidose
Diabetica
Critério Leve Moderado Grave
Glicemia > 250 mg/dl >250mg/dl > 250mg/dl
Anion Gap >10mEq/L >12mEq/L >12mEq/L
pH arterial 7.24 a 7.30 7.0 a < 7.24 <7.0
Osmolaridade Variável Variável Variável
efetiva
Estado mental Alerta Alerta /confuso Estupor/coma
Bicarbonato 15 a 18 mEq/L 10 a 15 mEq/L < 10 mEq/L
sérico
β-Hidroxibutirato 0.6 a 1.5 mmol/L 1.5 a 3 mmol/L > 3 mmol/L
plasmático
Cetona na urina Presente Presente Presente
Monitoração:
Avaliar o peso corposral (quando possível) do paciente e estimar o grau de
desidratação.
Avalie o grau de consciência (Escala de Glasgow)- monitoração horária.
Coletar amostra sanguínea: glicose, sódio, potássio, bicarbonato, Hb, Htc, pH
venoso e pCO2 a cada 2 - 4 horas.
Concentração do β-OH-butirato a cada 2 horas, (se disponível).
Glicemia e cetona capilar ou cetonúria de hora em hora.
Osmolaridade sérica cada 2 - 4 horas.
Cálcio, fósforo, magnésio ( se disponível).
Monitoração cardíaca (avaliação da onda T).
Fatores precipitantes
Nos pacientes com DM1, entre os fatores de risco para CAD estão a baixa idade,
o diabetes recém diagnosticado, a omissão ou diminuição significativa da insulina e as
infecções. Educação em diabetes é uma abordagem eficaz em prevenir a CAD por
omissão de insulina, ainda freqüente em nosso meio. As infecções mais comumente
encontradas são as pneumonias e infecções do trato urinário, que correspondem a 30-
50% dos casos infecciosos. Até 20% dos casos de CAD ocorrem ao diagnóstico do
quadro de diabetes. Menos frequentemente, drogas que afetam o metabolismo dos
carboidratos como corticoides, betabloqueadores e alguns antipsicóticos e condições
tais como abuso de álcool, infarto do miocárdio. Quando problemas mecânicos nas
bombas de infusão contínua de insulina interrompem o fluxo de insulina podem levar à
CAD. No Brasil os fatores precipitantes mais frequentes são má aderência ao
tratamento, infecções e DM1 ao diagnóstico. Entretanto, em quase um quarto dos casos
o fator desencadeante pode ser indeterminado.
Tratamento
O tratamento da CAD tem por objetivo repor as perdas de fluidos, corrigir a
hiperglicemia e a acidose metabólica, corrigir as alterações nos eletrólitos, identificar e
tratar as causas precipitantes. A maioria dos pacientes com CAD podem ser tratados,
com segurança em unidades de cuidados intermediários a não ser que se apresentem
com alteração grave do nível de consciência ou outra condição clínica associada
( choque, septicemia, distúrbio cardiovascular) que necessite terapia intensiva. Outros
fatores que podem orientar o local onde o paciente deve ser tratado são a
disponibilidade de um pessoal adequado de enfermagem para monitoração cuidadosa
do paciente e controle da administração dos fluidos, insulina e eletrólitos até a
resolução da CAD.
Reposição de fosfato
Até o presente não há evidências mostrando que a depleção de fosfato tenha
papel importante no desenvolvimento ou tratamento da CAD. Entretanto, para evitar
depressão respiratória, insuficiência cardíaca ou rabdomiólise devido a hipofosfatemia,
a reposição cuidadosa pode ser indicada em pacientes com disfunção cardíaca, anemia
ou depressão respiratória e naqueles com fosfatemia inferior a 1,0 mg/dl(<0,32 mmol/L).
Nessa condição a reposição do K2PO4 deve ser com 20-30 mmol de K2PO4 /L/dia em
uma velocidade máxima de 4,5 mmol/h e 90 mmol/dia.
Uso de bicarbonato
O uso de bicarbonato para a correção da acidose na CAD na maioria das
vezes não é necessário desde que de acordo com a fisiopatologia do processo a
administração de insulina levará a interrupção da produção de corpos cetônicos e
conseqüentemente de radicais ácidos. Porém, em situações tais como acidose
importante (pH <6,9), associando-se a uma má resposta a insulinoterapia, com
diminuição da contratilidade miocárdica e refratariedade vascular à ação adrenérgica,
má perfusão periférica ou choque, recomenda-se a administração de bicarbonato.
Quando necessário, 44-88 mEq de NaHCO3 devem ser diluídos em soro a 0,45% NaCl.
Deve-se calcular a deficiência de bicarbonato pela fórmula: (18-HCO3) x 0,4 x (peso
corporal em kg). Metade da quantidade calculada deve ser administrada por via
endovenosa em 1 a 2 horas. Os níveis de bicarbonato devem ser reavaliados e só
então nova reposição ser administrada. O bicarbonato deve ser administrado em veia
calibrosa desde que a infusão de bicarbonato extravenoso pode levar necrose do
subcutâneo. Segundo a ISPAD( International Society for Pediatric and Adolescents
Diabetes ) a administração de bicarbonato nas crianças, raramente é benéfica, exceto
nos raros casos hipercalemia com risco de obito. Diversos estudos controlados
confirmam que mesmo na acidose grave a correção da hipovolemia e reposição de
insulina são suficientes, além de evitar a acidose paradoxical do SNC que ocorre nesta
faixa etária pela infusão de bicarbonato.
Sinais de alerta para o edema cerebral:
Cefaléia.
Desaceleração inapropriada da frequência cardíaca.
Recorrência de vômitos.
Mudança no quadro neurológico (irritabilidade, sonolência, confusão mental,
incontinência), paralisia de nervos cranianos, resposta pupilar anormal.
Hipertensão arterial.
Queda na saturação de oxigênio.
Hipernatremia.
7) Outra vantagem da medida de βOHB é que ele normaliza antes que a cetonúria,
evitando assim o uso excessivo de insulina, responsável pela hipoglicemia, quando
se busca a normalização das cetonas na urina. A CAD está controlada em todos os
pacientes com βOHB < 0,5 mmol/L mas persiste quando esses valores estão acima
de 1,1mmol/L.
CAD “euglicêmica”
A denominada cetoacidose euglicêmica (glicemia <200mg/dl) pode ocorrer
em situações tais como intoxicação alcoólica, gestação, jejum prolongado associado á
depressão em pacientes com DM1, pancreatite aguda, intoxicação por salicilatos. Esta
condição descrita há mais de 40 anos, até recentemente rara, tem ressurgido com a
utilização dos inibidores de SGLT-2 (co-transportador 2 de sódio/glicose no tubulo
renal) para o tratamento do diabetes mellitus. Estes medicamentos da classe das
glifozinas inibem especificamente a função do SGLT2 nos rins. Nesse sentido impedem
a reabsorção renal de glicose e aumentam a glicosuria nos pacientes com diabetes
mellitus e diminuem a hiperglicemia. Entretanto, estes medicamentos promovem tanto
o aumento no glucagon plasmático como a produção endógena de glicose por
mecanismos ainda não totalmente esclarecidos. Apesar do aumento na produção
endógena de glicose os pacientes com DM2, tratados com gliflozinas, reduzem a
glicemia devido ao aumento da glicosúria.
No entanto o aumento dos valores plasmáticos de glucagon quando associada
a uma redução nos níveis plasmáticos de insulina provocam uma redução da razão
insulina- glucagon provocando graus variáveis de lipólise e produção de ácidos graxos
livres que são substratos para a produção de cetonas.
Apesar de indicada apenas para pacientes com DM2, as gliflozinas tem sido
usada off -label como coadjuvante a terapia insulínica do DM1 e estudos recentes
apontam para presença de CAD euglicêmica como complicação deste grupo de
medicamentos.
Fatores precipitantes para CAD associada aos inibidores do SGLT-2 incluem
cirurgia, infarto miocárdio, AVC, jejum prolongado, exercício extenuante, situações de
estresse metabólico. A Associação dos Endocrinologistas Americanos sugere a medida
de β-OH butirato plasmático e pH e não cetonúria, mesmo na vigência de glicemia
normal ou pouco alterada. Suspender o inibidor de SGLT-2 e proceder ao tratamento da
CAD, não esquecendo que a glicosúria decorrente dos inibidores de SGLT-2 pode
persistir por dias. Considerar suspender a droga antes de cirurgia eletiva,
procedimentos invasivos ou estresse físico como maratona, pelo menos 24 horas antes,
porém não suspender a insulina. Pacientes utilizando inibidores de SGLT-2 devem
evitar bebidas alcoólicas, dietas cetogênicas e manter um bom nível de hidratação.
Diagnóstico
Apresentação Clínica
O EHH é a primeira manifestação do diabetes mellitus in 7 a 17% dos pacientes,
entretanto, esta complicação é mais frequente durante a evolução de um diabetes
mellitus já diagnosticado. O inicio mais lento do EEH( varios dias) ao invés da
CAD(entre 1 e 2 dias) resulta em manifestações clinicas mais graves de hiperglicemia,
desidratação e hiperosmoraridade plasmática, todas estas relacionadas ao
comprometimento do nível de consciência.
No EHH geralmente o nível de consciência é mais rebaixado, pois a
desidratação e a osmolalidade são maiores, causando efeito mais intenso no SNC. Há
sinais clínicos de desidratação, mas não de acidose (hálito cetônico e alterações
respiratórias). Entretanto, estima-se que entre 20-30% dos pacientes com EHH podem
ter acidose metabólica com anion gap elevado devido a uma cetoacidose concomitante,
isolada ou associada com valores elevados de lactato. Devemos estar atentos a
sintomas e sinais clínicos de outras patologias, que podem coexistir com o EHH pois
não é raro esses pacientes terem outras co-morbidades. Os sintomas de encefalopatia
geralmente estão presentes quando os valores da osmolalidade efetiva calculada são
superiores a 320 mmol/kg.
Avaliação Laboratorial
O critério diagnóstico laboratorial do EHH consiste em glicemia > 600 mg/dL e
osmolalidade plasmática acima de 320 mOsm/L. O pH geralmente é maior do que 7,3 e
o bicarbonato > 15 mmol/L, caso contrário pode tratar-se de CAD, com componente
hiperosmolar no paciente com DM2. Geralmente a cetonúria ou cetonemia, quando
presentes são leves.
Fatores precipitantes
Infecção é fator precipitante importante também no EHH. A omissão de
medicação ou insulina aumenta o risco em pacientes incapazes de reposição hídrica
adequada por conta própria (particularmente idosos). Apesar das semelhanças
fisiopatológicas com CAD, o EHH ocorre mais no DM2, portanto em outra faixa etária,
com outras co-morbidades. Por isso, devemos considerar fatores precipitantes como
IAM, AVC, intoxicação por medicações e álcool, agudização de um graus de
insuficiência renal crônica. Na Tabela 3 estão dados para o diagnostico diferencial entre
cetoacidose diabetica e estado hiperglicemico hiperosmolar e na Tabela 4 calculos
bioquimicos uteis no diagnostico e trtamento do estado hiperglicemico hiperosmolar.
Conclusões
Apesar de toda evolução que temos tido no tratamento do diabetes mellitus, nas
ultimas décadas, as emergencias hiperglicêmicas permanecem como complicações
graves nessa doença. Cinco a 20% dos pacientes com EHH podem falecer durante o
seu tratamento e como demonstrado recentemente a CAD recorrente esta associada a
um risco de morte prematura, entre jovens e em adultos socialmente desamparados e
com valores elevados de HbA1c permanentes. De modo que a prevenção da CAD é de
grande importância durante a evolução do diabetes mellitus.
A esses pacientes com diabetes cronicamente descompendados e ou em risco
para CAD/EHH, em especial, devemos fornecer uma atenção estruturada e integrada,
incluindo, medica, nutricional, psicológica, social e um programa de educação para o
diabetes mellitus. As infecções e a falta de aderência á medicação continuam sendo as
duas princpais causas para o desenvolvimento da CAD/EHH. Nesse sentido as
orientações para os dias doentes,com relação a monitoração da glicemia, a detecção
da cetose, a prevenção da desidratação e a suplementação com insulina de ação
rápida como também o momento para procurar o atendimento medico de emergencia é
essencial. Um esquema basal/bolus de insulina com seringas ou canetas para insulina
devem ser instruídos, como prevenção para serem utilizados nos pacientes em uso de
bomba de insulina subcutânea em situações que estas param de funcionar. Como
também os familiares e os cuidadores dos pacientes idosos em risco pra o EHH devem
ser orientados para reconhecer os sinais e sintomas da hiperglicemia e desidratação.
Recentemente orientações para os aparecimentos dos sinais e sintomas da CAH
devem ser fornecidas para os pacientes em uso de iSGLT2.
Os pontos principais para o tratamento dessas emergencias hiperglicêmicas são
a hidratação, suplementação de insulina, reposição de eletrólitos e correção do fator
principitante. A velocidade de correção dos distúrbios metaboilicos é importante e não
deve ser tão rápida para os pacientes com EHH , onde devemos tomar cuidado também
com o suporte para as comorbidades associadas. Por outro lado, de acordo com a boa
resposta terapêutica na maioria dos casos de CAD devemos procurar evitar as
internações prolongadas em jovens com DM1 que ás vezes chegam a semanas,
inapropriadamente, em alguns casos.
Por ultimo, com o aumento da prevalencia do diabetes mellitus deve-se ter um
aumento proporcional nas emergencias hiperglicêmicas.
Leituras Complementares
1) Kitabchi AE. et.al. Management of hyperglycemic crises in patients with
Diabetes. Diabetes Care 2012; 24:131-153.
2) Umpierrez G and Korytkowski M. Diabetic Emergencies- ketoacidosis,
hyperglycaemic hyperosmolar state and hypoglycaemia. Nat Rev Endocr
2016;12; 222 -32.
3) French EK, Donihi AC and Korytkowski MT. Diabetic ketoacidosis and
hyperosmolar hyperglycemic syndrome: review of acute decompensated
diabetes inadult patients. BMJ 2019;365:1-15.