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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

AMANDA LORENA LEITE

O TRABALHO DA EQUIPE INTERDISCIPLINAR COM


ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE

FRANCA/SP
2021
AMANDA LORENA LEITE

O TRABALHO DA EQUIPE INTERDISCIPLINAR COM


ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho” - Unesp como parte dos
requisitos necessários para obtenção de título
de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª Drª Maria Cristina Piana.

FRANCA
2021
2
3

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Universidade Estadual Paulista – FCHS/Franca


por ter sido essencial no meu processo de formação e por ter me proporcionado
momentos inesquecíveis com pessoas queridas que levarei para a minha vida.
Sou grata às instituições de fomento à pesquisa, CNPq e FAPESP, por
possibilitarem a realização deste trabalho, o que não seria possível sem o apoio e
acolhimento da proposta pela Fundação CASA e pelos trabalhadores que
participaram da pesquisa.
À minha orientadora, Maria Cristina Piana, agradeço por ter acreditado nessa
pesquisa e me recebido como orientanda.
Ao GEPPIA, meu querido grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Políticas
Públicas para Infância e Adolescência, sou grata por tanto aprendizado e trocas, que
em muito contribuíram para a construção deste trabalho.
Agradeço à toda equipe da medida socioeducativa em meio aberto de onde
fiz estágio, pelo acolhimento e por tanto aprendizado, em especial à minha
supervisora de campo, Paulinha.
Por tornarem a minha jornada universitária bem mais leve, principalmente em
tempos de pandemia e aulas remotas, eu agradeço muito às minhas queridas
Rifainers (Beatriz, Larissa, Luísa e Rafaela). Assim como sou grata à minha primeira
roomie em Franca, Joana, por ter vivido comigo a novidade da vida universitária.
Agradeço especialmente aos meus amados Rafas (Rafaela e Rafael), meus maiores
parceiros acadêmicos, colegas de estudos, de trabalhos e de RU. À Rafaela, minha
parceira de casa e de vida, obrigada por tanto, não teria sobrevivido a esses quatro
anos sem você.
Também sou grata ao meu namorido, Adller, que viveu comigo todo essa
jornada universitária, desde a ansiedade na escolha de uma profissão até a
ansiedade das provas e trabalhos de fins de semestre e do processo de construção
dessa pesquisa, sempre presente incentivando e apoiando incondicionalmente as
minhas decisões.
Por fim, a maior parte da minha gratidão é direcionada aos meus pais, Onofre
e Lina, que sempre valorizaram a educação dos filhos e não mediram esforços para
que pudéssemos correr atrás dos nossos sonhos. Pai e mãe, sem vocês nada disso
4

seria possível, obrigada pelo apoio e incentivo de sempre. Não teria chegado até
aqui sem vocês.
A todos que cruzaram meu caminho nessa jornada, muito obrigada.
5

RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso é resultado de pesquisa de Iniciação
Científica financiada pelo CNPq (inicialmente) e pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2019/14276-4. Tem como
objeto de estudo o trabalho da equipe multiprofissional com adolescentes que
cumprem medida socioeducativa de internação em uma unidade da Fundação
CASA, localizada no interior do Estado de São Paulo. Dentro disso, a pesquisa
buscou conhecer o trabalho dessa equipe junto aos adolescentes: verificando se
essa desenvolve um trabalho interdisciplinar como preconizado pelo ECA e pelo
SINASE; conhecendo a política educacional da instituição, tendo em vista um
trabalho interdisciplinar e de garantia da proteção integral; e refletindo como a forma
de trabalho dessa equipe contribui para o processo socioeducativo e de saída dos
adolescentes dos muros institucionais. Para isso, o estudo teve como orientação
teórico metodológica o método crítico dialético em Marx, o qual permitiu fazer uma
análise da totalidade complexa do objeto (sem a pretensão de esgotá-la), abordando
alguns elementos do contexto social, político, econômico e cultural que o envolve e
por meio da investigação da origem histórica e do desenvolvimento interno do objeto
de estudo. Para alcançar os objetivos foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e de
campo. Na primeira, buscou-se informações já produzidas e registradas a respeito
do tema para auxiliar na fundamentação e aprofundamento teórico do objeto de
estudo. Na pesquisa de campo, foram entrevistados treze (13) trabalhadores da
Fundação CASA, sendo: seis agentes de apoio socioeducativo, uma assistente
social, uma psicóloga, dois agentes educacionais (um educador físico e uma arte
educadora), uma enfermeira, a coordenadora pedagógica e a diretora. Neste
sentido, a pesquisa apresenta como resultados a rotina de trabalho das diferentes
áreas de intervenção e as dificuldades da equipe em efetivar um trabalho na
perspectiva interdisciplinar, haja vista a falta de conhecimento deste, a dificuldade de
diálogo entre os profissionais com perspectivas diferentes e a sobrecarga na agenda
de trabalho. Além de ressaltar a importância das políticas públicas e do
fortalecimento da rede de proteção e direitos no processo socioeducativo.

Palavras-chave: Ato Infracional. Medida Socioeducativa Internação. Equipe


Interdisciplinar. Adolescência.
6

ABSTRACT
This undergraduate final Project is a result from a Scientific Initiation research funded
by the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) and by
the São Paulo Research Foundation (FAPESP), process nº 2019/14276-4. Its object
of study is the multiprofessional team work with teenagers from the CASA
Foundation, located in the countryside of the State of São Paulo, who committed and
infraction. Within this, the research sought to know this work team with the
teenagers: checking if it develops an interdisciplinary work, as recommended by ECA
and SINASE; knowing the educational policy of the institution, considering the
interdisciplinary work and the integral protection doctrine; and reflecting about the
way the team contributes to the socio-educational process and the exit of teenagers
from the institution. For this, the research carried out of a critical Marxist dialectic
perspective, which allowed an analysis of the complex totality of the object (without
the intention of exhausting it), addressing some elements of the social, political,
economic and cultural context that involves it and through the investigation of the
historical origin and the internal development of the study object. To achieve the
objectives, we used the bibliographic and Field research. In the first one, we sought
informations that were already produced about the theme to assist the theoretical
fundamentalization. In the field research, thirteen (13) workers from the CASA
Foundation were interviewed: six sócio-education support agents, one social worker,
one psychologist, two educational agents (a physical educator and an art educator),
one nurse, the pedagogical coordinator and the director. Thereby, this research has
as results: the daily work of the different áreas and the team’s difficulties in carrying
out a work in an interdisciplinary perspective, that is caused by the lack of
knowledge, the difficulty of dialogue between professionals with different
perspectives and the overload working hours. It also highlights the relevance of
public policies and the strenghtning of the rights protection network in the socio-
educational process.

Palavras-chave: Infraction, Deprivation of liberty. Interdisciplinary Work. Teenagers.


7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Porcentagem de adolescentes em cumprimento de medida


socioeducativa na Fundação CASA por região de moradia e de
cumprimento.............................................................................................................25

Figura 2 - Atos infracionais por faixa etária...........................................................42

Figura 3 - Raça/Etnia dos Adolescentes Atendidos pela Fundação CASA........51


8

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Funcionários da Fundação CASA........................................................27

Tabela 2 – Funcionários da Organização da Sociedade Civil Parceira..............27


9

LISTA DE SIGLAS

AIO Assessoria de Inteligência Organizacional


BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BOPE Batalhão de Operações Especiais
CAPS AD Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas
CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensão
CASA Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CPDoc Centro de Pesquisa e Documentação
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DNCr Departamento Nacional da Criança
DRU Desvinculação de Receitas da União
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ESAC Escola de Aprendizagem e Cidadania de Franca
FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do menor
GEPPIA Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Políticas Públicas para
Infância e Adolescência
IAPs Institutos de Aposentadoria e Pensão
LA Liberdade Assistida
LBA Legião Brasileira de Assistência
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
NRF Novo Regime Fiscal
OMS Organização Mundial da Saúde
ONG Organização Não Governamental
OSC Organização da Sociedade Civil
OSs Organizações Sociais
10

PIA Plano Individual de Atendimento


PNBEM Política Nacional do Bem Estar do Menor
PSC Prestação de Serviço à Comunidade
SAM Serviço de Assistência a Menores
SGD Sistema de Garantia de Direitos
SBGCA Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
SIC.SP Sistema Integrado de Informações ao Cidadão - São Paulo
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SUS Sistema Único de Saúde
11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................12

2 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ........................................................................17


2.1 Percurso Metodológico.........................................................................................17
2.2 A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA)....23
2.2.1 A história da Fundação CASA...........................................................................23
2.2.2 A Unidade Pesquisada da Fundação CASA.....................................................26

3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA NO


BRASIL......................................................................................................................34
3.1 Capitalismo, Estado e Políticas Públicas para adolescência...............................34
3.2 A história da infância e da adolescência no Brasil...............................................55
3.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo: as medidas socioeducativas para adolescentes autores de ato
infracional...................................................................................................................72

4 O TRABALHO DA EQUIPE PROFISSIONAL NA FUNDAÇÃO CASA ................81


4.1 A categoria trabalho: reflexões marxianas...........................................................81
4.2 O trabalho da equipe profissional na Fundação CASA........................................90
4.3 O trabalho em equipe: multidisciplinaridade e interdisciplinaridade...................101

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................111
REFERÊNCIAS.......................................................................................................114
APÊNDICES............................................................................................................120
ANEXOS..................................................................................................................123
12

1 INTRODUÇÃO

“Muda que quando a gente muda


O mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente
Na mudança de atitude
Não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro”
(Gabriel, O Pensador – Até Quando?)

Este trabalho tem como tema o trabalho multiprofissional com adolescentes


em cumprimento da medida socioeducativa de internação. É resultado de uma
pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
financiada pelo CNPq, iniciada no segundo ano de graduação da pesquisadora, e
posteriormente, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), processo nº 2019/14276-41.
A privação de liberdade de adolescentes sempre foi um tema que causou
indignação à pesquisadora e a fez buscar enxergar para além do que é
imediatamente determinado pela hegemonia burguesa via mídia e governos, os
quais defendem a ampliação do sistema carcerário e socioeducativo com o falso
intuito de combater a criminalidade, legitimando suas ideias e atitudes via medo e
insegurança da população.
A graduação permitiu maior aproximação da temática e melhor compreensão
dessa realidade ao propiciar eventos e atividades acadêmicas e científicas que
abordaram as medidas socioeducativas e as políticas públicas voltadas para a
infância e adolescência no Brasil. Isso se deu via participação do Grupo de Estudos
e Pesquisa sobre Políticas Públicas para a Infância e Adolescência (GEPPIA),
espaço de muita troca e construção de conhecimentos, e por meio do estágio com
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto
(Liberdade Assistida -LA e Prestação de Serviço à Comunidade- PSC), em que
muitos dos adolescentes atendidos ou chegavam direto da medida internação como

1
As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de
responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.
13

progressão de medida, ou já haviam sido privados de liberdade em algum momento


anterior.
Alguns fatores levaram a pesquisadora a escolher o trabalho da equipe
interdisciplinar com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
internação, como objeto de estudo deste Trabalho de Conclusão de Curso. O
primeiro está relacionado ao fato de que são muitos os adolescentes reincidentes
nas instituições que aplicam esta medida.
De acordo com os dados fornecidos pela Fundação CASA por meio do
Sistema Integrado de Informações ao Cidadão (SIC.SP) da Lei de Acesso à
Informação, o número registrado de jovens com reiteração no primeiro trimestre de
2020 teve um aumento de 95,7% em comparação com o ano de 2010, isto é, há dez
anos atrás a instituição tinha 12,80% de taxa de reincidência, enquanto no começo
de 2020 essa porcentagem subiu para 24,97%2.
Outro fator diz respeito à promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) em 1990, o qual introduziu no Artigo 112 uma nova forma de
lidar com adolescentes que cometem atos infracionais por meio das medidas
socioeducativas, as quais são propostas na perspectiva de que esses adolescentes
são sujeitos de direitos e estão em condição peculiar de desenvolvimento. Contudo,
essa legislação é evidentemente desrespeitada tendo em vista a persistência da
visão do “menor” 3 - criada no contexto do Código de Menores -, a qual ainda é
perpetuada por tantos juízes4 e por muitas instituições que executam a medida de
internação e ainda seguem os moldes da antiga FEBEM, resultando nas volumosas
denúncias e notícias de maus tratos, superlotação e falta de condições dignas de
cumprimento da medida.
Por fim, também foi levada em consideração a marginalização sofrida por
esses adolescentes (jovens) e suas famílias, os quais além de não terem tido
acesso a políticas públicas eficientes ao longo da vida – para não dizer inexistentes

2
Dados recebidos por e-mail em 28/04/2020 após solicitação pelo portal do Sistema Integrado de
Informações ao Cidadão: http://www.sic.sp.gov.br/.
3
A categoria “menor” refere-se à criança pobre que era mantida sob a vigilância do Estado, visto que
era considerada potencialmente perigosa, portanto era objeto de leis, medidas filantrópicas,
educativas, repressivas e programas assistenciais. O “menor” não era visto como criança, em que
esta se refere àquela que se encontra sob os cuidados da família e possui sua cidadania reservada.
Com relação à infância pobre, educar tinha por objetivo moldar para submissão ao capital
(RIZZINI,2008, p. 28-29).
4
Alguns juízes da infância e promotores ainda utilizam antigas categorias do Código de Menores
como “vadiagem” e “perambulação” como razão para privação de liberdade (VOLPI, 2015 , p.10).
14

– carregam um grande estigma social pela sua classe, raça/etnia, local da moradia e
configuração familiar fora do molde nuclear burguês, haja vista que a maioria dos
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas mais severas são jovens
de famílias monoparentais femininas5, pretos6, das periferias.
Com isso, quando o adolescente passa pelo sistema socioeducativo,
principalmente pela internação, ele sofre um segundo processo de marginalização
ao retornar ao mesmo ambiente que o levou à infração, ou seja, sem acesso às
políticas públicas e com uma estigmatização social ainda maior.
Essas reflexões são, portanto, resultados de algumas indagações, as quais
caracterizam o problema de pesquisa, tais como: É possível falar de
interdisciplinaridade na equipe dos profissionais que fazem parte do processo
socioeducativo desses adolescentes, conforme previsto no Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE)? De que forma a interdisciplinaridade
contribui ou pode contribuir para uma ressocialização efetiva? O que poderia ser
feito, institucionalmente e no âmbito das políticas públicas no contexto neoliberal
para os jovens que cumprem medida socioeducativa e suas famílias a fim de reduzir
os casos de reincidência?
Nesse sentido, essa pesquisa teve como objeto de estudo o trabalho da
equipe interdisciplinar com adolescentes privados de liberdade em cumprimento da
medida socioeducativa internação em uma unidade da Fundação CASA localizada
no interior paulista. Dentro disso, a pesquisa tem como objetivo geral conhecer o
trabalho da equipe multiprofissional junto aos adolescentes que cumprem a medida
socioeducativa internação e suas famílias. Isto posto, possui alguns objetivos
específicos, são eles: verificar se a equipe multidisciplinar desenvolve de fato um
trabalho interdisciplinar como é preconizado pelo ECA e pelo SINASE; conhecer a
política educacional da Fundação CASA e as atividades realizadas/ oferecidas pela
instituição tendo em vista um trabalho interdisciplinar que garanta a proteção
integral; refletir, com base nos dados coletados, se a forma de trabalho da equipe

5
A Fundação CASA informou não possuir dados sistematizados sobre as configurações familiares dos
adolescentes, contudo, tendo em vista a experiência de estágio com esse público - em que conhecer
as configurações e condições familiares dos adolescentes era parte dos instrumentos de trabalho
utilizados – e os resultados da pesquisa de campo deste estudo, é possível afirmar a ausência da
figura paterna na configuração familiar da maioria desses jovens.
6
De acordo com dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação no endereço eletrônico
http://www.sic.sp.gov.br/, 3627 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na
Fundação CASA são pretos ou pardos, o equivalente a 69,95% do total.
15

técnica contribui para uma socioeducação e ressocialização efetiva dos


adolescentes privados de liberdade.
Fica evidente nas legislações o trabalho que deve ser realizado pelas equipes
nas instituições socioeducativas, mesmo estas tendo autonomia de elaborar seu
plano pedagógico, o que é fundamental, visto que cada unidade de internação
possui indivíduos diferentes com necessidades distintas. No entanto, é preciso
analisar se essa relação das equipes com os adolescentes é eficiente e suficiente
para garantir reflexões sobre a vida e novas oportunidades para esses jovens e suas
famílias, além da sobrevivência fora dos muros institucionais, visto que retornam
para o mesmo ambiente de inúmeras violações de direitos em que viviam em
momento anterior à internação.
Parte-se da ideia de que a medida deve funcionar como um processo capaz
de reinserir o adolescente na sociedade através de um processo educativo livre de
valores conservadores e da inserção de oportunidades na vida do jovem, não como
punição. Entretanto, o que se observa é a falta de políticas públicas que protejam e
amparem esses adolescentes na sua reinserção social, o que pode ser visto como
fator relevante para a existência de reincidências.
Dentro disso, adianta-se que este trabalho não tem como objetivo culpabilizar
os trabalhadores pela pouca eficiência da medida internação e dos impactos desta
na vida desses jovens, visto que estão inseridos na divisão sociotécnica do trabalho,
em um contexto cruel de alienação pelo capital, os quais reproduzem o que é
propagado pela mídia, principalmente estereótipos e estigmas sociais das
populações mais pobres e marginalizadas. Contudo, não é possível isentar a equipe
profissional do seu importante papel no processo socioeducativo, o que torna
necessário instigá-la para um processo reflexivo para repensar sua parte e
responsabilidade na vida desses jovens e de suas famílias.
Acredita-se que, mesmo diante dessa conjuntura, é possível que a equipe
interdisciplinar atue junto aos adolescentes e às famílias trabalhando para um
processo de garantia de direitos efetivo, desde que amparada por políticas públicas.
À vista disso, foram escolhidos como participantes da pesquisa os
trabalhadores que atuam diretamente no processo socioeducativo de adolescentes
privados de liberdade. A equipe técnica – como é chamada pela própria Fundação
CASA - da instituição pesquisada é composta por assistentes sociais, psicólogas,
16

enfermeiras e agentes educacionais (inclui pedagogos, educadores físicos e arte


educadores). Somam à equipe os agentes de apoio socioeducativo e a diretoria.
Posto isso, foram entrevistados trabalhadores representantes de todas as áreas
colocadas aqui.
Diante das questões postas, este trabalho foi divido em três seções a fim de
facilitar o processo didático de apresentação dos resultados da pesquisa, contudo
sem o intuito de fragmentar a construção do conhecimento, uma vez que as partes
estão diretamente interligadas e constituem um todo indivisível.
Na segunda seção, são apresentados o percurso metodológico do estudo e o
universo da pesquisa: a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente, abordando a história da instituição e a dinâmica pedagógica da
Unidade pesquisada.
Na terceira seção, os aspectos históricos da infância e da adolescência no
Brasil são apresentados em uma perspectiva de totalidade, situando essa história no
contexto capitalista e na forma de atuação do Estado no que diz respeito à
elaboração de políticas públicas para esse público dentro de um sistema repressor e
violador de direitos.
Na quarta seção, são feitas reflexões críticas a respeito da categoria trabalho
tendo como foco o trabalho socioeducativo com adolescentes privados de liberdade
e, dentro disso, são apresentados os resultados obtidos a respeito da dinâmica de
trabalho da equipe multiprofissional do centro pesquisado e os desafios apontados
para a efetivação de um trabalho interdisciplinar.
A pesquisa científica possui uma finalidade:

Queremos desvendar para dar visibilidade, para subsidiar


estratégias ou políticas, para contribuir com o fortalecimento
dos sujeitos, para desmistificar estigmas, enfim, desvendar
para subsidiar ou instigar aprimoramentos, mudanças,
transformações (PRATES, 2016, p. 108).

Em suma, esse estudo possibilitou refletir estratégias de mudança no trabalho


socioeducativo e nas políticas públicas ao dar visibilidade para o tratamento da
adolescência pobre e periférica marginalizada e invisibilizada pelo Estado e assim,
permite pensar em possíveis mudanças para um trabalho de protagonismo dos
adolescentes em conflito com a lei.
17

2 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

2.1. Percurso Metodológico

A pesquisa, enquanto construção do conhecimento científico, tem por


finalidade aproximar-se da realidade e, para isso, exige domínio de fundamentos
teóricos e metodológicos que permitam a aproximação do pesquisador ao objeto de
estudo, além de criatividade para propor respostas inovadoras, visto que ela
coincide com a vontade de transformar a realidade. À vista disso, a orientação
teórico-metodológica utilizada nesta pesquisa foi o método crítico dialético em Marx,
sob o qual se buscou analisar a totalidade complexa do objeto, como o contexto
social, político, cultural e econômico, contudo sem a possibilidade de esgotá-lo, mas
partindo-se dos fatos empíricos, investigando a origem histórica e o desenvolvimento
interno do objeto, conforme posto por Bourguignon(2006).
Segundo Jane Cruz Prates (2016) e Bourguignon (2006), este método parte
do real, isto é, têm os indivíduos concretos, suas atividades e condições materiais
como premissa, que são pressupostos possíveis de serem verificados por via
empírica. Além disso, o método histórico-dialético desvenda as contradições que
movimentam as relações sociais reais, tendo em vista que essa contradição está
tanto no pensamento quanto na realidade. Trata-se de um método “(...) no curso do
qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência
externa (...) a lei do fenômeno, por trás do movimento visível, o movimento real,
interno; por trás do fenômeno a essência” (KOSIK, 1995, p. 16 apud PRATES, 2016,
p.134). Tendo em vista que a realidade está em constante movimento, se fazendo e
refazendo dialeticamente, acredita-se que este seja o método mais adequado.
Ademais, esta pesquisa possui abordagem qualitativa, a qual, “se ocupa, nas
Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2013, p. 21). Além
disso, na pesquisa qualitativa é de grande importância a relação entre o pesquisador
e os participantes,em que o exercício de escuta por parte do pesquisador deve ser
usado para adquirir conhecimento sobre a população estudada. De acordo com
Martinelli:
18

Se temos uma prática que transita entre demandas, carências e


necessidades, só poderemos conhecê-las, identificá-las, à medida
que estejamos realmente escutando o que o outro tem a nos dizer, e
não apenas trabalhando com indicadores, com tabelas, com índices,
com referenciais teóricos que a Universidade nos fornece
(MARTINELLI, 1999, p. 14).

Nessa perspectiva, os procedimentos metodológicos utilizados nesta


pesquisa foram as pesquisas bibliográfica e de campo. A primeira, considerada
como base para qualquer pesquisa, é abordada como “um procedimento
metodológico importante na produção do conhecimento científico capaz de gerar,
especialmente em temas pouco explorados, a postulação de hipóteses ou
interpretações que servirão de ponto de partida para outras pesquisas” (LIMA;
MIOTO, 2007, p. 43). Ela também possibilita amplo alcance de informações já
produzidas e registradas a respeito do tema; auxilia na fundamentação e
aprofundamento teórico do objeto de estudo e, por fim, permite maior nitidez na
organização dos dados e ilumina a análise destes. Com isso, foi realizado
levantamento da produção acadêmico-científica, como dissertações e teses, além de
livros e artigos relacionados às questões centrais da temática como: a categoria
trabalho, a categoria interdisciplinaridade, a medida socioeducativa internação,
políticas públicas, família e a importância do trabalho interdisciplinar na execução de
medidas socioeducativas.Ressalta-se aqui a dificuldade de encontrar bibliografias
que tratassem da temática central: o trabalho interdisciplinar na execução das
medidas socioeducativas com foco na internação.
Foram trabalhados autores de perspectivas críticas, embora não
necessariamente marxistas, visto a dificuldade de encontrar materiais teóricos
aprofundados que abordassem algumas das temáticas nesta perspectiva. Após o
levantamento bibliográfico, foram feitas leituras e fichamentos que permitiram refletir
teoricamente o tema proposto.
Em seguida, foi realizada a pesquisa de campo, a qual, de acordo com
Minayo (2016), permite ao pesquisador uma aproximação com a realidade do tema
proposto e visa estabelecer uma interação com os participantes da pesquisa que
fazem parte da realidade a ser pesquisada, possibilitando um produto compreensivo,
o qual não é a realidade concreta, mas uma descoberta construída com todas as
disposições em mãos do investigador, que incluem: as hipóteses e pressupostos
19

teóricos; o quadro conceitual e metodológico; as entrevistas e observações.


Portanto, Minayo coloca que:

Em resumo, o trabalho de campo é em si um momento relacional,


específico e prático: ele vai e volta tendo como referência o mundo
da vida, tendo em vista que a maioria das perguntas feitas em
pesquisa social surge desse universo: da política, da economia, das
relações, do funcionamento das instituições, de determinados
problemas atinentes a segmentos sociais, da cultura geral ou local, e
outros.
O trabalho de campo é, portanto, uma porta de entrada para o novo,
sem, contudo, apresentar-nos essa novidade claramente. [...] Por
tudo isso, o trabalho de campo, além de ser uma etapa
importantíssima da pesquisa, é o contraponto dialético da teoria
social (MINAYO, 2016, p.69).

Isso posto, a pesquisa de campo teve como universo uma unidade da


Fundação CASA de um município no interior paulista. De acordo com o site da
instituição 7 , A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
(CASA) é uma instituição que presta assistência à jovens de 12 a 21 anos inseridos
nas medidas socioeducativas de privação de liberdade e semiliberdade em todo o
Estado de São Paulo,

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente


(CASA), Instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da
Defesa da Cidadania, tem a missão primordial de aplicar medidas
socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE) (Fundação Casa Online,
2020).

O contato com a instituição foi feito no final do segundo semestre de 2018,


através da portaria normativa nº 155/2008, a qual estabelece procedimentos para a
realização da pesquisa no âmbito da Fundação. Com isso, foi protocolado
requerimento no Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Escola para
Formação e Capacitação Profissional. A realização da pesquisa de campo foi
autorizada em maio de 2019 por todas as superintendências da instituição
(Pedagógica, Saúde e Segurança), mês em que também foi feita uma reunião na
Divisão Regional Norte, em Ribeirão Preto, com representantes do CPDoc, da

7
http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=a-funda%C3%A7%C3%A3o&d=10. Acesso em:
11 de maio de 2020.
20

Divisão Regional Norte, da unidade escolhida no interior paulista e com a


pesquisadora para efetuar a assinatura do Termo de Responsabilidade e repassar
as orientações referentes à coleta de dados. Nesta reunião, o projeto foi elogiado e
foi ressaltada a relevância do tema para a própria instituição, a qual relatou não ter
tido pesquisas com a temática voltada para a equipe de trabalho, visto que as
pesquisas já feitas sempre tiveram como foco o adolescente.
Vale ressaltar que, apesar de o objeto de estudo serem os trabalhadores, os
adolescentes não ficam em segundo plano, visto que o trabalho da equipe é voltado
para eles e reflete diretamente na vida desses jovens.
No projeto inicial, tinha-se a intenção de entrevistar 7 membros da equipe,
contudo na reunião com representantes da Fundação CASA, foi sugerido o aumento
do número de agentes de apoio socioeducativo participantes para que fosse
possível compreender melhor o ponto de vista desse grupo e atender aos objetivos
da pesquisa e a expectativa da instituição de forma mais efetiva.
Dentro disso, as alterações sugeridas foram encaminhadas ao Comitê de
Ética em Pesquisa, que só aprovou a nova realização da pesquisa de campo em
setembro de 2019. Já em contato com a instituição, as entrevistas foram iniciadas e
concluídas em dezembro de 2019.
Constituem como participantes da investigação treze membros da equipe
multidisciplinar, são eles: seis agentes de apoio socioeducativo, uma assistente
social, uma psicóloga, dois agentes educacionais (um educador físico e uma arte
educadora), uma enfermeira, a coordenadora pedagógica e a diretora da unidade
pesquisada. A seleção dos entrevistados foi feita pela direção de acordo com a
disponibilidade dos trabalhadores presentes no Centro Socioeducativo. Dentro disso,
foram tomados os devidos cuidados de não causar malefícios aos sujeitos
envolvidos, preservando sua autonomia de participar ou não das entrevistas e
garantindo seu anonimato. Felizmente, todos aceitaram participar.
De acordo com Martinelli, entende-se que não são necessários muitos
participantes para as entrevistas, visto que é de maior importância aprofundar o
conhecimento nas informações que alguns têm para passar do que ouvir vários sem
profundidade. Segundo a autora

Não se trata, portanto, de uma pesquisa com um grande número de


sujeitos, pois é preciso aprofundar o conhecimento em relação a
21

aquele sujeito com o qual estamos dialogando. Podemos conceber


instrumentos que nos aproximem de grupos maiores, mas essa não
é nossa busca nessa metodologia de pesquisa. Como não estamos
procurando medidas estatísticas, mas sim tratando de nos aproximar
de significados, vivências, não trabalhamos com amostras aleatórias,
ao contrário, temos a possibilidade de compor intencionalmente o
grupo de sujeitos com os quais vamos realizar nossa pesquisa
(MARTINELLI, 1999, p.15).

Dentro disso, a apreensão dos dados da pesquisa qualitativa se deu através


da técnica de entrevistas semi-estruturadas8 a fim de oferecer maior liberdade de
fala aos entrevistados para que pudessem relatar seus conhecimentos adquiridos,
seus valores, suas experiências, dentre outras informações.
Segundo Minayo (2016), a entrevista pode fornecer dados primários e
secundários de duas naturezas. O primeiro está relacionado a fatos que poderiam
ser acessados por meio de outras fontes, como por exemplo: estatísticas, censos,
documentos, atestados, etc. O segundo, por outro lado, refere-se às informações
construídas no diálogo com os participantes entrevistados, as quais tratam da
reflexão do próprio entrevistado sobre a realidade que vivencia. Nesta, são
apreendidos dados subjetivos que constituem uma representação da realidade, isto
é, são as realidades, crenças, opiniões, sentimentos e comportamentos do sujeito.
Para Minayo, a fala é, portanto, “[...] reveladora de condições de vida, de expressão
dos sistemas de valores e crenças”, além de “[...] ter a magia de transmitir, por meio
de um porta-voz, o que pensa o grupo dentro das mesmas condições históricas,
socioeconômicas e culturais que o interlocutor” (MINAYO, 2016, p. 58).
Os registros dessas falas foram gravados em áudio - com a autorização da
Fundação CASA e o consentimento dos participantes - objetivando obter o registro
fiel das informações e dos dados. Os dados apreendidos foram tratados com o
devido sigilo e, por isso, os entrevistados serão mencionados com nomes fictícios e,
na exposição de partes da entrevista, alguns trechos que poderiam identificar ou
prejudicar os participantes foram retirados.
As entrevistas foram transcritas na íntegra, e foram passadas pela análise e
pela interpretação na perspectiva crítica dialética de Marx com base no estudo das
seguintes categorias teóricas: medida internação, ato infracional, adolescência,
trabalho profissional, família, Estado e políticas públicas.

8
O questionário se encontra no Apêndice deste trabalho.
22

De acordo com José Paulo Netto, essas categorias não são eternas, mas “[...]
são historicamente determinadas e esta determinação se verifica na articulação
específica que têm nas distintas formas de organização da produção” (NETTO,
2011, p. 49). Marx define as categorias como “elementos estruturais de complexos
relativamente totais, reais e dinâmicos, cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a
complexos cada vez mais abrangentes em sentido tanto extensivo como
intensivo”(MARX, 1993 apud Netto, 2011, p. 117). As categorias são, portanto,
elementos que constituem e auxiliam a explicação de algum fenômeno ou
movimento da realidade e que também orientam processos reflexivos.
A perspectiva crítica marxiana, como é colocada por Netto (2011), possui três
categorias fundamentais que são utilizadas junto às categorias teóricas: a totalidade,
a contradição e a historicidade, as quais não devem ser tomadas de forma isolada,
visto que estão articuladas.
A totalidade não é uma mera junção de fatos, ela se constitui em um todo
articulado, isto é, é um complexo constituído por complexos. A totalidade é dinâmica
e está em constante transformação, cujo movimento resulta do caráter contraditório
de todas as totalidades que compõem a totalidade. Por fim, uma questão essencial
está relacionada à descoberta das relações entre os processos ocorrentes nas
totalidades, relações estas que não são diretas, isto é, “elas são mediadas não
apenas pelos distintos níveis de complexidade, mas, sobretudo, pela estrutura
peculiar de cada totalidade” (NETTO, 2011, p. 57).
Ressalta-se que todo o processo de investigação obedeceu aos critérios do
Comitê de Ética em Pesquisa,bem como o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Através dos procedimentos metodológicos interpretativos brevemente
explicitados aqui, foi possível analisar e compreender o trabalho da equipe
multiprofissional em uma unidade da Fundação CASA do interior paulista.
Tendo em vista que a devolução dos resultados da pesquisa, que é um dever
ético segundo o Código de Ética do Assistente Social, e que “a pesquisa acadêmica
precisa de um alcance social, isto é, levar à sociedade pesquisada conhecimentos
que levem essa a mobilizar ações para transformar a realidade e também contribuir
para a emancipação humana” (BOURGUIGNON, 2006, p. 50), a devolutiva deste
processo reflexivo tem se dado por meio da participação em eventos científicos com
a apresentação de trabalhos e elaboração de artigos.
23

Junto a isso, a pesquisadora participou do VII Seminário de Pesquisa


promovido pela Universidade Corporativa da Fundação CASA em dezembro de
2020, evento voltado para a socialização dos resultados das pesquisadas realizadas
no âmbito da instituição com os servidores. Ademais, conforme artigos 13 e 14 da
Portaria Normativa nº 155/2008 da instituição, serão encaminhadas três cópias do
relatório final da pesquisa ao Centro de Pesquisa e Documentação9.
Este trabalho visa propor reflexões que permitam um aprimoramento na
aplicação da medida internação e nas políticas públicas, sempre tendo em vista uma
efetiva e real possibilidade de ressocialização desses adolescentes, oferecendo-lhes
oportunidades e escolhas, nunca esquecendo que são sujeitos de direitos e devem
ser detentores da Proteção integral, quando são na realidade marginalizados pela
sociedade e não possuem seus direitos garantidos, ainda que previstos em lei.

2.2 A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente–


Fundação CASA

2.2.1 A história da Fundação CASA

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA),


vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania do estado de
São Paulo, é uma instituição que aplica as medidas socioeducativas em meio
fechado (Internação) e semiaberto (Semiliberdade) para adolescentes autores de ato
infracional, cuja determinação da medida é feita pelo Poder Judiciário. Ela tem a
política de atendimento regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e
pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) - legislação que
apresenta os princípios e as normas para a execução das medidas socioeducativas
(FUNDAÇÃO CASA, 2014).
A instituição tem sua origem na antiga Fundação Paulista de Promoção Social
ao Menor (Pró-Menor), que foi criada pela Lei nº 185de 1973. Em 1976, para se
adaptar à política federal de assistência ao chamado “menor” - da Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), a qual coordenava as entidades
Estaduais relacionadas à criança e ao adolescente -, a instituição teve sua

9
Em 2020, se tornou Universidade Corporativa da Fundação CASA.
24

denominação alterada para Fundação do Bem-Estar do Menor (FEBEM) através da


Lei nº 985 de 1976 (FUNDAÇÃO CASA, 2010), cujo modelo de atuação cruel foi
amplamente criticado e causou indignação àqueles que defendiam e lutavam pelos
direitos da criança e do adolescente, haja vista as numerosas rebeliões e denúncias
de tortura e maus tratos. Com isso, a instituição passou por um novo processo de
reestruturação em 2006, tendo uma nova alteração da denominação, passando a
ser chamada Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
(CASA) – como é conhecida hoje - devido à lei nº 12.469, de 22 de dezembro de
2006, sancionada pelo então governador do Estado de São Paulo, Cláudio Lembo
(FUNDAÇÃO CASA, 2010).
A mudança foi marcada pelo início de um amplo programa de
descentralização da política de atendimento, no qual foram criadas 11 Divisões
Regionais e construídos novos Centros de Atendimento regionalizados pelo interior
e litoral paulista. Em conseqüência disso, a instituição possui unidades distribuídas
em 52 municípios paulistas atualmente - incluindo a capital – e, por isso, do total de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na Fundação, 35,69%
estão na capital, 12,16% na Grande São Paulo, 47,33% no interior e 4,82% no
litoral 10 , o que viabiliza um atendimento individualizado aos adolescentes e a
proximidade familiar sem a perda forçada de vínculos, diferente da realidade dos
grandes centros da antiga FEBEM (FUNDAÇÃO CASA, 2010).

10
Dados obtidos através do Boletim Estatístico da Fundação CASA de 15/05/2020, encontrado no
site da instituição através do link <http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=boletim-
estat%C3%ADstico&d=79>. Acesso em 18 de maio de 2020.
25

Figura 1 – Porcentagem de adolescentes em cumprimento de medida


socioeducativa na Fundação CASA por região de moradia e de cumprimento

Fonte: Boletim Estatístico Diário da Fundação CASA – Posição 15/05/2020 -, 2020.

Outra alteração relevante foi a reorganização da Diretoria Técnica - a qual


criou novas diretrizes para a instituição -, e a criação de três Superintendências:
Pedagógica, de Saúdee de Segurança, sendo as duas primeiras da chamada Área
Técnica (FUNDAÇÃO CASA, 2010).
A Superintendência Pedagógica determina os caminhos do atendimento
pedagógico na internação provisória, internação e semiliberdade observando as
determinações do ECA, do SINASE e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB). Dentro disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que deve ser
garantido à todas as crianças e adolescentes - o que inclui os adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa - o acesso à educação escolar, cultura,
lazer e esportes. Com isso, essa Superintendência é dividida em quatro áreas:
Ensino Escolar, Educação Física e Esportes, Arte e Cultura e Educação Profissional
(FUNDAÇÃO CASA, 2014).
A Superintendência de Saúde é a responsável pelos atendimentos médicos,
dentários, de enfermagem e psicossocial direcionado aos adolescentes
(FUNDAÇÃO CASA, 2012).
Por fim, a Superintendência de Segurança surgiu da necessidade de
modificar a realidade existente na área da segurança dos grandes centros da
FEBEM, uma vez que se encontrava totalmente desestruturada e despreparada para
lidar com os adolescentes privados de liberdade. Essa superintendência passou a
26

atuar de forma a tentar reduzir a distância existente entre a equipe técnica (equipes
pedagógicas e psicossociais) e os agentes de apoio socioeducativo - principais
atores da área da segurança. Com a reestruturação da instituição, portanto, a
segurança deveria deixar de atuar isoladamente e na perspectiva única de
contenção para atuar em conjunto com a equipe técnica ao fazer parte da Equipe de
Referência e sob o panorama de prevenção, com o caráter de proteção do
adolescente (FUNDAÇÃO CASA, 2014).
Com a Lei Complementar nº 1243, de 2014, passou a ser possível a
celebração de convênios com organizações da sociedade civil para o
compartilhamento da gestão dos Centros Socioeducativos, desde que essas
organizações atendessem ou promovessem os direitos de crianças e adolescentes.
Posto o convênio, as diretrizes de funcionamento das unidades são estabelecidas
pela Fundação CASA por meio das três superintendências, ficando cada centro
compartilhado com a autonomia para executar a elaboração de seu Plano
Pedagógico de acordo com a realidade de cada município. Com isso, de acordo com
o Boletim Estatístico da Fundação CASA do mês de maio de 2020, a instituição
possuía nesta data 25 centros socioeducativos com gestão compartilhada.

2.2.2 A Unidade Pesquisada Fundação CASA

A unidade socioeducativa pesquisada neste trabalho, localizada no interior do


estado de São Paulo,é um Centro de Internação masculino11 e caracterizado pela
gestão compartilhada com uma Organização da Sociedade Civil (OSC) católica, cujo
trabalho é voltado para a infância e adolescência em situação de vulnerabilidade.
Em razão desse tipo de gestão, a equipe técnica da unidade pesquisada
possui funcionários sob atuação do estado e funcionários contratados pela OSC
parceira, conforme demonstrado em tabela abaixo.

11
De acordo com o Boletim Estatístico da Fundação CASA de 15/05/2020, 94,98% dos(as)
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na instituição são do sexo masculino,
enquanto 5,02% são do sexo feminino. Dados encontrados no site da instituição através do link
http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=boletim-estat%C3%ADstico&d=79. Acesso em 18
de maio de 2020.
27

Tabela 1 – Funcionários da Fundação CASA


FUNCIONÁRIOS DA FUNDAÇÃO CASA
Funcionários Quantidade
Diretora 01
Encarregada de Área Técnica 01
Encarregado de Segurança 01
Agentes de Apoio Socioeducativo 34
Fonte: Elaborado pela pesquisadora Amanda Lorena Leite (2020).

Tabela 2 – Funcionários da Organização da Sociedade Civil Parceira


FUNCIONÁRIOS DA OSC
Funcionários Quantidade
Assistentes Sociais 03
Psicólogos 03
Enfermeiros 02
Coordenadora pedagógica 01
Agentes Educacionais Pedagogos 04
Educadores Físicos 02
Arte Educadores 02
Normal Superior 01
Fonte: Elaborado pela pesquisadora Amanda Lorena Leite (2020).

São funcionários estatais: a diretora – responsável por direcionar todas as


áreas, tanto as da OSC quanto as que estão sob atuação do estado -, a
encarregada da área técnica e toda a área de segurança, isto é, o encarregado de
segurança e todos os agentes de apoio socioeducativo, os quais são concursados e
não necessariamente estão atuando na área por afinidade com o público de jovens
autores de ato infracional, mas pela estabilidade que um concurso público garante
em um contexto de desemprego estrutural. Essa realidade preocupante pode ser
observadana fala de um dos agentes de apoio socioeducativo, o qual prestou o
concurso público sem saber exatamente para que lugar e cargo.
28

“A princípio eu não conhecia, nem sabia o que era Fundação CASA,


me inscrevi no concurso, passei, fui aprovado e fui efetivado. (...)
entrei na Fundação CASA e não conhecia, passei a conhecer a
Fundação CASA e a conviver com os adolescentes – infratores que
eles falam, né? E foi bacana, aprendi muito e to aprendendo até hoje
com eles e com a equipe (...)” (BENÍCIO)

Não é a intenção deste trabalho tornar essa realidade como a única


responsável pela efetivação de agentes de apoio socioeducativo despreparados, os
quais podem se tornar profissionais competentes e mais empáticos após passarem
por treinamento e terem contato com a realidade dos adolescentes infratores, desde
que livres dos estereótipos presentes no senso comum. Contudo, infelizmente essa
não é a realidade da maior parte dos agentes entrevistados, o que resulta no
afastamento ainda existente da área da segurança com a área técnica, conforme foi
relatado por muitos dos participantes entrevistados12.
De outro lado, toda a parte técnica da medida socioeducativa no centro
pesquisado é de responsabilidade da OSC parceira, isto é, os funcionários
relacionados às superintendências Pedagógica e de Saúde são contratados pela
OSC, sendo eles: as assistentes sociais, as psicólogas, as enfermeiras, a
coordenadora pedagógica e os agentes educacionais.
A Fundação reconhece que não é completa na execução da medida e, pela
sua incompletude institucional, necessita dos equipamentos da rede de proteção de
direitos do município, além de parcerias com empresas para fornecer os cursos
profissionalizantes aos adolescentes privados de liberdade. Dentro disso, será
apresentado brevemente o funcionamento do Centro Socioeducativo pesquisado de
acordo com o que foi dito nas entrevistas. Com isso em mente e conforme
apresentado anteriormente, cada Centro Socioeducativo possui autonomia para
construir seu projeto pedagógico, desde que alinhado com as orientações das três
superintendências e modelo básico da Fundação CASA.
A unidade possui capacidade para 64 adolescentes internados e cada um
possui uma Equipe de Referência permanente em todo o período de cumprimento
da medida. Essa equipe é composta por profissionais de todas as áreas, sendo uma
assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira, um agente educacional e três ou
quatro agentes de apoio socioeducativo.

12
Essa reflexão será aprofundada na quarta seção.
29

A Equipe de Referência é a responsável por desenvolver a elaboração e a


avaliação do Plano Individual de Atendimento (PIA) de cada adolescente de forma
interdisciplinar e com base nos prazos estipulados pelo SINASE. O PIA contém as
metas construídas pela equipe junto ao adolescente a serem cumpridas no decorrer
do cumprimento da medida privativa de liberdade. À vista disso, para cada etapa da
construção do relatório feito por essa equipe faz-se um Estudo de Caso, no qual a
família é convidada a participar e cujo objetivo é dialogar e conhecer a situação do
adolescente e, a partir disso, avaliar a medida e verificar se há a necessidade de
restabelecimento do PIA.
Em relação à agenda de atividades desses jovens, diferente do posto pelo
senso comum, o Centro Socioeducativo possui uma rotina intensa e totalmente
pedagógica, a qual pode até ser considerada negativa por não viabilizar momentos
de reflexão a respeito do ato infracional e suas mediações. Ressalta-se alguns
trechos das entrevistas considerados relevantes que abordam a questão da agenda:

“Tem muita gente que acha que os meninos ficam à toa aqui, não
ficam de jeito nenhum. É da manhã até a noite com alguma coisa,
envolvido em alguma coisa, né? À noite que é mais lazer, um filme,
mas sempre tem alguma coisa, né? Então as pessoas... muita gente
acha que aqui não tem nada, ou que é uma escola de crime. Não é
nada disso. O nosso tempo, a agenda deles é totalmente
pedagógica.”–(CLAUDIA)

“(...) ela (a agenda) não deixa às vezes um espaço para o


adolescente refletir de verdade o que que ele tá fazendo. É tanta
coisa, que ele tá nessa rotina tão intensa, que às vezes ele não tem
o tempo e o foco para entender cada função, a importância de cada e
o significado de cada coisa, né?” (HELENA)

Posto isso, os adolescentes possuem as seguintes atividades obrigatórias


subordinadas à superintendência pedagógica da Fundação: a escola/ensino regular,
educação profissional básica, esporte e arte educação.
No período da manhã eles frequentam as aulas dentro da própria unidade,
cuja matrícula e contratação de professores são feitas por uma escola da rede de
ensino Estadual localizada no município.
No período da tarde os jovens possuem oficinas de arte e cultura e cursos
profissionalizantes. Na Arte Educação, a instituição conta com dois arte educadores,
30

em que cada um é responsável pelas oficinas obrigatórias de dança ou de violão,


cujas cargas horárias são de 3 horas semanais. Além disso, há duas turmas de cada
área para que todos os adolescentes consigam participar de acordo com suas
agendas.
Em relação à Educação Profissional, conforme explicitado pela Coordenadora
Pedagógica, o Centro possui parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC) para a profissionalização básica dos adolescentes com os
cursos de preparo de pizza e informática, além do curso de elétrica básica
desenvolvido por um autônomo.

“A gente tem também a Educação Profissional Básica, a gente fala


básica porque a gente não profissionaliza ninguém porque não tem
tempo, então a carga horária é reduzida - 50 horas de curso -, aqui a
gente tem parceria com SENAC e hoje a gente tá com preparo de
pizza, informática e elétrica básica - que não é do SENAC, é uma
pessoa, um autônomo que vem desenvolver. ” (CLAUDIA)

Por fim, no que diz respeito às atividades obrigatórias subordinadas à


superintendência pedagógica da Fundação há o esporte e a educação física da
escola. Dentro disso, o Centro Socioeducativo conta com educadores físicos que
realizam atividades de recreação, treinos de futsal, basquete e vôlei com os
adolescentes, que podem ocorrer no período da tarde e da noite. Apesar da maioria
das atividades serem realizadas na quadra, os educadores também trabalham
documentários e livros relacionados ao esporte. Além disso, a Fundação promove
campeonatos de esportes regionais e Estaduais, em que os Centros
Socioeducativos competem entre si.
No que se refere à família, as visitas aos adolescentes acontecem aos
domingos, dia em que também ocorre a assembleia dominical da equipe com os
familiares momentos antes do contato destes com os jovens. Essa assembleia,
momento de escuta das demandas familiares e também de troca com a equipe
sobre questões do cotidiano, é aberta à toda equipe multiprofissional, contudo,
geralmente possui adesão apenas da área psicossocial e, com menos frequência,
de educadores, os quais realizam alguma dinâmica.
As visitas dominicais são permitidas apenas para os pais, avós e irmãos
maiores de 14 anos, contudo tendo em vista o sistema de progressão – o Centro
31

Socioeducativo trabalha com os projetos inicial, intermediário e avançado, em que à


medida que os adolescentes vão progredindo sem cometer faltas e atingindo às
metas recebem benefícios – existe a possibilidade de receberem visita de outros
parentes da família. Além disso, irmãos com menos de 14 anos, mães que
trabalham aos domingos ou que são de outros municípios que não oferecem
transporte intermunicipal nesse dia também podem fazer visitas agendadas durante
a semana.
Essas famílias também são convidadas a participarem de eventos específicos
voltados para elas, dos Estudos de Caso de seus filhos, gincana de esportes e do
projeto Dança das Famílias,o qual ocorre uma vez ao mês aos sábados. No entanto,
a participação familiar nesses outros momentos é bem escassa, tendo como um dos
principais motivos a dificuldade financeira, que dificulta o acesso ao Centro
Socioeducativo visto que a unidade fica localizada em região afastada e de difícil
acesso, o que torna necessário para grande parte das famílias a utilização de mais
de uma condução cujo valor é exorbitante.
Além disso, o contato da área pedagógica com as famílias é mínimo, mesmo
essa sendo a que mais ocupa a agenda dos adolescentes privados de liberdade, A
coordenadora pedagógica atribui isso à sobrecarga da agenda dos adolescentes e à
carga horária reduzida de funcionários desse setor aos domingos:

“A pedagogia ela é mais distante da família, porque a família ela vem


mais aos domingos, e no domingo tem uma carga horária muito
reduzida de pedagógico, né? De educadores. Então tem domingo
que tem um, tem domingo que tem dois educadores. Então o nosso
contato com a família é bem menor. É... Tem uma coisa que a gente
sempre tenta fazer, mas a gente não consegue por questão de
agenda, que é a reunião de pais na área escolar, como tem lá nas
escolas só que a gente não conseguiu desenvolver aqui ainda por
questão de agenda e outras séries de fatores, né? Mas no domingo
tem um horário que é com as famílias, antes da visita, que a gente
chama de Assembleia Dominical, então da uma à uma e meia.
Então, quem ta aqui de educador geralmente participa desse horário
com a família, né? Junto com o psicossocial até.... ou faz uma
dinâmica, ou apresenta uma música ou conversa e fala sobre a área
pedagógica... Mas assim, o contato é bem mais reduzido do que com
o psicossocial tem com a família, né? Que é mais intenso. E a gente
gostaria de ter até um tempo a mais com a família, porque é muito
importante, muito, pedagogia com família. Só que a gente não tem
32

esse horário em agenda porque a família vem só no domingo e no


domingo a gente tem menos aqui o pedagógico. ” (CLAUDIA)

Com relação à área da saúde, a instituição tenta trabalhar com os


adolescentes o conceito apregoado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que
coloca que saúde não é apenas a ausência de enfermidades, mas um estado
completo de bem-estar físico, mental e social. Dentro disso, os adolescentes
possuem o serviço de odontologia e clínica médica uma vez por semana dentro da
Fundação e, quando procedimentos mais específicos são necessários, são feitos
encaminhamentos e direcionamentos para a rede municipal de saúde, cujos
procedimentos burocráticos são viabilizados pelo serviço de enfermagem, que é
constante dentro do Centro Socioeducativo.
Além disso, a instituição possui 3 psicólogas/os, em que cada uma é
responsável por 1/3 dos jovens privados de liberdade. Os adolescentes recebem
atendimento psicológico individual semanalmente e em grupo uma vez ao mês e,
quando necessário, são acompanhados pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool
e Drogas (CAPS AD). Destaca-se que o Município não possui um CAPS
especializado na infância e na adolescência para atender a demanda de saúde
mental das crianças e adolescentes, sobretudo as pobres, do município, cuja
demanda é bastante elevada e tratada como caso de polícia ao invés de caso de
saúde pública.
Em se tratando do bem-estar social, o Centro Socioeducativo pesquisado
possui três assistentes sociais integrando a equipe multidisciplinar, em que cada
uma também é responsável por 1/3 dos adolescentes. Além do atendimento
individual dos jovens, elas realizam atendimento às famílias através de visitas
domiciliares e das visitas das famílias aos domingos. Tendo em vista a questão da
incompletude institucional e da vuln*erabilidade social das famílias, a parte social é
trabalhada em conjunto com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)
e Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS). A forma
como isso ocorre será aprofundada na próxima seção.
Por fim, o Centro Socioeducativo pesquisado possui também o Programa de
Assistência Religiosa, pelo qual os adolescentes têm acesso a atividades religiosas
não obrigatórias da Igreja Católica e da Igreja evangélica Universal. Ao questionar
33

se os adolescentes não tinham acesso a outras religiões como espírita e umbanda,


por exemplo, obteve-se a seguinte resposta:

“Ó... a Assembleia já veio, iniciou um trabalho, mas acho que a igreja


desestruturou lá e o pessoal parou de vir, mas tem abertura...
Quadrangular já veio com proposta, mas não voltou... Espírita já veio
com proposta, mas também a gente não consegue desenvolver,
porque as pessoas que vieram não conseguiram, né, manter uma
rotina. Mas nossa! é aberto a Candomblé, Umbanda, o que tiver. Se
tiver um menino do Candomblé aqui e ele solicitar a gente tem que
organizar pra ele, tem que arrumar um local que vem. Mas tudo
assim, tudo registrado... as pessoas, né... recebem crachás, né, as
que a gente consegue cadastrar, tudo muito documentado,
organizado. Não pode vir qualquer entidade assim. Pode vir... desde
que esteja, né, passa pela entrevista, tenha perfil, é tudo coisa de
Estado... tudo muito... burocracia, né, é grande.” (CLAUDIA)

Com essa fala, fica-se a dúvida do perfil necessário para outras religiões
adentrarem aos muros da instituição, tendo em vista que essa está diretamente
ligada à uma organização católica.
Essa é a dinâmica da Unidade da Fundação CASA pesquisada. Na sequência
será refletida a historia das políticas públicas voltadas para a infância e a
adolescência do Brasil, com ênfase na infância pobre e marginalizada inserida em
um contexto capitalista de avanço neoliberal.
34

3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA NO BRASIL

3.1 Capitalismo, Estado e Políticas Públicas para a adolescência

“A gente paga pra nascer, paga pra morar


Paga pra perder, a gente paga pra ganhar
Paga pra viver, paga pra sonhar
A gente paga pra morrer e o filho paga pra enterrar
Vontade a gente tem mas não tem onde trabalhar
Justiça a gente tem mas só pra quem pode pagar
Coragem a gente tem mas não tem forças pra lutar
Então a gente sai de casa sem saber se vai voltar

E aí vem vocês pegar o que é nosso direito


Crime não é mais crime quando é um crime bem feito
Viver dessa maneira é algo que eu não aceito
Enquanto isso o povo chora sem ter onde morar
Mas existe uma chama acesa dentro do peito
Porque já não dá mais pra se viver desse jeito
Quando o povo explodir vai ser só causa e efeito
Efeito que abastece meu pulmão e me dá forças pra cantar

Sr. Presidente, esse país tá doente


Nosso povo já não aguenta mais
Sr. Presidente, como você se sente
Ao ver a fila dos nossos hospitais?
Sr. Presidente, até queria que a gente
Se entendesse mas não sei como faz
Porque essa noite se foi mais um menino ali na rua de trás”

(Projota – Sr. Presidente)

O trabalho dos profissionais socioeducativos com adolescentes privados de


liberdade não pode e não deve ser pensado de maneira isolada do contexto
econômico, político e social em que está inserido. Por isso, é necessário
compreender o sistema capitalista do qual fazemos parte e refletir sobre o Estado e
seu papel na elaboração e execução de políticas públicas, sobretudo àquelas
voltadas para a infância e a adolescência, que já adianta-se: são ínfimas e
criminalizadoras da pobreza desde sua gênese, fatores estes que rebatem
diretamente em processos punitivos, dos quais as medidas socioeducativas são
parte.
O capitalismo é um tipo de economia e de sociedade que surge com a
Revolução Industrial do século XVIII na Europa Ocidental e traz mudanças na
organização do trabalho e, consequentemente, na organização da sociedade.
35

Dentro disso, no modo de produção capitalista, a categoria capital possui duas


dimensões (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011): a primeira remete a uma
determinação econômico-política, em que o capital é proveniente de um processo de
valorização do dinheiro pelo trabalhador, isto é, da produção da mais valia, que é o
resultado de um excedente quantitativo do trabalho explorado (MARX, 2013, p. 274),
cuja apropriação do mais valor é feita pelo capital. Isso resulta na segunda
dimensão, que trata da relação social ineliminável entre capitalista e trabalhador
nesse modo de produção, na qual o trabalhador tem como única propriedade sua
força de trabalho, a qual é vendida para o capitalista em troca de um salário baixo -
quando comparado ao que se produz - e insuficiente para garantir as necessidades
humanas e materiais básicas como: alimentação, saúde e moradia.
O capitalismo é, portanto, um sistema baseado na propriedade privada dos
meios de produção e tem como objetivo a acumulação de capital em detrimento da
exploração do trabalho de quem não detém os meios de produção e tem como única
propriedade a força de trabalho, a qual é vendida na busca por sobrevivência. Essa
tensão existente entre capital e trabalhadores é chamada de Questão Social, a qual
possui diversas expressões, como por exemplo: a pobreza, o desemprego, as
diversas formas de opressão (de classe, de gênero, de raça/etnia) etc., expressões
essas que, de acordo com Santos (2012), estão associadas ao conjunto de
fenômenos que ocorreram no desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Isso posto, a categoria classe é central para a explicação desse modo de
produção, uma vez que a contradição de classes é fundante desse sistema
(DURIGUETTO e MONTAÑO, 2011). Dentro disso, existe uma variada e
heterogênea gama de classes sociais, porém há duas fundamentais que se
constituem a partir da polarização entre os produtores diretos da riqueza (os
trabalhadores) e os proprietários do meio de produção (os burgueses), Com isso,
Duriguetto e Montaño (2011, p. 86) destacam os elementos determinados e
determinantes das classes, em que

[...] o tipo e o volume da renda, a capacidade de consumo, o acesso


ao mercado, são elementos determinados das classes, o lugar e o
papel na esfera produtiva, são os aspectos determinantes; sua
função na produção de riqueza é a causa, sua participação no
mercado a consequência (grifo do autor).

Além disso, colocam que a classe não é determinada pela renda, mas o
36

[...] tipo de propriedade no e para o processo produtivo é que


determina o tipo e o volume da renda dos indivíduos e das classes. É
esta propriedade (da força de trabalho, do capital ou da terra) que vai
determinar o lugar que ocupam, o papel que desempenham e as
relações que os sujeitos tendem a desenvolver no processo de
produção de riqueza (2011, p.87).

Apesar de, para Marx (apud DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011), as diversas


classes tenderem a se agruparem em apenas duas (proletária e burguesa), essa
separação não se mantém da mesma forma na atualidade, haja vista as mudanças
nas relações sociais e de produção, em que ocorreu uma forte “desproletarização”
em decorrência do avanço tecnológico e produtivo das últimas décadas, além do
crescimento das classes médias, as quais também fazem parte da classe
trabalhadora, mesmo não se reconhecendo como tal - haja vista a alienação pela
ideologia burguesa, a qual será tratada um pouco mais à frente. Contudo, ressalta-
se que essas mudanças não anulam o caráter fundante das classes trabalhadora e
capitalista e a sua condição central: a exploração da força de trabalho pelo capital.
Dentro disso, Duriguetto e Montaño (2011, p. 93-94) apresentam as classes
que estão para além das fundamentais: as consideradas complementares da
atividade produtiva, mas que, assim como toda a classe trabalhadora, são
despossuídas dos meios fundamentais de produção e consumo, portanto são meras
proprietárias da força de trabalho, o que faz com que sejam obrigadas a vendê-la ao
capital em troca de salário. Neste processo, a mais-valia também é produzida e
apropriada pelo capital, ainda que não de forma direta, como é o caso das
empregadas domésticas, dos trabalhadores terceirizados e autônomos, dos
trabalhadores socioeducativos - objetos de estudo deste trabalho - e muitos outros.
A burguesia atual também é bastante heterogênea, sendo composta por
proprietários de terras, proprietários dos meios de produção, proprietários dos meios
de consumo e proprietários das instituições de intermediação financeira. Contudo,
apesar da diversidade, possuem uma característica geral: se sustentam na
apropriação da riqueza produzida pelo trabalho alheio (DURIGUETTO; MONTAÑO,
2011, p. 93).
37

Dentro disso, a ideologia burguesa é responsável, em grande parte, pela


visão da sociedade sobre as infâncias e adolescências13 e, por conseguinte, pelos
impactos de uma perspectiva estigmatizadora da infância e da juventude não
burguesas na elaboração de políticas públicas voltadas para esta população, o que
também reflete diretamente na visão de muitos dos trabalhadores socioeducativos
sobre os adolescentes autores de ato infracional14.
Posto isso, o conceito de ideologia

remete a um “sistema ordenado de ideias ou representações” sobre


a realidade e de normas de comportamento, que se apresentam aos
sujeitos como “entidades autônomas”, naturais e perenes, produzidas
a partir da separação entre trabalho manual e intelectual, mas que
resultam das “condições objetivas da existência dos indivíduos”
(CHAUÍ, 1983, p. 65-66,78,86 e 101-109 apud DURIGUETTO;
MONTAÑO, 2011, p. 105).

Dessa maneira, de acordo com Duriguetto e Montaño (2011, p.106-109) a luta


ideológica está diretamente ligada à luta de classes no modo de produção
capitalista, em que as ideologias burguesa e proletária se contrapõem e se
enfrentam. Todavia, é a burguesia que se propaga como classe hegemônica,
portanto o que é particular dessa classe – a visão de mundo, os valores, os
interesses e o modo de vida - passa a ser colocado e aceito como universal. Isso se
torna possível através do uso de alguns artifícios como: a naturalização e o
ocultamento da realidade social; a fetichização - aquilo que atribui às coisas
propriedades “naturais”, como se não fossem produtos históricos -; e por fim, a
reificação, que “coisifica” os sujeitos e as relações sociais como parte da alienação.
Esse processo é chamado por Marx e Engels (1993 apud DURIGUETTO;
MONTAÑO, 2011, P. 108) de “falta de consciência”, uma vez que os indivíduos
passam a desenvolver uma consciência que não corresponde com a própria classe,
que vem de outra e representando os interesses desta. Essa falsa consciência,
portanto, não significa um conhecimento falso da realidade, e sim uma compreensão
de mundo a partir dos interesses burgueses, o que cria um conhecimento parcial,
segmentado, naturalizado, não historicizado, que vê apenas a aparência e não a
13
Usamos infâncias e adolescências no plural porque acreditamos que essas categorias não podem
ser caracterizadas de forma homogênea, visto que há diferenças de acesso à direitos dependendo da
classe social e raça/etnia em que estas categorias estiverem inseridas.
14
Essa reflexão será aprofundada na última seção.
38

essência das coisas,que não possibilita compreender os fundamentos da realidade


e, com isso, não permite a transformação desta. À vista disso, Duriguetto e Montaño
(2011, p. 109) exemplificam alguns conceitos ideológicos burgueses, em que

a exploração é substituída pela “exclusão social”; a classe pelos


vagos conceitos de “cidadão” ou “povo”; a sociedade civil, como
arena de lutas, pela dócil noção de terceiro setor; as lutas de classes
pela “ação social” ou arte pelo enganoso neologismo de
“empoderamento”; o processo de desmonte da intervenção social do
Estado tratado como “reforma do Estado”, “ajuste estrutural” ou
“programa de estabilização”; a propriedade privada denominada
agora como “iniciativa privada”; dentre uma infinidade de conceitos
ideológicos, que não visam outra coisa do que esconder os
fundamentos das reais contradições da ordem social vigente,
resguardando e preservando a desigualdade e a dominação de
classe (grifo do autor).

Diante disso, Silva (2013, p. 37), ao refletir a categoria violência, entende a


ordem burguesa como geneticamente violenta, a qual “oferece um terreno muito
fértil para que formas particulares de violência sejam potencializadas sob suas
condições”. Em vista disso, tem-se a pobreza, as condições precárias de trabalho -
ou a falta do trabalho - e outras expressões da questão social como violência
estrutural inerente à sociedade do capital, as quais são naturalizadas pela ideologia
burguesa.
A criminalidade entra nessa ideia como uma forma particular de reprodução
da violência, em que o crime/ato infracional é tomado na sua imediaticidade pelo
senso comum, isto é, como um ato pontual cometido por determinadas pessoas ou
grupos estereotipados – geralmente jovens periféricos e, em sua maioria, negros -,
sem considerar as mediações que levaram a essa forma particular de violência e
sem fazer uma análise de totalidade – o que estamos tentando fazer neste trabalho,
sem a pretensão de esgotar todas as determinações.
Acredita-se, portanto, que o ato infracional não pode ser explicado pela
atitude criminosa em si – roubo, furto, tráfico etc. -, isto é, para o que aparece de
forma imediata, por isso, é preciso buscar e analisar os elementos que não estão
imediatamente postos, elementos que podem ter contribuído para a chegada no
cometimento de crimes. Assim sendo, o ato infracional pode ser considerado uma
“contra-violência”, isto é, uma reação a outros tipos de violências estruturais como,
39

por exemplo, a miséria e a falta de acesso a políticas públicas eficientes de


habitação, segurança alimentar, educação, lazer, saúde, trabalho etc.
Essas ideias podem ser elucidadas tomando o filme Última parada 174(2008)
como exemplo. O filme, baseado na história real de Sandro, um adolescente
protagonista do sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro em 2000, que foi
noticiado ao vivo com repercussão internacional pela mídia, a qual abordou apenas
o ato em si. O imediatamente posto aparece como um “bandido” que manteve
pessoas reféns em uma situação agonizante, cujo resultado do sequestro foram
duas mortes: a de uma refém que levou um tiro da própria ação policial do Batalhão
de Operações Policiais Especiais (BOPE) e do assassinato de Sandro pela polícia,
esta última morte tida como necessária e menos relevante e trágica que a primeira,
haja vista a propagação do lamentável jargão “bandido bom é bandido morto”.
A mídia, ao tratar do ocorrido, contou as histórias dos reféns, do capitão do
BOPE e dos atiradores, mas não a história de Sandro, que foi retratada no filme em
questão. Dentro disso, cabe ressaltar o papel da mídia no contexto neoliberal, a
qual, de acordo com Ianni (2004, p. 324), “opera decisivamente como ‘intelectual
orgânico’ dos grupos e classes sociais ou blocos de poder dominantes em todo o
mundo, em âmbito nacional e global”. Dessa forma, restam poucos espaços de
organização, conscientização e mobilização para classes sociais ou setores e
coletividades subalternos. Ademais, a indústria cultural é responsável pela
exacerbação da violência através da manipulação da imagem com filmes,
reportagens e novelas, isto é, surge um processo chamado por ele de estetização da
violência. A mídia é, portanto, uma forma de transmitir a visão estereotipada da
ideologia burguesa sobre os jovens pobres, periféricos e negros, que são, quase em
sua totalidade, retratados em filmes e novelas como criminosos.
Isso posto, o filme Última Parada 174 conta a história, para além do ato
imediatamente posto - o sequestro do ônibus -, de Sandro Barbosa Nascimento,
jovem que sofreu incontáveis violências ao longo da infância e da adolescência para
se tornar uma figura infratora/violenta, como foi retratado incansavelmente pela
mídia. Com apenas 8 anos, Sandro perdeu a mãe - foi assassinada - e, por isso,
passou a morar com uma tia e seu marido, onde não era bem quisto. Por isso, foi
sobreviver em ruas cariocas junto de outras crianças, as quais eram invisíveis para o
Estado e para a sociedade, e quando eram vistas, apareciam apenas como
40

“bandidos”. Nas ruas, Sandro dependia de ações filantrópicas; se envolveu com uso
de substâncias psicoativas; passou a furtar e roubar para sobreviver; sofreu diversas
violências policiais; foi recolhido pela polícia e privado de liberdade na FEBEM - local
onde sofreu mais violações de direitos –; e sobreviveu à Chacina da Candelária –
assassinato de 8 jovens em 1993 no centro do Rio de Janeiro, próximo à Igreja da
Candelária. Assim como muitos jovens, tinha o sonho de se tornar um rapper,
contudo este foi interrompido pelo seu assassinato pós sequestro do ônibus,
sequestro este resultado de um momento de desespero do jovem, o qual se viu
obrigado a manter pessoas reféns para negociar uma fuga ao ter o ônibus cercado
pela polícia após a sinalização de suspeita do jovem por um passageiro. Depois de
muitas horas de tentativa de negociação, influenciada pela forte presença e
interferência midiática, o sequestro teve um fim trágico, com a morte de uma refém e
de Sandro.
A culpa da incompetência policial recaiu sobre Sandro, afinal, a
responsabilidade de toda aquela situação foi atribuída exclusivamente a ele, sem ser
levado em conta, em momento algum, a negligência estatal por não proteger, mas
violar infâncias e adolescências específicas ou a negligência da própria sociedade,
por naturalizar crianças e adolescentes vivendo nas ruas e reagindo fechando os
vidros de seus carros de luxo nos semáforos para crianças que pedem dinheiro e/ou
tentam sobreviver com a venda de balas e doces. Com isso, essa parte da
população – crianças e adolescentes miseráveis - passa a ser tratada pelo Estado -
principalmente através da figura da polícia e do sistema judicial punitivo - e pela
população como meros “bandidos”, “drogados” – sem levar em consideração os
motivos do uso de substâncias psicoativas, que podem funcionar como meio de
amenizar o sofrimento de se viver nas ruas e aliviar o frio -,enquanto quem violenta
esses meninos e meninas ao decidir não enxergá-los de forma não estereotipada,
possui um lar, afeto, se alimenta mais de uma vez ao dia e dorme em camas
aquecidas. Com isso, o histórico de violações de direitos dessas crianças e
adolescentes não é considerado quando se reflete superficialmente suas vidas, que,
mesmo após 30 anos de ECA – legislação que deveria garantir a proteção integral
de todas as infâncias e adolescências -, sofrem incontáveis formas de violências,
que são menosprezadas ou naturalizadas.
41

Sandro foi, ironicamente, um protagonista invisível e sua história se repete na


vida de milhares de outros jovens no Brasil diariamente, os quais são lançados à
própria sorte, pois quando não são vítimas do genocídio da população jovem e
negra15 fora dos holofotes, são punidos pelas violências estruturais anteriores ao ato
infracional, violências ocasionadas pelo Estado, pela sociedade e pela própria
família em alguns casos. Enfatiza-se que todas essas esferas têm a obrigação de
promover e garantir a Proteção Integral de crianças e adolescentes, como previsto
no Art. 3º do ECA:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Contudo, essa responsabilidade de proteção, é atribuída primeiramente à


família, até mesmo pela ordem como ela aparece na própria legislação, que é
anterior à comunidade e ao Estado. Dentro disso, o Estado aparece como o último
responsável, contudo deveria ser o primeiro a oferecer condições básicas às famílias
para que estas consigam proteger suas crianças e seus adolescentes.
Após essa reflexão, coloca-se que este trabalho não tem a intenção de
romantizar ações criminosas, mas de refletir a respeito de alguns determinantes que
colaboram para o cometimento de crimes – principalmente se levarmos em
consideração que a maioria dos crimes/atos infracionais cometidos não atentam
contra a vida e podem ser considerados crimes “leves”, como apontado na tabela
abaixo com dados da Fundação CASA do estado de São Paulo, a qual mostra que
81,56% do total de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa nesta
instituição estão privados de liberdade por tráfico16 ou roubo.

15
Brasil é o 10º país que mais mata jovens no mundo; em 2014, foram mais de 25 mil vítimas de
homicídio. Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-e-10o-pais-que-mais-mata-jovens-no-
mundo-em-2014-foram-mais-de-25-mil-vitimas-de-homicidio/. Acesso em: 29 jul. 2020.
16
O uso abusivo de substâncias psicoativas, que deveria ser tratado como questão de saúde, é na
verdade tratado como crime.
42

Figura 2 - Atos infracionais por faixa etária

17
Fonte: Assessoria de Inteligência Organizacional da Fundação CASA, 2020.

17
Tabela recebida via e-mail em 15/05/2020 após solicitação pelo portal do Sistema Integrado
de Informações ao Cidadão: http://www.sic.sp.gov.br/.
43

Dentro do que já foi colocado, acredita-se que a redução da desigualdade é


condição essencial para a redução da violência e, por isso, torna-se necessário
pensar em políticas sociais eficientes que garantam a proteção integral de todas as
infâncias e adolescências e que sejam anteriores às medidas socioeducativas, isto
é: preventivas e não punitivas. Contudo, o ideário neoliberal globalizado é um
obstáculo a ser enfrentado para a elaboração de políticas sociais e a conseqüente
redução da violência, visto que, de acordo com Ianni (2004), o neoliberalismo é uma
guerra contra tudo que contenha um pouco de “social”, priorizando tudo que é
econômico. Com isso, “o mundo todo revela-se atravessado pelo desemprego
estrutural, as subclasses, o pauperismo, a lumpenização, a xenofobia, o etnicismo, o
racismo, o fundamentalismo, o terrorismo de Estado, a criminalização de setores
sociais subalternos, a satanização dos ‘outros’” (IANNI, 2004, p. 342), o que explica
a marginalização e esquecimento da juventude periférica, a qual é lembrada apenas
pela criminalidade e violência que ela supostamente pratica, e não a violência
estrutural que ela sofre.
A ideologia burguesa, portanto, é a responsável pela formulação cheia de
preconceitos do chamado senso comum, que pode ser entendido como “uma forma
acrítica e rudimentar de conhecer o mundo, que o concebe de maneira desagregada
e desistoricizada e que pensa a realidade como algo já dado e independente do
sujeito” (GRAMSCI apud DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 101), com isso, a vida
cotidiana, que é comandada pela lógica do capital, “se funda na alienação dos seus
membros, na naturalização dos fenômenos (incorporando os valores hegemônicos)
e reificação dos sujeitos, e na desarticulação do conhecimento e/ou ação na
realidade” (LUKÁCS, 1974, p. 92; 1992, p. 122 apud DURIGUETTO; MONTAÑO,
2011, p. 101).
Diante de tudo que foi colocado aqui, pode-se refletir a respeito da forma
estereotipada como a infância e adolescência pobre é vista: como criminosos em
potencial que devem ser controlados pelo Estado, o qual atua retirando crianças e
adolescentes de suas famílias quando estas não possuem condições materiais de
garantir a proteção integral (o que não significa que o Estado ou a sociedade vá
fazer) ao invés de fornecer condições objetivas de sobrivência para essas famílias;
ou seja, institucionalizando crianças e adolescentes que não seguem o padrão de
vida burguês, privando de liberdade adolescentes pobres que cometem atos
44

infracionais – a maior parte relacionada ao tráfico de drogas (ver quadro anterior


sobre relação dos atos infracionais) - e são punidos de forma desproporcional
quando comparados com filhos da classe burguesa, que ao atearem fogo em
pessoas em situação de rua, têm suas atitudes bárbaras vistas como “brincadeiras
de adolescente”.
Portanto, como propagado pelo senso comum, a forma ideal de lidar com a
adolescência pobre é através da repressão, da opressão, da falta de oportunidades,
com a imposição de trabalho subalterno, visto que a infância e a adolescência de
classes sociais mais privilegiadas devem se dedicar aos estudos, fazer cursos,
atividades culturais e esportivas que trabalhem e desenvolvam suas capacidades;
enquanto à infância e à adolescência das classes mais subalternas são reservadas
escolas sem infraestrutura, cursos técnicos voltados para o mercado de trabalho e,
quando muito, programas como o “Jovem Aprendiz” - uma forma de exploração do
trabalho pelo capital fantasiado de oportunidade para jovens –, ou, em último nível
de violação de direitos, as medidas socioeducativas para aqueles que não se
enquadram no sistema de reprodução do capital através da exploração da força de
trabalho, mascaradas como meio de garantia da proteção de integral, quando na
verdade todas as esferas anteriores falharam com essa população.
Sobre essas questões abordadas aqui, Silva (2013, p.41) coloca que

Estamos, aqui, na realidade, diante de uma forma de violência que constitui


a estrutura que sustenta a sociabilidade burguesa (necessária à reprodução
do capital), que nasce e emana diretamente dela, que se utiliza da uma
força não necessariamente física (ainda que não abdique dela quando
necessário), capaz de impor regras, valores e propostas, quase sempre
considerados naturais, normais e necessários, que fazem parte da essência
da ordem burguesa, ou seja, formam sua natureza [...]. Nota-se, assim, que
tudo isso é legalmente instituído, naturalizado, sustentado em um contrato
de trabalho consentido, ainda que o grau de liberdade, aqui, deva ser
questionado já que o trabalhador vende – para sobreviver – a única
mercadoria que possui, escolhendo “livremente” entre os capitalistas
disponíveis.

Posto isso, entra-se na concepção de Estado, uma dimensão essencial do


capitalismo, onde se implica a expressão e condição das relações e antagonismos
de classe (IANNI, 1979, p. 30). O Estado para Marx, portanto, aparece como um
45

reflexo da sociedade civil, em que esta pode ser definida como a esfera da produção
e da reprodução da vida material, isto é, o “modo como as coisas são produzidas,
distribuídas e consumidas, e as relações sociais para tanto estabelecidas”
(DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 35) e, com isso, o Estado expressa e perpetua
as contradições da sociedade civil.
Como abordado por Ianni (1997), a burguesia, ao controlar os meios de
produção e as relações de trabalho, se torna classe dominante e estende o seu
poder ao Estado, o qual passa a ser condição básica para o exercício da dominação
e hegemonia burguesa, fazendo uso da coerção e da opressão quando necessário.
Entretanto, isso não impede que o Estado atenda simultaneamente aos interesses
burgueses e de outras classes sociais, pois como afirma Marx (apud IANNI, 1979, p.
36) “não se pode dar a uma classe sem tirar de outra, da mesma forma que não se
pode tirar tudo de uma classe, sob pena de extinguí-la”. Essa conciliação, portanto,
propicia a continuidade e a aceleração da acumulação capitalista através da
produção de mais-valia, além de evitar o agravamento da luta de classes.
É nesse contexto capitalista, de luta de classes e com o Estado
representando os interesses burgueses que surgem as políticas sociais, que são
respostas às expressões da questão social e às reivindicações sociais, em que a
burguesia faz algumas concessões sociais para poder manter seu papel
hegemônico e permitir o crescimento da acumulação de capital, ou nas palavras de
Behring e Boschetti (2011, p. 67) “entrega os anéis para não perder os dedos”.
Para falar das políticas sociais para a adolescência no Brasil é necessário
fazer um resgate histórico da gênese e do desenvolvimento das políticas sociais no
mundo, a fim de compreender os seus impactos na particularidade brasileira. Com
isso, de acordo com Potyara Pereira (2009), a política social pode ser dividida em
três fases.
A primeira fase está relacionada à algumas legislações sociais da Inglaterra -
berço da Primeira Revolução Industrial -, as quais eram punitivas, restritivas e
estavam relacionadas à assistência social, cujas ações eram minimalistas e
sustentadas na ajuda - não no direito - e tinham como contrapartida o trabalho
forçado, inclusive de crianças, adolescentes e idosos. A Lei dos Pobres inglesa pode
ser considerada como a primeira iniciativa do Estado enquanto proteção social,
contudo, ao invés de proteger as classes mais vulneráveis, protegia a sociedade dos
46

pobres, os quais eram subclassificados por lei e controlados através das Poor
Houses, criadas em 1576, e das Workhouses, de 1662. Com a Revolução Industrial
e no contexto de subsunção do trabalho ao capital, essas legislações, mesmo que
ínfimas e repressivas, são abandonadas e o pauperismo se torna a expressão mais
acentuada da questão social (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.51).
Essa realidade impulsiona a organização e a luta dos trabalhadores por
melhores condições de trabalho, os quais foram responsáveis pelo surgimento de
novas regulamentações sociais e do trabalho pelo Estado (MARX, 1987 apud
BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.51). Com isso, é nítido que a luta dos
trabalhadores e dos movimentos sociais, ao longo da história, foram muito
importantes e necessárias para a expansão dos direitos sociais.
Dentro do ideário liberal assumido pelo Estado capitalista de meados do
século XIX até a terceira década do século XX, entra-se na segunda fase da política
social, com a ideia alemã bismarckiana de Seguro Social. Contudo, antes de abordar
a política social securitária, é relevante expor alguns elementos essenciais do
liberalismo, conforme colocado por Behring e Boschetti (2011, p. 61-62), como: o
predomínio do individualismo, em que acredita-se que o bem estar individual
maximiza o bem-estar coletivo, isto é, se todos atingirem seu bem-estar
individualmente, todos os indivíduos atingem uma situação de bem-estar; a
liberdade e a competitividade como fatores predominantes; a naturalização da
miséria, que passa a ser vista como resultado da moral humana e não como
resultado do acesso desigual à riqueza socialmente produzida; a minimização do
Estado, cujas intervenções devem se restringir a regular as relações sociais com
vistas a garantir a liberdade individual, a propriedade privada e assegurar o livre
mercado; a visão das políticas sociais como incentivadoras do ócio e do desperdício,
pois se propaga que elas desestimulam o interesse pelo trabalho e geram
acomodação e, por isso, devem funcionar apenas como um paliativo proveniente da
caridade privada. Em decorrência disso, Behring e Boschetti (2011, p. 51) colocam
que

Com o predomínio desses princípios ferozmente defendidos pelos


liberais e assumidos pelo Estado capitalista, não é difícil
compreender que a resposta dada à questão social no final do século
XIX foi sobretudo repressiva e apenas incorporou algumas
demandas da classe trabalhadora, transformando as reivindicações
em leis que estabeleciam melhorias tímidas e parciais nas condições
47

de vida dos trabalhadores, sem atingir, portanto, o cerne da questão


social.

Sob a égide do liberalismo clássico, portanto, Bismarck elabora o Seguro


Social como uma forma de controle estatal sobre a sociedade, principalmente do
movimento operário. Com isso, o Seguro não tem como objetivo a proteção do
trabalhador, mas sim garantir a produção e reprodução social do trabalho ao atender
apenas o trabalhador inserido dentro do mercado de trabalho. Em decorrência disso,
o Seguro Social atende apenas às incontingências do trabalho como: acidentes de
trabalho, adoecimento e velhice, que se dá via seguro saúde, seguro acidente de
trabalho e aposentadorias por invalidez e por idade. Por fim, o financiamento de tudo
isso se dá através da contribuição tripartite, que envolve o Estado, o empregador e o
trabalhador. A proteção social à infância e à adolescência nessa fase, portanto, era
mínima, e quando existente estava relacionada a legislações regulamentadoras do
trabalho infantil e que nem sempre eram respeitadas.
A terceira fase da política social, a da Seguridade Social, surge a partir do
enfraquecimento das ideias liberais no século XX, tendo em vista três fatores
principais: a Crise de 29, primeira grande crise do capital, que teve como principal
consequência o desemprego em massa; os pós-guerras, que tiveram como
resultado a morte de muitos homens que eram os provedores de suas famílias,
resultando na generalização da miséria e no aumento das expressões da questão
social; ea Revolução Russa, em 1917, que fortalece a luta internacional dos
trabalhadores e oferece alternativas ao sistema capitalista.
Para tentar amenizar os efeitos negativos da crise, o Keynesianismo aparece
como uma alternativa ao liberalismo e, sob a égide Keynesiana é implementado o
Estado de Bem-Estar Social, que coloca em prática a Seguridade Social, uma nova
forma de proteção social proposta por Beveridge, que tem como intenção a proteção
da infância à velhice. A Seguridade Social inaugura uma forma de proteção social
universal, isto é, todos os cidadãos têm acesso e, para isso, pressupõe políticas
sociais contributivas e não contributivas, dependendo do país, e o financiamento
passa a ser proveniente de impostos, contribuição direta dos trabalhadores inseridos
no mercado de trabalho e dos empregadores.
À vista disso, a proposta keynesiana passa a defender a intervenção estatal
para reativar a produção e evitar futuras crises, em que o Estado deve buscar
48

alcançar o pleno emprego e reduzir a desigualdade social através de geração de


emprego via produção e aumento da renda por meio da instituição de serviços
públicos, o que inclui as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 86).
Além disso, deve adotar os seguintes mecanismos:

a planificação indicativa da economia, na perspectiva de evitar riscos


das amplas flutuações periódicas; a intervenção na relação
capital/trabalho através da política salarial e do ‘controle de preços’; a
distribuição de subsídios; a política fiscal; a oferta de créditos
combinada a uma política de juros; e as políticas sociais (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 86).

O fundo público, portanto, passa a ter papel ativo na produção e regulação


das relações econômicas e sociais.
É relevante frisar que, conforme apontado por Potyara (2009), Behring e
Boschetti (2011), o keynesianismo rompe apenas parcialmente com os princípios
liberais, visto que o bem-estar ainda deve ser buscado no mercado de forma
individual, porém “se aceitam intervenções do Estado em áreas econômicas, para
garantir a produção, e na área social, sobretudo para as pessoas consideradas
incapazes para o trabalho: idosos, deficientes e crianças” (BEHRING; BOSCHETTI,
2011, p. 86). Com isso, a seguridade social de origem Beveridiana, por ter o velho
ranço liberal, “deveria funcionar apenas como um incentivo ao trabalho e à
autoprovisão” (PEREIRA, 2009, p. 94), isto é, os benefícios/programas não deveriam
ultrapassar o valor que o trabalhador ganharia trabalhando para não desincentivar o
trabalho.
É nesta fase da política social que a infância passa a ser vista como uma
parcela da população que precisa de proteção e de boas condições para o seu
desenvolvimento.
No fim dos anos 60 e início dos anos 70, o capitalismo entra em crise
novamente devido à queda das taxas de lucro e à reestruturação do processo
produtivo, uma vez que o trabalho vivo, tanto no meio urbano quanto rural, se torna
menos necessário com o avanço e o uso da alta tecnologia. Dentro disso, o capital
coloca a culpa da crise no Estado de Bem Estar Social, alegando que as despesas
sociais eram muito elevadas, o que gerava muitos gastos para o Estado e reduzia o
lucro do empregador. Esse discurso, no entanto, não leva em consideração que o
Estado também era de Bem-Estar para o capital, como colocado por Oliveira (1988,
49

p. 14 apud DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 165), dado que o crédito para a


produção em massa na grande indústria era de origem estatal, em que o Estado
fornecia crédito para integração e fusão de indústrias, contribuindo pra era
monopolista do capital; financiava a longo prazo a compra de capital fixo
(maquinarias, tecnologia, infraestrutura predial); subsidiava a elaboração ou
importação de bens de capital e matérias-primas necessárias para o funcionamento
da indústria; e absorvia os riscos de empreendimentos audaciosos através da
socialização das perdas. Além disso, o Estado investia em tecnociência e
infraestrutura para a produção e o consumo como: fontes energéticas, canais de
transporte de mercadorias e matérias primas mais ágeis, meios de transporte para o
trabalhador acessar o local de trabalho, saneamento para a indústria etc. Por fim, as
políticas públicas funcionavam como um “salário indireto” necessário para a
sobrevivência, produção e reprodução da força de trabalho dos trabalhadores, haja
vista que o salário era insuficiente para a subsistência e consumo (DURIGUETTO;
MONTAÑO, 2011, p. 165-172). Esse discurso, portanto, esconde a realidade do
sistema capitalista, o qual possui crises cíclicas como parte de seu sistema.
Depois de feitas algumas reflexões a respeito das fases da política social e
considerando que esta é uma resposta às expressões da questão social e à
organização dos trabalhadores, é preciso compreender a particularidade da
realidade brasileira a fim de elucidar a maneira como o capital, representado na
figura do Estado, responde às necessidades sociais das classes trabalhadoras do
Brasil através das políticas sociais.
À vista disso e conforme colocado por Santos (2012), a formação social
brasileira tem sua gênese na condição de Colônia, fator que deixou vários legados
ao país. A Questão Agrária é um deles, tendo em vista as grandes propriedades de
terras, fruto dos latifúndios de monocultura extensiva voltadas para a exportação e
de preço elevado, o que não permitia (e ainda não permite) o acesso dos imigrantes
e dos ex escravos à propriedade da terra. Além disso, havia o mito do “país de
vocação agrária” (SANTOS, 2012, p. 99-100), em que, mesmo havendo capital
acumulado para o investimento industrial, existia um forte bloqueio dos países
centrais através de políticas protecionistas para o acesso à tecnologia da indústria
pesada, fato que não permitia a alteração do lugar ocupado pelo Brasil na divisão
internacional do trabalho e, devido à isso, mesmo com o intenso processo de
50

industrialização do país na década de 1970, a agricultura ainda era a responsável


por 74,1% das exportações nacionais. Com isso, a agricultura de subsistência
passou a ocupar um papel secundário, visto que não é uma atividade geradora de
lucro ao grande capital.
Outros legados foram: a questão indígena, que nunca foi solucionada, pelo
contrário, apenas agravada com o extermínio sem fim dessa população; o descaso
com a educação, uma vez que o sistema de ensino ao se concentrar apenas nas
cidades maiores não era de acesso universal; a corrupção, que é vista por Santos
como uma ausência de fronteira entre interesses públicos e privados, desde sempre;
e, por fim, a questão do negro, em que a abolição da escravatura não eliminou os
problemas gerados pela escravidão e pelo fim legal dela, uma vez que não houve
preocupação com os escravos recém libertos, mas sim com os senhores, os quais
foram indenizados pela perda de suas propriedades - os escravos -, o que contribuiu
para a acumulação de capital que resultaria no processo de aburguesamento dos
grandes senhores de escravo e grandes proprietários de terra; e em uma dívida
nacional (SANTOS, 20012, p. 110-111). A burguesia brasileira, portanto, como
colocado por Santos (2012, p. 105-106), possui caráter oligárquico, autárquico e
senhorial e, por isso, nada tem a ver com os ideais revolucionários estrangeiros e,
dentro disso e com base no elevado grau de influência dos interesses burgueses
nas decisões estatais, é possível compreender a demora dos trabalhadores do
campo a passar a ter acesso a direitos políticos, civis e sociais no Brasil.
Ainda sobre a questão dos negros, Fausto coloca que:

A opção pelo trabalhador imigrante, nas áreas mais dinâmicas da


economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em
outras áreas, resultaram em uma profunda desigualdade social da
população negra. Fruto em parte do preconceito, essa desigualdade
acabou por reforçar o próprio preconceito contra o negro. Sobretudo
nas regiões de forte imigração, ele foi considerado um ser inferior,
perigoso, vadio e propenso ao crime; mas útil quando
subserviente(Fausto, 1997, p. 221 apud Santos, 2012, p. 60, grifo
nosso).

Dentro disso, é possível reconhecer, ainda que muito superficialmente, a


origem da associação da imagem do negro a alguém perigoso e propenso ao crime,
o que ainda é lamentavelmente muito presente na realidade e tem como um dos
resultados o fato da maioria da população carcerária e privada de liberdade no
sistema socioeducativo ser composta por pretos e pardos. Isso pode ser mostrado
51

no quadro abaixo obtido através do SIC.SP sobre dados da Fundação CASA, em


que pretos e pardos representavam um total de 69,95% dos adolescentes atendidos
pela instituição em abril de 2020.

Figura 3 - Raça/Etnia dos Adolescentes Atendidos pela Fundação CASA

Fonte: Assessoria de Inteligência Organizacional da Fundação CASA, 2020.18

Dentro do exposto, o genocídio da juventude negra integra uma política de


segurança pública voltada para repressão e extermínio de pessoas negras,
sobretudo homens, o que resulta em um jovem negro assassinado a cada 23
minutos no Brasil, segundo dados da Anistia Internacional (RIBEIRO, 2019, p. 94-
95). Djamila Ribeiro também dá destaque para a violência policial e para o Judiciário
como uma “extensão da viatura policial”, uma vez que este é seletivo e injusto ao
não exigir investigações detalhadas e punir inocentes.
Ribeiro (2019), aponta para como o sistema penal foi historicamente utilizado
para a promoção de um controle social ao marginalizar grupos considerados
“indesejados” por quem definia o que é crime e quem é o criminoso. A Lei da
Vadiagem, de 1941, é exemplo disso, uma vez que perseguia quem estivesse na rua
sem uma ocupação explícita em um contexto de alta taxa de desemprego entre
18
Tabela recebida por e-mail em 28/04/2020 após solicitação pelo portal do Sistema Integrado de
Informações ao Cidadão: http://www.sic.sp.gov.br/.
52

homens negros. Na atualidade, a guerra às drogas pode ser traduzida como pretexto
de guerra contra a população negra, uma vez que a Lei n. 11.343 de 2016
estabelece diferenciação subjetiva entre traficante e usuário (quem decide é o juiz),
o que contribui para a explosão do sistema carcerário e socioeducativo (os
adolescentes presos por tráfico de drogas representavam 42% do total de jovens
atendidos pela Fundação CASA em maio de 2020 - ver Figura 2).
Outro fator da particularidade brasileira está relacionado ao que Santos
(2012) chama de “revolução passiva”, tendo em vista a recorrente exclusão popular
dos processos de decisão política no Brasil. Isso se deu através da antecipação das
classes dominantes aos movimentos ou potenciais movimentos sociais com a
“criação” de sindicatos pelo Estado como forma de controle e também através dos
vários períodos ditatoriais no país como forma de lidar com os antagonismos de
classe, resultando na fraca cultura democrática brasileira. Com isso, fica nítida a
centralidade da ação estatal na constituição do capitalismo brasileiro, ainda que a
consolidação deste tenha sido tardia no Brasil. O Estado, portanto, além de atuar
desestruturando e reprimindo as parcelas da sociedade que não expressam os
interesses burgueses e promulgando direitos e serviços sociais como “concessões”
e não como resultado da luta de classe, ele assume despesas e investimentos em
infraestrutura para a instalação do capitalismo no país, em que os custos passam a
ser socializados para toda a população, principalmente para os setores mais
subalternos (SANTOS, 2012, p. 121). Com isso, o espaço público do Brasil se torna
privatizado, isto é, operado pelas classes dominantes, em que os sindicatos são
vinculados ao aparelho estatal, os encargos da dívida externa se tornam
responsabilidade pública, e os saldos de exportação são apropriados pelo setor
privado.
O Brasil, ao não ter sido berço da Revolução Industrial, mas ter tido o
desenvolvimento das relações sociais com base em um sistema de escravidão e
agrário exportador com subordinação e dependência do mercado mundial, teve o
peso do escravismo na sua cultura, valores, ideias, ética, condições de trabalho e no
desenvolvimento desigual da sociedade sem uma radicalização das lutas operárias,
além do fato de a heteronomia – sujeição de indivíduos à vontade de um grupo -, ter
se tornado uma marca estrutural no capitalismo brasileiro que se mantém na
atualidade (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Nessa conjuntura, a burguesia brasileira
53

optou por mudanças graduais e adaptações ambíguas que atendessem a seus


interesses particulares. É neste cenário que as políticas sociais brasileiras são
elaboradas.
Como colocado por Behring e Boschetti (2011, p. 79-80), até 1887 não houve
nenhum registro de legislação social no Brasil e, a partir desse ano até a década de
1930, só houve frágeis e esparsas políticas de proteção social: em 1888 foi criada
uma caixa de socorro para a burocracia pública; em 1889 Funcionários da Imprensa
Nacional, ferroviários e do Ministério da Fazenda conquistaram o direito à pensão e
15 dias de férias; em 1891 foi criada a primeira legislação para assistência à infância
no Brasil, a qual regulamentava o trabalho infantil, contudo não era cumprida; em
1892 funcionários da Marinha passam a adquirir direito à pensão; e em 1927 foi
criado o primeiro Código de Menores, legislação extremamente punitiva para a
chamada delinquencia juvenil. Foi apenas na passagem para o século XX que houve
a formação dos primeiros sindicatos no país e a organização de várias greves, haja
vista a influência de trabalhadores imigrantes, o que deu um pontapé para o
surgimento da protoforma da política social brasileira: as Caixas de Aposentadoria e
Pensão (CAPs), instituídas pela Lei Eloy Chaves, de 1923.
As CAPs, inspiradas na ideia de Seguro Social Bismarckiano, aparecem como
forma de proteção de trabalhadores de setores específicos e instituem a
obrigatoriedade das empresas de protegerem seus trabalhadores das contingências
do trabalho, haja vista que o empregador, junto ao trabalhador, contribuía para o
financiamento dessas caixas. Não havia financiamento público, motivo este que faz
com que as CAPs não sejam consideradas um tipo de Política Social e sim uma
protoforma das políticas sociais brasileiras. Contudo, apesar de ser a primeira ideia
de proteção social para os trabalhadores brasileiros, ainda era muito restrita pelo
fato de proteger apenas trabalhadores dos setores marítimo e ferroviário, ficando os
trabalhadores rurais, que eram a maioria, e urbanos não vinculados às CAPs sem
proteção social, o que ressaltava a desigualdade social e resultava em baixa
expectativa de vida da população trabalhadora.
A introdução da política social no Brasil, entretanto, se deu apenas entre 1930
e 1943 no governo Vargas, o qual buscou impulsionar a construção de um Estado
Social em sintonia com os processos internacionais, contudo com um caráter
corporativo e fragmentado distante da perspectiva de seguridade social beveridiana.
54

Dentro disso, iniciou-se a regulação do trabalho através da cobertura de seus riscos


com aposentadorias e pensões, seguro-desemprego, auxílio doença, maternidade e
família. Em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho e em 1932 a Carteira de
trabalho, considerada como um documento de cidadania, em que eram portadores
de alguns direitos apenas aqueles que possuíam emprego registrado (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 106).
Em 1933 foi criado um sistema público de previdência social através dos
Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), que possuíam a perspectiva de seguro
social e que, diferente das CAPs - que eram divididas por empresas -, eram
divididos por categorias/corporações, abrangendo apenas as consideradas
importantes para a economia da época como trabalhadores ferroviários, marítimos,
comerciários e bancários, excluindo mais uma vez os trabalhadores rurais e de
outros setores urbanos. Os benefícios cobriam os riscos ligados à perda da
capacidade laborativa, assim como nas CAPs, como: velhice, morte, invalidez e
doença. Além disso, os IAPs, junto do financiamento de empregadores e
trabalhadores, também eram financiado pelo Estado.
Com relação à saúde pública, esta era existente apenas por meio de
campanhas sanitárias coordenadas pelo Departamento Nacional de Saúde – criado
em 1937 – no combate às epidemias com programas da vacinação, fora isso, caso
não estivesse associado a algum IAP, a população dependia da caridade e da
filantropia.
Em se tratando da assistência social, esta possuía um caráter fragmentado,
desorganizado, indefinido e instável, como descrito por Behring e Boschetti (2011).
O início de uma centralização em âmbito federal teve início apenas com a criação da
Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1942, a qual era coordenada pela
primeira dama e visava atender às famílias dos pracinhas enviados à Segunda
Guerra Mundial.
Posteriormente, a LBA vai se configurando como instituição
articuladora da assistência social no Brasil, com uma forte rede de
instituições privadas conveniadas, mas sem perder essa marca
assistencialista, fortemente seletiva e de primeiro-damismo, o que só
começará a se alterar muito tempo depois com a Constituição de
1988 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 108).
55

Em 1943 tem-se a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), inspirada na


Carta Del Lavoro fascista de Mussolini que atrelava a organização sindical ao
Ministério do trabalho e que “sela o modelo corporativista e fragmentado do
reconhecimento dos direitos no Brasil” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 108)
No tocante ao período subseqüente à Era Vargas até 1964, houve uma
expansão lenta, fragmentada e seletiva das políticas sociais, o que demonstra uma
aparente falta de sincronia entre o tempo histórico brasileiro e os processos
internacionais, em que países capitalistas, no pós crise de 1929, passaram a investir
em políticas sociais em busca de um capitalismo menos selvagem, como foi o caso
do Estado de Bem-Estar Social europeu, que já foi mencionado anteriormente.
Contudo, “nosso timing interno não acompanhou a dinâmica externa ‘ao pé da letra’,
mas sempre esteve conectado à ela, assegurando a continuidade de sua trajetória
de heteronomia” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 135).
No período ditatorial houve considerada expansão dos direitos sociais, apesar
da restrição de direitos civis e políticos, ainda que esse avanço nas políticas sociais
tenha ocorrido de forma tecnocrática e conservadora, com a perspectiva de atender
ao capital. As heranças do regime militar para as políticas sociais, contudo, nos
aproximaram mais do sistema americano de proteção social do que do Estado de
Bem-Estar Social, em que Behring e Boschetti (2011, p. 137), colocam que:

[...] no mesmo passo em que se impulsionavam políticas públicas


mesmo restritas quanto ao acesso, como estratégia de busca de
legitimidade, a ditadura militar abria espaços para a saúde, a
previdência e a educação privadas, configurando um sistema dual de
acesso às políticas sociais: para quem pode e para quem não pode
pagar.

Em relação às políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes,


prevalecia a coerção e os maus tratos à infância e juventude pobre, o que só passa
a ter perspectiva de mudança com o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

3.2 A história da infância e da adolescência no Brasil

A história da infância e da adolescência no Brasil, como demonstrada por


Rizzini (2008; 2009) nas obras “O século perdido: raízes históricas das políticas
públicas para a infância no Brasil” e “A arte de governar crianças: a história das
políticas sociais, da legislação e da assistência à infância do Brasil” e por Bernal
(2004) em “Arquivos do abandono: experiências de crianças e adolescentes
56

internados em instituições do Serviço Social de Menores de São Paulo (1936–


1960)”, é marcada pela invisibilidade e grave desrespeito aos direitos humanos, haja
vista políticas repressivas e criminalizadoras da pobreza; internações em instituições
inapropriadas; e trabalho forçado fantasiado de recuperação/transformação social.
No período colonial brasileiro, crianças e adolescentes eram interesse
somente da família e da caridade da igreja e tornaram-se interesse do Estado e de
parte da sociedade apenas nos períodos pré-republicano e republicano, nos quais
passaram a ser usados como “chave para o futuro” em um discurso salvacionista,
que defendia a “salvação” da criança para a transformação do país. Tudo isso dentro
de um aparato médico-jurídico-assistencial, que tinha como meta a prevenção (vigiar
a criança e o adolescente), a educação (moldar a criança 19 pobre ao hábito do
trabalho), a recuperação (recuperar o “menor” vicioso) e, por fim, a repressão (conter
o “menor” delinqüente) (RIZZINI, 2008, p. 20,26). Dentro disso, as crianças deveriam
ser moldadas de acordo com o que se queria para o país:

[...] um povo educado, mas não ao ponto de ameaçar os detentores


do poder; um povo trabalhador, porém sob controle, sem consciência
do valor de sua força de trabalho; um povo que acalentasse amor a
sua pátria, mas que não almejasse governá-la (RIZZINI, 2008, p. 86).

Foi nesse contexto que surgiu a categoria “menor”, a qual se contrapõe à


categoria da criança, dando uma visão ambivalente à infância. A primeira se refere à
criança pobre, potencialmente perigosa, que é mantida sob a tutela vigilante estatal
e é passível de intervenção judiciária, enquanto a segunda traz uma ideia de
inocência, tem sua cidadania preservada e é mantida sob os cuidados da família.
À vista disso, havia uma concepção higienista e saneadora da sociedade, em
que se buscava “educar” as famílias para criarem suas crianças dentro dos moldes
burgueses. As que não fossem educadas nessa perspectiva, seriam pelo Estado -
pelo menos teoricamente - em instituições superlotadas, insalubres e exploradoras
de mão de obra barata, mantendo os filhos dos pobres ainda mais à margem da
sociedade.
Em 1893, através do Decreto n. 145, de 11 de julho, foram criadas as
Colônias Correcionais, as quais tinham como objetivo limpar as ruas de pessoas
indesejadas – os chamados vadios, viciosos, “menores” e as mulheres não sujeitas

19
Ao utilizar o termo “criança” ou “infância”, como é feito por Rizzini, inclui-se também a adolescência.
57

ao poder paterno – tendo em conta uma sociedade extremamente machista e


patriarcal, em que muitas mães que criavam seus filhos sozinhas eram
estigmatizadas por fazerem parte de uma das diversas formas de configurações
familiares que não fosse a família nuclear abastada. A monoparentalidade feminina,
portanto, “não era o idealizado pelos juristas e políticos como a família legítima, de
conduta regular e organizada. Não eram vistas como uma família-padrão em moldes
socialmente aceitáveis”, além disso, nos prontuários, mesmo que a criança tivesse
mãe, só era preenchido o nome do pai (BERNAL, 2004, p. 42; 57). Dentro disso,
crianças e adolescentes filhos de mulheres chefes de família eram internados após
suas mães serem julgadas incapazes de exercer a maternidade pelo fato de se
ausentarem do ambiente doméstico para trabalhar (BERNAL, 2004, p.50). Nesse
contexto, as mulheres que trabalhavam em locais com atribuições consideradas
femininas e direcionadas pro lar (cozinheiras, passadeiras, arrumadeiras), apesar de
sofrerem, sofriam menos preconceito do que as que eram operárias industriais, por
exemplo (BERNAL, 2004, p.100).
Posto isso, ser pobre; não fazer parte de uma família nuclear com as divisões
de papeis sexuais socialmente postos – em que homens devem trabalhar e prover
suas famílias enquanto as mulheres devem cuidar do ambiente doméstico -; e lutar
pela sobrevivência nas ruas era justificativa para a apreensão de pessoas em
extrema vulnerabilidade social (vulnerabilidade esta tratada como desajuste) - em
instituições que apresentavam o trabalho forçado como uma forma de correção
desses “desvios”, incluindo crianças, adolescentes e mulheres. Essa culpabilização
da família não “tradicional”/nuclear ainda persiste na atualidade e, por conseguinte
no trabalho profissional de alguns funcionários do sistema socioeducativo, como
pode ser visto em alguns trechos da entrevista realizada com alguns dos agentes de
apoio socioeducativo ao termos pedido suas opiniões a respeito das motivações
para o cometimento do ato infracional:

“Há meninos, por exemplo, que chega aqui e é tão complicado isso ai
porque às vezes ele vem do orfanato, ele não tem uma referência
específica, há menino que só tem mãe, outros é criado com vó...
então o aspecto de família aqui dentro é muito ruim, cê entendeu? É
por causa disso também, eu acho 70, 80, 70 por cento um dos
motivos de tá aqui: aspecto familiar. Então estudar o aspecto da
família é sempre muito complicado, porque a família dos menino que
vem aqui, o aspecto familiar deles é muito confuso, cê entendeu?
58

Existe uma ausência muito grande, por exemplo: do pai, da mãe,


normalmente são separados.”(Antônio)

“E família, né? Estrutura familiar deles que... só deixa a desejar. A


maior parte deles, não é nem todos, mas a maior parte sim. Não tem
estrutura familiar, não tem um convívio, não tem um pai presente,
num tem uma mãe presente. Às vezes é criado com vó, quando a vó
tá criando também... aí fica na rua à mercê do crime e é só isso que
ele vive.” (Pedro)

“Adolescente ta aqui pensando na família lá, tem uns que tem filho,
tem uns que deixa a mãe com o irmão pequeno em casa
desamparado porque tem muitos que lá fora que é, assim, que é o
pai da família, né? Porque muitos que não tem o pai, né? 80% dos
adolescente aqui o pai abandonou a família, a mãe teve que ir morar
com a vó, a vó também talvez é viúva... sempre foi uma situação
difícil que vive o adolescente, o pai... a maioria aqui é pai separado
dos que tem aqui, o pai morreu ou o pai tá na cadeia porque é mal
exemplo pra eles.” (Emanuel)

A lógica patriarcal heteronormativa da ideologia burguesa que rege a


sociedade aparece de maneira bastante nítida nessas falas, as quais marginalizam
mulheres chefes de família até hoje, sejam elas mães ou avós, e as culpabiliza por
qualquer fato familiar que fuja do padrão estabelecido, deixando subentendido que
são incapazes de criarem seus filhos e netos sem a provisão de uma figura
masculina, mesmo que essa figura não seja positiva. Isso ocorre porque ainda há
grande dificuldade de reconhecer a inserção da mulher no mercado de trabalho, e
quando mães/avós precisam trabalhar para prover suas famílias e não há políticas
sociais que as ampare no cuidado de suas crianças e adolescentes, estas são tidas
como culpadas por qualquer desvio dentro do socialmente posto. Sobre as políticas
familiares na América Latina, Abrão e Mioto colocam que:

[...] tradicionalmente, as políticas voltadas para as famílias eram, sob


a tutela do Estado, desenvolvidas em instituições que se ocupavam
da proteção paternalista de alguns membros das famílias. Os
Ministérios de Bem-Estar Social ou da Família, por exemplo, tinham
como escopo facilitar o papel das mulheres nos cuidados de crianças
e idosos. [...] tais políticas foram formuladas e executadas sob a ideia
da subordinação feminina (individual e social) em seu papel de mãe
e responsável pelo cuidado (ABRÃO; MIOTO, 2017, p.424).

Com relação às Colônias Correcionais, havia movimentos isolados que as


criticavam, inclusive de pensadores higienistas, que consideravam essas instituições
condenáveis, uma vez que não possuíam preceitos básicos de higiene.
59

Desde o início do século, o discurso oficial dos higienistas e


menoristas reiterou sua pauta de críticas às formas correcionais e
carcerárias aplicadas aos menores de idades. Manifestou-se,
consistentemente, contra o encarceramento. Duvidou sempre da
eficácia das penas, acentuando, em contrapartida, as virtudes da
prevenção e da reeducação. Ao procedimento das inquirições
públicas, da acusação e da defesa, preferiu a atuação reservada,
prudente, austera, mas não sem simpatia do juiz paternal, capaz de
compreender e captar a confiança dos pequenos, aconselhando-os e
(re)encaminhando-os. Não se trata simplesmente, de julgar e
sentenciar, mas de considerar, com discrição e argúcia, cada caso
submetido à apreciação do Juízo, indagando, ouvindo, auscultando,
instruindo e, a partir dessa anamnese, prescrever ao menor o
tratamento adequado, suscitando sua docilidade sem recorrer a
medidas coercitivas e estigmatizantes [...] se este foi o programa,
outra foi a realidade (RIZZINI, 2009, p. 328, grifo nosso).

Além disso, é necessário abordar também a questão das crianças e jovens


com deficiência, os quais eram tratados com descaso e, na falta de instituições
especializadas, sofriam sucessivas transferências e, consequentemente,
rompimento de vínculos familiares e comunitários. Outra questão recorrente era a
separação de irmãos, tendo em vista que as instituições tinham limite de faixas
etárias e faziam separação por sexo, fatores que também levavam à sucessivas
transferências de internos entre diversas instituições, perdendo muitas dessas
crianças no sistema e rompendo definitivamente os vínculos (BERNAL, 2004).
A assistência pública à infância no Brasil, assim como vários outros serviços
públicos, foi descentralizada com a implantação da federação, em que as províncias
foram convertidas em estados autônomos. Dentro disso, surgiu uma forte aliança
entre o poder público e o privado para o atendimento à infância necessitada,
basicamente através de internatos subvencionados, os quais não possuíam nenhum
controle centralizado dos serviços e do uso da verba pública, favorecendo a
corrupção.
Em 1923 foi criado o primeiro Juízo de Menores do país, que estabeleceu um
novo padrão à prática jurídica voltada ao “menor”, que se pautava em diagnósticos
apoiados em conceitos e técnicas consideradas científicas e classificava crianças e
adolescentes dentro dos padrões de normalidade, legitimando cientificamente uma
prática de exclusão e estigmatização (VOLPI, 2015, P. 61). Era um órgão
centralizador do atendimento oficial ao “menor”, fosse ele recolhido das ruas ou
levado pela família às instituições de internação, as quais estavam sempre
60

superlotadas e obrigavam juízes a recorrerem à instituições privadas não


subvencionadas que recebiam um pagamento per capta extremamente elevado e
incompatível com a qualidade de vida dos internos que atendiam. Nessa conjuntura,
foram criados os Abrigos Provisórios de Menores, locais para o qual, de acordo com
Bernal (2004, p. 45), crianças e adolescentes eram enviados até que saísse a
20
conclusão sobre a chamada “situação de abandono” e, a partir disso, eram
“depositados” em lugares que fossem considerados adequados. Nos abrigos, eram
feitos diversos exames médicos e psicopedagógicos – os quais colocavam a infância
e juventude em condição de inferioridade e os pobres como quem oferece perigo
para o contágio de doenças. Contudo, tendo em vista a superlotação das
instituições, os abrigos provisórios acabavam se tornando permanentes.
A imposição do trabalhoinfantil foi muito usada nesse período como forma de
reduzir a superlotação das instituições mantendo os jovens fora delas, com o
argumento dos juristas de recuperação dos considerados abandonados através do
trabalho. Com isso,crianças e adolescentes trabalhavam em casas, fábricas, áreas
agrícolas etc., uma vez que “nas casas de famílias ou em outros espaços, esses
jovens desocupariam vagas nas instituições, que cada vez mais apresentavam
problemas de lotação” (BERNAL, 2004, p.114).
As meninas eram preparadas, principalmente, para o serviço doméstico e a
principal forma de trabalho durante e após a institucionalização era a soldada, em
que eram alugadas para serviços domésticos

Era um contrato em que a família se responsabilizava pelas


necessidades básicas da criança e, por sua vez, a criança oferecia
seus serviços em troca de uma soldada, que seria uma
remuneração. [...] No Termo de Entrega e Responsabilidade era
realizado o contrato feito entre o Serviço Social de Menores e a
família, com a obrigação dos que recebessem a criança de zelar pela
guarda, saúde, educação e moralidade, bem como de dar-lhe uma
soldada de determinado valor, além de médico, farmácia, vestuário.
[...] Em nenhum momento do contrato fica esclarecido que a criança
efetuaria serviços na casa da família, mas demonstrava que ela
receberia uma soldada. Muito menos transpareceu que tipo de
serviços e quantas horas diárias seriam trabalhadas (BERNAL, 2004,
p.129,130).

20
A “situação de abandono” era um processo de julgamento das famílias, em que comissários de
vigilância (pessoas sem formação e perspectiva crítica da realidade) investigavam as casas, a
alimentação e a higiene dessas famílias para classificá-las como capazes ou incapazes de criarem
seus filhos (BERNAL, 24, p. 43).
61

Esse tipo de trabalho era resquício de uma sociedade baseada no trabalho


escravo e serviu para a manutenção da mão de obra barata após a abolição da
escravidão. Vale ressaltar, portanto, que a maioria das crianças e adolescentes
institucionalizados eram negras descendentes de famílias de escravos, os quais
após a abolição foram abandonados à míngua.
O discurso do trabalho como o único meio de transformar o “menor desvalido”
em alguém válido para a sociedade e, dessa forma, contribuinte para a prosperidade
da nação deve ser contextualizado, visto que surgiu no período da industrialização
incipiente no Brasil, momento que demandava mão de obra.
Infelizmente, essa visão do trabalho como meio de recuperação da infância e
juventude pobre ainda permanece nos dias atuais e é, inclusive, uma das metas
colocadas por profissionais no Plano Individual de Atendimento (PIA) das unidades
de internação e das medidas socioeducativas em meio aberto, os quais se esforçam
para inserir os adolescentes no mercado de trabalho através da elaboração e
distribuição de currículos e participação em feiras de emprego. O trabalho aqui não é
considerado necessariamente uma problemática21, mas se torna uma quando passa
a ser usado como solução para “recuperação” de adolescentes infratores, como se o
lugar destes fosse apenas no mercado de trabalho - geralmente subalterno - e não
em outros espaços, como nas universidades, por exemplo.
Outro ponto a ser abordado sobre o trabalho é a intolerância deste nas ruas
(motivo de retirada de crianças e adolescentes de suas famílias e do convívio
social), enquanto as outras formas de trabalho infantil – como as colocadas
anteriormente - eram não só aceitas, como incentivadas pelos próprios juristas, que
nem sempre tiveram o papel de proteger essa população. Com isso em mente, “ao
decretar sobre os trabalhos que a criança não pode fazer, esqueceu-se o Estado de
organizar as coisas que ela pode fazer” (CRUZ, 1942, p. 189-90 apud BERNAL,
2004, p.63). Isso só ocorreu porque no início da República, não havia legislação
regulamentadora do trabalho infantil. Apenas em 1927, com o primeiro Código de

21
O trabalho é uma dimensão importante da vida humana, uma vez que é a fonte de sobrevivência
e/ou realização profissional. Por isso, é preciso trabalhar a questão da inserção no mercado de
trabalho não como uma forma de reprodução do capital. Para isso, Volpi (2015, p. 45-46) coloca que
a participação dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas na definição, no
planejamento, no conhecimento técnico-científico e na definição do destino da produção é parte
importante de uso educativo do trabalho “onde as exigências pedagógicas relativas ao
desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo, superando
desta maneira as velhas dicotomias entre os que sabem e os que fazem, entre o trabalho manual e o
trabalho intelectual”.
62

Menores foi proibido o trabalho de crianças menores de 12 anos, com carga horária
permitida de seis horas diárias. Contudo, os trabalhos nas instituições de internação
ainda eram uma realidade colocada como enobrecedora, ao invés de exploradora
(BERNAL, 2004, p. 115, 116).
A sexualidade nessas instituições totais é um tema que também deve ser
debatido. Na pesquisa de Bernal (2004) sobre a vida dos internos nas instituições do
Serviço Social de Menores de São Paulo entre 1938 e 1960, ela constatou que havia
uma forte repressão à sexualidade, haja vista a obsessão pela preservação da
virgindade feminina e o controle da masturbação. Em contrapartida, foram relatados
vários casos de pederastia em que a vítima normalmente era tida como culpada.
Além disso, a homossexualidade era lamentavelmente tratada como defeito,
anormalidade ou perversão sexual. Ademais, com relação às adolescentes grávidas,
essas tinham de lidar sozinhas com a gestação, pois a assistência que recebiam
chegava de forma repressiva, o que resultou em muitos relatos de fugas e, quando
tinham os filhos nas instituições, tinham pouco contato, pois logo eram
encaminhadas para trabalhar, exceto em alguns casos em que era permitido levar
os filhos para a casa do contratante da soldada (BERNAL, 2004, p.151-155).
Junto a isso, juízes de menores usavam argumentos ditos científicos para
justificarem a intervenção na vida das populações mais vulneráveis, em que eram
feitos exames do estado físico, mental e moral dos menores e dos pais e tutores
responsáveis pela guarda, além da análise econômica destes últimos. Existia,
inclusive, um Laboratório de Biologia Infantil que investigava as causas que levaram
a criança ao vício e ao crime analisando questões hereditárias, e com base nessas
investigações extremamente conservadoras e preconceituosas com aparência de
ciência, juízes decidiam o destino de milhares de crianças e adolescentes. Com
isso,

O diagnóstico (que não era somente médico, mas também


psicológico), formulado por uma instituição que tinha o respaldo da
ciência médica, como Laboratório, legitimava, cientificamente, uma
prática de exclusão e discriminação (RIZZINI, 2009, p. 251).

Ainda na busca pela grandeza nacional e em um contexto em que a base


econômica brasileira estava na agricultura, foram criados os Patronatos Agrícolas na
década de 1920, os quais eram
63

[...] exclusivamente destinados às classes pobres e visavam à


educação moral, cívica, física e profissional dos menores desvalidos
e daqueles que, por insuficiência da capacidade de educação na
família, fossem postos à disposição do Serviço de Povoamento
(LIMA, 1937, p. 125 apud RIZZINI, 2009, p. 259).

Com isso, as crianças tuteladas pelo Estado eram comparadas aos imigrantes,
sendo consideradas “estrangeiras na própria terra” (RIZZINI, 2009, p. 258) e, dessa
forma, eram incorporadas na vida dos campos para o trabalho.
Esses patronatos funcionaram por 12 anos, sendo fechados em 1933 sob a
alegação de que não passavam de “meros asilos” ao invés de escolas de ordem,
estudo, produção e civismo, como foram teoricamente planejados para ser.
Em 1927 é decretado o Código de Menores, legislação específica para a
infância e adolescência que focalizava o “menor em situação irregular” - os pobres,
os abandonados e os infratores -, que deveriam ser recuperados através da
internação em instituições correcionais. Esse código, “ao mesmo tempo que indicava
a proteção por meio de uma legislação específica às crianças e adolescentes,
contribuía para fomentar estereótipos sobre a infância pobre, abandonada, vadia,
pervertida e infratora” (BERNAL, 2004, p. 24-25,43).
Em 1941 foi criado o Serviço de Assistência a Menores (SAM) com o objetivo
de centralizar a assistência do “menor”, que era tratado na esfera jurídica pelos
Juízes de Menores e pela atuação isolada de algumas instituições. Apesar da
responsabilidade de organização dos serviços de assistência aos “menores” ter sido
retirada dos juízes, o atendimento a esse público continuou subordinado ao
Ministério da Justiça. O SAM, portanto, passou a controlar as ações dirigidas à
infância e adolescência vulneráveis, tanto no setor público quando no privado, ao
funcionar como um órgão central orientador.

Segundo o Decreto-lei n. 3.799 de 5/11/1941 que instituiu o SAM,


este tinha por fim:
a)sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores
desvalidos delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e
particulares; b) proceder à investigação social e ao exame médico-
psico-pedagógico dos menores desvalidos e delinquentes; c) abrigar
os menores, a disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; d)
recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de
ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psiquico, até
o seu desligamento; e) estudar as causas do abandono e da
64

delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos; f)


promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas,
estudos e estatísticas(RIZZINI, 2009, p.264).

O SAM continha princípios considerados modernos para o período ao afirmar


se voltar para a educação, formação profissional, estudo e classificação das
crianças e adolescentes dentro da chamada assistência científica. Contudo, a
realidade era bem diferente, uma vez que estava marcado por abusos e maus tratos
aos internos, o que o fez ser apelidado de Sem Amor ao Menor, além de forte
corrupção e clientelismo.
Em 1940 é instituído o Departamento Nacional da Criança (DNCr), órgão
subordinado ao Ministério da Educação e Saúde que inaugura a política de proteção
à infância, à adolescência e à maternidade com ações preventivas que objetivavam
salvar a família para proteger a criança. A criação deste departamento exemplifica
as diferentes políticas voltadas para as diferentes categorias: a da criança e a do
menor. Enquanto o menor permanecia na esfera policial-jurídica, a criança era
exclusividade da esfera médico-educacional. Posto isso, é possível notar que na
história da infância e da adolescência pobre no Brasil, o foco sempre esteve na
criação de mais vagas para institucionalizar mais crianças e jovens e retirá-los de
seu convívio social, e não na criação de políticas públicas para as famílias das
classes sociais mais vulneráveis e seus filhos.
Na década de 50 alguns setores da sociedade passaram a questionar o
tratamento direcionado ao “menor” pelo SAM, o qual foi extinto com a criação da
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) através da Lei n. 4513 de
1º de dezembro de 1964, que maquiou a crise social gerada pelo Serviço de
Atendimento ao Menor. A FUNABEM era diretamente subordinada à presidência da
República e, com isso, era um órgão central, de caráter normativo, que tinha como
função formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM)
através do repasse de recursos e de capacitação das instituições locais, as
Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMs). Por ser uma instituição
criada no período da Ditadura Militar, tinha a violência física como forma de
contenção, mentalidade incorporada no nascimento da instituição e que foi se
passando por gerações de funcionários até a atualidade.
65

A instituição tinha - ao menos teoricamente - um caráter preventivo, que


consistia em medidas legislativas, administrativas e políticas de recuperação de
“menores” marginalizados, seguido da devolução destes à vida social como
cidadãos “úteis”. Eram constituídas por um colégio interno que, segundo as
propagandas, representava um “local seguro onde os filhos estudam, comem e se
tornam gente” (RIZZINI, 2009, p. 299), além de ser fonte de lealdade de votos para
políticos que conseguiam vagas para filhos insubmissos ou que a família não tinha
condições materiais de cuidar. Para esse processo de prevenção, era necessário
combater as causas da marginalização, isto é, a rua - considerada fonte de todos os
vícios - e o lar “desestruturado”, das famílias que não seguem a moral e bons
costumes burgueses/cristãos, retirando as crianças desses ambientes e
encaminhando para a “recuperação” na FEBEM.
Em 1979, o novo Código de Menores inaugurava a Doutrina da Situação
Irregular, em que eram considerados em situação irregular, conforme Art. 2º, o
“menor”:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e
instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais
ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons
costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual
dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar
ou comunitária;
VI - autor de infração penal. (BRASIL, 1979)

Tal legislação teve como resultado o aumento da repressão e, consequentemente,


ampliação do número de crianças e adolescentes institucionalizados.
O documentário “Os esquecidos: FEBEM e a violação dos direitos humanos” -
produzido em 2012 pela ONG International Bar Association com apoio do Ministério
Público do Estado de São Paulo – apresentou um pouco da realidade cruel da
FEBEM com imagens produzidas durante o processo de fiscalização da instituição
na cidade de São Paulo pelo Promotor Wilson Tafner, revelando um cenário de
extrema violência e violação de direitos humanos debaixo dos telhados dos
66

complexos: hiperlotação (unidades tinham 5 ou 6 vezes mais adolescentes privados


de liberdade do que a capacidade da instituição suportava); espancamentos
recorrentes com equipamentos de tortura; falta de higiene (80% dos adolescentes do
complexo da Imigrantes tinham sarna, furúnculos e outras doenças de pele);
insalubridade; condições mínimas de atendimento socioeducativo (adolescentes
passavam o dia sentados sem poder conversar entre eles, levantavam três vezes no
dia para ir ao banheiro e não eram separados por faixa etária ou ato infracional
cometido). Esses meninos e meninas eram retirados das periferias e jogados em um
sistema que os violava de forma despropositada e que, nas palavras de Wilson
Tafner, “lembravam campos de concentração” (o que se comprova nas imagens do
documentário). Tudo isso resultou nas sucessivas rebeliões violentas que
aconteciam em cima dos telhados, uma maneira de reação à um sistema tão
perverso e uma reprodução da violência que não era vista pela sociedade.
Com o fim da ditadura militar impulsionada pela pressão popular na década
de 1980, uma nova Constituição Federal é aprovada em 1988 e institui, pela primeira
vez no Brasil, uma política de seguridade social. Além disso, à luz dessa constituição
e com o crescimento da luta de intelectuais e entidades pela mudança no tratamento
da infância e da adolescência, sobretudo as mais vulneráveis, promulgou-se o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, que colocou um fim na
Doutrina da Situação Irregular do Código de Menores, a substituindo pela Doutrina
da Proteção Integral, pelo menos em lei.
Em relação à seguridade social brasileira tardia, como colocado por Mustafa
(2016, p. 62), apesar de esta representar um grande avanço para a política social do
país, ela possui abrangência restrita ao compreender apenas três áreas: saúde,
previdência social e assistência social, uma vez que também deveria abarcar
políticas de educação, habitação, cultura, lazer etc. Além disso, ela não é um
sistema universal como proposto por Beveridge, isto é, que independe de renda,
classe, etnia e sexo - com exceção da política de saúde, representado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), que atende toda a população sem restrições, ainda que
apresente problemáticas na qualidade de alguns serviços prestados, problemas
esses que não anulam a sua grande importância para a sociedade -, sendo a
previdência social um direito apenas de quem contribui – é relevante considerar que
as condições de trabalho no Brasil são extremamente precárias e não permitem o
67

acesso da maioria da população a empregos formais – e a política de assistência


social restrita à extrema pobreza. Ademais, a seguridade social brasileira, que
pressupõe uma gestão descentralizada e participativa através de conselhos e
conferências, não efetiva essa participação social, uma vez que o Brasil é um país
“permeado por uma cultura clientelista, patrimonialista, do favor” (MUSTAFA, 2016,
p. 62). O resultado de uma seguridade social pouco abrangente, não universal e não
participativa afeta diretamente a vida de crianças, adolescentes e suas famílias,
sobretudo as mais vulneráveis econômica e socialmente, uma vez que o acesso a
políticas de qualidade que deveriam ser básicas (como educação, habitação, lazer e
cultura) – conforme previsto no próprio ECA – é escasso e precário.
Em se tratando do Estatuto da Criança e do Adolescente, um de seus
resultados foi a separação de crianças carentes ou abandonadas das infratoras nas
instituições de internação: enquanto as primeiras ficaram sob responsabilidade do
S.O.S Criança, as que cometiam atos infracionais eram de responsabilidade da
FEBEM. Com todas as mudanças políticas e sociais da década de 1980 e 1990, o
modelo da FUNABEM entra em falência e esta reformula – teoricamente - sua
política corretiva baseada no controle da sociedade pelo Estado, e busca promover
a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de risco.
Contudo, essas mudanças não se concretizaram e o tratamento bárbaro, agressivo
e repressivo aos internos seguiram recorrentes, o que resultou nas várias rebeliões
como forma de resistência dos adolescentes - algumas extremamente violentas e
sanguinárias, o que chamou a atenção da sociedade para a realidade vivida pelos
jovens.
Tudo isso somado à pressão midiática; de pensadores dentro e fora do país;
e de organismos e tribunais internacionais resultou no fim dessa instituição e na
transferência da responsabilidade pelo sistema socioeducativo para os estados,
tendo o ECA e o SINASE como direcionadores. É neste contexto que surge a
Fundação CASA no estado de São Paulo: da antiga FEBEM, mantendo inclusive
alguns prédios e funcionários com perspectivas menoristas, o que nos faz questionar
se toda essa mudança no tratamento dos adolescentes tem sido efetiva.
O processo histórico das políticas públicas voltadas para a infância e para a
adolescência pobre e suas famílias no Brasil nos leva a compreender a falta de
políticas efetivas na atualidade. Como colocado por Rizzini:
68

A assistência pública à infância no país apresentou algumas


características que deixaram marcas profundas no sistema de
atendimento até a atualidade. A sua própria constituição nas
primeiras décadas do século, vinculada às instituições jurídico-
policiais, em uma ação marcada pelo controle e pela repressão,
dependente das instituições particulares beneficentes, já nos dá uma
ideia do percurso que as políticas públicas do setor iriam traçar nas
décadas seguintes (2009, p. 280).

À vista de tudo isso, compreende-se a fragilidade e escassez de políticas


públicas para crianças e adolescentes na atualidade, cuja responsabilidade estatal é
transferida para instituições filantrópicas, que passam a fornecer, ainda que com
pouco alcance, algumas atividades para tentar garantir o direito de acesso desse
público a atividades de lazer e cultura, por exemplo. Todas essas questões são
ainda mais agravadas pelo contexto neoliberal que paira sobre o mundo.
O neoliberalismo surge como uma tentativa de resolver os problemas gerados
pela última crise do capital no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, crise
resultada pela queda das taxas de lucro e pelo processo de reestruturação do
modelo produtivo, em que o trabalho vivo se tornou menos necessário devido ao uso
de alta tecnologia e máquinas, tanto no meio urbano quanto no rural. O capital,
entretanto, culpabilizou o Estado de Bem-Estar Social pela crise, alegando que a
alta proteção social gerava muitos gastos para o Estado e redução do lucro do
empregador.
Dentro desse contexto, medidas neoliberais passam a ser implantadas em
diversos países, os quais passaram a usar a alta dívida pública como justificativa
para o corte de direitos sociais. Essas medidas, contudo, não foram capazes de
solucionar os problemas socioeconômicos produzidos pela crise, pelo contrário

Tiveram efeitos destrutivos para as condições de vida da classe


trabalhadora, pois provocaram aumento do desemprego, destruição
de postos de trabalho não qualificados, redução dos salários devido
ao aumento da oferta de mão de obra e redução de gastos com as
políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 127).

Com isso, as políticas sociais se tornam mínimas e a proteção social voltou a


ser condicionada ao trabalho e à elevada qualificação profissional, além da falácia
do empreendedorismo como forma individual de sair da condição de miséria, fatores
que afetaram drasticamente a vida das populações mais vulneráveis.
69

Devido ao contexto ditatorial brasileiro, o neoliberalismo chega tardiamente no


país, com ênfase no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o qual
seguiu os preceitos do Consenso de Washington – uma reunião entre os organismos
financeiros internacionais (FMI, Bird e Banco Mundial) e o governo estadunidense
pra impor reformas econômicas à América Latina. Em suma, o Consenso impunha
políticas de ajuste fiscal e de restrição dos gastos estatais através da privatização de
empresas públicas, da redução do financiamento de políticas sociais e de reformas
na seguridade social (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011).
Nessa conjuntura, os neoliberais defendem a não intervenção do Estado na
economia, contudo a realidade se mostra outra, uma vez que ele sempre atua a
favor do capital ao privatizar empresas estatais e isentar grandes empresas de taxas
e impostos, entre outras medidas utilizando o Fundo Público, deixando a política de
ajuste fiscal para cortes apenas em direitos sociais (BEHRING e BOSCHETTI, 2011;
DURIGUETTO e MONTAÑO, 2011; MUSTAFA, 2016; SALVADOR, 2017).
Com a não garantia da proteção social pelo Estado, volta-se a busca de
auxílio nas organizações da sociedade civil e o mercado assume nichos dos direitos
sociais, como previdência e saúde, por exemplo, enquanto o chamado “terceiro
setor” se encarrega da política de assistência social. Montaño (2014, p. 184), define
o “terceiro setor” como:

Ações que expressam funções a partir de valores. Ou seja, as ações


desenvolvidas por organizações da sociedade civil, que assumem as
funções de resposta às demandas sociais (antes de responsabilidade
fundamentalmente do Estado), a partir dos valores de solidariedade
local, auto-ajuda e ajuda mútua (substituindo os valores de
solidariedade social e universalidade e direitos dos serviços).

Além disso, uma vez que a concepção positivista que rege a ideologia burguesa
divide a sociedade em três setores sem uma perspectiva de totalidade (Estado como
primeiro, mercado como segundo e sociedade civil como terceiro), o autor coloca
também que:

O fenômeno em questão não é, portanto, o desenvolvimento de


organizações de um ‘setor’ em detrimento da crise de outro, mas a
alteração de um padrão de resposta social à ‘questao social’ (típica
do WelfareState), com a desresponsabilização do Estado, a
desoneração do capital e a auto-responsabilização do cidadão e da
comunidade local para esta função (típica do modelo neoliberal ou
funcional a ele) (MONTAÑO, 2014, p. 185).
70

Junto a isso, as políticas sociais sofrem algumas tendências como: a


focalização das políticas sociais na extrema pobreza; a descentralização; o aumento
ou introdução de contrapartidas para acessar serviços, programas e benefícios; o
desenvolvimento de serviços e seguros privados, em que a qualidade do serviço
passa a depender do poder de compra; a criação de agências não estatais ou
transferência de serviços ao setor privado; a ênfase no empreendedorismo; e a
dependência da filantropia.
Em se tratando do desmonte da proteção social no Brasil, Evilásio Salvador
(2017) faz uma análise a respeito do desfinanciamento da seguridade social
brasileira em tempos de ajuste fiscal: desde a adesão ao Consenso de Washington
na década de 1990, o Brasil está passando por uma política de ajuste fiscal, a qual
buscar a realização de superávits primários para o pagamento de juros, encargos e
amortização da dívida pública e, para isso, o governo federal tem se apropriado das
contribuições sociais destinadas à seguridade social para atender aos interesses do
capital, enquanto dissemina discursos falsos de déficits no orçamento público para
justificar contrarreformas, como a trabalhista e a previdenciária.
À vista disso, o Fundo Público sempre foi usado na história do Brasil a favor
do capital, contudo isso tem se intensificado nas últimas décadas com a aprovação
da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que nasceu do Fundo Social de
Emergência, uma medida provisória de caráter emergencial dos anos 1990 que
objetivava a estabilização econômica do país, mas que permanece ironicamente até
hoje através da DRU, quase três décadas depois de sua criação. Esse mecanismo é
um importante instrumento de retirada de recursos das fontes tributárias exclusivas
da Seguridade Social para uso do pagamento da dívida pública e, desde 2016, com
a Emenda Constitucional n. 93, a DRU foi prorrogada até 2023 e passou a permitir a
desvinculação de 30% desses recursos, resultando no corte brutal dos direitos
sociais, que já não eram suficientes para um país extremamente desigual e com
significativa parcela da população em situação de extrema pobreza.
Além disso, Salvador (2017) reflete a respeito da Emenda Constitucional n. 95
de 2016, que congela as despesas primárias do governo por vinte anos através do
Novo Regime Fiscal (NRF), limitando-se a correção pela inflação e afetando mais
uma vez as populações mais pobres. Entretanto, as despesas financeiras com o
71

pagamento de juros da dívida pública, não se restringem a nenhum teto


orçamentário, comprovando o ajuste fiscal apenas a favor do capital e contra tudo
que tenha um pouco de social.
Outro fator que contribui para o desfinanciamento da Seguridade Social, de
acordo com Salvador (2017), são as renúncias/gastos tributários para socorrer o
capital ao favorecer e/ou promover determinados setores, atividades, regiões ou
agentes econômicos, com destaque para as políticas de desoneração tributárias das
contribuições sociais e da folha de pagamento. As principais desonerações em 2016
foram
a desoneração sobre a folha de pagamento (R$14,5 bilhões), a não
cobrança da contribuição previdenciárias patronal das entidades
filantrópicas (R$11,01 bilhões) e o chamado Simples Nacional (R$
20,63 bilhões), que é um regime especial unificado de arrecadação
de tributos e contribuições devidos pelas microempresas e empresas
de pequeno porte. Também merece destaque a imunidade tributária
concedida ao agronegócio exportador (SALVADOR, 2017, p 441).

O Estado, portanto, concede generosos incentivos fiscais a empresas sem o


controle democrático da sociedade e sem contrapartidas sociais, o que colabora no
comprometimento do financiamento das políticas públicas.
Como colocado por Mioto (2015), o projeto neoliberal tem impactado
fortemente na condução das políticas sociais, haja vista a regressão do Estado na
provisão do bem-estar e o amplo processo de privatização (que ocorre tanto via
mercado quanto via familiar) e, com isso, o caráter familista da política social – que
delega maior responsabilidade para as famílias - vem sendo implementado em
vários níveis e refletindo no campo de oferta dos serviços sociais por meio de:

insuficiência/ausência de serviços, especialmente públicos/estatais


de caráter universal; forte investimento de recursos em subsídios à
oferta de serviços por entidades não governamentais, os quais
tendem a ser focalizados, seletivos, precários e normalizantes; e
também da incorporação das famílias no cotidiano dos serviços
ofertados (MIOTO, 2015, p. 707-708).

Além do caráter familista, essas políticas não são pensadas considerando a


realidade dos tipos de famílias brasileiras, uma vez que possuem cunho conservador
voltado para a família nuclear, sem abordar o debate a partir de uma perspectiva de
raça/etnia e gênero, haja vista que 45% das famílias brasileiras são chefiadas por
72

mulheres de acordo com dados do IPEA de 2018, expostos em reportagem do jornal


Estado de Minas (2020, online). Nessa realidade, essas mulheres, além de terem
que realizar o trabalho não remunerado no ambiente doméstico, precisam se inserir
no mercado de trabalho formal ou informal para prover suas famílias, ficando
extremamente sobrecarregadas com a dupla/tripla jornada de trabalho.
A falta de políticas familiares voltadas para o cuidado da infância também é
um problema e essa ausência penalizada as mulheres chefes de família e penaliza
ainda mais as mais pobres e negras.
Por fim, Abrão e Mioto concluem:

À guisa de conclusão, não se pode deixar de assinalar que as


políticas familiares, uma vez inscritas no campo da política social das
sociedades ocidentais capitalistas, têm os seus limites no contexto
dessa ordem. No entanto, aprofundar tal discussão e apropriar-se
das questões envolvidas no campo das relações entre a família e a
política social parece basilar para os profissionais, especialmente
para os assistentes sociais, que atuam no âmbito dos serviços
sociais e se defrontam cotidianamente com as necessidades da
população. Nesse sentido, pautar esse debate no contexto da
realidade brasileira não pode mais ser adiado, considerando os
retrocessos em curso no campo da seguridade social e as propostas
de programas sociais que reavivam práticas higienistas em relação
às famílias (ABRÃO, MIOTO, 2017, p.427).

É fundamental, portanto, realizar o debate a respeito das políticas familiares


em uma perspectiva de interseccionalidade, que contemple as questões de gênero,
classee raça/etnia.

3.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de


Atendimento Socioeducativo: as medidas socioeducativas para adolescentes
autores de ato infracional

O Estatuto da Criança e do Adolescente, como já mencionado anteriormente,


foi promulgado em 1990 e é resultado da pressão internacional e de movimentos
sociais brasileiros pelo reconhecimento e instituição dos direitos da infância e da
adolescência e, com isso, substitui a Doutrina da Situação Irregular do Código de
Menores pela Doutrina da Proteção Integral. Para isso, a lei considera criança
qualquer pessoa com até doze anos de idade incompletos e adolescente aquele que
tenha entre doze e dezoito anos de idade -ambos apontados como em condição de
73

desenvolvimento e, portanto, necessitados da Proteção Integral. Com isso, deveriam


possuir todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana a fim de
contribuir para o desenvolvimento mental, físico, social, espiritual e moral, em
condições de liberdade e de dignidade. Ademais, o ECA coloca que os direitos
enunciados na lei se aplicam a todas as crianças e adolescentes

Sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo,


raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal
de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente
social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as
pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (BRASIL,
1990).

Além disso, no Art 4º, a lei coloca como dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder publico:

[...] assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos


referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).

Numa questão hierárquica, é possível refletir que a família aparece primeiro e,


por último, o poder público, atribuindo a principal responsabilidade no cuidado do
público em questão às famílias, ainda que sem dar condições objetivas a elas, as
quais passam a depender do auxílio da comunidade e de organizações da
sociedade civil, uma vez que o Estado se isenta de sua responsabilidade na
construção de políticas públicas que assegurem todos os direitos citados acima.
Posto isso, sabe-se que os direitos previstos constitucionalmente e no ECA
não se efetivam na realidade, uma vez que crianças e adolescentes representam a
parcela da população brasileira mais exposta à violações de direitos pelo Estado,
pela sociedade e pela família, haja vista inúmeros casos de maus-tratos; abusos;
exploração sexual; exploração do trabalho infantil; tráfico humano; genocídio e
prisões arbitrárias da juventude periférica e negra etc (VOLPI, 2015, p. 10), uma vez
que são parte de uma sociedade classista, racista, heteropatriarcal, LGBTfóbica e
com tantas outras intolerâncias, onde se naturalizou: a existência de crianças e
jovens sobrevivendo em condições desumanas nas ruas; crianças sendo exploradas
sexualmente, tanto para o mercado da prostituição quanto pela própria família ou
74

pessoas próximas desta; a repressão da sexualidade que foge dos padrões


heteronormativos; onde se usa a intolerância religiosa para a destituição do poder
familiar; dentre inúmeras outras violências recorrentes sofridas por esse público, de
forma intensificada nas classes sociais mais empobrecidas.
Em se tratando das medidas socioeducativas para adolescentes autores de
ato infracional, estas estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e sua
execução é regulamentada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(Sinase) – Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 –, o qual apresenta os princípios,
regras e critérios que envolvem a execução das medidas.
Posto isso, o ECA considera como ato infracional qualquer conduta descrita
como crime ou contravenção penal. Entretanto, juízes e promotores ainda incluem
antigas categorias do Código de Menores como a “vadiagem” e a “perambulação” -
que não encontram tipificação no Código Penal – como justificativa para a privação
de liberdade (VOLPI, 2015, p. 11).
Uma vez que quem tem menos de dezoito anos é penalmente inimputável,
foram criadas as medidas socioeducativas dispostas no art. 122 do Estatuto, que
são:
I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de
serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em
regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento
educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI
(BRASIL, 1990).

As medidas do item VII são aplicadas a crianças (pessoas com menos de 12


anos) que praticarem atos infracionais, cujo Art. 101 determina as seguintes
possibilidades:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de


responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em
serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e
promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de
tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar
ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII -
acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento
familiar; IX - colocação em família substituta. (BRASIL, 1990).
75

Além disso, O Art. 35 do Sinase apresenta os seguintes princípios para a


execução das medidas socioeducativas::

I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso


do que o conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que
possível, atendam às necessidades das vítimas;
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o
respeito ao que dispõe o art. 122 da Leinº 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente) ;
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e
circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos
objetivos da medida;
VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia,
gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual,
ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status ; e
IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo
socioeducativo. (BRASIL, 2012)

Posto isso, o Estatuto prevê que a medida aplicada ao adolescente deve levar
em consideração a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração, e que a internação deve ser a última medida aplicada e apenas quando se
tratar de ato infracional de grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no
cometimento de infrações graves; e por descumprimento reiterado e injustificável da
medida posta anteriormente. Entretanto, quem julga a gravidade desses atos
infracionais são juízes de acordo com suas concepções de mundo, as quais muitas
vezes ainda estão voltadas para o código de menores e reproduzem o racismo
institucional e a criminalização da pobreza. Essa realidade pode ser vista no
documentário “JUÍZO”, de 2008, dirigido por Maria Augusta Ramos, o qual mostra a
atuação despreparada, preconceituosa e extremamente desrespeitosa de uma juíza
do Rio de Janeiro nas audiências com adolescentes que cometeram atos
infracionais, caso que não é isolado e mostra como preconceitos – sobretudo o de
classe e o racismo - se reproduzem institucionalmente.
As medidas socioeducativas, conforme apontadas por Volpi (2015),
“constituem-se em condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos
e civis” (2015, p. 17) e tem como finalidade maior a formação para a cidadania
(2015, p. 37). Entretanto, além disso não se efetivar na realidade (principalmente na
internação), mostra como é necessário pensar nesses direitos em momento anterior
76

à internação, de forma preventiva. Para isso, é preciso aprofundar o debate sobre


políticas de prevenção à criminalidade, as quais exigem debates anti-racistas, anti-
classistas e investimentos públicos em política públicas que garantam o acesso -
sobretudo da população mais empobrecida e vítima de diversas violências
estatais/institucionais - à uma proteção social efetiva, isto é, do nascimento à
velhice, e que garanta habitação e alimentação adequada; direito ao trabalho
protegido; escolas, hospitais e transporte de qualidade; atividades de lazer e cultura,
entre muitas outras.
Mário Volpi (2015, p. 25-26) destaca algumas características principais das
medidas socioeducativas (pelo menos em tese): elas comportam duas naturezas
(coercitivas e educativas); devem garantir acesso do adolescente a meios de
superação da sua condição de exclusão e de acesso a formação de valores
positivos de participação na vida social; o envolvimento familiar e comunitário deve
ser obrigatório; os grupos da comunidade devem contribuir com as atividades e
participação do planejamento e controle de ações desenvolvidas; os programas
socioeducativos devem utilizar do princípio da incompletude institucional e utilizar o
máximo possível de serviços na comunidade (educação, saúde, defesa jurídica,
profissionalização etc); os funcionários e voluntários dos programas socioeducativos
devem ter formação permanente; os programas de internação devem pensar a
segurança na perspectiva da proteção da vida dos adolescentes e dos
trabalhadores, atentando para aspectos arquitetônicos das unidades e formas de
contenção não violentas.
A internação é a última das medidas existentes na ordem hierárquica e,
conforme Art. 121 do ECA, se constitui como “medida privativa de liberdade, sujeita
aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento”. Não possui prazo determinado, mas não deve
ultrapassar o tempo máximo de 3 anos (com liberação compulsória aos vinte e um
anos de idade), devendo haver reavaliação da medida a cada seis meses.
De acordo com o art. 122 do Estatuto, essa medida só poderá ser aplicada
quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a
pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; e por
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
Havendo outra medida adequada, não deve ser aplicada em hipótese alguma a
77

medida de privação de liberdade. Pelo fato da legislação estatutária não especificar


quais os crimes passíveis de internação, esta é designada a adolescentes de acordo
com a concepção subjetiva de juízes e promotores, resultando em um grande
número de adolescentes em cumprimento dessa medida na Fundação CASA por
infrações que não tenham usado de grave ameaça ou violência a pessoa (ver Figura
2), e em que apenas o tráfico de drogas é o responsável por 42,1% do total de
jovens internados.
Embora o ECA enfatize o aspecto pedagógico das medidas socioeducativas,
a internação possui conotações coercitivas e educativas. Dentro disso, a privação de
liberdade é tida como uma condição para que a medida socioeducativa seja aplicada
e não deve representar uma limitação dos direitos constitucionais além do direito de
ir e vir, pelo contrário, deve apresentar-se como meio especial de acesso a direitos
pelo adolescente. (VOLPI, 2015, p. 34-35). À vista disso, a medida também é
lamentavelmente utilizada como protetiva para adolescentes em situação de risco,
uma vez que família e Estado não conseguem garantir a proteção integral desses
jovens em situação de extrema vulnerabilidade social/ pobreza/ violência. Uma
participante da pesquisa aborda essa reflexão em sua fala:

“Apesar de a medida ser socioeducativa de internação ser/ também


ter o caráter punitivo, além de pedagógico, ela por muitas vezes é
utilizada como protetiva, porque aqui, às vezes, ele ta longe de
situações que às vezes até coloca a vida dele em risco. Então pra ir
embora é um desafio, o desligamento da medida também é um
desafio. Quando a gente pergunta pros meninos, é o maior desejo
que todos eles têm, porque ficar privado de liberdade não é bom, não
é legal, mas muitas vezes eles se sentem protegidos enquanto estão
na medida socioeducativa. Isso é o pior da medida, isso é o pior.
Porque não era nem pra ta, né? Então o legal é pensar, assim, nas
ações preventivas, não deixar chegar nesse ponto, porque a partir do
momento que chega no ponto de privação de liberdade é porque
tudo deu errado! Tudo deu errado. Aí, às vezes o menino sai daqui e
reincide.” (CECÍLIA)

A internação, como colocado no Art. 123 do Estatuto, “deverá ser cumprida


em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao
abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e
gravidade da infração” e serão obrigatórias atividades pedagógicas. À vista disso,
Volpi (2015, p. 39-43) destaca alguns princípios pedagógicos norteadores da
78

organização da vida cotidiana nos centros de internação. O primeiro diz respeito à


cogestão entre educadores e educandos, em que

As regras de convivência, a organização do espaço físico, o


planejamento das atividades devem ser amplamente discutidas e
decididas em conjunto com os educandos. Contudo, deve-se evitar
atitudes pseudodemocráticas. Existem limites legais na definição das
regras, que não são passíveis de decisão do grupo, mas que podem
e devem ser informadas da maneira mais clara e pedagógica
possível, inclusive por escrito (VOLPI, 2015, p. 39)

Outro princípio está relacionado às sanções disciplinares por descumprimento


de normas, as quais devem ser aplicadas de modo que o adolescente compreenda
nitidamente o motivo de estar sofrendo uma sanção. Quando necessário usar
métodos de contenção, esses não devem ser violentos, visto que espancamento e
tortura, além de serem crimes, não são instrumentos pedagógicos (VOLPI, 2015, p.
40). Além disso, o espaço pedagógico deve oferecer momentos para reflexão dos
motivos que levaram o/a adolescente a cometer o ato infracional, para isso é preciso
trabalhar questões referentes ao exercício da cidadania e a concepção de mundo
desses jovens, dando subsídios para que compreendam o sistema político, social e
econômico que estão inseridos e, a partir disso, construirem novos projetos de vida.
Posto isso, ocupar o tempo e gastar a energia dos internos não deve ser o objetivo
da medida, dessa forma, Volpi (2015, p. 41-42) coloca que “a realização de
atividades lúdicas, culturais, esportivas devem ser consideradas conteúdos
fundamentais do processo educacional e não instrumentos de preenchimento do
tempo “ocioso”. O envolvimento da família e da comunidade também é essencial
para a quebra do isolamento e auxílio no processo de retorno à vida social. Por fim,
discussões de gênero, raça, sexualidade e classe devem constar na agenda
permanente das ações educacionais.
A escola também deve ocupar papel de destaque na medida, a qual “deve
possibilitar, de maneira geral, que os adolescentes aprendam um conjunto de
conhecimentos que os ajude a se localizarem no mundo e colabore como seu
regresso, permanência ou continuidade na rede regular de ensino” (VOLPI, 2015, p.
15). Para isso, é preciso pensar em um processo de capacitação efetivo para os
educadores da rede regular de ensino que também ocupam importante papel no
processo socioeducativo desses meninos e meninas privados/as de liberdade.
Pesquisa realizada por Rocha, Silva e Costa (2010), mostra como a formação
79

acadêmica dos professores que trabalham no sistema socioeducativo não os


prepara para esse trabalho, haja vista a existência de uma lacuna na formação
acadêmica que os autores atribuem à “não priorização dessa questão na formulação
de políticas públicas de qualificação dos profissionais diversos que atuam nas
instituições” (p. 210), o que faz com que esse trabalho seja permeado por estigmas
e preconceitos. É importante, portanto, o fornecimento de formações continuadas
com os subsídios necessários para a construção de um processo de análise crítica
da realidade, para que esses educadores tenham acesso e conhecimento da
legislação pertinente ao atendimento socioeducativo e de questões relacionadas a
vida desses jovens: sobre minorias, direitos humanos, diversidade, vulnerabilidade
social e econômica, violência, etc. É preciso desconstruir a visão do “aluno-
problema” ou “aluno que não tem jeito” que é perpetuada nas escolas que recebem
adolescentes em cumprimento ou egressos de medidas socioeducativas e tratá-los
apenas como alunos.
Em se tratando do projeto arquitetônico, recomenda-se que sejam instituídas
pequenas unidades de internação com capacidade para 40 adolescentes, um
número que permite otimizar recursos humanos e materiais, além da
individualização e personalização do atendimento ao público atendido.
Os Conselhos de Direitos nos níveis nacional e estadual são os responsáveis
por deliberar sobre as formas de controle das ações desenvolvidas nas áreas aqui
em questão, em que Mario Volpi sugere formas democráticas de controle:

Como esta tem sido uma área onde tradicionalmente desrespeitam-


se os direitos humanos, recomenda-se a criação de novas formas de
controle externo, tais como os comitês ou conselhos comunitários.
No caso, eles poderiam ser constituídos em cada unidade,
compostos por organizações comunitárias de moradores, sindicais,
movimentos ou organizações vinculadas à defesa dos direitos
individuais e políticos, de direitos humanos, inclusive do legislativo.
Teriam os papeis básicos de: contribuir para o controle da qualidade
dos serviços prestados e serem inibidores de violações aos direitos
desses adolescentes (VOLPI, 2015, p. 53).

O SINASE, em conformidade com os princípios elencados pelo ECA, coloca


no Art. 8 que “os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente,
prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura,
capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos”, o que torna
80

necessário a estruturação de um sistema de garantia de direitos (SGD), o qual tem a


transversalidade como princípio norteador e torna a articulação e a integração em
rede das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil essenciais
(BAPTISTA, 2012, p. 189, 191). A responsabilidade da garantia dos direitos na
nossa sociedade é de diferentes instituições com diferentes competências:

as instituições legislativas nos diferentes níveis governamentais; as


instituições ligadas ao sistema de justiça – a promotoria, o Judiciário,
a defensoria pública, o conselho tutelar – aquelas responsáveis pelas
políticas e pelo conjunto de serviços e programas de atendimento
direto (organizações governamentais e não governamentais) nas
áreas de educação, saúde, trabalho, esportes, lazer, cultura,
assistência social; aquelas que, representando a sociedade, são
responsáveis pela formulação de políticas e pelo controle das ações
do poder público; e, ainda, aquelas que têm a possibilidade de
disseminar direitos fazendo chegar a diferentes espaços da
sociedade o conhecimento e a discussão sobre os mesmos: a mídia
(escrita, falada e televisiva), o cinema e os diversificados espaços de
apreensão e de discussão de saberes, como as unidades de ensino
(infantil, fundamental, médio, superior, pós-graduado) e de
conhecimento e crítica (Seminários, congressos, encontros, grupos
de trabalho) (BAPTISTA, 2012, p. 187).

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Conselho Nacional de


Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) elaboraram a Resolução de nº 113,
a qual dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). Dentro
disso, o sistema é dividido em 3 eixos (DIGIÁCOMO, online): o da promoção, o da
defesa e o do controle. O primeiro diz respeito a elaboração e implementação da
política de atendimento à criança e ao adolescente, tarefa primária dos Conselhos
de Direitos da Criança e do Adolescente. O eixo da defesa deve ser efetuado por
órgãos, entidades, agentes e autoridades especializadas e qualificadas, com
destaque para o Conselho Tutelar, a polícia civil e militar e os órgãos do ministério
público e poder judiciário. Por fim, o controle social é exercido no âmbito dos
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Setoriais
deliberativos de políticas públicas.
A articulação em rede é essencial para a efetivação da proteção integral,
entretanto, as ações, como colocado por Baptista (2012, p. 187), têm sido
historicamente localizadas e fragmentadas, dificultando a garantia dos direitos
previstos em lei e a efetivação da proteção integral.
81

4 O TRABALHO DA EQUIPE PROFISSIONAL NA FUNDAÇÃO CASA

4.1 A categoria trabalho: reflexões marxianas

Marx (2013), em O capital, faz uma análise da categoria trabalho e de como


ocorre o processo de exploração deste para a extração da mais valia na produção
de produtos/mercadorias com o objetivo de gerar cada vez mais lucros para o
capital. Apesar de se aprofundar nessas questões, que não estão diretamente
relacionadas com o trabalho socioeducativo - objeto dessa pesquisa -, Marx faz
algumas reflexões a respeito do processo de trabalho que podem ser apropriadas e
pensadas no cotidiano do trabalho com adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas.
Marx (2013, p. 189) divide o processo de trabalho em três momentos: o da
atividade orientada a um fim ou do trabalho propriamente dito; o do objeto de
trabalho; e os meios de trabalho. Trazendo para a realidade desta pesquisa, o
primeiro diz respeito à execução das medidas socioeducativas em si; o objeto se
refere aos adolescentes que cometeram atos infracionais; e os meios estão
relacionados às condições objetivas necessárias à realização do processo
socioeducativo, as quais envolvem atividades pedagógicas; o acompanhamento
psicossocial e da área da saúde; as relações com o sistema de garantia de direitos,
etc. A atividade dos trabalhadores, com o auxilio dos meios aqui colocados, operam
em um processo de transformação do objeto segundo uma finalidade concebida
desde o início, que seria a reconstrução de projetos de vida, a preparação para a
cidadania e ressocialização dos adolescentes privados de liberdade. Esse processo
de trabalho, entretanto, não diz sob quais condições ele ocorre (se é permeado por
castigos psicológicos e físicos/tortura; se respeitando ou não os direitos humanos e
a condição especial de pessoa em desenvolvimento; se em uma perspectiva de
totalidade da realidade social, cultural, econômica e política etc.).
O trabalho na área socioeducativa, assim como qualquer outro trabalho que
faz parte da lógica capitalista, é um trabalho desvencilhado da sua forma instintiva e
está subjugado à essa lógica que atua no controle de corpos indesejados através da
retirada destes da sociedade; e da propagação da ideologia hegemônica burguesa,
que condiciona a visão de mundo, os valores, os interesses e o modo de vida da
82

população e, com isso, legitima a violação de direitos de populações privadas de


liberdade.
Marx (1083, p. 150-153 apud SILVA, 2013, p. 33-34) faz uma distinção entre o
trabalho concreto/útil e o trabalho abstrato. O primeiro diz respeito a um trabalho que
é central à sociabilidade humana e à autoprodução do homem enquanto ser social,
isto é, um trabalho voltado para satisfazer necessidades humanas. O segundo, por
sua vez, é o trabalho alienado-estranhado, uma vez que na sociedade capitalista o
trabalho deixa de ser uma realização humana (no sentido ontológico) e se torna um
trabalho subjugado ao capital, que separa o homem (a força de trabalho), os
instrumentos/meio de trabalho e o produto. Com isso, coisifica as relações humanas
por meio de um fetiche mercadológico e causa um estranhamento entre o homem e
o produto do seu trabalho, em que o trabalho perde significativamente suas
potencialidades emancipatórias (SILVA, 2013, p. 34-35).
Iamamoto (2000), apesar de fazer uma análise do trabalho de assistentes
sociais na contemporaneidade, faz importantes contribuições para refletir o trabalho
socioeducativo com adolescentes em conflito com a lei, independente da área de
formação do profissional que atua com esse público.
A autora destaca que esse trabalho está inserido em um campo político-
ideológico e é atravessado por tensões e interesses de classe, uma vez que ao
mesmo tempo que exerce funções de controle social e de reprodução da ideologia
dominante junto aos segmentos subalternos (IAMAMOTO, 2000, p. 97), pode
contribuir para o processo de reconhecimento do próprio adolescente enquanto
sujeito de direitos, mediar o acesso à garantia destes e contribuir para o processo de
emancipação desses sujeitos.
À vista disso, Iamamoto aborda também a questão dos limites institucionais
na construção de uma atuação profissional com autonomia, uma vez que o
empregado - dependente da venda da sua força de trabalho para sobrevivência - se
submete às exigências da instituição empregadora, a qual define e controla a
atuação profissional. Os meios e condições em que se realiza o trabalho (diretrizes
ditadas pelas políticas públicas, relações de poder institucional, recursos humanos e
financeiros, etc.) se tornam, portanto, condições e veículos indispensáveis para a
realização do trabalho (IAMAMOTO, 2000, p. 100).
83

As relações de trabalho na contemporaneidade também precisam ser


discutidas, uma vez que o acesso ao trabalho remunerado é condição de
sobrevivência da maioria da população (IAMAMOTO, 2000, p. 90). Essa
necessidade de acesso ao trabalho faz com que muitos trabalhadores participem de
processos seletivos e concursos públicos sem ao menos ter conhecimento ou algum
tipo de afinidade com a vaga almejada, como demonstrado na fala de um
participante:
“a princípio eu não conhecia, nem sabia o que era Fundação CASA,
me inscrevi no concurso, passei, fui aprovado e fui efetivado. Com 55
anos entrei na Fundação CASA e não conhecia, passei a conhecer a
Fundação CASA e a conviver com os adolescentes” (BENÍCIO)

É nesse contexto de tensões entre os interesses de classes e de


alienação/estranhamento que o trabalho da equipe multiprofissional com
adolescentes privados de liberdade está inserido, dado que é um trabalho permeado
pelos interesses hegemônicos burgueses de afastamento dos indesejados do
convívio social para sua adequação aos moldes de vida socialmente impostos de
forma a contribuir para a expansão do capital quando esses retornam para o
convívio com a comunidade, preparando jovens para o mercado de trabalho
(geralmente para atividades subalternas). É também um trabalho que não reflete
sobre as questões econômicas, políticas, culturais e sociais que o permeiam,
reproduzindo estereótipos de culpabilização e criminalização da pobreza. Que não
tem conhecimento da história da infância e da adolescência pobre em uma
perspectiva de totalidade. Que faz parte de um projeto hegemônico que busca a sua
manutenção e expansão.
Essa realidade, somada a um contexto de precarização das relações de
trabalho (baixos salários; proteção social reduzida devido às (contra)reformas
trabalhistas e previdenciárias; condições ruins de trabalho; etc.), tem colocado
profissionais que não estão preparados para lidarem com adolescentes privados de
liberdade em uma perspectiva de garantia de direitos e reconhecimento desse
público enquanto parcela da população que necessita da proteção integral, haja
vista sua condição de desenvolvimento físico e psíquico em construção.
Esse trabalho alienado pode ser percebido nas falas de vários dos
participantes da pesquisa, os quais reproduzem discursos culpabilizadores da
família e estigmatizadores da adolescência que teve algum conflito com a lei. Com
84

isso, a realidade objetiva e subjetiva de vida dessas famílias quase não é levada em
consideração22. Quando foi sugerido aos participantes da pesquisa que falassem
sobre as suas opiniões a respeito do adolescente que comete ato infracional e
reincide, a culpabilização da família (principalmente da mulher) esteve presente em
quase todas as falas, com destaque para algumas:

“Então eu acho que envolve também muito assim, às vezes, assim, a


questão da família tá mais próxima... querer saber o que tá
acontecendo com esse adolescente, saber onde ele tá, quais as
amizades, que muitas vezes a gente vê os adolescentes que
chegam, adolescentes assim, que já tinha uma vida, uma rotina
independente, autônoma, muito cedo, né? Então assim, a mãe não
sabe que o que que o filho tá fazendo, não sabe onde ele tá, não
sabe com quem tá andando, porque ela sai pra trabalhar, fica o dia
todo e esse adolescente fica sozinho. Então assim, um pouco disso
também.” (HELENA)

“Há meninos, por exemplo, que chega aqui e é tão complicado isso ai
porque às vezes ele vem do orfanato, ele não tem uma referência
específica, há menino que só tem mãe, outros é criado com vó...
então o aspecto de família aqui dentro é muito ruim, cê entendeu? É
por causa disso também, eu acho 70, 80, 70 por cento de um dos
motivos de tá aqui: aspecto familiar. Então estudar o aspecto da
família é sempre muito complicado, porque a família dos menino que
vêm aqui, o aspecto familiar deles é muito confuso, cê entendeu?
Existe uma ausência muito grande, por exemplo: do pai, da mãe,
normalmente são separados.” (ANTÔNIO)

“Os adolescente, eles vê a parte dos adolescente lá fora, tenta ajudar


a família. Adolescente ta aqui pensando na família lá, tem uns que
tem filho, tem uns que deixa a mãe com o irmão pequeno em casa
desamparado porque tem muitos que lá fora que é, assim, que é o
pai da família, né? Porque muitos que não tem o pai, né? 80% dos
adolescente aqui o pai abandonou a família, a mãe teve que ir morar
com a vó, a vó também talvez é viúva... sempre foi uma situação
difícil que vive o adolescente, o pai... a maioria aqui é pai separado.

22
Não é a intenção deste trabalho romantizar as relações familiares desses adolescentes – uma vez
que a família, muitas vezes, pode ser a principal violentadora de direitos de suas crianças e
adolescentes ,entretanto essa realidade não deve ser generalizada. Por isso, esse trabalho propõe a
necessidade da busca pela análise mais profunda das condições materiais e subjetivas dessas
famílias; de tentar compreender quais as violências cotidianas e estruturais as quais estão sujeitas e
de como elas conseguem se colocar em um mundo cuja hegemonia burguesa insiste em afirmar que
elas pertencem apenas às periferias das cidades ou em trabalhos subalternos que contribuem para a
reprodução da sociabilidade burguesa capitalista. Como colocado por Prado (2017, n.p), a família,
assim como toda instituição social, apresenta tanto aspectos positivos (como núcleo afetivo, de apoio
e solidariedade) quando negativos (muitas vezes são elementos de coerção social, geradora de
conflitos e ambigüidades).
85

Dos que tem aqui, o pai morreu ou o pai tá na cadeia porque é mal
exemplo pra eles.” (EMANUEL)

A família, de acordo com Prado (2017, n.p), possui um conjunto de papeis


socialmente definidos, em que há papeis assumidos por homens e outros por
mulheres, enquanto as crianças são tidas como “propriedade” dos pais. Nesse
contexto, Danda Prado destaca a sobrecarga da mulher na família devido ao
acúmulo de tarefas: de esposa, mãe e dona de casa. No caso de mulheres chefes
de família, essa sobrecarga é ainda mais acentuada com a sua inserção no mercado
de trabalho, seja ele formal ou informal. É importante destacar que essas mulheres
possuem um perfil: são em sua maioria jovens, negras, de classes sociais mais
baixas e com baixo grau de escolaridade (o que resulta em subempregos). Nesse
contexto, Abrão e Mioto (2017, p. 423) chamam a atenção para o risco maior de
pobreza para as famílias monoparentais femininas em caso de desemprego, o que
torna necessário pensar em políticas familiares.
Na América Latina, entretanto, as intervenções nesse sentido são dispersas
e não coordenadas, em que são poucos os avanços em áreas que afetam e
desafiam essas famílias cotidianamente “como é o caso da conciliação entre
trabalho e família, da situação das famílias imigrantes, do cuidado infantil, de idosos
e de pessoas com deficiência em situação de dependência e da paternidade
responsável (ABRÃO; MIOTO, 2017, p.425).
Segundo dados do IPEA sobre o retrato das desigualdades de gênero e raça,
em 2015, 40,4% dos domicílios brasileiros pesquisados tinham como configuração a
família monoparental feminina (mulher com filhos), enquanto 3,7% dos domicílios
tinham a monoparentalidade masculina (homem com filhos) como configuração
familiar, o que evidencia a cultura patriarcal e machista que atribui à mulher o
cuidado dos filhos (além dos idosos e das pessoas com deficiência). Nesse contexto
de falta de políticas sociais para mulheres trabalhadoras chefes de família, essas
não devem ser as culpabilizadas por deixarem os filhos sob os cuidados da sua
comunidade quando buscam pela sua sobrevivência e da sua família em múltiplas
jornadas de trabalho, o que faz com que crianças e adolescentes passem bastante
tempo nas ruas (uma vez que também não existem políticas culturais e de lazer para
esse público) e isso facilite a cooptação pelo tráfico de drogas - o qual é bastante
atrativo pelo acesso fácil e rápido ao dinheiro - e outros crimes.
86

Apesar das várias transformações sociais e econômicas na América latina,


que condicionam o padrão de organização familiar, em muitos países ainda
prevalece o paradigma de “família ideal” - a qual possui a figura do pai, da mãe e
dos filhos biológicos - (ABRÃO, MIOTO, 2017, p. 426). Essa é uma realidade
brasileira que explica o aparecimento dessa concepção sobre a família e uma
aparente necessidade de uma figura paterna/masculina para a constituição de uma
família ser considerada por muitos como adequada. O não pertencimento dessas
famílias no modelo socialmente aceito, faz com que sejam consideradas como “não
estruturadas”:

“A gente faz todo um trabalho com eles, ai ele vai cair na vida lá,
tipo, no sistema e eu costumo falar que a família tem que tá muito
perto, muito próximo com estrutura.” (DANIEL)

“O segundo (motivo para a reincidência), que eu vejo que tem muita


dificuldade também é o ambiente, né? O ambiente que o adolescente
vive, na casa dele, a cultura que os pais tiveram, é... Se você fizer,
assim, uma pesquisa, acho que seria interessante um dia se você
tiver essa oportunidade, de conversar com os pais pra saber quais
são as idades deles e qual a distância de idade entre o pai e o filho.
Muitas das vezes não ultrapassa nem 15 anos. O adolescente tá aqui
com 14, 15, a mãe tem 30, 31, 32. Então assim, são pessoas que
tiveram filhos precoce e por quê? Isso é reflexo do que? E aí uma
criança educando uma outra criança? né? Uma criança muitas das
vezes precisa abandonar o estudo porque engravidou, né? É o
segundo problema. E aí cresce num lar que muitas das vezes não
tem uma estrutura... não to falando que isso também é o principal
responsável pelo adolescente tá aqui ou ele sempre voltar, né? A
reincidência que eu falo num é só de uma vez não: é duas, três. Tem
adolescente aqui que já foi e voltou três vezes. Então assim, o
ambiente em que a família... é... educa...é... instrui, também
influencia muito.” (JOAQUIM)

Além da questão da “falta de estrutura” familiar, também foi identificada uma


perspectiva de entendimento da medida socioeducativa como um processo de
“cura”, entendendo a infração ou pobreza enquanto uma patologia e retomando um
antigo aparato médico-jurídico-assistencial do antigo código de menores, em que se
buscava uma recuperação/reabilitação do “menor vicioso” (Rizzini, 2008, p. 20,26):

“Ah. É muito difícil eles conseguir sair. É muito difícil. Porque por
mais aqui que ta tem droga, aqui tem os tratamento dos enfermeiro,
que vai acompanhando, passando remédio, mas quando o
adolescente sai... porque existe a dependência e abstinência e existe
a questão da idade, o moleque é novo ainda, existe a questão do
87

dinheiro, que é fácil, né, porque você ganha muito fácil numa noite,
inclusive pessoas ai que vai comprar droga deles, então eles ganha
dinheiro fácil. Nessa idade quer ter dinheiro mesmo. E existe a
família, que num tem uma estrutura específica, já existe o tempo
quando você tenta curar uma pessoa, quando você tenta é... um
menino, uma pessoa de 16, 17 anos já é muito mais difícil, né?
Quando você pega um de 14 ou de 15, ne?... Então o desafio é muito
grande, porque tem vários... tem o meio que o menino vive, tem a
família dele que tem pouca estrutura, tem a questão do dinheiro,
tem a questão aqui das oportunidade.” (ANTÔNIO)

A ideia da ausência da religião ou de uma disciplina rígida (militar) também aparece


como uma forma de culpabilização do adolescente e da família:

“Porque igual, por exemplo, o menino não é cristão, ele não é


militar, não é nada, ninguém insere nada nele: nem uma religião,
uma fé, algum... não põe nada no menino, ai vem o crime, põe
uma... ‘aqui tem... essas são as regras, essa é a vida do crime, essa
é assim que funciona’ e ele abraça às vezes isso e então enquanto
ele não se ferra, literalmente, dá a impressão que ele não vai sair, o
que acontece muito aqui, deles sair, reincidir, reincidir, reincidir, fazer
18 e ir prum centro de detenção lá, aqui do lado, e aí ele acordar
dessa vida, falar “Vixe”... que aí vai piorando a situação dele. E
família, né? Estrutura familiar deles que... só deixa a desejar. A
maior parte deles, não é nem todos, mas a maior parte sim. Não tem
estrutura familiar, não tem um convívio, não tem um pai presente,
num tem uma mãe presente. Às vezes é criado com vó, QUANDO a
vó tá criando também... aí fica na rua à mercê do crime e é só isso
que ele vive.” (PEDRO)

“Assim, o trabalho que a gente faz aqui, é um trabalho assim pra


tentar resgatar esse adolescente. Não assim uma coisa forçada, mas
uma coisa, assim, voluntária, que a gente tenta, assim, através de
exemplos da própria vida da gente, da vivência, tá passando pra
eles, pra tá pensando num futuro melhor. E através de procurar
uma religião, que a religião também influencia muito.” (JOSÉ)

Outro fator apontado pelos participantes na análise das entrevistas como


responsável pela reincidência é a falta de continuidade do trabalho feito no centro
socioeducativo pela família ou a “falta de interesse” dessa em buscar um suporte
para uma saída voluntária da sua condição de pobreza, vulnerabilidade e violência,
sem levar em consideração as condições materiais, objetiva e subjetivas dessas
famílias:

“Mas só que uma coisa é complicada, porque, assim, a gente faz um


trabalho aqui dentro, o adolescente fica seis meses ou mais um
pouquinho aqui dependendo do comportamento dele, e depois que
ele sai ele volta pro lar, e às vezes o lar num dá sequência no
88

que a gente fez o trabalho, é onde que existe as reincidências. Aí


chega lá os irmãos tão envolvidos, mãe envolvida, ou de repente
ele...os familiares não tão assim tão envolvido, mas só que ele quer
algo a mais que a família não pode dar pra ele, aí é aonde ele pega e
reincide no que ele tava fazendo antes que é o tráfico de droga e
acaba voltando pra cá. Muita reincidência são essas aí.” (JOSÉ)

“‘Ah não, dona, não quero mais mexer com droga, vou respeitar
minha mãe, não quero mais saber do crime’, mas muitos deles não
têm o aporte lá fora da família mesmo, pelo contrário, muitas vezes a
família leva a voltar pro crime, né? Que eles falam sobre o crime...
então muitas vezes a própria família... é algo assim, muito triste, mas
é real e não é raro.” (CATARINA)

“Eu não consigo dar atenção total aos 20 meninos, 21 meninos que
eu tenho, sabe? Aí eu fico pensando no CRAS e no CREAS que tem
600 mil, sabe? e não tem... E a gente sabe que depende muito da
família em si, né? Igual, aqui a gente orienta, fala “vai atrás,
busca”. Tem família que vai, tem família que vai atrás e que fica
lá no pezinho do CRAS, consegue até umas coisinhas. Mas
aquela que a gente fala e fica esperando o CRAS ir atrás, sabe?
É muito difícil. E eu vejo que a reincidência acaba um pouco nisso
aí, porque aqui, querendo ou não, o adolescente respira mais fundo –
eu costumo brincar - a gente falar ‘Cê tá bem? O que aconteceu?’
Sabe?... A família ta sem dinheiro nós tenta procurar uma cesta, não
só de forma... né? Às vezes consegue muito pela igreja, sabe? Nem
é pelo CRAS mesmo, porque às vezes a gente encaminha e não
tem. Então assim, acontece qualquer coisa a gente tá aqui para
socorrer, né? Quando as famílias também dão abertura para querer
pedir ajuda, porque tem algumas que sofre e a gente nem fica
sabendo, né?” (LÚCIA)

Sobre isso, Mioto (2015) faz uma análise do impacto do projeto neoliberal na
condução das políticas de seguridade social, em que há uma regressão do Estado
na provisão do bem-estar e um amplo processo de privatização (que ocorre tanto via
mercado quanto via familiar) das políticas sociais, as quais vêm adquirindo caráter
familista, refletindo diretamente no campo de oferta dos serviços sociais, haja vista
a:
insuficiência/ausência de serviços, especialmente públicos/estatais
de caráter universal; forte investimento de recursos em subsídios à
oferta de serviços por entidades não governamentais, os quais
tendem a ser focalizados, seletivos, precários e normalizantes; e
também da incorporação das famílias no cotidiano dos serviços
ofertados (MIOTO, 2015, p. 707-708).

Essas tendências acentuam as desigualdades ao repercutirem nas condições


de prestação dos serviços, nas oportunidades de acesso pelos usuários e
89

sobrecarregam as famílias, as quais são requisitadas a cumprirem com “suas


obrigações” no âmbito doméstico, ao mesmo tempo em que são acionadas para
incorporarem no trabalho de cuidado no ambiente de prestação de serviço, além de
realizarem demoradas e desgastantes interlocuções com os serviços (MIOTO, 2015,
p. 708). A insuficiência de serviços públicos da política de assistência social
brasileira é uma realidade apontada por Carloto (2012, apud MIOTO, 2015, p. 712),
cuja ausência penaliza principalmente mulheres (sobretudo as mais pobres), visto
que isso se torna um obstáculo para a inserção e permanência delas no mercado de
trabalho, aumenta o tempo de trabalho não remunerado e inviabiliza a participação
desse público na esfera pública.
A ênfase na matricialidade sociofamiliar na política de assistência social tem
exigido também uma família participativa e com capacidade protetiva. Isso tem como
plano de fundo, entretanto, condicionalidades que dificultam o acesso efetivo a
serviços e programas sociais, os quais buscam a inclusão produtiva e o aumento do
consumo interno (MIOTO, 2015, p. 714).Barroco e Terra (2012, p. 79) fazem alguns
apontamentos a respeito de alguns empecilhos colocados à população no processo
de acesso a direitos:
Para obter um direito, os usuários são submetidos a diferentes
formas de preconceito e discriminação. As diversas práticas
profissionais e suas responsabilidades tendem a ser dissolvidas no
interior da burocracia institucional, na medida em que uma mesma
situação é atendida, de forma fragmentada, por diferentes agentes,
sem que nenhum detenha o processo em sua totalidade e assuma a
responsabilidade integral pelo mesmo. O caminho percorrido pelo
usuário – desde a solicitação do serviço até a obtenção do direito é,
em geral, um verdadeiro ‘calvário’ de idas e vindas entre instituições,
em que não raras vezes enfrentam situações de descaso e
humilhação.

Essas questões, portanto, explicam o que é visto como “falta de interesse”


das famílias em acessar serviços públicos escassos e de difícil acesso.
Posto isso, Iamamoto (2000, p. 101) destaca a importância do
acompanhamento dos processos sociais e da pesquisa da realidade social como
componentes indissociáveis (e não complementares) do trabalho, assim como o
acesso a estatísticas e dados importantes, uma vez que é fundamental conhecer a
população para quem o serviço socioeducativo é dirigido. É de extrema importância,
portanto, a busca pelo rompimento com essa alienação do trabalho, a fim de
90

desmistificar a ideia de falha do sistema socioeducativo como justificativa para a


redução da maioridade penal.

4.3 O trabalho da equipe profissional na Fundação CASA

Antes de fazer uma análise do trabalho interdisciplinar na unidade pesquisada


da Fundação CASA, será feita uma exposição da rotina de trabalho de cada área
específica, de acordo com o que foi colocado pelos participantes da pesquisa nas
entrevistas.
Como já mencionado anteriormente, a instituição é dividida em três
superintendências: a pedagógica (que abarca as áreas do ensino escolar; educação
física e esportes; arte e cultura; e educação profissional); a de saúde (responsável
pelos atendimentos médicos, dentários, de enfermagem e psicossocial); e a de
segurança (representada, principalmente, na figura dos agentes de apoio
socioeducativos).
Em se tratando da rotina pedagógica e suas quatro áreas, daremos destaque
para duas: arte e cultura e educação física e esporte, uma vez que o ensino escolar
é de responsabilidade de uma escola estadual do município em que o centro
socioeducativo está localizado e a educação profissional básica é ofertada pelo
SENAC e por profissionais autônomos em parceria com o Centro. Dentro disso,
participaram da pesquisa e compartilharam um pouco do seu trabalho dois agentes
educacionais, sendo um educador físico e uma arte educadora.
Além de acompanhar a rotina da unidade, o trabalhador da área da educação
física prepara as atividades/aulas voltadas para os adolescentes semanalmente,
tendo em vista uma grade pré-estabelecida que deve ser seguida. Com isso, as
atividades são programadas de acordo com a agenda da unidade e a da regional.
Em relação a esta última, no período das entrevistas (dezembro/2019) o agente
educacional estava preparando o condicionamento físico dos adolescentes que
tinham interesse em participar da Copa CASA de futebol (campeonato regional e
estadual promovido pela Fundação CASA), que teria início em janeiro de 2020.
Além do futebol, outras modalidades de esporte também são trabalhadas com
os adolescentes (vôlei, basquete etc.), em que as atividades têm como ambiente
principal a quadra, mas não apenas esta, visto que também são trabalhados
documentários e livros esportivos com os internos.
91

Em se tratando da arte educação, o Centro oferece aulas obrigatórias de


dança urbana e violão, em que os adolescentes podem optar por uma ou outra. Há
três turmas de dança, as quais são divididas de acordo com a agenda dos meninos.
A carga horária semanal é de três horas e, depois de três meses cumprindo a
medida, a participação nas atividades de arte e cultura – que são obrigatórias -, se
torna opcional, entretanto a maioria dos internos continua frequentando as aulas.
Nestas são introduzidas dinâmicas de expressão corporal; de lateralidade; de ritmo;
de concentração; de contagem musical, etc. Apesar de o foco das aulas serem de
dança urbana (com destaque para o hip hop), a arte educadora não deixa de
abordar outros estilos como, pagode, sertanejo, axé e funk quando há interesse e
demanda das turmas. As aulas partem do conhecimento prévio dos adolescentes
sobre dança e a partir da construção de vínculos, novas questões vão sendo
inseridas aos poucos.
Dentro disso, existe um projeto anual sobre James Brown - um cantor,
dançarino, compositor e produtor musical multi-instrumentista estadunidense negro-,
o qual é reconhecido como um dos maiores artistas de todos os tempos. Nesse
projeto a história de vida desse artista é apresentada e trabalhada com os
adolescentes.
Há também projetos pontuais de datas comemorativas, como a apresentação
de natal, por exemplo; concursos de dança entre as turmas; além de um projeto que
ocorre uma vez ao mês, que é a Dança das Famílias, que tem como objetivo
aproximar as famílias dos meninos em cumprimento da medida socioeducativa23.
Tendo em vista a superintendência da saúde, daremos destaque para o
trabalho dos profissionais da enfermagem, da psicologia e do serviço social.
O trabalho da enfermagem é constante no centro (a instituição conta com
duas profissionais dessa área), qualquer queixa ou demanda relacionada à saúde
física dos adolescentes é encaminhada para enfermeiras/os, as quais são
responsáveis pela parte burocrática de direcionamento para outros profissionais ou
serviços de saúde (os adolescentes possuem acesso a atendimento médico e
odontológico dentro da unidade socioeducativa uma vez na semana). Quando é
preciso encaminhar para profissionais especializados, o contato com a rede de
23
Como já dito anteriormente, a participação das famílias nesse projeto é baixa, isso se deve a vários
fatores, entre eles está a falta de condições financeiras para deslocamento de suas residências até o
centro socioeducativo ou o fato de as atividades acontecerem em horários que coincidem com horário
de trabalho; etc.
92

saúde do município ocorre através da enfermagem. É um serviço que difere da


atuação profissional em ambiente hospitalar. Sobre isso, Catarina coloca:

“Por que que eu falo que difere um pouco do hospital? Lá fica muito
assim na questão de medicar, né? Medicalizar o paciente, recuperou
vai embora. Aqui a gente tem sim, mas assim, a gente trabalha um
conteúdo – eu, pelo menos, procuro trabalhar mais o cuidado integral
mesmo, que é o preconizado pelo SUS, né?, e o conceito atual de
saúde pela OMS que é o bem estar bio, psico, físico, espiritual do
adolescente. Então a gente abrange, tenta abranger todas essas
áreas.” (CATARINA)

Sobre o atendimento psicológico, o centro possui 3 profissionais da psicologia


(cada um responsável por cerca de 21 adolescentes). Dentro disso, há atendimento
individual uma vez por semana em horários específicos (haja vista a agenda
apertada dos adolescentes) e atendimentos em grupo uma vez ao mês. Sobre o
conteúdo desses atendimentos, Helena exemplifica:

“A gente trabalha muito, assim, a questão do ato infracional,


sensibilização quanto ao olhar interno - como é que é para eles
poder se perceber, né, aqui dentro na instituição-, trabalhar um
pouquinho a história de vida, né? Geralmente eles trazem muitas
demandas, né? Porque aqui dentro, por ser um ambiente de privação
de liberdade então a ansiedade é muito intensa.” (HELENA)

Outra questão muito trabalhada pelos profissionais da psicologia é a


drogadição, uma vez que muitos dos meninos institucionalizados fazem uso abusivo
de substâncias psicoativas e, por isso, muitas vezes precisam ser encaminhados
para a rede municipal de saúde mental, onde são acompanhados pelo Centro de
Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD)24.
O trabalho dos/das profissionais de serviço social na instituição se dá através
de atendimentos individuais aos adolescentes; dos atendimentos às famílias (seja
nas visitas de domingo ou nas visitas domiciliares); e do contato com a rede
assistencial do município, questões que muitas vezes podem ficar em segundo
plano tendo em vista a necessidade do/a assistente social de trabalhar como
mediador de conflitos entre os membros da equipe ou entre adolescentes e equipe.

“Tem hora que a gente se perde muito e foca só no adolescente e


acaba perdendo o que é da nossa área. Eu até to te falando isso
24
É importante ressaltar que o município não possui um CAPS especializado na infância e
adolescência.
93

porque é uma coisa que eu tenho buscado muito: tentar ser


assistente social aqui dentro, porque às vezes a gente fica mais
como só orientadora em si e acaba que o serviço social fica de lado,
né? Porque querendo ou não o nosso contato teria que ser mais com
a família e com a rede, né? que acaba meio que ficando de segundo
plano porque a gente tem... como tem muitas situações aqui né, tem
época, a gente tem que ficar mais mediano com a equipe, né?, mas
acaba sendo a mediação no sentido de conflito e não pelo meu
serviço em si, né?” (Lúcia)

De acordo com o material elaborado pelo Conselho Federal de Serviço Social


- CFESS (2014, p. 79-80) a respeito do trabalho dos assistentes sociais no campo
sociojurídico, são levantadas algumas atribuições do profissional nas medidas
socioeducativas de privação de liberdade. Entre elas está o acompanhamento de
adolescentes e suas famílias em diversas dimensões, que inclui a orientação ao
atendimento do/a adolescente no âmbito social e o desenvolvimento de ações
voltadas à egressos; a realização de avaliação social através de elaboração de
relatórios e estudos sociais; a articulação com a rede de serviços do município; além
de atribuições voltadas para a gestão institucional (que não é o foco deste trabalho).
Posto isso, alguns fatores colocam desafios para a efetivação dessa prática
profissional de forma eficiente: além da questão da mediação de conflitos apontada
pela participante Lúcia, há também a insuficiência de recursos humanos e uma
precariedade das condições de trabalho, tendo em vista a alta demanda social dos
meninos e meninas presentes no sistema socioeducativo de privação de liberdade e
suas famílias.
Em relação ao trabalho da equipe técnica na Instituição, foram identificadas
algumas dificuldades e limitações no trabalho desses profissionais, que estão
relacionadas à falta de condições da Fundação CASA de acompanhar os
adolescentes egressos da internação, além da falta de articulação efetiva com a
rede/ sistema de garantia de direitos do município no processo de
desinstitucionalização, o que leva à busca de acesso a direitos básicos (como
alimentação, por exemplo) em instituições de caridade – igrejas -, uma vez que a
rede não consegue atender às demandas dessas famílias e de tantas outras em
situação de pobreza e violências. Esses fatores – e também a culpabilização das
famílias - foram apontados pelos participantes da pesquisa como os elementos
principais responsáveis pela alta taxa de reincidência na instituição.
94

No que diz respeito aos encaminhamentos para a rede de saúde mental do


município onde o Centro socioeducativo se contra – a qual é apontada como
precária, com destaque para a inexistência de atendimento especializado para a
infância e adolescência -, Helena coloca que:

“É pouco. Eu acho que assim, é muito pouco porque a rede não dá


conta de tudo, né? [...] Igual na psicologia, que a gente lida muito
com a questão da drogadição, que é um dos pontos que eu também
acho que colabora muito para residência, né? [...] A gente vê que a
gente faz os encaminhamentos, né?... continuidade no CAPs – aqui
eles passam no CAPs aqui quando há necessidade. Então quando
sai a gente orienta, faz os encaminhamentos, mas na rede de saúde
mental, falando da rede mental é muito precária... a gente tem muita
dificuldade. Quando a gente percebe às vezes algum caso mais
crítico, que já tá no nível ali que precisa de uma orientação ou até
uma internação para o acompanhamento assim, né, psiquiátrico...
tudo... é mais difícil. Então, assim, existe os encaminhamentos...
agora em relação à questão social eu acho que a gente consegue
encaminhar para muita coisa, mas não é uma coisa que fica sempre
fortalecida, né? Em algum momento quebra.” (Helena)

Sobre o acompanhamento na perspectiva social, entretanto, os profissionais


dessa área também apontam dificuldades - ainda que de forma a culpabilizar as
famílias, sem considerar a ineficácia e dificuldade de acesso a programas e serviços
que estão cada vez mais focalizados na extrema pobreza, a qual deve ser
comprovada de maneira extremamente burocrática e, muitas vezes, vexatórias, o
que faz com que as famílias nem sempre queiram procurar esses serviços, seja por
vergonha da sua condição de vulnerabilidade e violência ou pela descrença nos
serviços, uma vez que já tentaram acessá-los e não conseguiram terem seus direitos
efetivados devido à alta demanda e precarização cada vez maior do trabalho dos
profissionais das políticas sociais, com destaque aqui para as políticas de
assistência social e de saúde:

“Eu avalio (a reincidência) como uma falta de acompanhamento pós


medida, né? Tanto que eu to tentando muito ter esse contato com a
rede, só que eu fico pensando: aqui a gente tem 64, né? Então eu
fico com a média de 21, 22 adolescentes – somos três (assistentes
sociais). Eu não consigo dar atenção total aos 20 meninos, 21
meninos que eu tenho, sabe? Aí eu fico pensando no CRAS e no
CREAS que tem 600 mil, sabe? e não tem... E a gente sabe que
depende muito da família em si, né? Igual, aqui a gente orienta, fala
“vai atrás, busca”. Tem família que vai, tem família que vai atrás e
que fica lá no pezinho do CRAS, consegue até umas coisinhas. Mas
aquela que a gente fala e fica esperando o CRAS ir atrás, sabe? É
95

muito difícil. E eu vejo que a reincidência acaba um pouco nisso aí,


porque aqui, querendo ou não, o adolescente respira mais fundo – eu
costumo brincar - a gente falar ‘Cê tá bem? O que aconteceu?’
sabe?... A família ta sem dinheiro nós tenta procurar uma cesta, não
só de forma...né? Às vezes consegue muito pela igreja, sabe? Nem é
pelo CRAS mesmo, porque às vezes a gente encaminha e não tem.
Então assim, acontece qualquer coisa a gente tá aqui para socorrer,
né? Quando as famílias também dão abertura para querer pedir
ajuda, porque tem algumas que sofre e a gente nem fica sabendo,
né? Mas eu vejo que tá nisso aí, porque aqui a gente tem
acompanhamento toda hora e lá fora eles não têm” (Lúcia)

“a gente percebe a vulnerabilidade, a maioria das famílias são muito


vulneráveis e, por isso, a parceria com a rede. [...] Porque assim, eu
acho que é legal frisar que o período da medida socioeducativa é um
período curto na vida do menino, se a gente for pensar, e assim, o
foco do trabalho, o problema maior, ele ta além da medida, né?
Então assim, a gente faz, a gente tem um atendimento com o
adolescente distanciado da família, uma preparação do retorno dele
pra família, mas as vulnerabilidades que as famílias apresentam, elas
vão muito além, então assim... por isso que se fala muito da
incompletude institucional, que a Fundação CASA não é completa de
maneira alguma na execução da medida, ela precisa dos
equipamentos de atendimento, né? Essa família não ta vinculada à
Fundação CASA pura e simplesmente – ela não é da Fundação
CASA, ela é do município, e esse município tem que dar
continuidade nesse atendimento no pós medida, depois que esse
menino sai.” (Cecília)

“A gente acaba acompanhando (o egresso) pelo vínculo que se cria.


Então, por exemplo, os meninos ligam aqui... Os meninos tão com
dificuldade na escola, eles não procuram a diretoria de ensino, eles
procuram a Fundação CASA para que a gente faça essa mediação
com a rede. Mas é... o egresso, né, ele perde a vinculação com a
Fundação CASA porque ele deixa de cumprir a medida, ele já não
cumpre a medida mais. Então a agente acaba tendo esse
acompanhamento com o egresso por conta do vínculo estabelecido,
mas a gente faz encaminhamento pra rede dar continuidade. A gente
ta em discussão com o CREAS para que tenha um atendimento
voltado para o pós medida mesmo a partir de 2020. Não existe um
fluxo. Assim, a gente tenta estabelecer um fluxo, mas não um
atendimento específico, né? Porque enquanto ele ta aqui, ele entra
no atendimento especializado, no CREAS, né? Mas a partir do
momento que ele sai, ele volta pro básico, que é o CRAS, né? E a
família é vinculada ao CRAS, né, das regiões. Então a gente tenta
reforçar isso. E quando o adolescente chega, a gente faz esse
trabalho de ponte com o CRAS, e CREAS também, porque tem
muitas famílias que não tão vinculadas, elas não sabem que elas têm
o direito de , por exemplo, de receber os benefícios, de ter esse
atendimento, esse olhar específico da rede, né? Então a gente tenta
fazer essa vinculação, que a família quanto mais vulnerável ela ta,
menos ela procura a rede, muitas vezes porque ela se sente culpada,
96

ela se sente fora da lei. Ela tem que justificar muita coisa... ela
prefere se afastar. Então a gente tenta ir mediando esse contato para
que depois esse fluxo permaneça, esse atendimento tenha
continuidade.” (Cecília)

Apesar da tentativa de estabelecer uma relação com a rede socioassistencial,


muitos desafios precisam ser considerados, como: o avanço neoliberal e a
destruição da proteção social com a focalização, privatização e descentralização das
políticas sociais, fato evidenciado na Emenda Constitucional nº 95/2016, a qual
congela os gastos primários da união (gastos sociais) durante 20 anos, ao passo em
que as demandas por serviços da seguridade social (sobretudo da política de
assistência, haja vista a dificuldade de acesso a outras políticas, como a de
previdência social) aumentam drasticamente.
Na área pedagógica, o único acompanhamento que se tem é o da matrícula
escolar, que também possui entraves, dado que há grande resistência das escolas
em receber adolescentes que passaram pelo sistema socioeducativo, os quais
carregam o estigma de “bandido” e “aluno problema”. Pesquisa de Rocha, Silva e
Costa (2010), mostra como as escolas e seus educadores não são preparados para
lidarem com esse público. O setor pedagógico do Centro contribui, portanto, da
seguinte forma:

“A gente acompanha matrícula escolar, por exemplo: o adolescente


tem que sair daqui com uma vaga encaminhada, então é uma coisa
que a gente tem que garantir. Então tem uma pessoa, uma pedagoga
da manhã responsável: ‘ó, o adolescente ta pra ser desinternado,
onde é a escola mais próxima de casa?’. No pedagógico é o máximo
que agente consegue fazer enquanto egresso. A gente queria fazer
muito mais, mas não temos pernas para atender os internados e
mais os egressos. [...] A gente tem uma parceria muito boa com a
diretoria de ensino, porque tem um setor lá que é o de planejamento
que ajuda muito a gente ‘ó, tal escola tem vaga, pode mandar que
tem’. E as escolas, algumas né, são muito preconceituosas, porque
não quer de volta aquele menino problemático pra escola, aquele
menino que deu problema, só que se tem vaga é direito do menino,
né, se matricular. Então a gente esbarra nessas coisas. É um pouco
difícil. Só que o máximo que a gente consegue fazer em relação a
egresso é matricula, infelizmente. Parece que a gente solta o menino
no mundo assim, ó... vai! Vai e boa sorte. Mas é muito triste, é muito
triste. E a reincidência tá aumentando muito, muito, muito.”
(CLAUDIA)
97

Outra participante expõe sua frustração com o trabalho socioeducativo, tendo


em vista essa falta de acompanhamento e possibilidade de efetivação de novos
projetos de vida no pós medida dos adolescentes:

“eu acredito muito no lado externo. É mais lá do que aqui, né, igual:
aqui a gente consegue trabalhar, porque o menino ele ta sem droga,
ele ta sem acesso a tudo que ele tem lá fora, né? As más influências,
o ambiente dele... Aqui ‘ta fácil’, vamo por entre aspas, né? Aqui a
gente consegue... e lá fora? Como que vai ser esse retorno? A gente
preparou? A família ta preparada pra receber, né? Tem família que a
gente ajuda daqui de dentro, porque o menino ta aqui e a família
DEPENDE do corre dele. Aí como que cê faz com o adolescente?
Como que você cobra dele uma postura diferente? Uma tentativa a
mais, assim, né?... se ali tá faltando, né? Então acho que o nosso
trabalho é bem complicado e frustrante, né?” (Ana)

Em se tratando do desenvolvimento de ações voltadas à egressos, a


instituição possuía um setor específico para isso, chamado Articulação Social -
cargo extinto no processo de contenção de gastos -, o qual fazia o acompanhamento
do processo de retorno dos jovens ao convívio social fora do centro socioeducativo.

“A gente tinha um setor aqui que se chamava “Articulação Social”, e


a Articulação Social ela fazia esse trabalho de acompanhamento do
egresso. Ver se foi matriculado (na escola), se ta trabalhando, se ta
em casa, se ta passando muitos dias na rua, só que infelizmente a
gente não tem esse profissional mais, foi extinto o cargo – contenção
de gastos – e foi uma perda MUITO grande pra gente, muito! Porque
nós, enquanto Fundação e OSC, a gente não tem perna pra
acompanhar egresso.” (CLAUDIA)

Posto tudo isso, a solução encontrada pela equipe para suprir a necessidade
de acompanhamento do adolescente no pós medida, é a sugestão para o judiciário
da aplicação de outra medida socioeducativa: a liberdade assistida. Esta é vista
pelos trabalhadores como um meio de os egressos da internação acessarem
direitos, uma vez que o sistema de garantia de direitos do município não viabiliza a
possibilidade ou a construção de uma perspectiva de melhoria de condição de vida
desses jovens e de suas famílias.

“Como a LA aqui em xxxxx ta muito boa, ta muito atuante e o


promotor também tá mandando os meninos tudo pra LA, a gente ta
nesse viés também, porque a LA é um acompanhamento, eles
conseguem dar um direcionamento para um monte de lugar que às
vezes se o adolescente sair sem nada, ele fica perdido. Então a
gente meio que ta usando essa estratégia também da Liberdade
98

Assistida. O que é ruim, porque o adolescente vai ser punido de


novo? Eu acredito que sim, mas ao mesmo tempo, antes ele ser
punido em liberdade do que ele ser punido em outra internação.
Então assim, a gente tem alguns retornos positivos e outros não.
Então, a gente tem – eu pelo menos, brinco muito: todos tinham que
ir pra LA, porque é um acompanhamento que o CRAS não dá conta!
Não adianta falar que eles dão porque eles não dão.” (Lúcia)

“Tipo: eu acho que deveria ser um trabalho fora daqui, eu acho que
deveria continuar. Mesmo a gente, vamos dizer assim, aplicando
outras medidas, que é a LA, que é Liberdade Assistida, que tem o
acompanhamento, eu acho que precisaria, na minha opinião, dum
trabalho mais profundo com os meninos quando sair daqui,
entendeu? Porque eu acho que é o grande problema da questão do
acompanhamento. Acompanhar mais o adolescente pra não tá
podendo voltar, ne? [...] Às vezes acontece da gente conseguir
alguma coisa, um curso, um trabalho, mas na medida ali a gente
sempre tenta “ó, eu acho que esse adolescente precisa mais de um
acompanhamento quando ele sair daqui”, ai a gente sugere algumas
medidas, né, tipo semiaberto ou LA, que seja e tal.” (Daniel)

É preciso refletir, entretanto, que a Liberdade Assistida faz parte do mesmo


município, do mesmo sistema falho de acesso a direitos, da mesma conjuntura de
desfinanciamento e focalização de políticas sociais e, por isso, não deveria ser
usada como estratégia de acesso a direitos.
Por fim, há o trabalho da segurança – dos agentes de apoio socioeducativo -,
que pode ser resumido no acompanhamento de toda a rotina dos adolescentes
(tanto dentro quanto fora da instituição, quando necessário), visando a integridade
física dos jovens e da equipe multiprofissional que trabalha diretamente com esses
meninos. Sobre esse trabalho, deixemos que os próprios agentes falem sobre:

“Nós como agente aqui, nós acompanha praticamente toda a rotina


do adolescente, não só aqui dentro como fora – como levar os
adolescente pro fórum ou apresentar diante do juiz, diante do
promotor de justiça, acompanha o adolescente em processo de ir ao
dentista quando precisa ir, PS – posto de saúde -, algum que tem
que fazer, igual o ENEM, uns precisa sair pra fora a gente leva, curso
técnico - enfim, toda a rotina do adolescente, tanto dentro do centro
como fora do centro. O agente acompanha toda a rotina desdo
começo. Nosso trabalho ta muito relacionado a essas questões, o
aspecto ali dentro relacionado ao aspecto disciplinar também, né?
Todo centro tem um estatuto certim pra seguir, que são as regras, as
disciplinas, as oficina e o agente acompanha toda essa rotina do
adolescente. É... como dizendo: “isso pode”, “isso não pode”, “isso
pode fazer”, “isso não pode”, né? E quando o menino não cumpre
essas regras específica né, a gente tem que tá dando essa limitação
específica.” (ANTÔNIO)
99

“O papel do agente é assim: no dia a dia já começa com iniciação


das aulas, aí a gente fica nas portas das salas de aula garantindo a
ordem da sala de aula, a gente fica do lado de fora, se caso o
professor precisar de alguma coisa a gente vai lá e orienta o
adolescente, às vezes se ele estiver um pouco mais exaltado a gente
retira ele da sala --- junto a equipe de referência...assim: tem as
equipe de referentes...cada adolescente, aí a gente reúne, conversa
com ele e ele retorna à sala de aula.” (JOSÉ)

“É complexo (o trabalho). A primeira coisa que eu tenho pra falar é


que é complexo. Um trabalho que a gente precisa cuidar de toda a
rotina do adolescente, eu costumo falar que esse é o trabalho chato,
né? (risos) Desde o horário que ele acorda, até o horário que ele
dorme – todo o período de horário de atividade, é... direcionamento,
sabe? O adolescente acorda a gente desperta ele, tem o horário
certo praacordar, ah... pasta de dente a gente que passa, escova a
gente que entrega, no banho a gente que entrega a saboneteira,
recolhe a saboneteira. Então, assim, o tempo do banho ele é
controlado, porque tem todo um recurso que a gente precisa zelar
também, né? Porque às vezes se deixar eles muito à vontade acaba
extrapolando, perde o horário. Então assim, é um trabalho de
ressocialização desdos princípios mais simples até os mais
complexos. E aí depois direcionar pra atividade, é... escola, curso,
é... horário de lazer, horário de lanche, almoço, janta, tudo tem que
ser monitorado. Tem a parte... é... a parte mais feia, assim, que eu
acho, no nosso caso, de acordo com visão nossa né, que é a parte
da revista: tem que fazer revista pessoal, revista visual, revista de
estabelecimento pra saber se o adolescente tá sendo oprimido
dentro dos quartos, se eles tão sendo agredido por outros
adolescentes enquanto eles estão no convívio dentro dos quartos.
Ou às vezes até fora, né, então se eles não tão transportando
material que é irregular, que não é permitido: uma caneta, um lápis,
um parafuso, uma ponta de ferro, alguma coisa que pode
eventualmente acabar danificando o estabelecimento, o prédio, ou
até mesmo a segurança de outro adolescente, não ter perigo deles
se cortarem, não se furarem. Então tem que fazer esse tipo de
revista também que tem que ser bem minuciosa, ela tem que ser
bem feita [...] Então a gente tá aqui pra zelar pela integridade, física,
moral e todos os aspectos do adolescente. [...] O agente de apoio
socioeducativo tá também para poder fazer a manutenção das
atividades educativas, mas principalmente para zelar pela segurança.
Então o adolescente que ta brigando entre adolescente a gente tem
que separar... é.... adolescente que enfrenta funcionário a gente tem
que evitar confronto, então tem todo esse trabalho da segurança que
é o mais perigoso, né? Por exemplo: “Ah, ta tendo um tumulto dentro
da sala de aula, dois adolescente ta brigando lá”, pode ser uma
armadilha pra pegar um funcionário que na hora vai tentar separar,
pode todo mundo ir em cima do funcionário – os meninos podem tá
simulando uma briga ou como eles pode tá brigando de fato,
entendeu? – então, assim, tem que separar o mais rápido possível
para que não seja generalizado e aí isolar outros ambientes que
100

estão tendo atividade. É um trabalho que exige muita atenção da


gente. É... E é necessário, né?” (JOAQUIM)

“O nosso trabalho aqui é a disciplina dos adolescente, né? Eles tão


aqui porque cometeu um ato infracional lá. Nosso trabalho aqui não é
gozar os adolescente, é só manter a disciplina na casa e argumentar
a equipe pra fazer o atendimento, o que eles precisam aqui dentro
pra sair com a ressocialização lá fora, pra voltar bem pra sociedade.
Nosso trabalho aqui é mais direcionar os adolescente, revistas
internas, né, pra segurança deles próprio e pra toda a equipe
disciplinar aqui dentro: a parte educacional; os professores que vem
de fora, da rede pública; o serviço social; os educadores.”
(EMANUEL)

“A gente faz praticamente quase tudo, apoia quase tudo na medida.


O principal nosso é a segurança, que é o nosso foco, mas a gente dá
apoio a toda medida, desdo - da rotina da casa, vamo pôr assim – o
despertar do adolescente, o convívio, alimentação, é... atendimento,
tudo que o adolescente for fazer parte pra nós e nós encaminhar eles
pra fazer dentro da rotina do centro. Então querendo ou não,
movimentar a casa parte pela gente. Nossa questão seria assim:
tudo que for fazer inicia-se com nós, tipo: o atendimento técnico,
quem que é? Inicia-se com o agente separando esse menino, o
agente encaminhando. O menino tem a refeição, o agente que tem
que organizar pra separar e aí tem pra gente fazer, por ordem,
disciplina, mas se baseia assim: tudo que for iniciar aqui parte pra um
agente fazer essa parte. Então, praticamente o início de qualquer
atividade dentro do centro socioeducativo acredito que passe pelo
agente. Seria essa função inicial aqui.” (PEDRO)

Os agentes de apoio socioeducativo são os trabalhadores que passam a


maior parte do tempo com os adolescentes (12 horas por plantão). Ao mesmo
tempo, são os que mais reproduzem visões estereotipadas sobre a adolescência e
as famílias dos meninos atendidos. Além disso, alguns apresentaram a reprodução
da onda “anti-ECA” de defesa da redução da maioridade penal e separação da
legislação para crianças e para adolescentes: São pessoas que estão fazendo um
trabalho com adolescentes sem compreender e acreditar nesse trabalho:

“Ah isso (a reincidência) acontece pela... acho que é a falta de


impunidade eu acho também, entendeu? Porque o que eu falo: que
lá fora eles tão... aqui dentro eles faz os curso... lá fora eles não vão
ter a oportunidade de um serviço talvez, né? Talvez, né, por ser
jovem, tem o ECA nas costas. Na minha época, 10 anos já
trabalhava [...] Hoje não pode trabalhar mais, hoje só depois dos 14 e
é difícil, tem que pedir autorização pro juiz, né? [...]Eu acho que
uma... pra eles voltarem aqui, reincidência, ta na impunidade que eu
te falei antes no começo aqui também, é pelo... a falta de punição lá
fora, porque 16 anos já são homens, né? Os adolescente. É essa
101

parte mesmo. Eles vão pensar em alguma coisa... porque aqui, eles
vem pra cá eles tem o curso, tem tudo de bão e do melhor pra eles
aqui dentro, entendeu? Pode ser que eles não tem agressão
nenhuma, eles são bem atendidos pelas parte técnica, os agente
tudo trata com respeito os adolescente, entendeu? Tem as oficinas
que eles participam, alimentação é ótima também. Ai o que vem
nessa parte de impunidade é quando ter 18 anos, ai eles vão cair no
sistema, se for voltar ai vai ser o crime que eles vão cometer. Ai eles
vão pro sistema, ai no sistema que eles vê o que que é ficar preso
de verdade.” (Emanuel)

“Como a gente trabalha aqui, a gente conversa muito com eles, né?
Então assim, a gente conhece profundamente a questão. Por isso
que a gente tava falando do negócio de idade, né, não é só assim, o
ECA tem que ser discutido na íntegra, até tem que ser separado
criança com adolescente.” (Antônio)

Diante de tudo que foi apresentado aqui, torna-se necessário refletir sobre
quem são as pessoas que estão trabalhando com adolescentes privados de
liberdade, sobre as suas concepções de mundo e sobre as formas de contratação e
preparo desses profissionais para lidarem com a realidade complexa que envolve a
vida desses meninos e suas famílias, sem estereótipos e preconceitos e em uma
verdadeira perspectiva de proteção integral e garantia de direitos.

4.2 O trabalho em equipe: multidisciplinaridade e interdisciplinaridade

A interdisciplinaridade surge de uma espécie de “patologia do saber” ou de


uma “alienação científica”; da consciência de um estado de carência no campo do
conhecimento, que foi causado pelo aumento exagerado das especializações
(JAPIASSU apud PEREIRA, 2014, p. 28). O positivismo teve importante papel no
comprometimento dos esforços de unificação do saber no âmbito das ciências
sociais, sendo considerado o maior responsável pela fragmentação do
conhecimento e o maior obstáculo à interdisciplinaridade - a qual tenta romper com a
visão (fragmentada) de mundo positivista.

E a tentativa de romper com esta postura positivista fez com que se


descobrisse na logica dialética a orientação para um conhecimento
da realidade no seu conjunto, ou totalidade, mas não de qualquer
totalidade; e sim, daquela que não suprime as suas contradições,
não retifica as suas sinuosidades e não desconsidera o seu caráter
histórico, dinâmico e relacional (PEREIRA, 2014, p. 29).
102

O prefixo inter, como colocado por Potyara Pereira (2014, p. 33-34), remete à
uma relação dialética (relação esta que não diz respeito a um amontoado de partes,
mas em um todo unido, cujas partes que o constitui se ligam organicamente e
nenhuma delas possui sentido e consistência quando isoladas) e essa totalidade
dialética comporta atitudes recíprocas e antagônicas - uma vez que são essas
contradições que a tornam dialética. A autora ressalta que a superação dialética não
significa aniquilações das particularidades, e sim ultrapassagens que se apoiam
nessas particularidades, dado que o particular/específico apenas tem valor quando
relacionado ao universal. A interdisciplinaridade “se impõe não como uma proposta
de destruição da especialização, já que esta configura o particular que se realiza no
universal e vice versa, mas como um convite ou um alerta ao especialista para que
este se torne também sujeito da totalidade” (PEREIRA, 2014, p. 36). A
interdisciplinaridade sugere, portanto, uma relação de reciprocidade entre diferentes
saberes.
O campo social não é privativo de uma única área e a interlocução entre as
áreas diversas que trabalham no processo socioeducativo de adolescentes em
conflito com a lei é estratégia importante para que essas áreas não se cristalizem no
interior de seus conhecimentos, os quais não são absolutos (ON, 1998, p. 156). On
coloca a interdisciplinaridade como uma

[...] postura profissional que permite se pôr a transitar o “espaço da


diferença” com sentido de busca, de desvelamento da pluralidade de
ângulos que um determinado objeto investigado é capaz de
proporcionar, que uma determinada realidade é capaz de gerar, que
diferentes formas de abordar o real podem trazer (ON, 1998, p.
156).

On parte da concepção que nenhuma profissão e nenhum conhecimento é


absoluto, então a interdisciplinaridade aparece como uma alternativa para transpor
as fronteiras instituídas pelas profissões e deixar de falar só com os mesmos, o que
é um grande desafio, uma vez que temos dificuldades de conviver com as
diferençascom o múltiplo25 (ON, 1998, p. 156-157).

25
É importante destacar que em se tratando do trabalho interdisciplinar com adolescentes, a
convivência/diálogo com o múltiplo não deve significar a aceitação de ideias e perspectivas
103

É importante ressaltar que a perspectiva interdisciplinar não fere a


especificidade das profissões nem seus campos de especialidade, pelo contrário, ela
permite a pluralidade de contribuições para compreensões mais consistentes do
objeto (ON, 1998, p. 156-157). No processo socioeducativo com adolescentes
privados de liberdade, a interação entre as diferentes áreas do conhecimento é
primordial para a construção da garantia de seus direitos.
Iamamoto (2000, p. 108-110) também faz considerações importantes a
respeito do trabalho coletivo em uma perspectiva interdisciplinar, que vai ao
encontro do trabalho em equipe, que se é esperado, com adolescentes
institucionalizados. Esse trabalho (que deve ser coletivo) é organizado dentro de
condições sociais dadas e seu produto (acesso a direitos, construção de novos
projetos de vida etc.) é resultado desse trabalho combinado ou cooperativo, além de
depender dos fins da instituição que norteia a organização dos processos de
trabalho coletivo. Isso não significa desconhecer a contribuição técnico profissional
das diferentes áreas do conhecimento, mas é a visão da totalidade da organização
do trabalho que torna possível situar a contribuição de cada especialização do
trabalho no processo global, uma vez que o trabalho coletivo permite iluminar a
qualificação de um trabalho particular na totalidade dos trabalhos combinados
(IAMAMOTO, 2000, p. 108).
A multidisciplinaridade, por sua vez, refere-se a um “conjunto de disciplinas ou
de ramos especializados de saberes que se agregam em torno de um tema, uma
problemática ou um objetivo comum, mas não se interpenetram” (PEREIRA, 2014, p.
31). Isso posto, a análise das entrevistas mostra que muitos dos participantes
consideram o trabalho em equipe realizado na instituição um trabalho
multidisciplinar, em que os entrevistados, ao serem questionados sobre o trabalho
interdisciplinar, ou não sabiam o significado do termo ou utilizavam o termo
“multidisciplinar” para definir o trabalho em equipe, ainda que a interdisciplinaridade
esteja presente nas legislações que deveriam guiar o seu trabalho. Isso será
abordado de forma mais aprofundada no próximo item.
A interdisciplinaridade é contemplada pela Doutrina da Proteção Integral e,
por isso, ela é importante na execução da medida socioeducativa de internação,
uma vez que substitui a concepção fragmentada por uma concepção unitária de ser

antidemocráticas, que vão contra o que é apregoado na Constituição Federal e no Estatuto da


Criança e do Adolescente ou que violam a busca pela garantia de acesso a direitos civis e sociais!
104

humano. Para o desempenho de um trabalho socioeducativo na perspectiva


interdisciplinar é necessária a composição de uma equipe multiprofissional formada
por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, que se complementarão e
contribuirão significativamente para o acompanhamento da medida.
O SINASE, no Art. 12, orienta para que as unidades executoras das medidas
socioeducativas tenham equipe técnica interdisciplinar, compreendendo, pelo
menos, profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social. Posto isso,
os membros dessa equipe devem possuir conhecimento específico na área de
atuação profissional a fim de realizarem atividades socioeducativas respeitando a
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento dos adolescentes e que, através
do trabalho integrado e interdisciplinar, possam reinventar suas práticas em períodos
de conflitos/dificuldade, tendo a horizontalidade na socialização de informações e
saberes como parte do trabalho26. Sobre isso, Martins coloca que:

No que se refere especificamente à medida socioeducativa de


internação (privativa de liberdade), objeto de estudo desse trabalho,
é determinante pelo ECA e pelo Sinase que esta seja cumprida com
o desenvolvimento do atendimento socioeducativo por equipe
multiprofissional, com atuação interdisciplinar, buscando no
atendimento a evolução pessoal e social do adolescente,
possibilitando a inclusão social (MARTINS, 2015, p. 123)

A construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), seu


acompanhamento e a elaboração do relatório social se destacam enquanto
atividades que devem ser feitas na perspectiva interdisciplinar e, dessa forma,
contribuir para a superação da condição de exclusão social do adolescente,
construção de valores positivos e novos projetos de vida para evitar a reincidência.
À vista disso, o centro socioeducativo pesquisado é dividido em equipes de
referência, em que cada adolescente possui uma equipe multiprofissional que o
acompanha ao longo do cumprimento da medida, a qual é composta por um(a)
profissional do serviço social, um(a) da psicologia, um(a) da enfermagem, um(a)
da pedagogia, e aproximadamente quatro agentes de apoio socioeducativo. Dentro
disso, a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA) – contém as metas
que os adolescentes almejam alcançar ao longo do processo socioeducativo -, os
26
É relevante destacar que a socialização de informações no trabalho profissional do assistente social
deve ocorrer dentro do estritamente necessário e respeitando o sigilo profissional, como é previsto no
Código de Ética do Assistente Social (BARROCO; TERRA, 2012). Essa socialização é importante,
portanto, para possibilitar um trabalho de qualidade, integral e garantidor de direitos.
105

estudos de caso em situações específicas (quando há alguma falta disciplinar do


adolescente) e a elaboração do relatório social (que deve ser enviado
periodicamente ao judiciário) aparecem nas falas dos participantes enquanto
atividades identificadas como realizadas em perspectiva interdisciplinar:

“A gente trabalha também com uma equipe multiprofissional, né, que


é segurança, enfermagem, pedagógico, assistente social e psicólogo.
Então a gente, essa equipe que tem as referências com o
adolescente. Então a gente trabalha sempre em equipe, então a
gente sempre senta para conversar, marca estudo de caso que a
gente tem o PIA, né, que é o Plano Individual de Atendimento, onde
nós vamos trabalhar com esses meninos algumas metas específicas
de cada um, considerando a família, considerando o ambiente,
considerando a particularidade de cada um. Então assim, a gente
também trabalha com plantão, plantões técnicos, né, que geralmente
é ou no sábado ou no domingo.” (HELENA)

“Assim, a equipe de referência, ela é formada por cada um de


cada...por cada grupo, tipo assim: a parte da segurança tem...cada
adolescente tem ali quatro, tem quatro da segurança, quatro do
pedagógico, quatro da saúde, então tem aquela equipe mas só que
não só a equipe que vai observar aquele adolescente, observa o
todo. Mas só que aí, quando de repente vai fazer um estudo de caso,
aí é só a equipe de referentes, mas só que as anotações que o
outro...que os outros colegas de trabalho fizeram, tá tudo anotado na
pasta. Aí tem a pasta da segurança, a pasta da saúde, pasta do
pedagógico, pasta das técnicas. Então quando vai pra um estudo de
caso essas pastas acompanham e a gente vai vendo as anotações,
isso pra progressão do menino..” (JOSÉ)

“A equipe de referência é composta por, é... os agente acomapanha


toda a rotina, isso é normal, só que caso específico do moleque é...
ó, existe uma equipe de referência do moleque, que é composta
acho que por uns quatro agente, os dois –o psicólogo e serviço
social– representa o moleque, o educador que representa o moleque
e um dos enfermeiro que representa o moleque. Então é... quando o
menino chega aqui, vai tendo os estudo da vida dele, fala os estudo
do caso do moleque que é o plano individual do menino. Que que vai
acontecer: já nos primeiro mês já é feito um, ai depois vai fazendo
outros, inclusive quando ele vai embora cê participa também junto
com a família do adolescente.” (ANTÔNIO)

“A gente ta sempre conversando com cada um a respeito do


adolescente, então a gente ta sempre ‘O que que você tem a dizer
sobre aquele adolescente, o que que você pensa pra ele?’ pra fazer
o Plano Individual de cada um, do adolescente. Então a gente ta
sempre conversando pra melhor atendê-lo, pra gente fazer todo um
esqueleto de planejamento pra ele, isso acontece.” (DANIEL)
106

“nós temos os prazos para a avaliação dos adolescentes, que são os


prazos estipulados já pelo SINASE, que são os prazos de elaboração
e avaliação do PIA e pra cada etapa dessas que a gente vai fazer o
relatório, quem faz esse relatório é a equipe de referência, e pra cada
relatório a gente faz uma reunião, que chama Estudo de Caso e
nessa reunião eles vão dialogar e conhecer o caso, conhecer o
menino, conhecer o que está acontecendo com ele e a partir dali
avaliar a medida, verificar se tem a necessidade de restabelecimento
de PIA, de conversar novamente sobre o Plano de Atendimento do
adolescente, de como ele tá sendo executado, se ta sendo da melhor
maneira, se precisa alterar... aí a gente faz todo o trabalho: desde a
área da segurança, que leva muito a questão do comportamento do
adolescente, do desenvolvimento dele, como a área da pedagogia,
né, que vem da questão do acompanhamento dele escolar, que é o
rendimento dele né, na escola, aproveitamento, se ele tem alguma
dificuldade ou não, como que ta sendo o desenvolvimento dele, até
porque a maioria dos adolescentes tem defasagem escolar, e ainda
na área de esporte, de arte e cultura, de educação profissional,
porque são atividades obrigatórias, né, no decorrer da medida e são
metas pro adolescente. Então isso tudo é trabalhado na equipe
interdisciplinar, com o assistente social também, com as questões
familiares, o relacionamento dele, né. A psicologia também vem
tratar das questões do acompanhamento dele” (CECÍLIA)

“Assim, a gente tem os estudos de casos né, que a gente a cada


prazo, assim, ele tem um determinado tempo que ele fica aqui e a
cada prazo a gente vai fazendo esse acompanhamento, aí a gente
vai fazendo os relatórios de acompanhamento e vai acompanhando
esse adolescente. Mas assim, às vezes o adolescente quer falar
alguma coisa, quer perguntar alguma coisa...ele é mais assim...ele
tem mais liberdade com a parte referente, com a parte dos
referentes. Então tem um de cada área, que é seu referente, e
quando de repente ele envolve em algum ato assim, que não condiz
com o dia a dia da fundação, do centro, aí a gente reúne, conversa
com ele, e depois, aí ele...assim, às vezes a gente pega e coloca
assim uma...uma meta pra ele tá cumprindo pra ele poder não tá
acontecendo mais o que ele tá fazendo, por que assim, de repente
por este ato que ele tá fazendo que ele às vezes passa despercebido
por ele, ele vai ficando por que assim, tem as anotações, a gente vai
anotando na pasta o comportamento dele” (JOSÉ)

“Tem alguns procedimentos aqui dentro: o adolescente entra, a gente


vai traçar o Plano Individual de Atendimento - e isso cada área faz o
seu - então são as metas, a gente conversa com o adolescente e vê
as metas que vai desenvolver junto com ele, metas pra ele atingir
aqui dentro pra que ele possa ser desinternado, né [...]Cada área faz
o seu, mas a gente faz isso junto. Tem os estudos de casos, é uma
reunião da equipe com o adolescente, a gente conversa com ele e ali
a gente vai desenvolvendo as metas.” (CATARINA)
107

Apesar da identificação dessas atividades enquanto realizadas na perspectiva


interdisciplinar, não significa que elas aconteçam sem dificuldades e conflitos. A
comunicação entre as diferentes áreas (que possuem perspectivas diferentes sobre
o adolescente e as medidas socioeducativas) é uma das dificuldades apontadas
pelos participantes da pesquisa:

“Ó... é uma questão, às vezes a gente tem algumas dificuldades, por


mais que a gente faz, né, no Inter, nesta questão de tá sempre
trocando, de cada um entender, compreender, né? É um pouco
complicado, porque são funções diferentes, né?, pessoas diferentes
e eu acho que às vezes choca muito né algumas coisas. Porque
existe um olhar muitas vezes punitivo, que eu acho que não é assim.
Aqui, por mais que a gente trabalha muito contra – a medida ela é
um pouco punitiva né, em si, por tá aqui dentro fechado, privado – e
esse olhar punitivo é o olhar da sociedade, que vem para cá, né?
Então assim, a gente tenta muito, assim... ir quebrando alguns
conceitos né? E às vezes é onde a gente choca na questão de trazer
a importância do olhar da história desse adolescente, daquele
contexto, quem são as pessoas referências... Então a gente tem um
pouco de dificuldade, embora eu acredite que hoje a gente esteja
vivendo aqui na Fundação um movimento bem interessante, assim,
de aproximação. Então eu acho que assim, por mais que tenha às
vezes alguns conflitos, algumas dificuldades no trabalho, a gente tem
se aproximado, tem conseguido, assim, se colocar. Já é um começo,
né? Mas existem as dificuldades é...olhares né?... então, assim...
Muitas vezes o pedagógico tem a visão mais pedagógica ali, ele tem
aquele olhar também mais incisivo, rígido em algumas questões, né?
A segurança, principalmente... A saúde a gente consegue trocar
mais, assim... porque eu acho que tem esse olhar humanizado. Não
que... todos aqui tem, eu acho que aqui a gente trabalha muito com
esse olhar humanizado , embora ainda ta aos poucos, caminhando,
né?” (HELENA)

“Trabalhar em equipe não é muito fácil. É... não adianta falar que isso
se dá de maneira, assim – não to falando por mim, to falando por
equipe agora – que isso se dá de maneira perfeita excelente, que
aqui sai mil maravilhas. É mentira, se alguém dizer isso pra você,
isso é mentira. É um relacionamento um pouquinho conflituoso, por
causa que a cabeça das pessoas são muito diferente. Cê tem uma
equipe que trabalha diretamente com o adolescente durante todo
tempo, que acompanha a rotina dele do começo ao final, né? Você
tem uma equipe técnica que trabalha – que é o serviço social e a
psicologia – que o serviço é um pouco diferente, né? É mais de
chamar o moleque, de ver uma coisa aqui, outra... tem relação... só
tem com a família do adolescente, ne? Que faz todo um trabalho
completamente diferente do da gente. Então é uma relação assim, às
vezes um pouquinho conflituosa. É... justamente por causa dos ponto
de vista e ideias diferentes, cê entendeu? [...] Quem ta na área, é
assim... porque funciona assim: somente quem ta na área que
conhece profundamente aquele trabalho, quem tá por fora, é...
você... pra entender melhor vai ter que conversar bastante,
108

aprofundar com todos os seguimento e acompanhar bem mais,


porque é igual... como você não ta realizando o trabalho, então você
ta vendo as coisa de um ângulo distante, cê entendeu? A equipe dos
agente que trabalha intensamente com o moleque, ele tem uma
análise mais do comportamento dele porque ele acompanha a rotina
toda do adolescente.” (ANTONIO)

A falta de conhecimento e de reconhecimento da atribuição e atuação


profissional de cada área como parte de um todo também é tida como uma
dificuldade a ser enfrentada pela equipe:

“Acho que o que falta muito – não sei se é porque eu to nessa fase
de reflexão - é de cada um se apropriar mesmo da sua área para
conseguir trabalhar com a outra, entendeu? Porque às vezes, como
tá tudo junto e misturado a gente não consegue diferenciar o que é o
que. Aqui, funcionário tem muita dificuldade de saber quem que é
serviço social e quem que é psicologia. Então tem hora que ‘Ah, você
é psicóloga’ e eu ‘Não, sou assistente social’, até porque como aqui
somos chamados de técnicos, então é tudo técnico, não consegue
ter essa diferenciação, né? Tanto que é um caminho que a gente
está percorrendo, só que eu acho que falta muito. ‘Nossa, eu preciso
ser mais assistente social do que só ficar lá em atendimento ao
adolescente ou atender a família de forma pontual, assim, né? Então
eu acho que isso que esbarra de ter essa.... como que fala? Isso,
interdisciplinaridade. Porque cada um às vezes não tem apropriação
da sua área para poder, sabe, ta com a outra e, assim, ter essa
discussão, né? Mas ta caminhando. Espero. Amém. (risos)” (LÚCIA)

“O agente de apoio socioeducativo ele é um pouquinho diferente


porque ele vive tudo isso, ele é diferente do agente educacional,
diferente do psicólogo, do assistente social, diferente do agente da
enfermaria, né, o enfermeiro técnico. A gente ta vivenciando tudo
isso com o adolescente, 12 horas por dia, que é o plantão que a
gente... é... precisa cumprir aqui dentro com eles, né?” (JOAQUIM)

O terceiro ponto levantado está relacionado à falta de comunicação entre os


membros das equipes de referentes:

“É... a gente tenta, assim, a minha opinião né, a minha visão. A gente
tenta fazer esse trabalho interdisciplinar, a gente tenta... é...
geralmente é quando um menino apresenta algum conflito, ou
quando ele apresenta alguma dificuldade, alguma limitação, aí a
gente busca a equipe, né? Às vezes um menino que não apresenta
nenhum problema, num tem dificuldade, num... num te dá nenhum
probleminha ali, cê vai seguindo com ele, né? E ai a gente fica
sabendo das coisas, geralmente no estudo de caso, numa conversa
de corredor, alguma coisa assim. Agora, o trabalho mesmo
interdisciplinar eu acho que é falho, em alguns momentos aqui, eu
acho que a gente tinha que trabalhar mais o perfil de cada um, sabe?
Como que a gente atende cada um. Assim como eu tenho o perfil de
109

cada turma – porque assim, a gente tem os referentes, né, então eu


tenho oito meninos que eu sou referência, mas tem menino fora
desses oito que tem muito vínculo comigo, que eu sei de muita coisa,
que a gente conversa muito e que a gente trabalha lá - então assim,
fica... a gente trabalha esse menino? A gente busca a equipe? A
gente se une? Né? Eu acho que esse trabalho interdisciplinar tinha
que ser mais efetivo, sabe?... na questão de opiniões, na questão de
informações, porque às vezes eu to cobrando de um menino uma
limitação que ele tem que não me foi passada, né? Apesar que a
gente sente, né, a gente tá lá dentro há muito tempo, a gente
percebe, mas eu acho que poderia ser melhor.” (ANA)

As grades/horários de trabalho de membros da mesma equipe de referência


também aparecem como um outro desafio a ser enfrentado, principalmente de
agentes de apoio socioeducativo que trabalham no período noturno, os quais
acabam ficando “isolados” do restante da equipe:

“Na verdade assim, existe a reunião, assim, muitas vezes acontece


ou não acontece, porque aí ‘N’ fatores né: número de efetivos, rotina
do centro, que é sobrecarregado e às vezes não dá pra fazer. Tem
a... na grade mesmo tem o dia da semana pra isso, mas acontece
em prol dos meninos, mas entre a equipe mesmo teria que ter uma
vez por mês, mas também nem sempre acontece. E nós, entre os
agentes, como somos em quatro turnos, né, as 24 horas, então nem
sempre todo mundo ta perto, todo mundo se encontra, então tem
isso. É meio... tem vez que cê fica extremamente... por exemplo
quando cê vem do noturno do rodízio passado, então cê chega, cê
volta pro dia totalmente isolado da rotina do centro, do pessoal, por
quê? Porque acaba não convivendo – com os meninos sim-, mas
com a equipe multiprofissional aqui cê acaba ficando meio isolado né
- porque a sua rotina muda e aqui tem muito disso né? Porque... os
educadores, talvez, acabam se encontrando mais, nós, os agentes,
não. A gente roda muito, às vezes separado, né? Então não se
encontra. Então tem essa diferenciação eu acredito, da nossa parte
da equipe mesmo é a que menos convive com as outras equipes, até
pelo ambiente que a gente fica, né? Que é interno, né, e essa
questão de plantão, de não se cruzar mesmo no dia a dia, né? De
não se ver né? Tem agente que trabalha aqui e é responsável pelo
mesmo menino que eu e eu não vejo faz um ano, às vezes.[...] Então
é esquisito isso, né? E nós tem essa peculiaridade que acontece
muito, mas acredito que seja até boa, assim, pros agentes, né? e às
demais equipes, mas acontece muito disso. Vive rodando, vive
trocando... principalmente os agentes no caso... com a equipe. Que
por exemplo: o educador é fixo, né? ele tá todo... de segunda a
sexta, às vezes no sábado, no domingo... é sempre ele naquele
mesmo horário. Os agente não, um dia é esse, outro dia é outro e às
vezes a noite... acaba se isolando. Não é que se isola, né? A grade
não bate.” (PEDRO)
110

Por fim, a última questão apontada pelos participantes da pesquisa como


dificuldade para a efetivação de um trabalho interdisciplinar é a agenda apertada
(tanto para os adolescentes quanto para os profissionais):

“Embora as dificuldades, a gente tem esse espaço para sentar.


Embora também essa agenda muito apertada que eu acho que é o
nosso... a nossa maior dificuldade aqui, porque é uma agenda,
pensando na psicologia, que ela não deixa às vezes um espaço para
o adolescente refletir de verdade o que que ele tá fazendo”
(HELENA)

“A gente, a gente tenta muito, assim... Eu vou pôr por mim, eu tento
bastante desenvolver esse trabalho. A gente tem alguns entraves
aqui: os adolescentes tem toda uma rotina, e muitas vezes – então,
por exemplo, pra eu conseguir trabalhar com o pedagógico tem que
associar a agenda dos adolescentes, com a agenda do pedagógico,
com a minha agenda e isso é um pouco difícil muitas vezes, mas por
exemplo, toda sexta feira a gente tem uma reunião de avaliação aqui
dos adolescentes – a equipe só, os adolescentes não participam -,
isso propicia um pouco esse trabalho interdisciplinar, porque assim, a
gente tem... um adolescente entrou, ele vai ter uma equipe de
referência: o que que ele vai ter? um efermeiro, vai ter uma
assistente social, um psicólogo, um educador e, geralmente, são três
ou quatro da segurança. Então, essa equipe de cinco, seis pessoas,
ela tenta se articular para desenvolver algum trabalho com o
adolescente, embora tenha dificuldade.[...] A agenda, a gente
encontra muita, assim, resistência, por parte principalmente da
segurança, não que não seja aceitada, mas às vezes dificulta muito
porque tem seu conceito, muitas vezes aquela ideia: ‘Ah, é infrator,
pra que, né, investir?’. Muitas vezes é realmente devido, assim, é um
medo de acontecer algo mesmo que possa prejudicar a segurança
de todos.” (CATARINA)

Diante de tudo o que foi apresentado aqui, é preciso buscar estratégias de


enfrentamento desses desafios a fim de realizar um trabalho interdisciplinar e que
busque trabalhar o adolescente na sua integralidade, respeitando a sua condição de
pessoa em desenvolvimento e buscando estratégias nas diversas dimensões da
vida desses jovens que permitam um trabalho socioeducativo e melhores condições
de vida. É necessário destacar, portanto, que esse trabalho multiprofissional em uma
perspectiva interdisciplinar sozinho não é o suficiente para alcançar os objetivos das
medidas socioeducativas. Para isso, ele precisa do amparo de políticas públicas
para a adolescência e suas famílias dentro e, principalmente, fora dos muros
institucionais.
111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa conseguiu alcançar todos os objetivos propostos inicialmente, que


eram: conhecer a política educacional da Fundação CASA e as atividades
realizadas/ oferecidas pela instituição, tendo em vista um trabalho interdisciplinar
que garanta a proteção integral; verificar se a equipe multidisciplinar desenvolve de
fato um trabalho nessa perspectiva, conforme preconizado pelo ECA e pelo SINASE;
e refletir, com base nos dados coletados, se a forma de trabalho da equipe técnica
contribui para uma socioeducação e ressocialização efetiva dos adolescentes
privados de liberdade.
Neste sentido, foi possível conhecer como se operacionaliza a medida
socioeducativa de internação, não só no âmbito das legislações, mas principalmente
do ponto de vista daqueles que trabalham cotidianamente com ela, com enfoque
para uma unidade de internação específica, mas que faz parte da reprodução de
uma política que envolve todo o Estado de São Paulo e Brasil, ainda que com suas
determinantes e particularidades. À vista disso, conheceu-se a rotina de trabalho do
Centro Socioeducativo na perspectiva da área de atuação de cada trabalhador
entrevistado, assim como o funcionamento e o entendimento do trabalho pela
equipe.
Uma vez que o enfoque era verificar se o trabalho interdisciplinar era uma
realidade do cotidiano das equipes de referência, essa perspectiva de atuação
profissional não pôde ser entendida como uma realidade consciente e rotineira,
exceto para atividades pontuais como: a construção do Plano Individual de
Atendimento ou o estudo de caso de algum adolescente que causou algum
problema na instituição. Esse resultado é produto de algumas dificuldades
explicitadas pelos participantes como, por exemplo, a dificuldade de diálogo entre as
diferentes áreas do conhecimento; diferentes concepções a respeito do adolescente
que cometeu algum ato infracional e da proteção legal oferecida pelas legislações
(Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente); e conflitos de
horários nas agendas dos membros da equipe, os quais não conseguem se reunir.
O trabalho da equipe na perspectiva interdisciplinar, é possível e essencial
para a construção de um processo socioeducativo que não seja meramente punitivo,
mas emancipatório, permitindo mudanças nas diversas dimensões da vida
112

desses/as adolescentes. É necessário, portanto, esforços de todos os membros da


equipe em conhecer o trabalho/atribuição de cada área que a compõe e junto a isso,
buscar construir mais espaços de diálogo entre a equipe para que possam trabalhar
as diversas dimensões da vida dos/as jovens privados de liberdade (não em uma
perspectiva de controle, mas de busca de emancipação), que envolve a família, as
condições objetivas de vida e o acesso às políticas públicas.
Para que isso seja possível, é preciso também que as instituições organizem
horários e espaços que possibilitem a interdisciplinaridade, com reuniões semanais
(ou de acordo com a demanda) da equipe para discussão de casos (não apenas os
que envolvem adolescentes que causam problemas). Além disso, os centros
socioeducativos devem proporcionar constantes formações para seus funcionários,
principalmente aqueles que lidam diretamente com os adolescentes, a fim de
desconstruir e romper com os estigmas sociais a respeito da adolescência periférica
e suas famílias. É preciso fornecer formações para além do conhecimento raso das
legislações (ECA e Sinase), que apesar de serem importantes para compreender os
objetivos e funcionamento das medidas, não explicam o sistema econômico, político,
social em que seu trabalho está inserido e o objetivo de controle dos corpos da
privação de liberdade que vai para além do objetivo imposto pelo ECA.
É de extrema importância pensar as medidas socioeducativas, o trabalho
nessa área, a adolescência pobre e negra e a realidade de suas famílias “fora da
caixa” (expressão popular que expressa: fora das determinações da sociedade), fora
dos estereótipos que são insistentemente reproduzidos pela mídia e por
(des)governos, uma vez que vivemos em uma sociedade capitalista que sobrevive e
se reproduz por meio da exploração da pobreza, da miséria, do racismo e das
inúmeras outras formas de violência existentes nesse sistema perverso. Realidades
que são cada vez mais acentuadas com o avanço do ultraneoliberalismo, o qual
prioriza o crescimento econômico de pouquíssimos em detrimento da vida dos
milhões pertencentes às classes subalternas da sociedade, por meio de resoluções
e imposições desumanas e que não fornecem uma proteção social mínima para
aqueles que não têm condições de “comprar” uma vida digna. O sistema capitalista
culpabiliza pessoas que não conseguem sair de suas condições de miséria ao
reforçar o individualismo, a meritocracia e outros. E ainda naturaliza a exploração de
crianças e adolescentes, o trabalho infantil, o tráfico de pessoas, a exploração
113

sexual, o tráfico de drogas, criminaliza a pobreza. Quanto ao desemprego estrutural,


faz (contra)reformas que prejudicam e desumanizam cada vez mais milhões de
trabalhadores e destrói políticas sociais, que apesar de míseras e insuficientes,
coloca o Brasil de volta na lista da fome. O capital, portanto, sempre se reinventa
nas formas de explorar o trabalho.
E diante de tal realidade, sustentada por notícias falsas para legitimar projetos
capitalistas, a pauta política e social da redução da maioridade penal sempre é
destaque neste cenário nacional, fortalecendo o crescimento da acumulação de
capital. É nesse contexto que o trabalho de profissionais com adolescentes privados
de liberdade está inserido e, por isso,reproduz estigmas e preconceitos.
É evidente que esse processo socioeducativo de construção de novas
perspectivas de vida e de mundo (não estamos falando da visão burguesa) não está
restrito à execução das medidas socioeducativas em uma perspectiva
interdisciplinar. A centralidade de políticas públicas é essencial para se pensar em
uma socioeducação efetiva e emancipatória quanto ao humano. Por isso, é
fundamental o fortalecimento da rede de garantia de direitos e proteção e o
acompanhamento efetivo dos adolescentes egressos das medidas socioeducativas,
bem como de suas famílias. Cabe às instituições executoras da medida, junto às
políticas de saúde, assistência, habitação, educação e outras do município
trabalharem conjuntamente no Sistema de Garantia de Direitos, uma vez que todos
são responsáveis por esses adolescentes.
É importante reafirmar o contexto neoliberal de retração de direitos sociais e
de ajuste fiscal que impõem diversos empecilhos no cotidiano dos profissionais de
todas as políticas refletidas, o que exige muita resistência pela ampliação ou pelo
menos pela manutenção de direitos em tempos tão sombrios. A união desses
trabalhadores e da sociedade como um todo para reivindicar direitos é essencial em
tempos de (des)governos.
São muitos os limites apresentados pela execução das medidas
socioeducativas, que incluem: espaços físicos inapropriados e de difícil acesso para
as famílias; insuficiência de trabalhadores/as, sobretudo capacitados; condições
precárias de trabalho; um sistema de garantia de direitos precário e falho; políticas
sociais focalizadas ou inexistentes etc.
114

A pesquisa científica nessa área, portanto, possui extrema importância para


desmascarar ideários conservadores, estigmatizantes e preconceituosos, como a
defesa da redução da maioridade penal ou o aumento de vagas de internação e
encarceramento como solução para a redução da criminalidade no país, por
exemplo. Desvelar a realidade por meio da pesquisa permite a busca por uma
transformação societária e a busca de uma nova sociabilidade, almejando uma
realidade justa e humana, que não é possível na realidade perversa e excludente do
capital.

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120

APÊNDICE I – Entrevista Semiestruturada - Trabalhadores Fundação CASA

Entrevista semiestruturada com os profissionais da Fundação CASA: 1 assistente


social, 1 psicólogo, 2 agentes educacionais (educador físico e arte educador), 1
enfermeira, coordenadora pedagógica e diretora.

Nome:______________________________________________________________
Idade:______________________________________________________________
Sexo:_______________________________________________________________
Formação profissional:_________________________________________________
Tempo de atuação:____________________________________________________
Função atualnainstituição:______________________________________________

1.Qual o seu trabalho na instituição?


2.Existe o trabalho interdisciplinar? Como ocorre?
3.Quais são e como são realizadas as atividades educacionais?
4.Como ocorre a participação da família no trabalho desenvolvido com os
adolescentes visando a ressocialização?
5. Como você avalia a reincidência da internação dos adolescentes?
6. No que diz respeito ao adolescente egresso, existe algum trabalho da instituição
com os órgãos de proteção ao adolescente infrator? Qual?
121

APÊNDICE II - Entrevista Semiestruturada- Trabalhadores Fundação CASA


(Agentes de Apoio Socioeducativo)

Entrevista semiestruturada com os profissionais da fundação casa: 6 agentes de


apoio socioeducativo.

Nome:______________________________________________________________
Idade:______________________________________________________________
Sexo:_______________________________________________________________
Formação profissional:_________________________________________________
Tempo de atuação:____________________________________________________
Função atual na instituição:______________________________________________

1.Qual o seu trabalho na instituição?

2.Qual a sua opinião a respeito do adolescente em cumprimento de medida


socioeducativa e da reincidência?

3. Como se dá a sua relação com a equipe de referência?


122

APÊNDICE III – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Assinado


123

ANEXO I – Autorização para realização de Pesquisa de Campo


124

ANEXO II – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da FCHS – UNESP/Franca


125

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