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BIANCA BLANCO

PLANEJAMENTO DE PROJETOS SOCIAIS: UM ESTUDO NA


PRÁTICA DA DANÇA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Educação Física da Universidade
Estadual de Campinas como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharela em Educação Física.

Orientadora: Prof. Dra. Olívia Cristina Ferreira Ribeiro

Campinas
2016

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COMISSÃO JULGADORA

Olívia Cristina Ferreira Ribeiro


Orientadora

Bruno Modesto Silvestre


Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço aos meus pais, Rose e Antonio, por toda a dedicação,
paciência e amor. Por possibilitar e incentivar a busca dos meus sonhos, não medindo
esforços para me auxiliar nesta caminhada. Aos meus irmãos, Beatriz e Gustavo, meus
companheiros, que tanto me ajudam nas empreitadas da vida.
Agradeço a minha orientadora e professora, Olívia, por toda sua disponibilidade,
atenção, dedicação e carinho.
Agradeço as ONGs de Campinas que aceitaram e participaram desta pesquisa.
Aos meus amigos da UNICAMP, meus meninos, que tornaram minha estada
mais alegre, mais doce e mais viva: Jônatas Reges, Gustavo Dal’Bó, Lucas do Carmo,
Eduardo Rigonatto, Leonardo Lazarini, Leonardo Megeto e Daniel Candiani. Ao Ricardo
Zambon, meu consultor de e-mails, a Luana Fernandes por todas as conversas
compartilhando esse momento único de nossa graduação, ao Leonardo Carvalho por me
mostrar que a primeira impressão muda (e que bom que ela muda), a Leidiane Souza por
seus abraços únicos e sua luz envolvente a minha turma 012 por todo esse ‘compartilhar’
de momentos, conhecimentos, aflições e alegrias.
Agradeço ao Bruno Lima, grande amigo, que sempre esteve ao meu lado dando
apoio e suporte. Ao Jhonny Trinca por sempre estar comigo.
Aos sorrisos, abraços, músicas, cantos, danças e movimentos que emanam dessa
universidade, que tanto me inspiraram e me confortaram.
Por fim, agradeço a grande luz, ao grande amor, ao grande regente desse
universo e a toda sua divindade que me acompanha por todos os momentos da minha
vida.

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“Um nascimento de proporções magníficas e mágicas ocorreu,
mas o nascimento não era finito... Era infinito! Quando o ventre
se abriu e a mitose do futuro começou, percebeu-se que esse
infame momento na vida não era temporal e sim eterno. E assim
começou o início de uma nova raça, uma raça dentro da
humanidade, uma raça sem preconceitos, sem julgamentos, só
uma liberdade sem fronteiras. Mas nesse dia, enquanto a mãe
eterna desovava no multiverso, um outro nascimento mais
assustador aconteceu: O nascimento do mal. Enquanto ela se
dividia em dois, girando de agonia entre duas forças
elementares, o pêndulo da alegria começou a dançar. Parece
fácil imaginar, gravitar instantaneamente e sem desviar em
direção ao bem. Mas ela se perguntou: Como protegerei algo
tão perfeito sem o mal?"

Stefani Joanne Angelina Germanotta

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BLANCO, Bianca. Planejamento de projetos sociais: um estudo na prática da dança.
50f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)-Faculdade de Educação Física,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.

RESUMO
Os projetos sociais do terceiro setor buscam atender as demandas sociais, dentre elas o
lazer. A dança é uma prática corporal que oferece diversas possibilidades e é de fácil
acessibilidade. A participação do público beneficiado no planejamento do projeto o torna
mais próximo das demandas dos beneficiados. Nesta perspectiva, o estudo presente teve
como objetivo analisar as características de planejamento dos diferentes projetos sociais
de dança realizados nas ONGs da cidade de Campinas/SP e pretendeu relacionar o
planejamento com as possíveis dificuldades do projeto. Os métodos da pesquisa foram a
pesquisa bibliográfica e documental combinada com a pesquisa de campo. A análise de
dados foi por meio da análise temática. Os resultados mostraram que a principal
dificuldade das entidades são as fontes de financiamento inconstantes advindas do Estado
e do mercado, o que gera instabilidade nos projetos e a necessidade de reconfiguração do
planejamento. Todas as entidades pesquisadas têm em vigência um projeto recente, mas
que foi reconfigurado a partir de um projeto anterior. Foi visto que os projetos sociais
apresentam quatro etapas no processo de planejamento: a formulação, a implementação,
o monitoramento e a avaliação, e, também, que a comunidade tem participação neste
processo, o que dialoga com a gestão participativa defendida pelos autores pesquisados.
Outro aspecto encontrado foi em relação às modalidades de dança abordadas: a escolha
desta tem relação com as necessidades do público beneficiado e não houve a delimitação
de um único estilo. Por fim, os resultados da presente pesquisa contribuem para a
discussão do terceiro setor e de suas ações no campo do lazer.

Palavras chave: Projeto social; dança; lazer; planejamento.

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BLANCO, Bianca. Social planning project: a study in dance practice. 50f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação)-Faculdade de Educação Física, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2016.

ABSTRACT
The social projects of the third sector intend to assist the social demands, including
recreation. The dance is a body practice that offers various possibilities and has easy
accessibility. The participation of the benefited public on the planning of this project
makes it even better to attend the demands of benefited people. On this perspective, the
following study had as purpose to analyze the characteristics of the planning of different
recent social dance projects carried out on NGOs of Campinas/SP and intended to relate
this planning with the possible difficulties of the project. The research methods were
bibliographical and documentary research combined with the field research. The data
analysis was made through thematic analysis. The results showed that the main difficulty
of the entities is the inconstant source of funding coming from the State and the market,
which creates instability on the projects and the necessity to reconfigure the planning, and
all the entities interviewed have a recent project in effect, but have been reconfigured
from a previous project. It was seen that social projects have four stages in the planning
process: formulation, implementation, monitoring and evaluation, and the community has
participation in this process, which dialogues with the participative management
defended by researched authors. Another aspect found was in relation to the dance
modalities approached, which the selection of those is related to the needs of the benefited
public, having no delimitation of just one single style. Finally, the results of this research
contribute to the discussion of the third sector and its actions on the recreation field.

Keywords: Social project; dance; recreation; planning.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais


CAAE - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CEMPRE - Cadastro Central de Empresas
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
FASFIL - Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos
FEAC - Fundação das Entidades Assistenciais de Campinas
FEF – Faculdade de Educação Física
GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ONGs – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
OSCIPs - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD - Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
ProAC - Programa de Ação Cultural
PUC - Pontifícia Universidade Católica de Campinas
SP – São Paulo
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Diagrama das motivações da dança ............................................................... 36

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Conjunções da relação público e privado .................................................... 16

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
1.1 Procedimentos metodológicos .................................................................................. 13

2. REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 16


2.1 Terceiro setor ............................................................................................................ 16
2.2 Projetos Sociais ........................................................................................................ 19
2.3 Projetos Sociais em dança ........................................................................................ 21
2.4 Planejamento de projetos sociais .............................................................................. 24

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................... 28

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 43

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 44

ANEXOS ........................................................................................................................ 48
Anexo I – Roteiro de entrevista ...................................................................................... 48
Anexo II – Comitê de Ética ............................................................................................ 49

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1. INTRODUÇÃO

O Brasil é um país que sofre com a grande desigualdade social. Segundo o


Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015 divulgado pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e realizado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
(PNUD), o Brasil foi classificado como o 75º país com o melhor Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, porém, se considerado a desigualdade
social, o país perde um quarto do seu IDH e é classificado como o menor da América
Latina.
O Estado não consegue atender a todas as demandas sociais e transfere suas
responsabilidades para o terceiro setor, característica da doutrina neoliberal. Então, há
uma desresponzabilização do Estado e o terceiro setor atua na oferta de alguns serviços
compensatórios às comunidades de vulnerabilidade social. Segundo Oliveira (2005), o
terceiro setor surgiu na tentativa de amenizar os problemas da sociedade atual como a
pobreza, a violência, a poluição, o analfabetismo, o racismo, a inclusão, entre outros.
Desde então, houve um grande aumento do terceiro setor no Brasil que,
atualmente, é representado pelas instituições, fundações e associações sem fins lucrativos,
as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e as Organizações
Não-Governamentais (ONGs). Em 2015, o Instituto Brasileiro de Economia e Estatística
(IBGE) realizou uma pesquisa e o terceiro setor foi apontado com a participação oficial
de 1,4% na formação do Produto Interno Bruto (PIB) do país, o que seria um montante
de aproximadamente 32 bilhões de reais.
O lazer é um direito social previsto pela Constituição de 1988 e, segundo Santos
e Amaral (2010), por isto, o Estado deveria assegurar o seu acesso para todos os cidadãos.
Porém, a constante preocupação econômica da população pobre leva a uma tendência de
hierarquizar as necessidades humanas, o que coloca o lazer como privilégio para as
camadas com maior poder aquisitivo.

Enquanto alguns podem cada vez mais desfrutar das benesses do avanço
tecnológico e de todas as ofertas culturais, a maioria está cada vez mais
afastada desses ganhos. E quando isso ocorre, os privilegiados incorporam
esses benefícios como capital cultural, algo que colabora para a construção e a
manutenção da diferença social (MELO, 2005, p.15).

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Com o crescimento do terceiro setor no país e a atual realidade do lazer como
demanda social, houve um aumento significativo de projetos sociais oferecidos pelas
ONGs que objetivam o lazer.
O planejamento é o primeiro e um importante passo para o desenvolvimento de
um projeto social. Pesquisas trazem como a participação da comunidade no processo de
planejamento podem tornar os projetos sociais mais próximos das demandas dos
beneficiados e ao mesmo tempo contemplar o objetivo das instituições do terceiro setor.
Em paralelo, a dança é uma prática corporal que tem várias possibilidades e, de
acordo com a forma que é abordada pode possibilitar tanto um produto desvinculado da
realidade dos beneficiados, quanto uma expressão da comunidade em si.
A partir da importância do lazer como direito social e demanda do terceiro setor,
da necessidade de um planejamento eficaz para o funcionamento dos projetos sociais,
bem como da dança como uma prática corporal frequentemente presente nas ações
sociais, a presente pesquisa teve como objetivo analisar as características do planejamento
dos projetos sociais na área da dança realizados por ONGs da cidade de Campinas/SP.
Pretendeu verificar qual o público alvo atendido, quais as modalidades de dança
abordadas, quem são os profissionais atuantes, quais as principais despesas e fontes de
financiamento, além de levantar como se dá a participação da comunidade beneficiada
nas etapas do desenvolvimento. Ainda teve como propósito buscar relações com as
possíveis dificuldades que tais projetos enfrentam em sua implementação.

1.1 Procedimentos metodológicos

A fim de alcançar os objetivos da presente pesquisa, o método aplicado foi a


pesquisa bibliográfica, em publicações em artigos e livros sobre o tema abordado, além
da análise documental combinada com a pesquisa de campo. De acordo com Sá-Silva et
al. (2009), a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica têm semelhanças, mas o
objeto investigado na primeira não possui um tratamento analítico anterior, se
caracterizando como fonte primária. “A pesquisa documental é um procedimento
metodológico decisivo em ciências humanas e sociais porque a maior parte das fontes
escritas – ou não – é quase sempre a base do trabalho de investigação” (SÁ-SILVA et al.
2009, p.13).

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Foi também analisado os perfis das ONGs da cidade de Campinas/SP que realizam
ações na área de dança. Essas instituições foram escolhidas a partir de seus endereços
eletrônicos em um documento divulgado pela Secretaria Municipal de Cidadania,
Assistência e Inclusão Social, no endereço eletrônico da Prefeitura Municipal de
Campinas/SP, uma vez que essas são cofinanciadas pelo munícipio. Ao todo, foram
encontradas 17 entidades com o perfil da pesquisa. Após um primeiro contato para
explicar a pesquisa com as entidades encontradas, cinco instituições se dispuseram a
participar do estudo, porém de fato, três participaram da pesquisa. Foram encontradas
dificuldades em relação à essas duas instituições, visto que, em uma das entidades, os
profissionais atuantes no projeto de dança estavam em período de férias durante a coleta
de dados; na outra, as oficinas de dança que acontecem na instituição fazem parte de um
projeto maior que não é planejado pelos profissionais da entidade em questão e não foi
possível o acesso a essa outra equipe.
Foram analisados os documentos que tinham relação com o projeto realizado na
ONG, desde o próprio planejamento escrito, até folders de divulgação, reportagens,
estatutos da instituição e registros do desenvolvimento do projeto.
Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o responsável pela
instituição e/ou pelo projeto social em si, a partir de um roteiro prévio. Ao todo foram
cinco entrevistados, ou seja, duas diretoras, uma coordenadora do projeto, uma educadora
e um pedagogo. Os entrevistados foram escolhidos a partir de uma indicação da própria
ONG após explicação sobre as intenções da pesquisa e direcionado para os profissionais
que tinham o conhecimento sobre as etapas do planejamento e desenvolvimento do
projeto social de dança. As entrevistas ocorreram nas próprias instituições de acordo com
a disponibilidade do entrevistado e do entrevistador. Antes da mesma, foram explicados
os procedimentos e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado.
As entrevistas foram gravadas e depois transcritas para análise. A duração média do
processo foi de trinta minutos. Foi assegurado a preservação da identidade dos
entrevistados e o descarte da gravação após a conclusão do trabalho. Essa pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNICAMP cujo número do Certificado de
Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) foi o 60630216.6.0000.5404.
A análise dos dados foi realizada por meio da análise temática. De acordo com
Minayo e Gomes (2009), nesse tipo de análise o conceito central é o tema, e este comporta

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um leque de relações e pode ser graficamente apresentado por meio de uma palavra, uma
frase, um resumo. Bardin (2011) também enfatiza que podemos nos concentrar mais no
tema geral de investigação e, assim, extrair significados associados a ele. A autora ainda
explica que na análise temática trabalhamos com os ‘núcleos de sentido’, e que a presença
ou frequência de aparição significa algo para o objetivo analítico escolhido. A partir dos
dados concentrou-se nos seguintes temas: “modalidades de danças oferecidas”,
“dificuldades encontradas” “planejamento realizado”.
A presente pesquisa está estruturada da seguinte maneira: o próximo capítulo faz
uma revisão de literatura em que são abordados conceitos e discussões acerca do terceiro
setor, projeto social, projeto social em dança e planejamento de projetos sociais; no
capítulo seguinte, os resultados são apresentados e discutidos e, por fim, o último item
traz algumas considerações sobre o trabalho apresentado.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Terceiro setor

O surgimento do terceiro setor se deu na época do militarismo brasileiro, entre


as décadas de 1960 e 1970 (THOMPSON, 2005). Antes existiam somente o primeiro e o
segundo setor, respectivamente, o governo e a sociedade civil junto com o mercado. As
constantes lutas contra o autoritarismo e a alta produção que visa o lucro, características
desse período, contribuíram para a formação do terceiro setor.
Atualmente o primeiro setor é o Estado, o segundo setor é o mercado e, o terceiro
setor são as organizações não governamentais (ONGs) com sentido público (GOHN,
2001).
O termo “terceiro setor” está associado ao conjunto das ideias da economia
clássica, que divide a sociedade em setores de acordo com as finalidades econômicas dos
agentes sociais (WEISBROD apud ALVES, 2002). As organizações do terceiro setor não
se enquadram no primeiro setor (Estado), pois são instituições com fins públicos, no
entanto de caráter privado. Em relação ao segundo setor (mercado), apesar das
organizações serem regidas pelo direito privado, elas não têm objetivos mercantis
(OLIVEIRA, 2005). Fernandes (1994) ressalta que o terceiro setor é uma das possíveis
conjunções entre a relação de público e privado, retratado na tabela a seguir:

AGENTES FINS SETOR


Privados Para Privados = Mercado
Públicos Para Públicos = Estado
Privados Para Públicos = Terceiro setor
Públicos Para Privados = (Corrupção)
Quadro 1: Conjunções da relação público e privado / Fonte: Fernandes (1994, p.21)

Segundo Albuquerque (2006), as organizações que compõem o terceiro setor


têm características em comum: fazem contraponto às ações do governo e às ações do
mercado, dão maior dimensão aos elementos que as compõem e projetam uma visão
integradora da vida pública. Então, essas organizações resultam da atuação de iniciativas
particulares; propiciam os interesses coletivos; realçam os valores das ações voluntárias
sem fins lucrativos e enfatizam a relação entre as ações públicas e privadas, com parte
dos recursos financeiros recebidos pelo Estado.

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Existe uma carência de atendimento às pessoas em suas necessidades sociais
básicas e as ações governamentais não têm sido suficientes para reverter esse quadro
(MORGAN e BENEDICTO, 2009). Segundo Araújo (2001, apud CORREIA 2008), o
terceiro setor vem do processo de reconstrução neoliberal1 do Estado, que passou a dividir
funções e responsabilidades para a qualidade de vida, como uma forma de tentar amenizar
os desequilíbrios sociais e econômicos, por meio da oferta de alguns serviços
compensatórios às comunidades de risco.

A ausência do Estado passou a ser suprida por diversos segmentos da


sociedade, que começaram a desenvolver suas próprias soluções para as
questões sociais que outrora, em sua grande maioria, eram de exclusiva ou
majoritária competência estatal. O terceiro setor surge, então, na tentativa de
prover ou reforçar a ação do Estado nas questões sociais, contribuindo de
maneira sustentável e participativa na resolução dos problemas da sociedade
(OLIVEIRA, 2005, p.44).

A composição e dinâmica do terceiro setor permitem uma heterogeneidade nas


organizações que o constituem que inclui, desde associações comunitárias
microrregionais, até organizações articuladas em redes globais. A atuação dessas
organizações se dá nos mais diversos planos, entre estes os direitos humanos, a defesa
das minorias, a defesa do meio ambiente, o fomento ao esporte, a saúde e o
desenvolvimento local (COELHO et al. 2009). As organizações do terceiro setor
“expressam características multifacetadas, globais e particulares, próprias da sociedade
contemporânea, sempre na tentativa de responder às demandas e necessidades expressas
nessa relação de Estado mínimo que há décadas nos empobrece e nos pauperiza”
(COELHO et. al. 2009, p.114).
Dentre as organizações do terceiro setor estão às chamadas Organizações Não-
Governamentais (ONGs), que são organizações sem fins lucrativos, autônomas e
complementares à ação do Estado e que atendem as necessidades de organizações de base
popular (TENÓRIO et al. 2005). De acordo com Fernandes (1994) para que este princípio
seja resguardado, o capital acumulado não pode se converter no patrimônio dos seus
responsáveis legais, o que significa que com a extinção de uma ONG, seus bens devem
ser transferidos para outra organização do mesmo gênero.

1
O Neoliberalismo é uma doutrina desenvolvida na segunda metade do século XX que defende a não
participação do Estado na economia e a total liberdade de comércio (livre mercado). Essa política favorece
o desemprego, baixos salários, desigualdade social e a dependência do capital internacional (ANDERSON,
1995).

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O estatuto social da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
(ABONG) define ONG como:

Entidades que, juridicamente constituídas sob a forma de fundação ou


associação, todas sem fins lucrativos, notadamente autônomas e pluralistas,
tenham compromisso com a construção de uma sociedade democrática,
participativa e com o fortalecimento dos movimentos sociais de caráter
democrático, condições estas, atestadas pelas suas trajetórias institucionais e
pelos termos dos seus estatutos (ABONG, 2016).

Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto


de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com a ABONG e o Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) realizou uma pesquisa sobre a quantidade de
Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (FASFIL). Os dados apontaram
que existiam oficialmente no país 290,7 mil organizações privadas, sem fins lucrativos,
institucionalizadas, auto administradas e voluntárias. Essas instituições representavam
5,2% do total de 5,6 milhões de entidades públicas e privadas, lucrativas e não-lucrativas,
do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do IBGE, naquele ano. Comparada com a
pesquisa anterior realizada em 2006, observou-se um crescimento de 8,8% dessas
instituições, passando de 267,3 mil para 290,7 mil. As FASFIL concentram-se nas regiões
Sudeste (44,2%), Nordeste (22,9%) e Sul (21,5%), menos presentes no Norte (4,9%) e
Centro-Oeste (6,5%).
De acordo com Gouveia (2007, p.6), “a situação atual das ONGs [...] inclui
dificuldades de várias ordens, como identificar fontes de financiamento, elaborar
propostas consistentes, captar recursos e gerir as organizações e seus projetos”.
Segundo Montaño (2002) houve um processo de inflexão da relação existente
entre as ONGs com os movimentos sociais. A princípio, na década de 1970, as ONGs
desempenhavam um claro papel articulador dos movimentos sociais, sem, contudo,
interferir no protagonismo que estes desempenhavam. Nos anos 90, porém, as ONGs
passaram a ocupar o lugar dos movimentos sociais, deslocando seus espaços de luta e de
preferência popular. De acordo com Petras (apud MONTAÑO, 2002) existe uma relação
direta entre o crescimento de movimentos sociais que vão contra a política neoliberal e o
esforço do mercado para subvertê-los com a criação de ações sociais alternativas por meio
das ONGs.

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A população passa a auxiliar e dar mais credibilidade para as ONGs do que os
movimentos sociais, pois estas entidades têm mais espaço nas mídias e sua lógica
gerencial é tida como eficiente. A ONG passa a ter uma relação diferente com o primeiro
e o segundo setor, deixa o aspecto de enfrentamento ao sistema e passa a se relacionar
com o Estado e com as empresas como parceiros, uma relação funcional ao projeto
neoliberal de reestruturação sistêmica. Ocorre, então, uma “terceirização” dos
movimentos sociais, pois estes agora passam a ter uma relação indireta com o Estado,
intermediado pelas ONGs (MONTAÑO, 2002).

Assim, duas consequências: 1) o movimento social, intermediado pela ONG


na sua relação com o Estado, com menos adesão e sem recursos, tende a se
reduzir em quantidade e em impacto social, deixando seu lugar para esta
última; 2) a ONG, que tem como parceiro o Estado, assume a
“representatividade” das organizações sociais, carregando agora as demandas
populares, só que não mais numa relação de luta, de reivindicação, mas de
“pedido”, de “negociação” entre parceiros, e quase sempre relegando para
segundo plano a atividade do movimento social e submetendo-o à nova “lógica
de negociação”. Se aqueles movimentos tinham relativa autonomia do poder
político, estas organizações agora formam “parcerias” (dependências) com os
governos (MONTAÑO, 2002, p.274).

Montaño (2002) traz a necessidade de revitalizar os movimentos sociais e da


ONG reassumir seu papel de parceira, não do Estado ou do mercado, mas sim dos
movimentos sociais.
Então, o neoliberalismo é uma doutrina que evidenciou e agravou as
desigualdades no país, o que gerou o desenvolvimento do terceiro setor. As ações das
ONGs se configuram na tentativa de atender as demandas sociais que o Estado não
assegura. Essas instituições apresentam dificuldades relacionadas com o planejamento e
com o distanciamento dos movimentos sociais, o que concilia o processo de manutenção
do sistema vigente.

2.2 Projetos Sociais

Projeto é um trabalho planejado, composto por um conjunto de atividades inter-


relacionadas e coordenadas, determinadas a fim de alcançar objetivos específicos
(COUTO e COUTO, 2011), é a unidade mínima de destinação de recursos que busca
modificar determinada situação (COTTA, 1998). É um “instrumento metodológico para

19
fazer da ação uma intervenção organizada com melhores possibilidades de atingir seus
objetivos” (ZINGONI e RIBEIRO, 2006, p.15).
Os projetos sociais são ações planejadas que objetivam as demandas do terceiro
setor, ou seja, buscam “transformar uma parcela da realidade, reduzindo ou eliminando
um déficit, ou solucionando um problema, para satisfazer necessidades de grupos que não
possuem meios para solucioná-las por intermédio do mercado” (COUTINHO et al., 2006,
p. 767). Os projetos sociais se caracterizam como ações voltadas para a população
vulnerável ou carente e busca, de alguma forma, promover alterações nas condições de
vida dos beneficiados, proporcionando um ambiente mais justo e democrático (COUTO
e COUTO, 2011).
Melo (2007) discute a associação do termo “projeto social” com políticas
públicas. Segundo o autor, essa associação reforça uma lógica de focalização das ações
apenas nos setores mais empobrecidos alegando mais urgência e configurando os direitos
como dádivas para esta população. Nesta perspectiva, Melo (2008) traz que esta
configuração permite uma compreensão comum de que os chamados “projetos sociais”
são somente àqueles desenvolvidos em comunidades de risco.

Nos ditos projetos sociais, a manutenção e difusão pedagógica das bases


neoliberais são constantes. A lógica do risco capitalista é transferida para os
usuários dos programas. A possibilidade da fonte de financiamento cessar - por
motivos vários - e os usuários, supostamente sujeitos de direitos, serem
sumariamente descartados é constante. A necessidade de cumprimento da meta
de participantes para eventuais renovações das fontes de financiamento faz
com que isso tenha primazia na atuação dos organismos, sejam públicos
(municipais ou estaduais) ou privados (ONGs, Associações de moradores/
movimentos sociais) (MELO, 2007, p.19).

O patrocínio de projetos sociais acontece de duas formas: o patrocínio de


projetos sociais de terceiros e o patrocínio de projetos sociais próprios. No patrocínio de
terceiros, empresas atuam em parceria com os governos no financiamento de suas ações
sociais, o que gera uma busca para alavancar e desenvolver o seu negócio, fazendo uso
das potencialidades do marketing social (PASSADOR, 2002).

Há muitas empresas privadas que patrocinam projetos dessa natureza mais


interessadas em descontos fiscais e/ou na construção de uma imagem de
responsabilidade social (outra moda dos dias de hoje) do que verdadeiramente
em promoção da tão propalada inclusão social (MELO, 2008, p.5).

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Já no patrocínio de projetos sociais próprios, temos as empresas específicas que
desenvolvem seus projetos por meio de seus institutos e fundações sociais, com recursos
próprios (PASSADOR, 2002).
Em suma, os projetos sociais são as ações planejadas do terceiro setor, porém o
patrocínio é uma possibilidade de intervenção do primeiro e do segundo setor nestas
ações.

2.3 Projetos Sociais em dança

A grande desigualdade econômica no país favorece um quadro em que uma


parcela pequena da população tem acesso a todas as ofertas culturais enquanto a maioria
vive com preocupação financeira para conseguir usufruir do mínimo necessário.

Parece que com esse exacerbar das preocupações econômicas construímos


sutilmente uma hierarquização das necessidades humanas. Isto é, já que nem o
supostamente “básico” que precisamos para viver é atendido, paulatinamente
vamos acreditando que primeiro temos de ter saúde, educação, trabalho,
residência e, depois que isso tudo for conseguido, passaremos então a pensar
em cultura, lazer, diversão (MELO, 2005, p.15).

No entanto, o lazer é um direito social previsto pela Constituição Federal de


1988. Segundo Santos e Amaral (2010):

O lazer aparece na Constituição brasileira de 1988 em três momentos, das


seguintes formas: no artigo 6º, São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa
Constituição. Aparece ainda no terceiro parágrafo do artigo 217: “O poder
público incentivará o lazer como forma de promoção social” e no artigo sétimo
como uma das “necessidades vitais básicas” as quais o salário mínimo deve ser
capaz de atender. (SANTOS e AMARAL, 2010, p. 4-5).

A presença do lazer na constituição deveria assegurar a ação do Estado para


garantir tal direito a todos, mas, por ser tratado apenas como política de governo, o lazer
não se consolidou e legitimou como direito social no Brasil. Isto pode ocorrer justamente
pela população não o reconhecer como relevante, o que ressalta a necessidade da
discussão política sobre o lazer, construindo sentidos e significados para ele e assim poder
consolidá-lo como direito social em que todos possam ter acesso (SANTOS e AMARAL,
2010).

21
Um direito social – diferentemente dos direitos civis e políticos - deve ser
garantido à população por meio de políticas públicas, tanto de Estado quanto de governo.
Embora considerada a existência do Ministério de Cultura e a criação do Ministério do
Esporte e do Turismo, ainda não há este direito garantido de forma universal a todos os
brasileiros. Talvez por esta razão também houve um crescimento dos projetos sociais
oferecidos pelas ONGs no país.
Atualmente é visível este aumento dos projetos sociais no Brasil e as práticas
esportivas e/ou artísticas são as principais ferramentas de intervenção (MELO, 2008).
A dança é uma prática corporal recorrente nos projetos sociais, principalmente
pelas suas diversas modalidades e possibilidades. Por estar presente no desenvolvimento
da sociedade, é também uma prática que permite ampla participação e aceitação. O seu
processo de aprendizado vai além de uma educação rítmica, de técnica e coreografia, o
que permite atender necessidades e interesses do contexto no qual ela se faz presente
(UGAYA, 2007).

Sabe-se que não há uma única maneira de dançar, nem uma única maneira de
aprender/ensinar a dançar. São inúmeras as possibilidades de dançar, inúmeros
os estilos (balé, jazz, sapateado, danças étnicas, danças folclóricas,
contemporânea, hip hop, entre tantas outras), inúmeros objetivos que passam
pelo simples prazer momentâneo, pelo lazer, pela celebração, por seus
benefícios à saúde física e mental, ao processo expressivo e artístico”
(PRONSATO, 2014, p.27).

A literatura classifica de três formas o ensino: a educação formal, a educação


informal e a educação não-formal. A primeira, em suma, é aquela que ocorre no ensino
escolar institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado. A
educação informal é a aquisição de conhecimentos de forma empírica, nas atividades
cotidianas na casa, no trabalho ou no lazer. A educação não-formal ocorre fora do sistema
formal de ensino, mas é um processo educacional organizado e sistemático (BIANCONI
e CARUSO, 2005).
De acordo com Marcellino (1987), o lazer possui um duplo aspecto no processo
educativo: o lazer como veículo e como objeto de educação. A preocupação de “educar
para o lazer”, de um aprendizado para o uso do tempo livre consiste no lazer como objeto
de educação. E o lazer como veículo de educação considera as:

22
[...] potencialidades para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.
Tanto cumprindo objetivos consumatórios, como o relaxamento e o prazer
propiciados pela prática ou pela contemplação, quanto objetivos instrumentais
no sentido de contribuir para a compreensão da realidade, as atividades de lazer
favorecem, a par do desenvolvimento pessoal, também o desenvolvimento
social, pelo reconhecimento das responsabilidades sociais, a partir do
aguçamento da sensibilidade ao nível pessoal, pelo incentivo ao auto-
aperfeiçoamento, pelas oportunidades de contatos primários e de
desenvolvimento de sentimentos de solidariedade (MARCELLINO, 1987,
p.60).

Então, o lazer como veículo de educação é um processo de educação não-formal.


Por meio das vivências diversificadas no tempo livre (corporais, artísticas, turísticas etc)
as pessoas podem aprender conteúdos, valores e desenvolver habilidades. Melo e Alves
Junior (2003) também discutem este aspecto educativo, o que chamam de “educação pelo
lazer”. Segundo eles, educar pelo lazer deve trabalhar valores, condutas e
comportamentos sem, porém, ter caráter moralista e pregador de posturas tidas como
adequadas.

Antes, deve construir um espaço em que, a partir de uma problematização, seja


permitida aos indivíduos a reelaboração de seus pontos de vista acerca da
realidade. E isso deve ser feito não apenas pelo aproveitamento dos dados que
surgem espontaneamente no decorrer das atividades, mas, também, pela
programação de atividades que despertem uma discussão no processo de
conscientização e posicionamento (MELO e ALVES JUNIOR, 2003, p.53).

A dança é uma possibilidade de educação não-formal ou de educação pelo lazer


e tem sido uma estratégia eficaz para que o público frequente as ONGs e a forma pela
qual é abordada tem papel fundamental no processo educativo (FRANCO, 2004).
Pronsato (2014) discute como as condições de trabalho do profissional atuante em
projetos sociais de dança pode modificar a compreensão do conceito arte-educação. Outro
aspecto que a autora traz é a valorização do resultado presente no sistema capitalista atual,
o que desvaloriza o processo gerando projetos desarticulados com as demandas sociais
do público-alvo:

Ainda hoje, nota-se que a compreensão sobre o processo ensino-aprendizagem


da dança, nos mais diversos espaços de ação (escolas de ensino formal,
projetos socioeducativos, ONGs, escolas de dança) é bem compreendida em
sua diversidade de estilos desde que seja tratada sob o aspecto da reprodução,
do produto final, da aquisição técnica e da disciplinarização dos corpos e não
em seu aspecto criativo, de envolvimento, sensibilização e criticidade que
necessita de tempo processual (PRONSATO, 2014, p.28).

23
A autora ainda ressalta como esta visão gera um “descompasso entre os ideais
referenciados pelos artistas que se envolvem em ações socioeducativas e as instituições
que criam, organizam e administram os programas e projetos socioeducativos”
(PRONSATO, 2014, p.242).
Franco (2004) em sua pesquisa “A dança e a expressão corporal como estratégias
de reinserção social em duas instituições de Campinas” analisou dois projetos sociais de
dança, um que abordava o balé clássico e o outro a dança afro-brasileira. A autora discute
inúmeras diferenças entre os projetos decorrentes das distintas modalidades, entre elas a
rigidez e disciplina na instituição com o balé clássico e o barulho e liberdade da dança
afro-brasileira.
[...] cada um cumpre este papel a seu modo, um com marcas mais
reformadoras, oferecendo toda a assistência necessária para a formação de
bailarinos profissionais de qualidade, cultivando sonhos, oferecendo instrução
e cultura, e outro, com marcas mais transformadoras, que não oferece tanta
assistência, mas busca antes conscientizar e formar seres humanos cônscios de
si, "guerreiros", humildes para assim tornarem-se bons educadores e artistas
(FRANCO, 2004, p.59).

Importante destacar que não foram encontradas muitas pesquisas que abordam
os projetos sociais em dança na pesquisa bibliográfica realizada.

2.4 Planejamento de projetos sociais

Planejamento vem da necessidade de superar um problema, uma situação-limite


ou alcançar um objetivo (ALMEIDA e SILVA, 2012). Planejamos o tempo todo, é uma
atividade que orienta nossas ações ao longo do dia, da semana e do mês (HÜBNER,
2004). Planejar sempre indica a ideia de fazer algo para ser implantado e ter resultados
no futuro (próximo ou distante).
Em todos os tipos de planejamento podemos identificar um processo de
organização de ações que visam a um objetivo e que antes é necessário analisar os fatores
limitantes e antecipar alguns resultados na busca de alcançar o objetivo pré-definido da
forma mais eficaz possível (ALMEIDA e SILVA, 2012).

Assim, o planejamento implica, fundamentalmente, a ideia inicial e continuada


de um projeto, sobre como ele ocorrerá e sobre quais os impactos gerados a
partir das iniciativas propostas, em termos de resultados concretos. O
planejamento é também fruto de uma ideia com base no cenário atual e no ideal
que se pretende alcançar. Sua elaboração é complexa. Para planejar, é

24
necessário ter um diagnóstico preciso sobre as condições holísticas do
ambiente. Sua orientação é influenciada por diversas variáveis, como tempo,
espaço geográfico, recursos, gestão (HÜBNER, 2004, p.177-178).

É de suma importância prever e considerar todos os impactos que o projeto pode


causar, um planejamento deve buscar a sustentabilidade dos recursos, sejam eles
humanos, ambientais, financeiros ou materiais (HÜBNER, 2004).
Toda ação de planejamento exige três momentos que interagem entre si, de
acordo com Bramante (1997): o antes – previsão, planificação, organização e
mapeamento dos recursos, denominado de Formulação; o durante– execução, direção e
controle, também chamado de Implementação e Monitoramento e, o depois, em que
ocorre a relação entre resultados atingidos e recursos utilizados, ou seja, a Avaliação.
Todas as organizações, de todos os três setores, necessitam de um planejamento
eficaz na sua gestão. As empresas têm evoluído agilmente, com modelos de gestões mais
flexíveis, ágeis e adaptáveis. Apesar das demandas atuais exigirem o mesmo das
organizações do terceiro setor, ainda é observado a necessidade de superar vários desafios
no tocante do planejamento (COELHO et al. 2009).

O futuro dos projetos sociais está fortemente vinculado a seu planejamento e a


sua gestão. Gerir um projeto contido em um programa que articula vários
atores, que é financiado por várias fontes de recursos e tem interfaces com
outros projetos e serviços certamente não é uma tarefa fácil. É necessário
planejar cuidadosamente, monitorar a partir de indicadores previamente
estabelecidos e avaliar seus resultados. Essas etapas são necessárias e bem-
sucedidas quando elaboradas no momento do planejamento (ZINGONI e
RIBEIRO, 2006, p.9-10).

De acordo com Coelho et al. (2009) é necessário uma cultura inovadora para o
terceiro setor e suas ações. Ao tratar dos projetos sociais no campo do lazer, as autoras
evidenciam a lacuna nas organizações por falta de mão de obra especializada e ressaltam
a importância do processo básico da administração: planejar, organizar, captar recursos,
dirigir e controlar. Outro ponto é o papel fundamental que o gestor tem sobre as etapas
do projeto, sua atuação deve contemplar diversos aspectos, como a liderança, a
flexibilidade, a criatividade, a constante busca de informações e a comunicação, esta
última que deve acontecer tanto entre a equipe atuante no processo quanto na relação
destes com os beneficiados pelo projeto. A Gestão Participativa defende justamente esta
comunicação, ou seja, é o planejamento com a participação da população beneficiada em

25
suas etapas. Esse diálogo é de suma importância para que o projeto atenda demandas reais
e não perca seu foco durante o processo, se tornando um “fim” e não mais um “meio”
(COELHO et al. 2009).
A gestão social defendida por Couto e Couto (2011) dialoga com a lógica de
marcos normativos, analíticos, organizacionais e de gestão de Nogueira (1998 apud
COUTO e COUTO, 2011). O marco normativo é orientado pelos valores e prioridades
sociais, busca a coerência entre a atuação do projeto e o seu campo (no caso, o lazer) e
traz os objetivos do projeto, sejam estes declarados ou não declarados. Em suma, se
caracteriza pelo campo, a área de discussão e objetivos do projeto. O marco analítico é a
compreensão dos problemas a serem enfrentados, se refere à discussão do problema, os
meios legitimados e as tecnologias utilizadas. Os marcos organizacionais tratam da
distribuição de responsabilidades e das capacidades decisórias. O marco de gestão, por
fim, são as modalidades de funcionamento, que abordam a administração de recursos e a
articulação com o meio. É no marco de gestão que os autores também tratam da gestão
participativa como um caminho eficaz no que se diz projetos sociais. De acordo com eles,
a gestão participativa se caracteriza pelo envolvimento da comunidade do projeto em
todas as etapas do planejamento e desenvolvimento do projeto e possibilita espaços para
o diálogo.

Assim, a gestão participativa torna-se um processo de aprendizagem coletiva


em que todos aprendem a participar, dialogar, opinar, contestar, argumentar,
ceder, propor e assumir responsabilidades em busca de uma meta comum:
criar, para os beneficiários, as melhores oportunidades possíveis” (COUTO e
COUTO, 2011, p.90).

Melo (2005) também discute a importância de agir em conjunto com os


beneficiados do projeto, pois lidamos com o risco de não contemplar as demandas
esperadas. O autor evidencia que existem inúmeros projetos que fracassaram em razão da
população não ter sido envolvida ou consultada.

Muitas vezes tomamos procedimentos semelhantes nos nossos projetos de


lazer. Julgamos saber tudo o que a população deseja, imaginamos suas
vontades, e cheios de boa vontade implementamos nosso programa. Muitas
vezes, contudo, somos surpreendidos quando as respostas não são as por nós
esperadas. Pode até ser que a população compareça em peso, mas fica uma
pergunta: estaria ela desfrutando de todas as potencialidades das atividades?
Não deveríamos também envolvê-la em todas as fases do projeto? (MELO,
2005, p.54).

26
Para esse autor, existem três fases no processo de articulação com as
comunidades. A primeira fase é composta por quatro etapas. A deflagração é o primeiro
passo, que consiste no conhecer a comunidade que o projeto vai atuar, identificando as
possíveis lideranças comunitárias. Quando identificadas estas lideranças, propor uma
reunião com a presença delas, na busca de consolidar parcerias múltiplas. A segunda etapa
é a capacitação dos indivíduos da própria comunidade, neste ponto o autor evidencia que
não é necessário se limitar ao que a comunidade deseja, que o diálogo deve estar presente
em todo o processo para que o projeto contemple seus objetivos da maneira mais
produtiva possível. Para marcar o início do projeto é organizada e realizada uma atividade
de impacto, que consiste na terceira etapa. É importante que este evento envolva o maior
número de pessoas possíveis, pois é uma oportunidade de conseguir mais voluntários da
comunidade no projeto. Encerrando a primeira fase, a quarta etapa é a avaliação desta
atividade de impacto, que vai ser base para o planejamento da próxima fase. Então, a
segunda fase, denominada pelo autor de “Período de Carência”, é a implementação do
projeto, programando as atividades que serão desenvolvidas cotidianamente. E por fim, a
terceira e última fase, a continuidade, que é quando a comunidade prossegue com o
projeto de maneira independente (MELO, 2005).
Então, a participação da comunidade no processo de planejamento dos projetos
sociais é fundamental para que as demandas objetivadas por este sejam condizentes com
a realidade do público beneficiado.

27
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo serão apresentados os resultados da pesquisa de campo realizada


com três ONGs da cidade Campinas/SP e uma discussão acerca desses.
Campinas é uma cidade localizada no estado de São Paulo, na região sudeste do
Brasil. Foi fundada em 1774, atualmente ocupa uma área de 796,4 km² e tem uma
população estimada de 1.091.946 habitantes de acordo com o IBGE de 2015. Há duas
grandes universidades em seu município, a Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP).
A fim de preservar a identidade dos entrevistados, as três instituições vão ser
tratadas da seguinte maneira: Instituição A, Instituição B e Instituição C.
A Instituição A está localizada em um bairro próximo à região central da cidade
de Campinas/SP. Ela existe há cerca de 60 anos e atende especificamente crianças com
deficiência intelectual de leve a moderada. A sua Missão visa:

[...] contribuir com a educação complementar do educando em parceria com a


rede formal de ensino; buscar o desenvolvimento cognitivo, emocional, físico
e afetivo dos beneficiados; intensificar a sociabilidade, bem como auxiliar a
inserção do deficiente no mercado de trabalho; e disponibilizar uma equipe
multidisciplinar em seus projetos (ESTATUTO INSTITUIÇÃO A).

Dentre os profissionais citados nesta equipe estão as áreas de arte educação,


expressão corporal e educação física.
A Instituição B está localizada em um bairro da região sul de Campinas/SP. Ela
existe há cerca de 40 anos e, atualmente, conta com três programas que atendem todas as
faixas etárias. Sua Missão é:

[...] melhorar a qualidade de vida; promover a defesa dos direitos e o exercício


da cidadania dos beneficiados; e impulsionar o desenvolvimento integral do
educando, na busca de torná-los responsáveis, criativos e com os
conhecimentos e habilidades que o auxiliem no seu próprio desenvolvimento
e o de seu entorno (ESTATUTO INSTITUIÇÃO B).

A Instituição C possui duas unidades na cidade de Campinas/SP, ambas


localizadas na região sul, porém em bairros distintos. Ela existe há cerca de 30 anos e
atende à todas as faixas etárias. Sua Missão consiste em: “utilizar a cultura, a arte, o
esporte e o meio ambiente para promover a educação do beneficiado por meio de

28
atividades socioeducativas; e desenvolver a melhoria da qualidade de vida, a
independência e a inclusão social" (ESTATUTO INSTITUIÇÃO C).
Como exposto na introdução, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com
os responsáveis pela entidade e/ou pelo projeto de dança desenvolvido na unidade. Na
Instituição A foram entrevistadas a diretora da entidade (Entrevistada I) e a coordenadora
do projeto (Entrevistada II), que também atua como educadora; na Instituição B foram
entrevistados o pedagogo (Entrevistado III) e a educadora do projeto (Entrevistada IV); e
na Instituição C foi entrevistada a diretora educacional da entidade (Entrevistada V).
Logo no primeiro questionamento em relação ao tempo de existência do projeto,
percebem-se características em comum entre as instituições. Todas elas têm em vigência
um projeto recente, mas que foi reconfigurado a partir de um projeto anterior. A
Instituição A relata que o projeto sempre existiu na entidade. Em meados de 2011 ele foi
estruturado para ser submetido a um patrocínio via Programa de Ação Cultural (ProAC)2
que durou até 2012. Atualmente ele foi reestruturado devido a recursos mais escassos e,
nessa nova configuração, ele tem cerca de sete meses. Como apontado na fala da diretora
da Instituição A:

[...] foi um projeto social que a gente escreveu pra conseguir financiamento do
ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] lá do ProAC, e a
gente conseguiu via uma agência. Então veio um bom dinheiro, a gente montou
o projeto assim dos sonhos, com tudo que precisava, dinheiro pra tudo, pessoal,
figurino... e era esse projeto que continua de outra forma, mas ele começou
dessa maneira, bem grande, que era uma coisa que a ONG já tinha, mas a gente
não tinha dinheiro pra dar aquela alavancada nele, quando veio esse dinheiro a
gente realmente planejou ele, escreveu ele pleno (ENTREVISTADA I) (sic).

Na Instituição B a reconfiguração se deu principalmente pela mudança de


educadores à frente do projeto. Antes este abordava somente e especificamente a
modalidade do hip hop, para as crianças e adolescentes e a dança de salão, para os adultos.
As propostas foram alteradas no início do ano de 2016, quando foi agregado outras
modalidades e teve, então, uma existência de cerca de onze meses.

2
O ProAC é um programa da Secretaria de Estado da Cultura que financia projetos sociais a partir de uma
seleção. Existem duas modalidades: O ProAC ICMS e o ProAC Editais. O primeiro funciona por meio de
incentivos fiscais. O projeto aprovado previamente pela Secretaria de Estado da Cultura recebe autorização
para captar patrocínio junto a empresas que, depois, poderão descontar o valor desse investimento do ICMS
devido. O ProAC Editais funciona por meio de concursos públicos. Os projetos aprovados recebem dinheiro
diretamente da Secretaria de Estado da Cultura para sua execução (BRASIL, Secretaria de Estado da
Cultura, 2016).

29
Já na Instituição C, o motivo foi semelhante ao da Instituição A. A entidade era
contemplada com o patrocínio do Programa Petrobrás Cultural, como a diretora
educacional traz em sua fala:

[...] esse projeto nós escrevemos para a Petrobrás há dois anos e o projeto foi
aprovado, teve uma evolução ótima durante esses dois anos [...] Porém, com
tudo o que aconteceu, a crise no país, esse projeto, quando completou os dois
anos, ele não foi renovado. Até na época, várias ONGs, a gente até escreveu
um documento chamando os órfãos da Petrobrás, porque a gente acabou tendo
que demitir seis profissionais que atuavam dentro desses projetos e desse
projeto específico e aí a gente fez uma otimização (ENTREVISTADA V) (sic).

Esse documento citado pela entrevistada foi vinculado a diversos meios


midiáticos em meados de agosto de 2015 e é facilmente encontrado em sites de notícias
de cunho social. Intitulado de “O ataque à Petrobras e os órfãos da empresa”, o texto de
autoria de Lorhan Caproni e Izadora Mattiello traz dados interessantes. Assim como a
entrevistada aponta, todos os projetos patrocinados pela empresa tem duração de dois
anos e, após esse período, pode ocorrer uma renovação. Na época em que o documento
foi vinculado, ainda não havia nenhum posicionamento da Petrobrás a respeito dos
projetos pendentes de renovação. O documento aponta que só no estado de São Paulo
havia 10 mil beneficiados de cerca de vinte organizações sociais aguardando um retorno.

Muitas organizações sociais possuem altos níveis de dependência do


financiamento da Petrobrás (em alguns casos até 60% dos recursos da
organização são originados desse edital e a não renovação também refletirá em
demissões de seu quadro de colaboradores). No Brasil, são 130 projetos
contemplados com mais de R$ 145 milhões investidos nessa situação de
incerteza e risco (CAPRONI e MATTIELLO, 2015, p.1).

Com isso fica visível a dificuldade que as ONGs encontram para um


planejamento a longo prazo, pois dependem de recursos externos que fogem do seu
controle interno.
Nas três instituições o projeto de dança está vinculado a um projeto maior. Na
Instituição A esse projeto traz o enfoque nas artes, com as artes visuais, o teatro, a música
e a dança. Na Instituição B a dança é uma oficina dentro de um programa, o qual os
educandos, no início do semestre, optam por cinco oficinas de modalidades distintas,
dentre as atividades estão esportes, ginástica, judô, circo, entre outras. Na Instituição C,
o projeto contava com a dança, o teatro e a música, porém, após o corte de patrocínio,
atualmente ele conta principalmente com a dança, possuindo uma preocupação em

30
agregar o teatro por meio do trabalho da expressão corporal e a música não se manteve
na atual configuração.
No tocante aos objetivos do projeto, a Instituição A, de acordo com a
coordenadora do projeto, traz que a preocupação é:

[...] com o processo, com a experiência estética, com a educação visual, com a
experiência sonora. A gente não tem ideia de oferecer que o menino saia daqui
tocando violão, mas que ele tenha experiências sonoras significativas pra ele,
de acordo com a deficiência que ele tem, daquilo que ele vai enfrentar lá fora
(ENTREVISTADA II).

A diretora da Instituição A reforça: “a identidade dele [educando] vai se


construir também, que o deficiente tem muita falta de referências, referência de pais,
referência de mundo e a gente entende que as artes constroem muito bem isso para o
desenvolvimento intelectual dele” (ENTREVISTADA I).
A Instituição B traz a dança como um meio de sociabilização e educação. Então,
segundo a educadora do projeto: “[...] a dança em si, como todas as modalidades que a
gente tem aqui, é o pano de fundo, não é o foco, é para trabalhar os valores que a gente
consegue, que dentro da dança a gente está trabalhando a sociabilização, a cooperação, a
criação com eles” (ENTREVISTADA IV). No planejamento escrito do projeto é
enfatizado que a dança é utilizada como um meio e, além dos aspectos levantados pela
educadora entrevistada, tem como propósito promover um corpo mais ativo e saudável, a
autonomia, elevar a autoestima, melhorar o humor e trabalhar o senso crítico.
A Instituição C ressalta que a arte, de uma maneira geral, é uma forma de se
expressar e que, de acordo com a diretora educacional:

[...] o objetivo maior é desenvolver o potencial humano através do


autoconhecimento, é um caminho para levar o ser a tomar contato com a sua
realidade interna, com suas emoções, com o seu universo de pensamentos, com
a construção de ideias e com a expressão desse universo para fora e também
colhendo experiências do que eu vivo fora e o efeito que isso me traz para
dentro (ENTREVISTADA V) (sic).

Então percebe-se algumas diferenças e semelhanças nos objetivos dos três


projetos. A Instituição A atua com uma abordagem de experimentação, principalmente
por tratar de um público que não se encaixa no modelo concebido pela sociedade. Ela
busca oferecer vivências que propiciem ao educando perceber suas habilidades, o que
pode ser relacionado com o objetivo da Instituição C que visa à busca do

31
autoconhecimento e sua relação com o mundo externo. Já a Instituição B aborda a dança
como um meio para promover o relacionamento entre os educandos, incentivando a
sociabilização e a cooperação, além da promoção da saúde e qualidade de vida.
Quanto ao público alvo dos projetos, tanto a Instituição B como a Instituição C
atendem todas as idades com turmas divididas de acordo com a faixa etária. Na Instituição
B, mais especificamente, os educandos estão na faixa de idade a partir dos seis anos e são
divididos em seis turmas que são dispostas em períodos distintos (manhã e tarde) e são
atendidos, ao todo, 88 educandos. A Instituição C oferece o projeto para duas turmas de
adolescentes, entre 11 e 15 anos, uma em cada período; uma turma para crianças no
período da manhã e uma turma para os adultos no período da tarde e, ao todo, beneficia
cerca de 100 participantes.
Por outro lado, a Instituição A atende somente crianças que estão matriculadas
na escola, ou seja, em período escolar. Devido ao público específico, este fator não é
determinante de uma faixa etária, pois o processo escolar para os deficientes intelectuais
acontece de maneira diferenciada. As oficinas acontecem no contraturno escolar, então
as crianças são divididas em duas turmas, com distinção de horários e atendem um total
de 30 beneficiados.
Com exceção da Instituição B, os entrevistados das entidades relataram que esse
número atual é reduzido se comparado ao número dos educandos antes da reconfiguração
do projeto. A Instituição A atendia cerca de 110 pessoas antes do corte de verbas e não
havia a restrição do beneficiado estar em idade escolar. E, na Instituição C, havia mais
oficinas oferecidas durante a semana e, por consequência, mais beneficiados.
Um aspecto em comum é que não há rotatividade dos beneficiados, todos passam
por uma matrícula e existe um acompanhamento de frequência. O período de vigência
desta matrícula é de um ano na Instituição A e na Instituição C e de seis meses na
Instituição B e, em todas, há a possibilidade de rematrícula. Por se tratar de pessoas em
situação de vulnerabilidade social, quando há faltas constantes nas atividades, as
instituições entram em contato com o educando e a família por meio da assistência social
da entidade, a fim de identificar o possível problema e oferecer auxílio se necessário.
Em relação às equipes de profissionais, na Instituição A o projeto conta com sete
profissionais: a coordenadora do projeto e educadora em artes visuais, um educador em
música, um educador em dança, um outro educador em artes visuais também, duas

32
psicólogas e uma assistente social. Na Instituição B a equipe é formada por uma
educadora em educação física, um pedagogo, dois assistentes sociais e dois psicólogos,
totalizando seis profissionais. E na Instituição C são cinco profissionais: uma educadora
em educação física, duas pedagogas e duas assistentes sociais.
O número de profissionais envolvidos são semelhantes entre as instituições,
todos tem formação superior na área em que atua, o que representa um avanço visto a
discussão de Coelho et al. (2009) que evidenciam a falta de mão de obra especializada de
quem está à frente dos projetos sociais. A presença da assistência social é um ponto em
comum e todos entrevistados ressaltaram a importância do profissional no decorrer do
projeto. De acordo com a diretora da Instituição A:

[...] você pega um deficiente e por trás do deficiente tem uma família muito
complicada, não só a nível financeiro, que a gente aqui é gratuito, atende
pessoas de baixa renda, mas problemas sérios outros, como lidar com essa
criança, com a higiene, a gente tem investigar tudo isso, ver se ele está na
escola, elas fazem esse papel (ENTREVISTADA I) (sic).

A Instituição B e a Instituição C abordam diversas modalidades no projeto de


dança, já a Instituição A trabalha com conteúdos da dança contemporânea. Segundo a
educadora da Instituição B, a modalidade “depende da ‘cara’ da turma. Então, eu tenho
turma que tá fazendo eletrônico, tem turma que tá fazendo pop, tem turma que tá fazendo
balé e, com os adultos, eu dou uma mesclada em ritmos, porque a dança dos adultos é
mais assim, uma dança recreativa pra eles” (ENTREVISTADA IV) (sic). A escolha é
pertinente se relacionada com os objetivos do projeto da entidade, pois a dança é somente
um meio de interação e sociabilização. Então esse formato favorece as relações entre os
participantes, visto que o diálogo se torna necessário para chegar a um consenso, como a
educadora ressalta: “[...] então assim, é decidido, a gente senta, eu trago algumas músicas,
algumas opções para apresentação e aí eles que, democraticamente, escolhem dentro do
que foi colocado” (ENTREVISTADA IV). Outro objetivo da Instituição B é a melhora
da qualidade de vida dos beneficiados, segundo Ferreira et al. (2010):

[...] através do autoconhecimento e desenvolvimento de capacidades motoras,


a dança pode contribuir para uma perspectiva de vida com mais qualidade. O
potencial criativo da dança favorece a socialização, o lazer, o
autoconhecimento, valorização pessoal e autonomia (FERREIRA, et. al. 2010,
p.59).

33
De acordo com a coordenadora da Instituição C, além da oficina específica de
balé clássico, a oficina de dança:

[...] trabalha diversas modalidades, lógico que a gente tem que acessar o
público pelos interesses deles. Então eles gostam muito das danças urbanas,
mas a gente não fica focado só nisso não. Então a gente tem a dança
contemporânea, ela faz uma mistura, ela traz um pouco da dança clássica
(ENTREVISTADA V) (sic).

Apesar da entrevistada reforçar que os educandos participam do processo


criativo, o balé clássico, por se tratar de uma modalidade codificada, não vai de encontro
com a expressão do educando, o que pauta o objetivo do projeto da instituição.

[...] o processo de ensino-aprendizagem do balé clássico, mas também de


outros estilos de dança quando desenvolvida de modo tradicionalista, faz
imaginar-se uma dança sem história, sem memória, sem conteúdo ou mesmo
uma dança em que a história e as memórias individuais e as relações com o
mundo não podem fazer parte dessa dança. Sabe-se que a dança carrega em si
a história e a memória do homem, de uma época, das relações sociais. O
problema é que essa história memorial se passa, por vezes, de modo tão
fragmentado que não alcança a experiência do dançar (PRONSATO, 2014,
p.40-41).

A entrevistada traz as danças urbanas como uma modalidade de grande interesse


dos beneficiados, o que faz a sua abordagem pertinente com os objetivos da entidade,
visto que é uma manifestação dos próprios educandos. As danças urbanas são
historicamente uma expressão da comunidade e, segundo Alves e Dias (2004), o hip hop
é uma manifestação juvenil presente nos espaços da periferia como uma forma de
resistência ao sistema vigente. As danças urbanas são elementos da cultura hip hop que
foram apropriados como produto de mercado das academias de dança, o que retoma ao
discutido por Melo (2005) sobre a construção de capital cultural e de como isso reforça a
manutenção da diferença social. Alves e Dias (2004) discutem os reflexos desta
apropriação e reforçam a importância que as danças urbanas têm na expressão do jovem.

[...] o jovem que dança o Break encontra nesta manifestação uma via
alternativa de vivência que lhe permite reinventar sua subjetividade. Assim, o
que vem de fora, imposto pelo armamento político-econômico que categoriza
o sujeito sob as rédeas de uma sociedade dividida em classes, afeta o sujeito,
mas este, por sua vez, forja espaços sob esta malha opressiva mostrando que
também pode, mas de uma outra maneira além dos ideais vigentes (ALVES e
DIAS, 2004, p.6).

34
O autoconhecimento e a expressão são objetivos da Instituição C contemplados
com as danças urbanas e com a dança contemporânea, último estilo citado pela
entrevistada, que permite a livre movimentação e criação dos educandos.
A Instituição A justifica a escolha da dança contemporânea, pois:

[...] dá uma liberdade maior num projeto experimental com a dança, permite
essa investigação dos movimentos de uma maneira que o deficiente vai
aproveitar. Não dá para trabalhar com o balé clássico aqui, porque estaria
fazendo a mesma coisa, no nosso público, que ele tem que aprender a ler e a
escrever, essa rigidez [...] (ENTREVISTADA II).

As entrevistadas trouxeram a dificuldade do deficiente lidar com a cobrança do


modelo ideal socialmente construído e citam o exemplo do alfabetismo, pois haviam
educandos que fingiam saber ler porque consideravam uma necessidade. Este aspecto
retoma ao discutido por Melo e Alves Junior (2003) que a ‘educação pelo lazer’ deve
trabalhar valores, condutas e comportamentos sem, porém, ter caráter moralista e
pregador de posturas tidas como adequadas.
Então, possibilitar a livre experimentação e a criação dos movimentos,
características da dança contemporânea, permite atingir os objetivos da entidade. De
acordo com Robinson (apud STRAZZACAPA, 2001), a dança possui três motivações
principais: o espetáculo, a recreação e a expressão, esta última a mais significativa para a
autora. A figura 1 é um diagrama em que a autora representa as motivações e as
modalidades que as almejam, sendo a dança contemporânea, a educação e lazer
relacionados com a expressão.

35
Figura 1: Diagrama das motivações da dança / Fonte: Robinson (apud STRAZZACAPA, 2001, p.72)

Todas as entidades apontam os recursos humanos como a despesa principal do


projeto. O outro gasto em comum é com o espetáculo realizado ao final do ano, o que
envolve materiais cênicos, figurinos, material gráfico, adereços e toda uma estrutura
específica para a realização do evento. As instituições apontam a importância desse
momento para os educandos, como o pedagogo da Instituição B traz em sua fala:

[...] as apresentações é um motivo a mais para a criança se desempenhar, se


desenvolver, é um objetivo, é uma reta final para ela. Então eu acredito que se
no final sempre de um ensaio se tem uma apresentação a criança tem um
motivo a mais para estar se desempenhando (ENTREVISTADO III).

A Instituição A possui um convênio com a Secretaria de Assistência da


Prefeitura de Campinas/SP que financia uma psicóloga e uma assistente social. A ONG
conta também com um auxílio do Ministério do Trabalho, que repassa as verbas

36
arrecadadas de empresas multadas para a entidade e, com ela, é pago os outros
profissionais do projeto. O restante a instituição se autofinancia.
A Instituição B conta com três recursos para seu financiamento, ou seja, a
Prefeitura do munícipio, a Fundação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC) e
a própria entidade com o bazar beneficente. Muitos materiais que a educadora utiliza nas
oficinas vêm de doações, de acordo com o pedagogo "[...] no decorrer do ano, se a gente
sabe que vai ter alguma apresentação, e a educadora vai usar certo tipo de material,
quando chegar a doação a gente vai guardando esse material, pra quando chegar a
apresentação a gente já tem o material” (ENTREVISTADO III).
Cerca de 60% do financiamento da Instituição C advém da prefeitura, o restante
é suprido pela própria entidade. Dentre as formas internas de arrecadação de recursos
estão a destinação de impostos de renda, tanto da pessoa jurídica como da pessoa física,
e eventos beneficentes.
Em todas as instituições é observado o auxílio da prefeitura no financiamento,
ou seja, o patrocínio de terceiros (PASSADOR, 2002). Isto retoma a Montaño (2002) e
sua discussão de como as ONGs passam a ter uma relação de parceria e dependência do
Estado, o que favorece uma “terceirização” dos movimentos sociais, visto que estas
passam a ter uma relação indireta com o Estado, intermediado pelas ONGs. Tal fato
contraria a definição de ONG defendida pela ABONG (2016), onde traz a busca do
fortalecimento dos movimentos sociais como uma de suas funções.
O processo de planejamento das entidades é semelhante e dialogam com os três
momentos do planejar defendido por Bramante (1997). A princípio ocorre a Formulação,
que consiste em uma reunião com a equipe de profissionais envolvidos, onde é definido
as intenções do projeto, a previsão das despesas, os recursos disponíveis e um cronograma
de execução. Depois ocorre a fase de Implementação do projeto, que é a execução
propriamente dita, e o Monitoramento que acontece por meio de pequenas avaliações
diárias tanto com a equipe técnica do projeto como com os educandos. Na Instituição A
e na Instituição C este monitoramento técnico é por meio de uma conversa entre os
profissionais após a realização da atividade, já na Instituição B é usado um relatório que
o educador escreve após a vivência. O monitoramento com os educandos acontece por
meio de uma roda de conversa após as atividades nas Instituições B e C, já na Instituição
A, por se tratar de um público com limitações, a avaliação ocorre a partir da observação

37
dos educadores. Por fim ocorre a Avaliação, que é dividida em dois momentos nas
entidades, uma no meio do ano, a fim de aprimorar o planejamento para o segundo
semestre caso necessário e a outra no final do ano. As famílias dos beneficiados também
participam do processo de avaliação nas Instituições A e C. Na Instituição A isso ocorre
através de conversas principalmente por meio da assistência social, já na Instituição C
existe uma avaliação escrita.
A participação da comunidade no processo de planejamento acontece somente
através da avaliação na Instituição C. Na Instituição A ocorre uma reunião antes do início
do projeto com toda a equipe e as famílias dos educandos, porém o caráter é mais
informativo, de acordo com a diretora da Instituição A:

[...] em vários momentos nós fazemos reuniões com a família, como quando a
gente começou o projeto, foi uma reunião grande que apresentou os
profissionais, apresentamos a proposta, claro que tem mil perguntas, mas
assim, a nível de falar acho que pode ser assim ou assado, não. Acho que isso
não entra muito, mas ao longo do caminho a gente tem muito contato com eles
(ENTREVISTADA I) (sic).

A diretora relata que isso se deve ao fato da especialidade da entidade, pois o


público com deficiência intelectual exige todo um cuidado para seu atendimento, bem
como o de sua família:

[...] a psicóloga fala com os pais, elas fazem visita domiciliar quando tem a
necessidade, que a gente percebe que às vezes eles mudam de remédio, às
vezes a mãe não dá o remédio direito, o menino vem aqui e surta, então
trabalhamos com um público que tem esses problemas, que tomam remédios
fortes, que surtam, ou que chega aqui dormindo e ele não estava assim ontem,
será que a mãe deu errado? A gente tem que ficar de olho em como ele chega,
em como ele tá (ENTREVISTADA I) (sic).

A Instituição B, por outro lado, tem a participação efetiva da comunidade no


processo de planejamento. Os adultos têm uma comissão, a qual participa de reuniões
junto dos profissionais. As crianças e os adolescentes participam por meio do diálogo
com os educadores.
Apesar da participação dos beneficiados acontecerem de diferentes formas e
intensidades, foi observada uma preocupação das três entidades sobre o processo
avaliativo, o qual busca coletar o máximo de informações da comunidade a respeito do
projeto e que, segundo os entrevistados, são discutidos e considerados no processo de
formulação. Retomando a Gestão Participativa defendida por Coelho et al. (2009), o

38
princípio é a comunicação com os beneficiados, o diálogo para que o projeto atenda
demandas reais sem perder o foco durante o processo. Couto e Couto (2011) caracterizam
a Gestão participativa pelo envolvimento da comunidade do projeto em todas as etapas
do planejamento e desenvolvimento do projeto e possibilita espaços para o diálogo. Melo
(2005) também discute a importância de agir em conjunto com os beneficiados do projeto.
Com isso, pode-se observar que nas três instituições tem um processo de monitoramento
e avaliação que permite essa comunicação diária, o que pode ser considerado um ponto
de partida para que esse diálogo se aprofunde e venha a se tornar uma participação mais
efetiva da comunidade em todas as etapas do planejamento.
A divulgação do projeto na Instituição A é por meio da mídia e por meio de redes
sociais virtuais. A diretora relata que, por se tratar de uma entidade antiga e conhecida da
cidade, não há grandes dificuldades nesse quesito: “[...] a gente teve uma matéria do jornal
no meio do ano, porque a escola é muito antiga, a escola é muito conhecida porque a
gente já fez tanta coisa, então às vezes a mídia vem, chega, cai no colo”
(ENTREVISTADA I) (sic). Um dos vídeos de divulgação da entidade, vinculado a uma
rede social virtual, mostra a fala do dirigente da empresa que patrocinou o projeto. Isso
retoma ao marketing social discutido por Passador (2002) e Melo (2008), em que as
empresas atuam no financiamento das ações sociais na busca da construção de uma
imagem de responsabilidade social, além de descontos fiscais.
Na Instituição B a divulgação ocorre por meio de apresentações em escolas o
que, de acordo com a educadora, houve dificuldades nesse sentido, neste ano: “Porque
eles [educandos] fazem várias atividades. E por conta das greves nas escolas, de tudo, a
gente não teve oportunidade de ir” (ENTREVISTADA IV). A ONG também possui
divulgação por seu endereço eletrônico e por redes sociais virtuais.
A Instituição C faz a divulgação por meio de uma reunião intersetorial que
envolve um representante das escolas da região, um representante do Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) e um representante da própria Instituição C.
Essas reuniões ocorrem mensalmente e os envolvidos se auxiliam na divulgação de suas
ações para a comunidade. Outro meio de divulgação acontece pelos próprios
frequentadores que usam a camiseta da ONG, de acordo com a diretora educacional:

Hoje a gente já quase nem precisa divulgar, porque as próprias crianças têm
uma camiseta do projeto. A gente entende que isso não é ser uma escola formal,

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muitas vezes as pessoas confundem, [...] ela é um espaço de desenvolvimento
humano, mas ela tem uma organização e essa organização só nos favorece e
favorece quem vem aqui. Então aqui tem chamada, a gente faz controle de
frequência porque a gente precisa saber quem está frequentando, porque tá
faltando, quem não está vindo, tem uniforme que é a camiseta, e o que eles
fazem aqui eles levam para fora, então os próprios educandos são RH naturais
(ENTREVISTADA V) (sic).

Quanto às dificuldades enfrentadas pelo projeto, a Instituição B destaca a


transição de educador a frente da oficina, de acordo com a educadora: “Isso sempre é um
problema em oficina, então leva-se um tempo, ainda mais que foi colocado uma proposta
nova, então ficam sempre aqueles que gostam e aqueles que não gostam
(ENTREVISTADA IV)” (sic). O pedagogo levanta o mesmo problema: “[...] eu coloco
sobre isso porque até para as crianças se adaptarem com a professora de judô,
administrando a atividade de dança foi complicado no início, mas depois elas
conseguiram se acostumar e ano que vem vai estar melhor ainda” (ENTREVISTADO
III). O outro aspecto levantado por ambos foi a dificuldade das apresentações em escolas
no decorrer do ano, como exposto anteriormente. Já a dificuldade apontada pela
Instituição A e Instituição C é o aspecto financeiro. De acordo com a diretora educacional
da Instituição C:

A dificuldade maior é falta de recurso, que a gente muitas vezes fica muito
restrito. A gente não sai muito, às vezes sai duas vezes por ano. O espetáculo
mesmo, para fazer um espetáculo no final do ano, recurso para fazer figurino
é caro. Quando tinha o projeto a gente conseguia colocar tudo isso dentro do
projeto, figurino, agora a gente não tem. Então minimamente a gente tem que
pagar o educador, o lanche para as crianças, ter o material pedagógico de uso
diário aqui e quando chega o sarau a gente tem que usar criatividade, pedir
doação, correr atrás de parcerias. Então a maior dificuldade que nós temos hoje
é a falta de dinheiro (ENTREVISTADA V) (sic).

A diretora da Instituição A relata:

A dificuldade não é o projeto, a dificuldade é manter aberta a instituição, tem


que ter o projeto é claro, mas têm outras... isso aqui é muito grande, o espaço
é muito grande, tem coisas administrativas, de logística, sabe, é muita coisa.
Então é financeira, em primeiro lugar, uma reserva certa, em pensar uma coisa
assim garantida, porque é muito instável, isso faz com que não consiga planejar
muito pra frente, é essa aflição, acho que esta é a principal (ENTREVISTADA
I) (sic).

Essa instabilidade é discutida por Melo (2007) em que a lógica neoliberal tem
sua manutenção e difusão pelos projetos sociais, sendo que “a possibilidade da fonte de

40
financiamento cessar - por motivos vários- e os usuários, supostamente sujeitos de
direitos, serem sumariamente descartados é constante” (MELO, 2007, p.19).
Segundo a coordenadora do projeto da Instituição A, a dificuldade

[...] é manter um projeto que se sustente, é lidar com a frustação de você


perceber os avanços palpáveis de 12 anos estando aqui, você perceber quais
intervenções de fato funcionam, você conseguir e no dia seguinte você ter que
acabar, você ter que se reinventar sabe-se lá como, você ter que mandar 70
crianças de volta pra casa (ENTREVISTADA II) (sic).

Hübner (2004) destaca a importância de o planejamento buscar a


sustentabilidade dos recursos humanos, ambientais, financeiros ou materiais. Essa
preocupação é vista no projeto da Instituição A, de acordo com a coordenadora do projeto:

[...] tudo foi construído aqui, desde da marcenaria, dos figurinos, tudo foi
pensado aqui os instrumentos eram construídos, afinados e inclusive a
gravação do CD foi aqui. A gente tinha essa ideia de manter o projeto
sustentável aqui, ele não se sustentou depois porque a gente não arrecadou,
mas tudo a gente queria que fosse feito e elaborado aqui. Então a gente tinha
um grupo que permitiu, né? A gente acabou tendo um grupo que permitiu,
então assim, tinha marceneiro, tinha um músico, então em 2013 que a gente
acabou fechando esse projeto, que aí mudou o cenário completamente [se
referindo ao corte do ProAC] (ENTREVISTADA II) (sic).

Vale ressaltar que a Instituição A conseguiu a aprovação do projeto pelo ProAC


novamente em 2015, mas não houve empresas para financiar. Zingoni e Ribeiro (2006)
discutem como é difícil gerir um projeto que é financiado por várias fontes de recursos.
“É necessário planejar cuidadosamente, monitorar a partir de indicadores previamente
estabelecidos e avaliar seus resultados” (ZINGONI e RIBEIRO, 2006, p.10). Para um
projeto ser contemplado com as fontes de financiamento de programas como o ProAC e
a Petrobrás, porém, é necessário submeter um planejamento detalhado. De acordo com a
diretora educacional da Instituição C: “[...] a Petrobrás tem um nível de exigência
altíssimo para aprovar os projetos, tanto de acompanhamento, de resultados”
(ENTREVISTADA V). E, após o corte, o projeto da Instituição A e da Instituição C foram
reduzidos e replanejados com a nova realidade de recursos.
Então, foi observado que as principais dificuldades dos projetos pesquisados são
a instabilidade e a necessidade de reformulação constante visto a dependência do
financiamento do primeiro e do segundo setor. O que retoma ao Gouveia (2007) que

41
aponta a identificação de fontes de financiamento e a captação de recursos como
dificuldades atuais das ONGs.
Segundo Oliveira (2005), o terceiro setor surgiu na tentativa de prover ou
reforçar as ações que são obrigações estatais. Além da transmissão de responsabilidades
para o terceiro setor, as políticas públicas voltadas para o financiamento dos projetos
sociais são insustentáveis e inconstantes. Como apontado por Coelho et. al. (2009), há
décadas que o Estado mínimo prejudica a população e reforça a diferença social. Isto
retoma a discussão de Santos e Amaral (2010) sobre como o lazer ainda é tratado apenas
como política de governo, apesar de ser um direito social que deveria ser assegurado a
todos pelo Estado.
Como Montaño (2002) defende, é necessário revitalizar os movimentos sociais,
reassumindo a parceria com as ONGs. O que vai de encontro com o discutido por Santos
e Amaral (2010) onde há a necessidade de ampliar a discussão política sobre o lazer, para
que a população o reconheça como relevante, cobrando as ações do Estado a fim de
assegurar esse direito constitucional.

42
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visto os objetivos deste trabalho, os quais foram analisar as características do


planejamento dos projetos sociais na área da dança realizados por ONGs da cidade de
Campinas/SP e buscar relações com as possíveis dificuldades que tais projetos enfrentam
em sua implementação, foi encontrado que a principal dificuldade das entidades é o
financiamento dos projetos, o que vai além do processo de planejamento.
Como visto na pesquisa bibliográfica realizada, a participação da comunidade
no processo de planejamento é um fator que auxilia atender as reais demandas do
beneficiado, o que é uma preocupação das instituições entrevistadas, em que uma já
apresenta a participação efetiva em todo o processo de planejamento. Seria válida uma
pesquisa que buscasse a visão da comunidade também neste processo, para averiguar se
a participação vem ocorrendo da forma esperada bem como uma avaliação do projeto
social em si.
Outro aspecto encontrado é que todas as entidades têm em vigência um projeto
recente, mas que foi reconfigurado a partir de um projeto anterior. Essa instabilidade se
dá justamente pelos recursos inconstantes e a principal fonte de financiamento das
entidades é a Prefeitura de Campinas/SP. Isto vai ao encontro com a pesquisa
bibliográfica realizada, em que foi apontado esse aspecto neoliberal do primeiro setor.
Então há uma transferência de funções e responsabilidades do Estado para o terceiro setor
e o financiamento, que minimamente este promove, é inconstante e insustentável, o que
influencia diretamente nas ações das ONGs que não conseguem se manter estáveis.
Os resultados da presente pesquisa contribuem para a discussão do terceiro setor
e de suas ações no campo do lazer, na busca de ampliar o debate sobre este direito social
e na expectativa do seu reconhecimento, bem como a melhoria dos projetos sociais que o
objetivam. Este trabalho também visa incentivar futuros pesquisadores a realizarem
estudos da mesma natureza e outros de maneira mais ampla.

43
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47
ANEXOS
Anexo I – Roteiro de entrevista

Instituição:
Nome do Projeto Social:
Entrevistado:
Função:

1. Há quanto tempo existe o projeto?


2. Quais os objetivos do projeto?
3. Qual o público que o projeto atende? Qual a estimativa de pessoas que já foram ou
são beneficiadas com o projeto? Existe muita rotatividade dos beneficiados?
4. O projeto conta com quantos profissionais na equipe? Qual as funções e formação
de cada envolvido?
5. Qual modalidade de dança é abordada? Existe algum motivo específico para esta
escolha?
6. Quais são as despesas do projeto? Qual a fonte de financiamento?
7. Quais foram as etapas do processo de planejamento?
8. A comunidade beneficiada participa do processo de planejamento? Se sim, quais
etapas ela participou?
9. Como acontece a avaliação do projeto? Com que frequência ela ocorre?
10. Como é a divulgação do projeto?
11. Desde sua criação, quais dificuldades o projeto já enfrentou e/ou ainda enfrenta?

48
Anexo II – Comitê de Ética

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