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1a Edição
Miranda, Felipe
Contra o financismo : o método mais prático e
eficiente para investir em ações / Felipe Miranda
e Rodolfo Amstalden. -- 1. ed. -- São Paulo :
Empiricus, 2016.
Bibliografia.
ISBN 978-85-92581-01-5
16-06800 CDD-332.6
Índices para catálogo sistemático:
1. Mercado financeiro e de capitais : Economia
332.6
Prefácio..................................................................... 09
Introdução................................................................ 19
Epílogo................................................................... 139
Prefácio
Caro leitor,
Provavelmente nunca ouviu tal expressão, mas pode deduzir seu signifi-
cado com o empurrãozinho semântico aqui prefaciado por mim, a pedido
do Felipe e do Rodolfo.
.9.
Por que você não conseguiria entender sobre o funcionamento de um
título público que protege contra a inflação ou sobre o fluxo de caixa de
uma empresa que distribui dividendos regularmente?
Prever o futuro (vai subir ou vai cair) nada tem a ver com a nobre tarefa
de pesar vários tipos de futuro (vale a pena?). Prever o futuro é uma ambição
impossível. Pesar vários futuros é um exercício útil.
.10.
Como conseguimos atingir esse alto grau de verossimilhança num mo-
mento em que o futuro desafiava radicalmente o passado? Lendo aquilo que
o Financismo não lia, estudando aquilo que o Financismo não estudava,
falando aquilo que os advogados, engenheiros e médicos poderiam compre-
ender facilmente.
.11.
Para na já citada metodologia rasa das planilhas, para nos interesses co-
merciais do banco no qual trabalha ou nas ordens frenéticas da corretagem
que remunera seu trabalho. Desimpedido, poderia seguir em frente. Travado,
desiste e adere ao conforto de uma remuneração por soma zero, em que o
cliente perde enquanto ele ganha.
Posso afirmar pois fui eu mesmo, certa vez, a vítima dessa mesma dita-
dura financista. Trabalhei em bancos internacionais – aqui, na Europa, em
Nova York –, onde conheci a arrogância e a incompetência que tanto nos
distanciam dos nobres dentistas.
.12.
O que significa “Empiricus”? – de certo, não é uma alcunha comum.
“Eu sei que o mel que eu provo tem um gosto doce” – ele dizia. “Mas sei
também que esse adocicado talvez não me explique nada sobre as verdadeiras
propriedades do mel”.
.13.
Quais são as verdadeiras propriedades de um título público? A política
fiscal por trás do déficit primário? O Estado de mal-estar social?
.14.
Sem meio termo, ou eles partem de premissas utopicamente racionais ou
de premissas descaradamente comerciais.
.15.
Temos que dançar dançando, e investir investindo. Não existe fórmula
mágica, robôs, algoritmos ou guias definitivos para o seu bolso. Pare de
procurar por essas soluções externas e comece a experimentar você mesmo.
Você não é Warren Buffett, mas já está preparado desde antes deste prefá-
cio. Preparado não para um sucesso de capa de revista, mas sim para o suces-
so que nos interessa: cumprir necessidades e satisfazer vontades financeiras,
suas e de sua família, ao longo de todo o seu ciclo de vida.
.16.
Introdução
“Querido Pai,
Tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti. Eu
não soube, como de costume, o que te responder, em parte justa-
mente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos
detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los
no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E se procuro re-
sponder-te aqui por escrito, não deixará de ser de modo incompleto,
porque também no ato de escrever o medo e suas consequências me
atrapalham diante de ti e porque a grandeza do tema ultrapassa de
longe minha memória e meu entendimento”.
.19.
Apesar de começar assim, este livro pouco tem de kafkiano. Ele não traz
nenhuma ideia repressiva ou surreal. Tampouco simboliza um acerto de
contas com a figura paterna. Há outros motivos envolvidos desde o início.
Essas linhas primeiras, extraídas da Carta ao Pai de Kafka, são uma ho-
menagem amorosa aos nossos pais, mestres e a todos aqueles que, de alguma
forma, exerceram ascendência intelectual sobre os autores. Obrigado, nós
amamos vocês.
Para além dessa gratidão pessoal, o trecho foi escolhido visando rebater
o fato estilizado – antigo e autoritário – de que só o especialista em Admi-
nistração ou Ciências Econômicas pode fazer bons investimentos. Aceitar
esse clichê é compactuar com uma limitação intelectual cujos danos à saúde
(financeira) são irreversíveis.
Ao longo dos próximos capítulos, você perceberá que os autores têm uma
ideia fixa na cabeça: seguindo lições simples, o leigo pode se sair inclusive
melhor do que o profissional financeiro. Usando sua própria inteligência, o
advogado, engenheiro ou médico está habilitado a bater as recomendações
do gerente de banco, inclusive por larga margem.
Como bem nos ensinou o investidor Guimarães Rosa, o que esta vida
quer da gente é coragem. Enfrentaremos corajosamente o estereótipo do
financista sabe-tudo, amparados na certeza de que uma mudança tan-
gível na forma de tratar seus investimentos poderá alçá-lo a uma nova
compreensão do que é rentabilidade.
.20.
privilegiamos o foco total em ganhar dinheiro – seja nos campos filosó-
fico, teórico ou prático.
Já se você tem uma outra motivação – em vez de estar certo, quer sim-
plesmente ganhar dinheiro – então pode abrir mão de ser um PhD. Você
reconhece a impossibilidade de entender a realidade e tentar adivinhar o
futuro. O ininteligível não significa o “não inteligente”. Em vez de procurar
entender o mundo e fazê-lo caber em poucas linhas de uma planilha, passe
a aproveitar o quanto não conhece. Em vez de brigar contra sua ignorância,
beneficie-se dela. Do limão à caipirinha. Como viver num mundo que não
entendemos? Essa é a tarefa, afinal.
.21.
Gostaríamos de saber das coisas, mas não é assim que funciona. Lembra
o Caetano em Cajuína? “Existirmos, a que será que se destina?” Não sabe-
mos, nem vamos saber. Ora, então por que tentamos entender cada nota de
rodapé da realidade financeira, em vez de focarmos em beneficiar-nos da
nossa ignorância e da incerteza que nos cerca?
.22.
Jogo de influências
A organização (ou a falta dela) deste livro é curiosa. Reúne relatos pes-
soais, casos reais, um pouco de filosofia e, mais importante, o objetivo de
mostrar a capacidade de o leigo superar o profissional – falamos aqui espe-
cificamente do caso financeiro, mas estamos um tanto convencidos à esta
altura de que serviria para quase todas as disciplinas das Ciências Sociais.
.23.
Somos, sim, e continuaremos sendo admiradores desses monstros sa-
grados. Estamos defendendo apenas uma superioridade epistemológica na
antifragilidade frente aos ensinamentos da Escola de Valor. Não precisa-
mos ter medo dos nossos pais e mestres. Se quiserem, ainda assim, mandar
e-mails em defesa de Buffett (como se ele precisasse), responderemos com
prazer.
Veja bem, não é por que você não entende uma coisa que ela não existe.
Há o conhecimento passível de narrativa/formalização e há o mais opaco.
Com todo o perdão da palavra, eu, imitando a Clarice Lispector, sou um mis-
tério para mim.
.24.
Na Escola, misturávamos história antiga e mitologia grega, temperando
a salada com dúvidas – algumas filosóficas – sobre o que era filosofia. Não
sabia se o tal Aristóteles era Deus, semideus, herói ou humano. Recente-
mente fiquei feliz em saber que o sujeito pertencia à ultima categoria. Ele
também cometia seus erros. Se fosse herói, teria – como os outros – morrido
de overdose.
.25.
Na verdade, a coisa funciona justamente na direção contrária: os lucros
vieram do aproveitamento da ignorância, e não do conhecimento. Tales
estava na posição de se beneficiar fortemente de um resultado positivo,
tendo, em contrapartida, sua perda limitada pelo pagamento antecipado e
barato. Paga-se um preço pequeno para expor-se a uma chance de grandes
lucros. Perde-se pouco em caso de resultado negativo e ganha-se muito em
caso de acerto. Essa é a ideia central da antifragilidade.
A hora de definir
.26.
O erro faz parte das situações que envolvem incerteza. Não dá para tentar
domesticar o desconhecido, tratando a realidade com a mesma complexi-
dade de videogame ou jogos de cassino, em que os cenários potenciais e as
probabilidades de ocorrência são conhecidas a priori.
.27.
proporcionalmente conforme a intensidade do choque negativo; os ganhos,
por sua vez, aparecem em intensidade inferior àquela do choque positivo.
Uma xícara é frágil ao impacto. Vários choques muito pequenos não vão
fazê-la quebrar. Um único golpe um pouco mais forte e ela está desfeita. O
corpo humano é frágil à altura. Dez quedas de 50 centímetros causam pouca
(ou nenhuma) lesão. Uma única queda de cinco metros pode ser fatal. Tacar
1.000 pedras de 100 gramas num sujeito pode ser desprezível. Basta uma
pedra de 100 kg para empurrar o cidadão para o andar de cima. Em cada
uma dessas situações, o resultado negativo (prejuízo ou perda) aumenta em
velocidade superior àquela da intensidade do choque.
.28.
Quando se está diante de algo frágil, um evento adverso vai lhe trazer
grandes perdas. E quanto mais adverso, ainda maiores as perdas. Já um even-
to positivo traz poucos ganhos, que crescem em ritmo lento à medida que o
resultado favorável se intensifica.
Quando você faz o seguro da casa, você não acha que sua casa vai ne-
cessariamente pegar fogo. Mas, se estiver errado, perderá apenas o valor do
prêmio. Certamente, um prejuízo pequeno frente à possibilidade de arcar
com todo o patrimônio imobiliário.
.29.
O primeiro capítulo introduz o value investing tradicional. Colocamos
aí os principais conceitos do Investimento em Valor a partir dos ensinamen-
tos clássicos de Benjamin Graham e Warren Buffett. Tratamos também da
evolução da Escola de Valor, passando da maior importância ao passado,
conforme as determinações iniciais de Graham, para posterior possibilidade
de incorporarem-se fluxos futuros na determinação do valor de uma empre-
sa, tratando da influência de Philip Fisher sobre Warren Buffett. A seção é
fechada com a exposição de um Modelo de Fluxo de Caixa Descontado, e
de como o método remete ao mito da Cama de Procustos.
.30.
buffettiana do ponto de vista prático. Muito do processo de investimento
se apoia em conhecimento tácito, há um grande reducionismo nas narrati-
vas e boa parte dos casos de sucesso de Warren Buffett esteve, a rigor, mais
associada ao growth investing (investimento em crescimento futuro, e não
em valor).
.31.
I. Quer investir em valor?
Este não é um livro sobre value investing. Ao menos nestas páginas, não
estamos bitolados em investimento em valor, escola de valor ou qualquer
outro nome a gosto do freguês que envolva “valor”. Há centenas de livros na
área. Alguns são bem legais, desconfia-se de muitos.
.33.
Num esforço didático, acho que dá pra resumir a filosofia em dois
pilares centrais:
(ii) Podemos estimar com alguma precisão o valor de uma companhia. A essa cifra
dá-se o nome de valor intrínseco – por ser indissociável, inapartável e íntimo à firma.
.34.
práticas de que quem forma o preço da ação é o mercado e, por conseguinte,
investidores. Todas as vicissitudes da interação social dos agentes de mercado
são simplesmente ignoradas.
.35.
No meio do século XX, adivinhar o futuro significava introduzir elemen-
tos da ficção na análise de ativos financeiros. Certa vez, Graham chegou a
dizer: “a combinação de fórmulas precisas e suposições imprecisas pode ser
usada para estabelecer ou justificar qualquer valor desejado, por mais alto
que seja”. Versão mais elegante para a seguinte afirmação rápida e rasteira:
“as planilhas de projeção aceitam qualquer coisa”.
.36.
outra língua. Ainda assim, mesmo dispondo de péssimo inglês, arrisco
uma tradução livre da definição:
.37.
desse método: lógica sólida, simplicidade da aplicação e um exce-
lente histórico. No final, é uma técnica que permite ao verdadeiro
investidor explorar o excesso de otimismo ou de apreensão inerentes
à especulação alheia”.
Pescador do futuro
Eu tinha dois heróis e sempre insistia que meu velho voltasse da Heitor
carregando ao menos um deles embaixo do braço. Enquanto empurrava os
óculos com o indicador direito contra o meio das sobrancelhas para mitigar
a miopia, ele acelerava o passo pela calçada, prensando a sacola bege nas
costelas com a parte interna do braço. Dentro, havia de conter Rocky: O
Lutador e/ou De Volta para o Futuro. Sem isso, meu final de semana estava
acabado. Decorei até mesmo as frases do Paulie e nunca me esquecerei da
engraçada previsão de Dr. Emmett Brown de que Ronald Reagan seria pre-
sidente dos EUA.
.38.
Desde então, sou um apaixonado pelo futuro, mas confesso: já desisti
de entendê-lo. Virei uma espécie (menos santa) de Madre Teresa. “O ontem
já foi. O amanhã ainda não chegou. Nós só temos o hoje. Vamos começar”.
.39.
como um parâmetro, para uma perspectiva menos newtoniana, em que o
valor intrínseco se torna uma variável.
.40.
3- Quão efetiva é a área de pesquisa e desenvolvimento da companhia
frente a seu tamanho? Para desenvolver um novo produto, o esforço
em P&D precisa ser eficiente.
.41.
9- Existe uma cultura enraizada – com a devida profundidade no
management – capaz de transcender uma única gestão? Estamos atrás
de crescimento por décadas, sendo nevrálgica uma amostra grande de
talento do management por gerações. Alerta adicional sobre manage-
ment relutante em delegar funções.
11- Há algum atalho, uma dica ou qualquer coisa que possa fazer o in-
vestidor perceber as vantagens competitivas daquela empresa frente aos
competidores? É importante ao investidor entender de onde vêm os
fatores de sucesso daquela firma e como ela lida com a concorrência.
.42.
magras? Todo negócio vai ter seus percalços. Escolha firmas dispostas
a mostrar todo o aspecto do negócio, suas partes boas e ruins – você
precisa conhecer o inimigo e, portanto, é importante conversar tam-
bém sobre os pontos fracos.
Pronto: você já tem 15% do cérebro de Warren Buffett. É bom, mas pre-
feriria 15% do patrimônio, né?
Não dá pé, não tem pé nem cabeça, não tem ninguém que mereça, é o
bicho de sete cabeças.
.43.
A (R$ 100, 50%)
(50%*100) + (50%*0) = R$ 50
B (R$ 0, 50%)
Pois bem, o valor de uma firma vem de seus fluxos de caixa projetados.
Evidentemente, uma mesma cifra não representa a mesma coisa hoje e ama-
nhã. Há um custo do dinheiro intimamente associado ao tempo, e esse custo
é dado pela taxa de juros. Logo, precisamos descontar os fluxos de caixa
futuros da empresa por uma determinada taxa de juro.
Depois de ler as próximas linhas, talvez você pense que tenho algo pes-
soal contra o DCF. Eu juro: ele nunca me tratou mal, nem quis sair com
minha mulher ou me negou uma carona. Minha relação com o Fluxo de
.44.
Caixa Descontado parte de uma história curiosa, mas as críticas são essen-
cialmente técnicas, ok?
Começo pela experiência pessoal. Apesar da calvície, não sou tão velho
assim. Mas em Finanças me considero um dinossauro.
Por influência do meu pai, que acabara de deixar o Banco Safra depois
de 20 anos e fora trabalhar em casa como trader/analista de ações, comecei
cedo na renda variável. Pé trocado! Comprei minha primeira ação aos 14
anos. Era o auge da Nasdaq e eu, metido a descolado, fui logo enchendo o
carrinho (à época bem pequeno, por razões óbvias) das famosas Globonabo.
Gostaria de esquecer da PLIM4. Em contrapartida, se pudesse, tatuaria as
queridas CMET4, que me renderiam alguns quinhões.
.45.
assim. Dizem que está cada vez mais impossível arrumar estagiário, naquela
época já era difícil. E lá fui eu pra área de sales de mercados emergentes, com
foco em operações estruturadas de derivativos. Alguém conhece lugar pior
para começar? Já não bastava perder a virgindade com a Globonabo?
Então lá fui eu para uma nova rodada de perguntas com o RH. Dona Jú-
lia, muito gentil, conversou comigo por uns 45 minutos e disse ter gostado
de mim – pois é, tem gosto para tudo, bicho. Só pediu algo simples como
lição de casa: “Você pode fazer esta análise de Ultrapar pra gente?”
.46.
Era uma planilha com modelo de Fluxo de Caixa Descontado para Ul-
trapar e suas 276 mil unidades operacionais. O Excel continha mil linhas,
separadas em oito abas diferentes. Arrisquei-me numa inicial masturbação
com os números. Mas logo percebi que aquilo era tão absurdo que poderia
preencher as células com qualquer coisa que me viesse à cabeça. Uma clara
transcrição quantitativa do que é a subjetividade.
Talvez ainda pior: uma única linha em meio àquelas mil seria suficiente
para mudar tudo. Uma célula (i)mexível tornaria o caro barato e vice-versa,
com variações radicais sobre o valor intrínseco. Resultado: não fui adiante
com a lição de casa, desisti da vaga de imediato. Adeus ao Paca, adeus à
calabresa.
Por ironia, aquilo despertou minha atual vocação. Se há algum uso pra
mim nesta vida, é como analista de ações. E não vou para compactuar com
um método que pressupõe preenchimento exato de mil linhas. Desde então,
firmei esse compromisso ético e moral. Como resume Taleb: se você vê uma
fraude e não a aponta, então você também é uma fraude.
.47.
Rei nu, rei posto
Quero deixar o rei nu. Vamos construir juntos um modelo de DCF para
você ver com os próprios olhos as doses de absurdo envolvidas. O financis-
mo engravatado tenta, platonicamente, fazer com que a realidade complexa
caiba numa planilhinha de Excel.
.48.
Receita Bruta – Impostos Diretos = Receita Líquida
Daí tomamos fôlego para subtrair o Custo dos Produtos Vendidos, alcan-
çando o lucro bruto.
Faremos nosso modelo aqui para uma empresa de varejo. Poderia ser
qualquer uma. Cada qual tem uma especificidade, mas a essência é a mesma.
.49.
sales”) e uma curva de maturação para as debutantes, sob premissa de evolu-
ção gradual das vendas conforme a experiência histórica.
Agora faltam só três coisas até o fluxo de caixa do primeiro ano: gastos
com investimento (no jargão inglês, capex), depreciação e variação do capital
de giro.
.50.
O capex depende da decisão empresarial de quanto aplicar para expansão
ou manutenção da capacidade. A depreciação é feita usualmente como um
patamar fixo por ano (20% do ativo fixo, por exemplo). Já a variação de
capital de giro exige nada menos do que a estimativa de todos os ativos e
passivos mais dinâmicos da empresa.
Pois bem, por meio desse esforço rápido, temos o fluxo de caixa do pri-
meiro ano. Replicamos o mesmo exercício para todos os demais anos, até
o infinito, e trazemos a soma total a valor presente pela taxa de desconto
apropriada.
.51.
precisamos saber para o cálculo da perpetuidade é (i) qual o ritmo de cres-
cimento da empresa quando ela atinge a maturação e (ii) qual a taxa de
desconto apropriada.
Vixe, mas até agora não falamos dessa última… tratamos apenas generica-
mente de uma taxa de desconto “adequada”. Mas qual é?
, onde:
.52.
“Kd” é o custo médio da dívida, igualmente público (a rigor, podemos subtrair
daqui o benefício fiscal da dívida).
Como de praxe, isso é feito por uma equação de CAPM (Capital Asset
Pricing Model), definida conforme segue:
, onde:
.53.
de excesso do retorno de mercado sobre o ativo livre de risco (E(Rm) – Rf),
ponderado pela resposta da respectiva ação a variações do mercado.
.54.
O bandido tinha em sua casa uma cama de ferro moldada a seu exato ta-
manho. Todos os viajantes que por lá passavam recebiam o hospitaleiro con-
vite para se deitarem nessa cama. De forma a adaptar os hóspedes ao repouso,
Procusto seguia à risca o molde, cortando as pernas dos mais altos e esticando
os mais baixos. Assim, todos poderiam caber em sua cama “versátil”.
.55.
de causar distorções de pelos menos 10% no valor da empresa (na verdade,
10% de erro seria como acertar em cheio).
Não tenho a pretensão de virar Teseu, mas reservo ainda mais uma crítica
ao Procusto financeiro. Existe um problema de autorreferência, ou seja, de
incoerência interna ao modelo.
.56.
Não podemos, no mesmo método, usar o CAPM e esperar por valoriza-
ções extraordinárias ponderadas pelo fator de risco. Os financistas precisam
decidir o que querem da vida.
.57.
II. As armadilhas de valor
.59.
Entrou em casa sem conseguir disfarçar. Falava alto e ria desenfreada-
mente. Gostaria de tê-lo visto mais assim, mesmo com aquelas risadas um
pouco constrangedoras e exageradas. A alegria descomedida tinha uma ra-
zão. Ele tinha acabado de comprar um Monza Classic 2.0, raridade à época.
Azul marinho, aquele bem típico, que se confunde com a cor do terno,
exatamente do jeitinho que minha mãe gostava.
Ou nem tanto…
De repente, o barato ficou caro. O que meu pai passou a chamar de eco-
nomia com porcaria. Lição prática – e custosa – de que, por vezes, existe um
motivo pras coisas serem baratas. Logo, queremos alertar o investidor (prin-
.60.
cipalmente o investidor Fenômeno) de que a coisa pode não ser exatamente
o que parece numa primeira olhada.
Armadilhas clássicas
(i) O patrimônio líquido pode estar enviesado pelo enorme otimismo na de-
terminação do valor dos ativos. Algumas empresas superdimensionam seus ativos,
.61.
induzindo valor muito alto para o patrimônio. Não é tão raro encontrar esse pro-
blema, pois há alguma subjetividade na análise de ativos – ativo fixo, imobilizado
e intangível são linhas facilmente sobreavaliadas. Assim, qualquer compra de ação
baseada na atratividade vinda do desconto face ao valor patrimonial exige uma
observação criteriosa do tratamento dado ao valor dos ativos.
(ii) Uma empresa pode estar descontada em relação ao patrimônio líquido por-
que esperam-se seguidos prejuízos no futuro. Num primeiro momento, os prejuí-
zos soam como pequenos tropeços de uma demonstração de resultados trimestral.
Mas logo se acumulam e passam a transitar pelo balanço. Mais especificamente,
viram subtrações ao patrimônio líquido. Ou seja, o patrimônio vai cair no futuro,
enriquecendo apenas os mecânicos de plantão (no mercado financeiro, mecânicos
são os advogados).
Algo parecido acontece com análises que envolvem Preço sobre Valor de
Liquidação. Será que a alternativa de liquidação está sendo mesmo contem-
plada? Porque se a empresa não está realmente pensando nisso, vira somente
uma referência platônica. São muitas empresas negociando abaixo de seu
valor de liquidação e poucas efetivamente sendo liquidadas.
.62.
Quando uma companhia destrói valor ao longo do tempo, é natural que
ela negocie abaixo de seu valor de liquidação. A cada minuto que passa, a
empresa está valendo menos e menos.
.63.
Além disso, qual a capacidade de a empresa voltar a entregar lucros iguais
ou maiores à frente? Por definição (e não há nenhum problema na defini-
ção), uma empresa vale seus fluxos de caixa de hoje ao infinito – ou seja,
interessam na verdade os lucros futuros, e não os lucros passados. Você pode
encontrar por aí uma companhia negociando a até 3x lucros, justamen-
te porque se espera vigorosa redução de seus lucros futuros. Telecoms no
Brasil negociaram descontadas por vários anos. Além dos problemas de go-
vernança corporativa no setor, essa avaliação modesta refletia justamente a
percepção de que os lucros iriam, na melhor das hipóteses, ficar parados. O
mercado estava certo.
.64.
em um buraco negro de prejuízos. Prudência e dinheiro no bolso, canja de
galinha não faz mal a ninguém.
Meu tio Miguel foi operador de commodities de 1984 até 1992. Natural
das Minas Gerais, estabeleceu-se na Lapa, mais precisamente na Rua Catão,
.65.
tão logo chegou em São Paulo no começo dos anos 80. Era razoavelmente
gordo, canhoto e de nariz grande, herdado da ascendência libanesa. A entra-
da imediata no mercado financeiro, sob indicação do meu pai, tirou-lhe boa
parte dos hábitos antigos – exceções feitas à jaqueta de couro com ombreira
e às visitas frequentes ao Bar Valadares, onde o ambiente aliviava a saudade
da raiz mineira.
.66.
subir com uma guerra programada. Todos já sabem da guerra e estocaram
milhões de barris no porão. Vamos vender lotes e lotes de petróleo enquanto
todo mundo está comprando”.
.67.
mas não diz tudo. Para dificultar as coisas, essa função acionária é tão
complexa que não temos meios – nem nós, nem ninguém – de tratá-la em
bases puramente matemáticas. Nem mesmo aquele japa que sentava à sua
frente no colégio Etapa conseguiria.
O preço, por definição, denota uma variável extrínseca, que não está em-
butida na essência da coisa. Preços representam a materialização do acordo
imediato entre duas pessoas, comprador e vendedor, em praça pública.
Lá vem o Valor, cheio de paixão… vamos tentar entender quem é esse cara.
.68.
trabalho seria o elemento agregador de valor; logo, a quantidade média de
tempo de trabalho alocado para produzir um bem determinaria seu valor.
Todo o paradigma walrasiano (de Léon Walras, pilar das Finanças Moder-
nas), ao igualar o valor do bem à utilidade marginal, recorre a parâmetros
essencialmente individuais. A função utilidade (medida de bem-estar) é pen-
sada principalmente sob a ótica do indivíduo. E aí mora o problema.
.69.
tencente apenas ao sujeito. Não há mais valor intrínseco, inapartável, indis-
sociável da empresa. Ele depende de uma contrapartida: o homem humano.
Portanto, é extrínseco à companhia.
Isso já seria suficiente para abalar a noção de valor intrínseco, mas vamos
cutucar um pouco mais. A Teoria Econômica tradicional sabe do problema
e tenta driblá-lo por meio de uma hipótese (artificial) de agregação: assume-
se um indivíduo representativo, com uma função de utilidade média. Dessa
forma, bastaria conhecermos esse indivíduo médio que saberíamos da prefe-
rência de toda a sociedade.
.70.
Concurso de beleza
Lembre-se que as ações do UOL negociaram por uma década a uma fra-
ção do que seria minimamente razoável (abaixo do caixa, por certo tempo)
e fizeram muita gente boa desistir do investimento.
.71.
de formação de preços e contemplar apenas o valor intrínseco sob uma hi-
pótese platônica de convergência.
Terno de alfaiate
.72.
mente obtidas por meio de dados históricos porque a restrição à informação
era enorme. Hoje, o nível de pesquisa para se identificar anomalias de preços
é tal que, se uma ação negocia abaixo de seu valor patrimonial, muita gente já
sabe, e normalmente há uma boa razão para ser assim. Provavelmente, aquele
patrimônio não está sendo remunerado de maneira adequada. A grande ques-
tão nesse caso não seria acusar o desconto frente ao patrimônio, mas sim saber
se os próximos anos trarão uma virada importante no retorno do negócio.
Para uma empresa, o valor nasce dos fluxos de caixa de hoje até o infinito.
Ou seja, o passado não importa. Se uma firma gerou lucros bilionários no pas-
sado e de repente vem uma concorrente com nova tecnologia e simplesmente
destrói a anterior, a firma antiga vale zero. Seus lucros passados não têm
nenhum valor. Precisamos olhar para frente, para os fluxos de caixa futuros.
.73.
É como pedir aos comentaristas de futebol todos os resultados do Bra-
sileirão com um ano de antecedência. É como ir ao psicanalista e pedir:
“Doutor, me fala como eu vou me comportar daqui a três meses, preciso
me preparar até lá”.
.74.
neologismo. Ao modelar em excesso, você perde o apego à realidade, distor-
cendo por completo as ferramentas que deveriam te ajudar a desparafusar
o mercado.
.75.
Popper, por sua vez, estende o conceito para o alerta de que teorias não
podem ser confirmadas, mesmo a partir de muitas observações, já que uma
única exceção, mesmo que ainda não conhecida por ora, pode aparecer lá na
frente e mudar tudo. As teorias poderiam, portanto, somente ser negadas,
nunca categoricamente afirmadas.
Alimentei o peru por 360 dias consecutivos. A cada manhã, prato cheio,
ele tinha uma confirmação adicional sobre o amor da família Miranda.
Crescia a confiança, baseada na larga série de informações passadas (amostra
grande, 360 observações) de que as coisas continuariam indo muito bem.
Então, chegada a noite de Natal, no suposto ápice da cumplicidade, lá estava
o Geraldo virando jantar. O peru virou cisne negro.
Ufa! Esta seção serviu para questionar a convicção de que podemos iden-
tificar valor a partir de informações passadas. Ela também brochou com a
vontade de antever os resultados corporativos e, por conseguinte, das ações.
.76.
Assim, vamos desmontando mitos enraizados no profissional típico do mer-
cado financeiro, que veste terno de alfaiate.
Felizmente, não tomamos seu tempo pra defender uma postura niilista,
de queimar a teoria ortodoxa sem colocar nada no lugar. Temos de propor
algo que seja mais bonito filosoficamente, e muito mais prático. Temos de
propor a antifragilidade.
.77.
III. Crítica da razão pura
.79.
Não o cavalo alado, obviamente. Nunca fui dessas crianças que gosta
de cavalo alado. O Pegasus era um carrinho de controle remoto da Estrela,
réplica da BMW–M1. Para um brinquedo até que corria bem, fazendo 20
km/h, ou um pouco mais na descida. Bebia cinco pilhas grandes, sem falar
nas seis pequenas do controle.
Eu sonhava com o Pegasus, pedia pro meu pai, contava os dias. No Natal
de 88, já não acreditava mais em Noel, de modo que a única chance seria
me desgarrar da minha mãe dentro da Sears e me alistar. Marchei e marchei
naquele shopping, até que encontrei o Pegasus. A moça da loja perguntou
meu nome, anunciou no sistema de som e logo meu pai apareceu. Estava
tudo dando certo.
Peguei o controle na mão, fiz tudo o que podia com o carrinho, trezentos
e sessenta, cavalo de pau, e pedi pra ir embora. Em cinco minutos, brinquei
o que podia, e pedi pra ir embora sem carrinho. Meu pai ficou me olhando
embasbacado, sem entender nada e agradecendo a Deus, porque eita brin-
quedo caro. A mãe disse que era coisa de criança.
Coisa de adulto
.80.
capítulo II, fomos introduzidos a algumas armadilhas inerentes ao modelo
e – em termos mais gerais – à própria Escola do Value Investing. Vimos in-
clusive que o conceito de Valor é em si uma armadilha.
Pena que não é o bastante, quem te conhece que te venda. Porque, mes-
mo sabendo que existem armadilhas, caímos nelas como patinhos. Justo
nós, iluministas vacinados, somos pegos por nossos próprios truques. Fa-
zemos engenharia reversa, contas de chegada para provar com os números
– coitados dos números – aquilo que mais desejamos. Cursamos MBAs Ivy
League para acertamos em cheio, bem mais que a média.
.81.
importada da Física, irmã mais velha que toda ciência infantil queria imitar.
Infelizmente, sem rigor epistemológico.
.82.
muro: ou é pra comprar ou é pra vender. E todos os preços convergem para
seus respectivos valores intrínsecos (e não o contrário!).
À espera
.83.
Como desincentivo, nem mesmo os livros-texto conseguiram determinar
a maneira preferida do homo economicus fazer julgamentos e formar expec-
tativas em contextos de incerteza. Num torto exercício metalinguístico, os
economistas tentam há anos predizer o comportamento intertemporal dos
agentes econômicos, sem muito sucesso.
.84.
aperfeiçoando o método até atingirmos um estado ótimo em que os erros
são minúsculos e os acertos predominam.
Ok, ok, já deu pra entender que não é fácil. Vamos então para a terceira
empreitada, aquela que conquistou o coração dos economistas mais or-
todoxos: a hipótese das expectativas racionais. Nesta concepção, o homo
economicus ganha um pouco mais de jogo de cintura no trato do futuro.
Ele forma expectativas baseado (i) na compreensão perfeita das leis que
.85.
regem o ambiente econômico-financeiro e (ii) em todas as informações
disponíveis até o momento em que as projeções são construídas.
.86.
Mesmo assim, os adventos tecnológicos (atuais e futuros) não garantem
que essa tonelada de informações chegará aos preços de maneira eficiente,
sem ruídos. Quem afirma que a possível venda do Fleury implica 8,95% de
valorização, e não 5% ou 15%?
.87.
Frequentemente, porém, investidores percorrem a trajetória inversa:
primeiro olham para a variação do papel no home broker e depois saem
por aí, procurando justificativas. A imprensa corrobora essa atitude pouco
científica, sobretudo num dia em que a Bolsa começa caindo e depois
passa a subir (ou vice-versa).
.88.
O que vem é grato
Em vez disso – por mais absurdo que pareça aos economistas – não seria
mais fácil simplesmente perguntar ao homo sapiens como ele lida na prática
com as incertezas futuras? E só então tentar elaborar algum tipo de modelo?
Felizmente, fomos salvos por dois psicólogos que entenderam isso e re-
solveram atacar o problema com uma postura empírica. Desde os trabalhos
seminais de Amos Tversky e Daniel Kahneman, vários outros psicólogos e
economistas se aprofundaram no tema, estabelecendo um novo campo de
estudos denominado Economia Comportamental – e que tem as Finanças
Comportamentais como subsidiárias.
.89.
alternativos com os quais nos deparamos. O primeiro ponto remete ao
que a língua inglesa chama de “wishful thinking”, posto que existe uma
linha tênue entre a torcida e a expectativa. Já o segundo ponto escancara
nossa enorme dificuldade de pensar em várias coisas ao mesmo tempo, que
atrapalha em especial os julgamentos estatísticos.
.90.
Craig Fox ficou tão impressionado com o resultado do estudo que
resolveu levá-lo adiante. Convocou os fãs de basquete a fazer apostas fi-
nanceiras em cima de suas expectativas, escolhendo o provável ganhador
da competição. A hipótese era de que, eventualmente, ao colocar dinheiro
vivo, os participantes levariam mais a sério o desafio e forneceriam estima-
tivas aprimoradas. Porém, a essa altura você já deve imaginar que não foi
isso o que aconteceu…
O torcedor que acertasse o time campeão levaria US$ 160. Craig per-
guntou aos participantes quanto eles topariam gastar no máximo para
entrar em cada uma das oito apostas possíveis. Recolhidas as intenções, a
soma dos gastos máximos (que espelha as respectivas impressões de proba-
bilidade) alcançou US$ 287! Ou seja, se alguém apostasse em todos os oito
times, perderia com certeza US$ 127 – o que viola quaisquer preceitos de
racionalidade.
.91.
O escritor Fernando Pessoa não só sabia encarar diferentes cenários pros-
pectivos como teve a astúcia de se transformar ele mesmo em tipos diversos.
Na pele de Ricardo Reis, escreveu uma estrofe assim:
.92.
IV. Buffett vale mais
O que você vai ser quando crescer? Eu nunca fui uma criança típica. Não
tentava ser jogador de futebol. Também não era uma espécie de Lulu Santos,
que queria ir tocar guitarra na TV. Eu estava mais para o Tom Hanks, no fil-
me Big: eu só queria ser grande mesmo. Aquela coisa de ter de me rotular de
algum jeito me incomodava desde os tempos mais pueris. Eu tinha mesmo
que me enquadrar em alguma caixa?
.95.
çado à privada igualmente branca, com cobertura caramelo. Numa quarta-
-feira, cheguei a bater o recorde: foram dez visitas ao banheiro para sentir
aquele aperto horrível nas costelas, gosto de bile na boca.
Sem descobrir a causa real para os vômitos, lá fui eu bater à porta dos psi-
cólogos. Não me entenda mal, por favor. Sou grande fã da análise da psique.
Inclusive, tenho em Daniel Kahneman meu Nobel de Economia favorito.
Mas a psicologia não funcionou pra mim.
Passei por cinco consultórios diferentes, sem sucesso. Era estranho, porque
o processo me forçava a definir coisas que para mim eram indefiníveis. Eu não
poderia saber exatamente questões a meu respeito e, mesmo assim, era obriga-
do a responder, ciente da imprecisão com que as palavras saiam da minha boca.
Por maior que fosse meu esforço, era insuficiente para transmitir quem eu real-
mente era. E o pior: o doutor ia formar uma ideia a meu respeito baseado nas
palavras que eu lhe falava, em grande parte mentirosas, sem querer querendo.
.96.
Vira exatamente o problema da Clarice Lispector que citamos lá no co-
meço, sabe? “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem,
mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento
em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se
transforma lentamente no que eu digo.”
.97.
Como alternativa, porém, acho que a abordagem antifrágil (tal como
proposta por Nassim Taleb) vence a briga tanto por sua superioridade
epistemológica quanto pela prática. O fato de Ayrton Senna ter superado
Alain Prost em nada diminui o piloto francês.
Mas o entrave é ainda maior, pois nem mesmo o próprio Buffett po-
deria se autodescrever. Como para qualquer fenômeno social, o processo
de investimento envolve muito conhecimento tácito e heurístico – ou seja,
incapaz de formalização. Ninguém consegue descrever com precisão, “passo
a passo”, um algoritmo bem-sucedido de investimento.
Quem estudou muito isso foi o filósofo austríaco Michael Polanyi, que
descreveu o conhecimento tácito como: “espontâneo, intuitivo, experimen-
tal, conhecimento cotidiano, do tipo revelado pela criança que joga um bom
jogo de basquete, (…) ou que toca ritmos complicados no tambor, apesar
de não saber fazer operações aritméticas elementares. Tal como uma pessoa
que sabe entregar troco mas não sabe somar números. Se o professor quiser
se familiarizar com este tipo de saber, tem que prestar atenção, ser curioso,
ouvi-lo, surpreender-se, e atuar como uma espécie de detetive que procura
.98.
descobrir as razões que levam as crianças a dizer certas coisas”. É uma espé-
cie de representação das forças dionisíacas de Nietzsche.
Para o nosso caso, Buffett – em sua completude – não cabe nos livros. O
que vaza pra fora das páginas é o que faz toda a diferença. Não adianta que-
rer se tornar um Mini-Buffett lendo as incontáveis biografias a respeito do
guru. Você vai deixar de ser o investidor que é, e não ganhará nada em troca.
.99.
A Escola de Valor é simples, coerente, abrangente; oferece generalidade
e poucas metáforas; permite formalização e resgate da tradição. Ou seja,
atende com precisão cirúrgica às sete regras de retórica contidas no brilhan-
te artigo “A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica”,
de Arida.
.100.
da superioridade, a explicação por meio da simples sorte sugere algo
bastante improvável, mesmo se ponderarmos pelo viés de seleção ex
post. Identificamos que a carteira da Berkshire Hathaway é altamente
concentrada em poucas ações, com os cinco maiores representantes
respondendo por 73% do valor do portfólio. Embora o aumento de
volatilidade seja tradicionalmente associado à maior concentração,
nós mostramos que a volatilidade do compêndio é derivada dos re-
tornos positivos, e não das variações para baixo. (...) Nossa evidência
sugere que Warren Buffett, Charles Munger e Lou Simpson possuem
habilidades de investimento incapazes de serem explicadas pela Teo-
ria dos Mercados Eficientes”.
.101.
Um caso prático
A esta altura, nem preciso dizer que foi mais uma aposta acertada de Bu-
ffett e sua trupe – assumindo aqui a veracidade das informações publicadas
na mídia (nunca houve confirmação oficial do investimento).
Foi caso claro em que o sábio de Omaha desviou-se dos pilares mais tra-
dicionais do value investing e ganhou muito dinheiro. O múltiplo Valor da
Empresa sobre Ebitda (proxy para a geração de caixa) superava 10x à época,
enquanto demais empresas do setor de alimentos negociavam a 7x. Em adi-
ção, estávamos às vésperas da decisão do Cade a respeito da fusão Perdigão
.102.
& Sadia, o que retirava visibilidade sobre as sinergias a serem colhidas pela
união e impunha risco adicional ao case.
Buffett pagou prêmio pelas ações nas mais variadas métricas de valuation
e viu seu capital simplesmente dobrar em pouco mais de dois anos.
.103.
companhias. É aí que deve entrar o value investing. Uma ferramenta de
ajuda para entender como as ações estão se comunicando com as empresas,
e vice-versa. O que está sendo dito para a firma naquela cotação? O que
pode acontecer de maneira a justificar um preço mais alto? Quais as opcio-
nalidades envolvidas?
Nem Buffett, nem Graham, nem ninguém pode revelar a verdade aris-
totélica. Eles “apenas” oferecem instrumentos para tentar reduzir nossas
perdas ou sugerir altos retornos. Trazem-nos referências de quanto a coisa
pode ficar melhor ou pior, servindo de elemento adicional num processo
complexo e recheado de incertezas.
Se você vê uma ação abaixo do caixa, por exemplo, pode ser um belo pri-
meiro incentivo, pois temos a noção de que há um colchão capaz de limitar
nossas perdas. Simultaneamente, se esse caixa for bem empregado, a ação
estará preparada para subir. Com um olho no peixe e outro no gato, você
tenta diminuir sua perda a partir de uma referência de “preço justo mínimo”
e se expõe a potenciais eventos positivos.
.104.
Não adianta rezar para um Deus das finanças achando que ele vai lhe
trazer a verdade. Eu mesmo tenho tentado há 30 anos. Eu falo, falo, falo. Ele
ainda não respondeu nada. Esta aí um Sujeito introspectivo.
.105.
V. Um pouco de muito risco
Gilmar Fubá foi jogador de futebol. Talvez você se lembre dele, meio-cam-
po. Primeiro volante, marcador implacável. Atuou profissionalmente entre
1995 e 2011, com maior destaque pelo Corinthians. Hoje está no showball.
.107.
1999 contra o Atlético Mineiro, ajudando a trancar a defesa alvinegra
paulista, mesmo jogando com a camisa 9 que originalmente pertencia ao
artilheiro Luizão.
Diz-se que, ao receber a grana, Gilmar Fubá não sabia o que fazer. Esta-
va indeciso quanto ao destino do dinheiro. Tinha receio de que o banco
poderia roubá-lo em caso de aplicar o montante em algum investimento.
Então, decidiu: compraria duas BMWs, idênticas. Ao menos é assim que a
lenda conta.
Olha, eu realmente não tenho nada contra carros alemães. Nem poderia,
né? Mas comprar dois iguais já é muito para mim.
.108.
Se Benjamin Graham e Warren Buffett são os representantes clássicos da
análise de ações, Harry Markowitz assume o protagonismo na ortodoxia
financeira quando o intuito não é escolher um ativo especificamente, mas
sim a montagem de todo o portfólio.
.109.
A fronteira eficiente
.110.
Note que, para cada nível de retorno esperado predeterminado, estaria
associada uma combinação de ativos que daria o mínimo de risco possível.
A relação de todos os casos de menor risco para um dado retorno dá ori-
gem à chamada Fronteira Eficiente de Markowitz, marcada na linha azul
em negrito abaixo (o maior retorno esperado possível para cada nível de
risco pré-acordado):
.111.
Qual portfólio exatamente será escolhido dentro daqueles da fronteira
eficiente depende da preferência individual, de quanto o investidor quer
combinar entre risco e retorno. Qualquer um, desde que esteja na linha azul
em negrito, será eficiente.
Matematizando
, onde:
.112.
0 < wi < 1
Hoje completa um mês exato desde que fui pela última vez ao médico
do convênio. Normalmente, tolero calado esse tipo de coisa, mas aquela
situação foi demais para mim. No momento preciso em que eu cruzava a
porta do consultório, ainda quando entrava com meu pé direito na sala e
mantinha a outra perna para fora, o sujeito já preenchia minha receita.
.113.
Eu nem sequer havia cumprimentado o doutor e ele passava a prescrição,
sem nenhum tipo de diagnóstico. Não resisti e disparei:
.114.
E o pior: se reconhecêssemos o óbvio, que os tais parâmetros precisa-
riam ser estimados e acompanhados de um erro nas equações, então seria
impossível derivar as coisas da forma como fez Markowitz. Não haveria
artigo, Nobel ou Fronteira Eficiente. O modelo é muito frágil em relação
às premissas.
Ficarei um pouco técnico agora, mas vai passar rápido. Apenas dois pa-
rágrafos e volto a falar português.
.115.
A ideia de Fronteira Eficiente decorre de um modelo apoiado apenas
nos dois primeiros momentos da distribuição de probabilidade: na média
(retorno esperado) e na variância (risco). Ocorre, porém, que o preço dos
ativos em longo prazo depende ainda mais substancialmente dos próximos
momentos, como a curtose (grosso modo, dos eventos raros, aqueles bem
distantes da média – já vimos isso anteriormente com o Cisne Negro).
Esse argumento passa a ser aceito até mesmo pela ortodoxia em Finanças.
Robert Barro, por exemplo, que é um dos grandes expoentes desse pessoal,
em seu artigo Rare Events and Equity Premium, demonstra a importância
dos eventos raros no apreçamento das ações. Quando Markowitz trabalha
apenas com média e variância, despreza elementos essenciais da gestão de
risco. De novo, não estamos apenas simplificando a realidade, mas sim dis-
torcendo a danada.
.116.
As porradas e derretimentos do mercado acabam sendo uma das repre-
sentações canônicas em finanças do problema de indução proposto por
David Hume (lembra dele?). Markowitz, que estudara filosofia e se dizia
muito interessado em Hume, parece não ter entendido bem a coisa.
Para esgotar as críticas, temos algo ainda mais traumático. Quem desper-
ta os tais ganhos da diversificação propostos por Markowitz são as covari-
âncias. Grosso modo, covariâncias descrevem como um ativo se mexe em
relação a outro. Em tese, você combina ativos que não se movem na mesma
direção e, com isso, consegue preservar retorno esperado e reduzir seu risco.
Acontece que, nas crises, exatamente quando você está mais precisando
do dinheiro, as correlações entre os ativos vão todas para perto de 100%.
Tudo se move na mesma direção e rompe os históricos padronizados. Como
bem definiu Guimarães Rosa, Deus é traiçoeiro. Ele faz é na lei do mansi-
nho. Mas o diabo é às brutas. Vem a crise e toda a construção da Fronteira
Eficiente é arruinada no primeiro sopro.
Não há como combinar ativos de risco médio achando que isso vai re-
sultar numa diminuição do risco total do portfólio, justamente porque os
.117.
padrões históricos de correlação são quebrados. Assim como para qualquer
outra variância financeira, o futuro das covariâncias também é incerto.
E como fazer isso sem abrir mão de retorno potencial? Use o restante
(5% a 10%) em aplicações altamente arriscadas, com a óbvia contrapartida
de elevado retorno potencial.
.118.
A seleção de ativos deve atender justamente ao ponto nevrálgico deste
livro: quanto eu perco em caso de estar errado (deve ser pouco) e quanto eu
ganho estando certo (deve ser muito). Representação canônica da antifragi-
lidade. Leve N o mais perto do infinito que puder. Isso vai maximizar suas
chances de acerto. Por construção, apenas um ou outro tiro certeiro será
suficiente para sobrepujar vários pequenos erros.
.119.
VI. Opcionalidades
.121.
Ao contrário de outros editores, a Renata até que foi gentil nesse sentido,
pois não nos obrigou a nada. Tínhamos o direito de compartilhar essas
idiossincrasias, mas nunca o dever. É assim que tem de ser a escrita: direitos
em vez de deveres. Eu escolho as coisas que quero contar sobre investimen-
tos, você escolhe se quer ouvir ou não. Ao leitor – principalmente – cabe a
prerrogativa de fechar o livro ou seguir adiante, ansioso pelo desfecho da
história, para logo depois lamentar que acabou. E quando acaba, começa
outra.
Minha mãe começou a desconfiar daquela situação. Era fato que eu abria
os livros, folheava cada página, movimentando os olhos linha por linha, da
esquerda para a direita, cima pra baixo. Fazia isso na frente de todos, sem
pudor algum, tamanho era meu grau de dependência. Mas e daí?
Não era tanto uma preocupação, era curiosidade. Minha mãe estava curio-
sa de saber se aquilo era real, ou se era um simulacro. Depois, como analista
de ações, herdei essa mesma curiosidade, sem a qual não posso trabalhar.
.122.
Antes de dormir, ela se sentou na ponta da minha cama e pediu para eu
ler um pouco em voz alta aquela história de uma ilha perdida. Segundo me
consta, foi um pedido natural, ao qual eu nunca questionei. Dois meninos
estavam passando férias em uma fazenda, à beira de um rio, e dali podiam
enxergar uma ilha, do outro lado do rio. Obviamente, não lhes bastava con-
templar a ilha à distância: queriam ir até lá.
Aquecendo os motores
Talvez porque seja algo que transborde a sala de aula, assimilável apenas
com prática e experiência. E, mesmo assim, não qualquer tipo de experi-
ência. Opcionalidades só se tornam nítidas para as pessoas que acumulam
experiência cogitando (i) o que foi, mas poderia não ter sido e (ii) o que
não foi, mas poderia ter sido. Essa atitude quântica em relação ao passado,
de várias possibilidades, ajuda você a contemplar o futuro de forma mais
humilde e plural. Por conseguinte, o ajuda a investir melhor.
.123.
Investir em renda variável não é coisa de expert nem coisa arriscada, se feita
na dose certa.
.124.
De A a Z, o investidor iniciante poderá replicar facilmente configurações
tais quais as sugeridas pelo exemplo eleitoral. Ao intermediário, o discerni-
mento entre ações frágeis e antifrágeis haverá de se tornar habitual. E aquele
investidor mais avançado não terá problemas ao desbravar o mercado de
opções, desde que munido dos preceitos de perdas limitadas face a ganhos
ilimitados. Voilà!
Evocada como provocação, esta é justamente a pergunta que você não vai
querer formular – e muito menos responder! – num investimento em ano de
corrida presidencial. Você não quer nem pode saber quem vai ganhar uma
eleição.
Pouco importa quem vai ganhar a eleição – pode ser o PT, o PSDB, o
PMDB, a REDE etc. Não entraremos em qualquer mérito político. Nosso
esforço será no sentido de imaginar o que ocorreria com o mercado brasi-
leiro em cada uma das hipóteses. Obviamente, faremos isso aqui de maneira
simples, mas já suficientemente ponderada a ponto de captarmos as ideias
essenciais.
.125.
Aproximadamente um ano antes do pleito de 2014, as pesquisas de inten-
ção de voto apontavam Dilma como favorita. Esses números podiam mudar
radicalmente até a ida às urnas, de modo que não vamos nos ater a percen-
tuais específicos. Para efeito deste exercício, consideraremos tão somente que
Dilma Rousseff, até aquele momento, era a líder do páreo, com PSDB e PSB
figurando como concorrentes.
Como investidor, o que você faria diante dessa encruzilhada? Ficar 100%
alocado em ações, por exemplo, era uma escolha péssima, já que a conjun-
tura mais provável se mostrava bem capaz de derrubar o Ibovespa. Nessas
.126.
horas, eu coloco minha paixão por Bolsa em standby, não adianta ser fanáti-
co ou teimoso. Ao mesmo tempo, não gostaria de estar 0% posicionado em
ações, pois quero ter alguma exposição ao futuro em que a oposição vence as
eleições, mesmo que as chances de isso acontecer sejam menores.
Logo, a parte mais arriscada da minha carteira total (10% a 15%) poderia
ser preenchida por ações – e também opções, conforme veremos adiante.
Essa dose modesta não nos machuca muito no cenário-base, e pode trazer
um ganho interessante no cenário alternativo.
.127.
Com isso, formamos um portfólio tão simples quanto possível – qual-
quer investidor poderia replicá-lo numa boa. Um pouco de ações, um pouco
de dólar e bastante renda fixa pós. De modo trivial, esse mix poderia ser
traduzido em 15% de ETF de Ibovespa (fundo de índice que replica a Bolsa
brasileira), 20% de fundo cambial e 65% de um fundo DI.
Ações assimétricas
.128.
Para nosso bem e felicidade geral da nação, esses primeiros assinantes
corajosos receberam centenas de dicas de investimento que pouco depen-
diam de nossa pretensa aptidão. Pois preferimos, desde o início, privilegiar
ações de assimetria favorável. O que chamamos aqui de PPGN: Pequenas
Perdas, Grandes Negócios.
(i) Ações muito descontadas, cujo preço já considera o pior cenário possível. O
chão está perto e o teto está longe. Quanto mais volatilidade, melhor. Nesses casos,
o acionista pode ficar feliz de antemão ao saber que sua empresa saiu no jornal,
mesmo antes de verificar se a notícia é boa ou ruim.
(ii) Ações não necessariamente descontadas (podem inclusive parecer caras), mas
que guardam cartas na manga alheias à percepção do investidor comum. Talvez haja
uma probabilidade ínfima de 1% da empresa ganhar um novo contrato que dobrará
suas receitas. Na prática, ninguém liga para probabilidades de 1%. Mas pense só o
que seria dobrar as receitas numa tacada só…
.129.
por consolidar um resultado vantajoso. Normalmente demora, exige paciên-
cia, mas a passagem do tempo só ajuda.
Uai, nas opcionalidades! Foram elas que nos motivaram a ir adiante com
a recomendação de compra, mesmo sem respaldo externo (praticamente ne-
nhum analista do sell side cobria ABNote).
.130.
Em paralelo, a parte de Serviços Gráficos passava por uma profunda
reestruturação, livrando-se de custos excessivos com impressos e dando um
choque de gestão via concentração na planta de Sorocaba. Os benefícios
dessa reestruturação ainda não eram evidentes, mas indicavam no mínimo
um bom corte de custos.
.131.
No final de 2013, Valid respondia por um valor de mercado acima
de R$ 2 bilhões, mais que o dobro dos R$ 970 milhões que marcaram o
início de nossa recomendação. Ou seja, ganho superior a 100% para o
acionista que conferiu na pele a velha ABNote se transformando nessa
nova Valid.
Por justiça equânime, não vamos falar aqui só de uma história que deu
certo. Afinal, opcionalidades também podem dar errado. O importante não
é comprá-las com chance nula de fracasso, mas sim de forma que os ganhos
potenciais superem muito as perdas potenciais. Fazendo isso em vários casos
(o 1/N do Capítulo V), a média lhe será agradável.
Com essa grana, a empresa teve bala para fazer 14 perfurações, sendo 11
no Solimões e 3 na Namíbia. Segundo estudos feitos pela D&M – principal
certificadora global de recursos de óleo & gás –, a probabilidade a priori de su-
cesso comercial em cada um desses furos era de aproximadamente 25%. Isso
posto, a probabilidade complementar de fracasso era, naturalmente, de 75%.
.132.
ce de 98,2% da empresa alcançar sucesso comercial com hidrocarbonetos em
ao menos um dos 14 eventos. Para nós, esse mapa estatístico oferecia óbvias
oportunidades de destravar valor. Por conseguinte, recomendamos compra
de HRTP lá em 2011, quando ação valia R$ 27,70.
Já a Valid era a oitava melhor indicação de nosso track record, com ga-
nhos acumulados de 168%, incluídos aí os proventos. Na outra ponta, HRT
ocupava a lanterninha da Empiricus, com prejuízo de 97%. Se o investidor
tivesse colocado R$ 10.000 divididos igualmente em cada uma das ações,
teria chegado a R$ 13.550 – valorização de 35,5% no período. Embora
simplificado, este é um exemplo real dos benefícios da assimetria enquanto
repartida entre diversos casos.
Antifrágil na veia
.133.
Em nossas estratégias de derivativos, limitamo-nos a indicar apenas a
compra de opções, nunca operamos vendidos em opções. Recomendamos
compra de calls (opções de compra) e de puts (opções de venda). Quem
compra uma opção detém um direito. Quem vende uma opção assume
uma obrigação. Deter direitos é antifrágil, assumir obrigações é frágil.
Vejamos:
.134.
Carteira de 29 de julho a 2 de agosto
Opção Vencimento Entrada Saída Var Aplicado Recebido
bvmfi14 (call) 16/set 0.04 0.04 0.00% R$200 R$200
itubh32 (call) 19/ago 0.04 0.02 -50.00% R$200 R$100
ogxpi75 (call) 16/set 0.10 0.06 -40.00% R$200 R$120
oibri5 (call) 16/set 0.12 0.12 0.00% R$200 R$200
valeh32 (call) 19/ago 0.06 0.51 750.00% R$200 R$1,700
pdgrt17 (put) 19/ago 0.05 0.04 -20.00% R$200 R$160
petrt16 (put) 19/ago 0.07 0.03 -57.14% R$200 R$86
agregado 83.27% R$1,400 R$2,566
Temos que separar a resposta em duas partes bem discrepantes. Para seis das
opções relacionadas, os resultados foram estáveis ou negativos. Enquanto isso,
uma – e apenas uma – das opções registrou alta impressionante de 750%. Não
me importo de perder um pouco com seis opções se lucrar muito com a sétima.
Em termos gerais, é fácil perceber que uma opção pode – na pior das hi-
póteses – cair 100%; e pode – na melhor das hipóteses – subir infinitamente.
Isso é assimetria favorável na veia.
.135.
Pensando nisso, fugimos um pouco do script e montamos um portfólio
de opções bem defensivo para a semana de 16 a 20 de setembro, quase que
inteiramente concentrado em puts. Usamos a carteira para um outro fim
além da ganância: o de proteção.
Bernanke veio a público no dia 18, mas não falou nada, nenhuma no-
vidade acerca de mudanças nos estímulos. Em resposta, a Bolsa brasileira
disparou 2,64%, detonando nossas puts.
Carteira de 16 a 20 de setembro
Opção Vencimento Entrada Saída Var Aplicado Recebido
petrj21 (call) 21/out 0.08 0.1 25.00% R$200 R$250
valej37 (call) 21/out 0.16 0.08 -50.00% R$200 R$100
bbasv23 (put) 21/out 0.15 0.05 -66.67% R$200 R$67
bbdcv27 (put) 21/out 0.11 0.06 -45.45% R$200 R$109
bvmfv12 (put) 21/out 0.17 0.18 5.88% R$200 R$212
petrv15 (put) 21/out 0.08 0.04 -50.00% R$200 R$100
valev27 (put) 21/out 0.06 0.04 -33.33% R$200 R$133
agregado -30.65% R$1400 R$971
.136.
Uma queda acumulada de 30,65% foi o preço que pagamos para dormir
tranquilos naqueles dias agitados. Olhando depois, à distância, parece ape-
nas um prejuízo de 30%. Na hora, porém, as perdas (indiscutíveis) tiveram
sua razão de ser – o que é mais do que podemos dizer sobre a maioria das
perdas em Bolsa.
.137.
Epílogo
Olha, se você nunca provou esse prato feito pela minha cozinheira, então
me desculpe, pois você nunca comeu. A Solange, que é mineira, faz o me-
lhor, o único e o verdadeiro tutu do Planeta Terra.
Ela não tem uma teoria para cozinhar. Simplesmente vai lá e faz. E não
adianta tentar explicar isso.
.139.
A diferença entre um bom tutu e “O Tutu da Solange” é inexplicável;
entra justamente na parte do conhecimento tácito. Há algo na Solange
relacionado à sua propria competência e às experiências individuais que
ela já viveu.
.140.
Por isso, aprenda a investir investindo. Limite suas perdas, mas erre. Para
acertar em cheio, você precisará ter errado muito. Isso é parte do processo.
Felizmente, tudo o que você precisa é de poucos grandes acertos em meio a
vários pequenos erros.
Você não precisa estar certo, e muito menos de um ego milionário. Você
só precisa entrar em campo. Não há um sujeito sequer que tenha enriqueci-
do em Bolsa sem tentar enriquecer.
.141.
Felipe Miranda
Trabalhou na equipe de Sales de derivativos do Deutsche Bank e como
analista na Monitor Clipper Partners. Foi professor da FGV-SP. Economista
pela FEA-USP e mestre em Finanças na FGV-SP.
Rodolfo Amstalden
Foi consultor na International Paper, pesquisador da ANP e professor
da Faculdade Cásper Líbero. É bacharel em Economia pela FEA-USP, em
Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. Cursou
graduação em Física no IF-USP.