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O Efeito Dunning-Kruger e o Papel da

Educação Financeira Crítica


 
André Salmerón
Quase todo mundo que ingressa no campo das finanças, em algum momento, passa por uma
situação que é mais ou menos assim: você estuda um pouco, mas de repente você tem uma ideia
incrível. Algo que ninguém parece ter pensado antes e que vai te deixar muito rico/a em pouco
tempo. Confiante da sua descoberta incrível, você executa a ideia e ela falha miseravelmente.

No fim das contas, você não tinha sido a primeira pessoa a pensar naquilo. Diabos, talvez não tenha
sido nem a primeira pessoa a pensar naquilo naquele dia, na sua cidade. Além disso, você havia
ignorado algo óbvio, que qualquer pessoa com um pouco mais de experiência poderia ter lhe
mostrado. A ideia, que antes parecia brilhante, quando confrontada com um pouco mais de
informações, agora parece ridícula.
 
Você percebe, então, que a confiança que tinha na sua habilidade era fruto apenas da ignorância:
você sequer tinha noção do quanto não sabia ou do quanto ainda precisava aprender. Essa pequena
anedota ilustra um dos vieses cognitivos que considero mais interessantes, o chamado efeito
Dunning-Kruger, em homenagem aos pesquisadores David Dunning e Justin Kruger.
 
Eles mostraram, através de numerosas pesquisas, que a confiança na própria habilidade é, na maior
parte dos casos, inversamente proporcional a competência nessa habilidade. Isto é, quanto menos a
pessoa entende de um assunto, mais ela acha que entende. Por outro lado, quem se esforça muito
para te convencer de que sabe tudo sobre um assunto, geralmente – por ignorância ou má fé –
menos ela sabe.
           
Isso é especialmente comum entre quem está ingressando no mercado financeiro porque a vontade
de começar a ganhar dinheiro acaba fazendo com que as pessoas coloquem o carro na frente dos
bois, por assim dizer. Na rica fauna das redes sociais e dos grupos sobre investimento, esse
fenômeno é absolutamente endêmico - aparentemente, o mundo está cheio de grandes gênios/as da
finança.
 
Estranhamente, contudo, essas pessoas não estão trabalhando em grandes instituições financeiras,
gerindo o capital de fundos de investimento, nem operando a fortuna de investidores/as
estrangeiros/as. Esses resultados também não se revelam nas estatísticas da B3, em extratos
detalhados de operações, declarações de imposto de renda, absolutamente nada. Além disso,
estranhamente, sempre têm uma explicação externa para as perdas, embora os sucessos sejam
sempre atribuídos a própria habilidade. 
           
Combatendo o efeito Dunning-Kruger
 
Um dos grandes, talvez o maior desafio da educação financeira no Brasil e no mundo seja desfazer o
estrago feito pela educação focada no “tudo que você precisa saber para investir”, como se tudo que
viesse depois disso fosse desnecessário. É precisamente a ideia de que “basta aprender a técnica X”,
“basta seguir a gestão de risco”, “aprender os X segredos para enriquecer” que faz com que as
pessoas caiam, uma e outra vez, nos perigos do efeito Dunning-Kruger.
           
Ao invés de insistir no quão pouco se sabe, e no quanto não há como saber como o mercado irá se
comportar num futuro mais ou menos próximo, a indústria da finança (corretoras, assessorias, casas
de análise, educacionais, firmas de prop trading, enfim...) batem incansavelmente na tecla oposta:
basta saber o mínimo e esse mínimo te permite ter uma margem de influência bem grande sobre os
resultados de seus investimentos.
 
Já mencionei em outro texto que a assimetria de informações é interessante às grandes empresas do
mercado financeiro, e incentivar as pessoas a sentirem o máximo de confiança com o mínimo de
informação avança justamente nesse sentido. Primeiro, ao confundir a cabeça de quem investe com
promessas mirabolantes e descoladas da realidade; segundo, ao insistir que o que separa essas
pessoas da riqueza é um conjunto de conhecimentos secretos.
 
Isso não apenas beira, de forma criminosa, o charlatanismo – ao invés de curas milagrosas, vendem-
se resultados financeiros milagrosos – e uma perversão do discurso místico – não é por menos que o
campo das finanças é extremamente hermético – como viola rigorosamente o princípio fiduciário.
Quer dizer, o dever de defender primeiro o interesse de seus/as clientes (estudantes) e de não induzir
essas pessoas ao erro, tudo isso com a conivência da CVM.
 
Fica então a pergunta, como combater esse tipo de problema? Mais uma vez, dando protagonismo
ao que chamei de educação financeira crítica. Nesse caso, buscando expor o quão complexo é o
campo das finanças pessoais e como sua estrutura de funcionamento coloca o/a pequeno
investidor/a – que somos todos/as nós – na base de uma longa cadeia alimentar, onde nosso
interesse é de longe o que menos importa. É dessa forma que, conforme coloca Paulo Freire,
podemos nos libertar pelo conhecimento, no sentido aqui de nos tornarmos livres para buscarmos e
defendermos nossos interesses.
 
Isso não significa, de forma alguma, tornar o mercado financeiro e de investimentos inacessível ou
intimidador. Como disse, esse é o estado atual das coisas e grandes empresas do setor, com a
desculpa de estarem buscando qualificar pequenos/as investidores/as, oferecem conteúdos ultra
simplificados. Na realidade, isso não só não contribui para tornar o campo mais acessível como
prejudica ativamente as pessoas comuns.
 
A razão para isso não é nem um medo latente de que pequenos/as investidores/as comecem a
questionar aquilo que lhes é ensinado, mas algo muito mais corriqueiro: quanto mais rápido você
convence alguém que sabe o suficiente para investir bem, mais rápido e facilmente você consegue
vender produtos financeiros de qualidade questionável, em largas quantidades.
 
O mesmo vale para cursos que prometem ensinar tudo, em pouco tempo, com pouco trabalho: são
muito mais vendáveis que uma formação real e trabalhosa, mas muito menos recompensadora no
médio a longo prazo. A quem leva a educação financeira a sério, cabe resistir à tentação de trocar
nossos valores e os interesses de nossos/as estudantes pelos altos retornos obtidos por quem só está
interessado/a em vender cursos, não em educar para a vida.

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