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DADOS DE ODINRIGHT

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Índice

Prefácio

Introdução

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo Bônus

Bibliografia

Glossário

Prefácio
A democratização das aplicações financeiras traz, cada vez
mais, novos investidores brasileiros para o mercado. Em
paralelo, a evolução do próprio sistema financeiro torna
necessário o desenvolvimento dos investidores, para que
ambos caminhem em conjunto. Em um cenário dinâmico e
de busca constante por rentabilidade, uma classe de ativos
que ganha destaque são os fundos multimercado.

Dentro da denominação de multi , vários, e mercados ,


conjunto de transações econômicas. Esse tipo de produto
pode transitar entre diferentes ativos e fatores de risco, sem
o compromisso de concentração em nenhum deles. Por isso,
um bom fundo multimercado traz a você, investidor,
diversificação e consistência ao mesmo tempo, com risco
controlado e maximização de ganhos.

Em uma indústria que possui quase 10.000 fundos


multimercados, é um árduo trabalho escolher um que seja
exatamente o que você procura. Se você planeja maximizar
o seu patrimônio delegando decisões financeiras para
gestores de fundos, é importante conhecer quem toma as
decisões e sua filosofia de gestão.

Neste livro você tem a oportunidade de conhecer alguns


deles. Aprender sua maneira de pensar, olhar o mundo,
interpretar dados e se posicionar. É uma forma de se
aproximar desse universo, como em um café entre você e o
gestor. Uma conversa com as perguntas que você sempre
quis fazer, conduzida de forma excepcional pelo Mathias.

Você aprenderá que as estratégias dos gestores não são


infalíveis, e o desapontamento faz parte do processo de um
investidor de longo prazo. Sendo profissionais racionais que
ora acertam e ora erram, gestores criam e reinventam seu
próprio estilo de investimentos, moldam seus times e
investem junto com você, não para você. Jorge Paulo
Lemann diz que “não há atalhos para o sucesso”. Eu
complemento que atalhos não existem para qualquer
objetivo na vida, quiçá para investimentos. Pessoas de
sucesso já erraram, e os erros vão sempre existir. O
importante é que os acertos aconteçam em maior
quantidade, e que os erros se transformem em experiência,
e, enfim, sabedoria. 

Para quem duvida do potencial de um fundo multimercado


na preservação de patrimônio, finalizo este texto com uma
breve apresentação do Modelo de Markowitz, publicado em
1952.  A Teoria Moderna do Portfólio, que leva o nome do
economista, instituiu o conceito de fronteira eficiente,
demonstrando que uma carteira diversificada maximiza o
retorno frente a um nível de risco pretendido. Essa teoria,
utilizada ainda hoje, é uma evolução do conceito de “não
coloque todos os ovos em uma cesta só”. Isso exemplifica a
beleza de um produto que consegue investir em múltiplos
mercados, trazendo retorno por meio de uma eficiência
única.

Desejo a você uma boa leitura!

Ana Laura Magalhães

@explicaana

Introdução

Como pensam gestores de fundos multimercado?

Que dados e princípios norteiam suas decisões?

De que forma lidam com risco e emoções?

Como aplicam Inteligência Artificial?


Bem-vindo a uma série de conversas instigantes com
renomados gestores de fundos multimercado Macro ,
Multiestratégia e Quantitativos .

Em 1999, poucas semanas após a maxidesvalorização do


real, o Banco Central elevou a Taxa Selic a 45% ao ano. De
lá para cá, os mercados financeiros mudaram
consideravelmente. No entanto, o desafio de gerir recursos
de terceiros permanece o mesmo. Um mundo financeiro
globalizado e viciante, onde o apetite a risco se mistura com
economia, matemática, história, sociologia e,
eventualmente, noites mal dormidas.

Assimetria acabou por se tornar um dos mantras na gestão


de fundos multimercado: investir em oportunidades com
ganhos esperados maiores do que potenciais perdas.

Esse é um dos diversos take-aways das conversas que tive


com gestores de 12 Assets. Em um formato ágil de
perguntas e respostas, exploro as habilidades dos gestores
para tomarem decisões de investimentos de forma
estruturada, sob o escrutínio público da cota diária.

Amigos me perguntam como selecionar gestores de fundos


multimercado, então incluí um capítulo bônus sobre esse
tema. Em uma conversa com a Ana Laura Magalhães, troco
experiências sobre como selecionar e acompanhar fundos
multimercado. Ana Laura é mestre em Economia Política
Internacional e apaixonada por ajudar pessoas a investirem
e planejarem melhor seu futuro financeiro. Em 2018 criou a
página @explicaana, que se tornou um dos maiores canais
de finanças do Brasil.

As conversas desse livro foram finalizadas no final de 2019,


semanas antes de uma das maiores crises financeiras e
econômicas da história, desencadeada pela pandemia do
coronavírus. Sendo crises um assunto recorrente das
conversas, as experiências e insights dos gestores vêm num
momento extremamente útil tanto para novos investidores,
quanto para veteranos de mercado.

Muitas palavras do jargão do mercado de fundos são termos


técnicos em inglês. O glossário ao final do livro te colocará
ainda mais por dentro desse universo.

Vamos nessa?!

Mathias Fulda

Capítulo 1
FABIANO RIOS  |  

ABSOLUTE INVESTIMENTOS

F abiano Rios é o CIO da Absolute Investimentos e lidera um


time de gestores que possuem um limite de risco individual
para alocar em seus mercados de especialização. A Asset
também utiliza o conceito de back book, permitindo que
posições estruturais dos fundos multimercado possam ser
compartilhadas por gestores de mercados diferentes.

F abiano, como você explicaria o funcionamento de


um fundo macro?

Um fundo macro funciona a partir do estudo do que


acontece na economia do mundo e das relações de preços
em todos os seus aspectos. Avaliar se aquele é o momento
de comprar ou vender determinado ativo. Observar se os
preços de mercado implicam em alguma grande assimetria
para ser aproveitada. Quando se entra no mercado para
ganhar pouco, acerta-se alguns trades , mas erra-se em
outros. Então, não é dali que vamos gerar um bom
resultado. O que buscamos mesmo são mudanças de
paradigma. Coisas que o mercado não enxergou ou que
deverá enxergar de outra forma. Tentamos nos antecipar a
isso. Essa é a grande oportunidade. Essa assimetria leva a
uma situação em que, caso estejamos errados, perderemos
menos. Temos de olhar para os dois lados da moeda. Caso
estejamos certo, quanto achamos que ganharemos, e, se
estivermos errados, quanto perderemos. É uma constante
reavaliação desses questionamentos.

Certo. O que vocês olham para identificar essas


assimetrias?

Temos diversas maneiras de acompanhar o que chamamos


de posicionamento. Temos ferramentas proprietárias, de
mercado e do sell side . Em geral, não é difícil perceber que
o mercado está muito para um lado. Quando achamos que
aquilo vai mudar, podemos agir. Às vezes, não é nem o
mercado que está viciado numa posição, é uma mudança
de postura de algum agente que tem poder para influenciar
o preço de forma significativa. Para citar um exemplo,
quando o Mario Draghi chegou e falou “whatever it takes”,
ele tinha um instrumental enorme para agir naquela direção
e isso era, na nossa visão, uma mudança de paradigma. Às
vezes, percebemos um posicionamento extremo do
mercado ou enxergamos uma mudança de cenário e
tentamos antecipar. Quando enxergamos essa mudança,
vemos que os agentes serão obrigados a mudar seus
posicionamentos.

Além da estratégia macro, vocês são conhecidos no


mercado pelos fundos de arbitragem. Você poderia
dar um exemplo de estratégia que implementam?
Arbitragem fazemos primordialmente com ações. Acho que
é onde há mais volatilidade, onde eu mesmo tenho mais
intimidade, mas isso não quer dizer que nós não possamos
fazer outras coisas. Temos equipes de outras especialidades
que trazem outras ideias que encaixam no universo de
arbitragem. A maior parte dessa estratégia está em
arbitragem de M & A , empresas em processos de fusão e
aquisição. É algo bastante desafiador pois, normalmente,
você tem um downside grande e um upside pequeno.
Partindo-se do princípio de que na gestão de fundos
multimercado buscamos assimetrias positivas, este caso
seria uma assimetria ao contrário e muita gente levanta
esse questionamento. A minha resposta sempre foi de que
se você faz arbitragem de M & A sem conhecimento, a
assimetria passa a ser contrária, sim. Nós temos um método
que faz com que a assimetria fique positiva. Alguns deals de
M & A podem ser cancelados, não estamos isentos de erro.
A questão é o quanto você minimiza esse erro e consegue
sair dessas posições. A nossa missão é tentar ficar fora dos
deals que dão errado. E, segundo, se por acaso nós
estivermos dentro de uma posição que deu errado, que o
prejuízo esteja dentro do esperado. Para que consigamos
seguir jogando, porque faz parte errar. A questão é, no
longo prazo, acertar mais do que errar. Se mantivermos o
nível de acerto que historicamente nós tivemos, iremos
ganhar e recuperar um eventual prejuízo.

Faz sentido. Vocês operam muito no exterior?

Sim. Na verdade, operamos mercados onde conseguimos


ganhar dinheiro, independente da geografia. Hoje em dia a
distância é menos relevante. Ásia talvez seja mais difícil de
operar por causa do fuso horário. Mas por exemplo, em
operações de arbitragem, fazemos muito mais coisa lá fora
do que aqui. Uma questão da estratégia de arbitragem é a
questão do capacity , o tamanho das posições que você
consegue montar. O nosso fundo que opera arbitragem no
exterior é várias vezes maior que o fundo que opera
arbitragem local por conta disso. No Brasil, já operamos
quase todos os mercados. Assim, montamos uma equipe
focada em América Latina que tende a crescer ao longo do
tempo. Temos uma equipe de mercados desenvolvidos. É só
questão de tempo provar que temos consistência no
resultado para expandir as posições em outras regiões. Em
novos mercados entramos com posições pequenas e, se
houver recorrência no desempenho, aumentamos o risco ao
longo do tempo. Aqui tivemos estratégias que deram certo,
mas, ao longo do caminho, tentamos muitas coisas que
deram errado, também. O fato é que as estratégias que
deram errado não apareceram, e as que deram certo
apareceram. Esse é um processo longo e contínuo.

Quantas pessoas estão envolvidas na equipe de


gestão e análise dos fundos?

A nossa equipe é relativamente enxuta, pois ela é bem


sênior. Nós temos mais ou menos 20 pessoas que
colaboram na geração de ideias macro, micro, análise
quantitativa e gestão. Um dos maiores desafios de qualquer
gestora macro é fazer as ideias circularem. Precisamos
extrair as melhores ideias da equipe. Acredito que quem
tem sucesso na gestão é quem consegue fazer isso. Quem
consegue fazer com que a equipe toda trabalhe junto de
verdade, um colaborando com o outro dentro da sua
especialidade, fazendo aquela informação fluir.

Isso é superimportante. Na análise quantitativa,


quais aspectos vocês olham mais?

Nós temos alguns modelos para acompanhar fluxo, tentar


acompanhar se o mercado está over-bullish ou over-bearish
, coisas do tipo. Mas são apenas dados adicionais.
Você prefere pegar uma virada de mercado ou ir a
favor de uma tendência?

Acho que todo gestor tem uma sistemática de investimento.


O que gosto de fazer, onde me sinto confortável, é onde
acho que há valor esperado positivo grande. Quando
acontece essa virada macro, em geral, os preços não se
movimentam em formato de V. Então, o que eu gosto de
fazer? É enxergar onde há uma grande tendência, uma
acomodação de preços com determinado nível e, após essa
acomodação, saber que vai acontecer alguma coisa. Pode
ser até seguindo a tendência ou para o lado oposto.
Fazendo dessa maneira não há risco de tentar “segurar uma
faca caindo”, como se diz popularmente no mercado. Não
gosto de fazer isso, não faço. Uso um ponto de stop
relativamente fácil e próximo, que é o que chamo de
disciplina ou sistemática de gestão. Procuro um movimento
grande, uma acumulação e o potencial de algo acontecer
depois dessa acumulação. Aí, é o cenário macroeconômico
que vai dizer para que lado isso vai.

Mudando de assunto, como você enxerga as


estratégias de gestão sistematizada?

Eu tenho certeza que tem gente que sabe fazer isso muito
bem e que ganha dinheiro com isso. Infelizmente, não
consigo fazer e acho bastante difícil. Existe a questão do
survival bias. Principalmente no exterior, enxergamos os
fundos que deram certo, que conseguem ganhar dinheiro.
Tenho certeza absoluta que milhares de tentativas não
deram certo e ficaram pelo caminho. É algo que fascina
muita gente, mas é bastante difícil de se implementar.

Esse survival bias existe para fundos macro também,


não é?
Nos fundos macro quem dá certo é minoria. Muita gente fica
pelo caminho. É muito difícil conseguir ter consistência e ser
um gestor reconhecido pela capacidade de dar retorno no
longo prazo. Ir bem no curto prazo pode ter um componente
de sorte, mas, no longo prazo, as equipes, mais do que as
pessoas, têm de ter método, visão e disciplina para
conseguir entregar.

Falando de método, existe uma modelagem para


precificar o mercado de juros que ajude vocês na
gestão?

Existir, existe. Mas esses modelos são mais uma


informação. A minha experiência em tomar decisão baseada
nesses modelos não foi bem-sucedida. Acho que é uma
informação, está lá. Há, por exemplo, Bancos Centrais que
divulgam os modelos de câmbio. Nós, aqui, tentamos
replicar. Temos modelos de inflação e um modelo que
simula o do Banco Central. Temos os instrumentos e é
importante tê-los. É mais uma maneira de checarmos nossa
visão de mercado. Mas, tomar a decisão única e
exclusivamente baseado no modelo não é o que fazemos
aqui, e não acho que isso funciona.

Como vocês traduzem o cenário macro para posições


efetivas?

Bom, acho que essa é a arte. Nosso trabalho tem um quê de


arte. Senão, qualquer matemático, engenheiro, qualquer um
que fosse bom de modelos e de contas seria bem-sucedido.
Sabemos bem que não é esse o caso. Tem um pouco da
experiência de situações passadas, de já ter vivido
situações semelhantes. Tentar buscar na história situações
que se assemelham com aquela que o cenário está
apontando.
Antes de entrar em um trade você estima a
expectativa de retorno ou um target de preço para
aquela operação?

Bolsa é mais complexo, mas no caso de política monetária é


um pouco mais simples. Se o meu cenário acontecer, o
Banco Central vai reagir dessa maneira. Para o curtíssimo
prazo, é mais simples de calcular preço e, para o meio da
curva, assumimos algum tipo de inclinação para frente. Aí
calculamos o potencial de ganho.

Como você lida com a frustração em relação tanto a


trades que não funcionaram quanto a trades onde
você saiu cedo demais e poderia ter ganho mais?

Todo gestor precisa ter uma sistemática, uma maneira de


atuar. Se não, a frustração será grande e constante.
Costumo dizer que quem investe na economia real, numa
fábrica por exemplo, só vai saber se deu certo ou errado
daqui a cinco ou dez anos. Aqui eu sei se deu certo ou
errado com uma frequência infinitamente maior. E isso
implica em frustração. Ou em euforia, às vezes. Então, um
gestor de sucesso não pode ficar eufórico, nem frustrado.
Tem que seguir a dinâmica que ele pré-estabeleceu, uma
sistematização vencedora. Óbvio, ele sempre vai se
questionar. Mas acho que ele não vai se questionar se foi
burro porque zerou antes da hora. Ele pode questionar a
sistematização: “Será que está no momento de reavaliar a
minha maneira de pensar? Ou não?”. Acredito que estas
reavaliações devem ser bem pouco frequentes. E é por isso
que cada um tem suas características. O que tira o gestor
da frustração é a disciplina. Eu me considero um cara
bastante disciplinado. Não vou dizer que sou imune a isso,
mas que lido bem com a frustração. A experiência ensina a
lidar com as diversas situações. Penso até que acabamos
nos cobrando mais do que os nossos próprios clientes.
Quando há interação com os clientes, em geral, eles
parecem bem mais satisfeitos com os resultados do que nós
mesmos. É porque alguma coisa correta estamos fazendo.

Existem diversos modelos de gestão de fundos macro


e multiestratégia, desde uma gestão completamente
consensual até books completamente individuais.
Como vocês estruturam o fundo macro da Absolute?

A primeira coisa que eu diria em relação à sua pergunta é


que não acredito em posição consensual. Posição tem que
ter dono. Porque a posição consensual que ganha é de todo
mundo e a posição que perde não é de ninguém. Temos
livros que exigem uma aprovação qualificada. Mas, no final
das contas, alocamos a posição para cada gestor
individualmente. Pode até fracionar uma posição. Mas, se
der certo, o gestor já sabe quantos por cento daquele
resultado vai ser dele e, se der errado, também. Então, o
gestor fica mais atento à posição.

Como é determinado o orçamento de risco que cada


gestor do fundo pode correr?

Existem vários gestores. Aqueles que assumem


menor risco têm um mandato específico. Os três
gestores que têm maior orçamento de risco podem
tomar risco em vários mercados, praticamente todos.
Em cima disso tudo existe a minha figura. Sou um
desses três gestores, mas eu tenho outras funções,
entre elas olhar o fundo como um todo. Sou eu que
olho como está o fundo e vejo se cada posição está
de acordo com nosso cenário e de acordo com o
ganho projetado. Os outros gestores olham para o
seu book específico. Não existe um modelo perfeito,
mas esse é o que funciona melhor aqui.
Vocês utilizam o conceito de back book ?

Sim. Para toda posição temos stop . E o nosso stop para os


gestores é um max drawdown. É um peak to valley .
Imagina que eu ganhei 100 basis points em uma
determinada posição. Se ela cair 30 basis , eu vou ser
obrigado a zerar por causa do stop, mas, na verdade, estou
ganhando 70 basis . Dentre todas as medidas de risco que
usamos, percebemos que o que limita o positioning é esse
drawdown peak to valley. Sentimos a necessidade de ter um
livro de posições em que tivéssemos grande convicção e
que pudéssemos carregar por um bom tempo. No Brasil,
como em diversas partes do mundo, acontecem grandes
solavancos. Situações especiais merecem um stop
diferente. Então, criamos um modelo que qualquer gestor
pode trazer ou propor uma posição para o back book . Essa
posição, necessariamente, precisa ter a minha aprovação e
de mais um dos outros sócios, dos gestores seniores. Nesse
caso, será um book em que o stop não é peak to valley , é
drawdown puro. No caso do Joesley Day, por que não
batemos no stop ? Porque a nossa posição de juros vinha
ganhando. Se aquela mesma posição estivesse nos books
dos gestores teria batido no limite de stop . Os gestores
também tinham posição nos books , mas boa parte da
posição estava nesse book . Foi um momento em que
realmente fazia sentido ter um book como esse. Não fui
obrigado a zerar pelo stop no momento em que achava que
era para estar aumentando a posição. Então, temos esse
book de mais longo prazo, em que aceitamos uma vol
(volatilidade) maior para atingir o nosso objetivo, para que,
caso o nosso cenário se concretize, consigamos ter o
resultado esperado.

E como vocês gerenciam os drawdowns ?


Para responder sobre os possíveis drawdowns, voltamos a
falar na sistemática. Como fazemos o sizing de uma
posição? O fator relevante para o sizing é quanto achamos
que podemos perder nessa posição. Levamos em conta, no
momento da montagem da posição, o quanto podemos
perder. Aí, ajustamos o risco do fundo. Temos fundos da
mesma estratégia com diferentes níveis de risco. E isso vai
ser utilizado no sizing da posição. Vamos pegar o exemplo
do Joesley Day . Para a Absolute e para mim, pessoalmente,
foi um momento muito bom se analisarmos com os olhos de
agora. Sempre tento passar para os clientes que há risco
nos fundos e que eles podem perder dinheiro. O fundo não é
uma máquina de fazer dinheiro. Há limites de risco,
justamente para que exista uma padronização da conversa
entre os investidores e gestores. Agora, quando acontece
um caso como o do Joesley Day, acho que é questão de
sistematizar a maneira de pensar. Veremos primeiro onde
vão abrir os preços. Como vamos agir em cada situação?
Vamos analisar também como o evento impacta o nosso
cenário. Obviamente, passamos a madrugada daquele dia
discutindo, pensando, estudando o que fazer, porque
precisaríamos ter uma resposta, em algumas horas, sobre
como agir. E a nossa conclusão naquele dia foi de que o
grande impacto daquele evento seria o de adiar qualquer
retomada do crescimento. Esperávamos isso em função da
incerteza. Acreditávamos que o câmbio, por exemplo, não
deveria ser muito impactado. Na nossa cabeça, com o
adiamento do crescimento e sem uma desvalorização muito
grande do real, o novo cenário seria desinflacionário.
Tínhamos um pouco de bolsa, bastante posição aplicada em
juros e alguma coisa comprada no dólar. Tínhamos alguns
hedges , mas não muitos. Estávamos mais posicionados
para o otimismo. Então, chegamos à conclusão de que,
dependendo dos preços, gostaríamos de diminuir nossa
posição em bolsa e manter a aplicação em pré, talvez até
aumentando, se houvesse espaço. Na nossa opinião, este
combo estava mais adequado ao novo cenário do que o
anterior. Em dólar, a bolsa abriu caindo 20% e os gringos
entraram comprando. Isso acabou segurando um pouco a
queda da bolsa em reais. E o mercado de juros pré acabou
piorando muito mais do que a bolsa. Foi uma questão de
stop. Acho que aconteceu um stop generalizado, pois era
uma posição mais crowded . Nesses momentos, a liquidez
do pré some totalmente. Inclusive nos vencimentos curtos,
onde estávamos e achávamos que não havia fundamento
para piorar tanto. Dessa forma, tivemos de manter a frieza
e acreditar na maneira de pensar. Dada a maneira com que
fazemos o sizing , não batemos nos nossos stops, apesar de
termos registrado um drawdown razoável. Aí conseguimos
executar o plano. Diminuímos bolsa, a volatilidade
aumentou muito, e achamos que tínhamos de reduzir um
pouco o risco do fundo. Aumentamos marginalmente a
nossa posição aplicada em pré. Se observarmos um mês
depois do evento, a bolsa tinha caído do preço que nós
vendemos e o pré tinha voltado quase tudo. Tanto que,
naquele mês, fechamos próximo do zero a zero. Acredito
que o gestor precisa ter pouca emoção e acreditar no
sistema que criou, no modelo de posicionamento que tem.
Tem que acreditar naquilo e respeitar, obviamente, os stops.

Você falou de crowded trades . Isso é uma coisa que


preocupa vocês?

O fato de um mercado estar crowded tem que ser levado


em consideração. Há momentos em que precisamos estar
no consenso e há outros períodos em que não devemos
estar no consenso. Quando estamos no consenso e a
posição é crowded , precisamos estar mais atentos à
mudança de cenário. Se começarmos a perceber que o
cenário está mudando, devemos tentar antecipar um pouco
a saída. Mesmo que isso signifique deixar algum dinheiro na
mesa. Levamos em consideração se a posição está crowded
ou não no sizing e nos hedges . Às vezes, até trocamos a
posição por opções. Não quer dizer que não fiquemos juntos
com o crowd em determinados momentos. Às vezes não
tem jeito, mas levamos em consideração que, se todo
mundo resolver sair no mesmo momento, as consequências
podem ser piores. Sempre estamos bem atentos e
conscientes disso.

O estilo de gestão de vocês é o de montar posições


mais de curto prazo ou de longo prazo?

Tenho 20 e poucos anos de mercado e não conheço


ninguém que ganhou dinheiro significativo com giro. Diria
que as nossas posições são de médio prazo, um horizonte
de seis meses ou algo assim. Ser médio ou longo prazo é
relativo. Para um fundo de pensão, um prazo de seis meses
é curto. Para nós, uma posição que montamos para ter um
ganho de capital em um horizonte de seis meses é médio
prazo. Não quer dizer que não possamos segurar esta
posição por anos. Se estamos acertando e acreditamos que
o fundamento persiste e ainda há uma boa assimetria,
mantemos a posição. Reavaliamos o horizonte
constantemente e ele pode mudar daqui a três meses. Se
acharmos que há outro ganho potencial no mesmo ativo,
podemos segurar a posição. Por exemplo, não vamos
montar uma posição porque vemos que o ciclo americano
está terminando e achamos que, nos próximos anos, a bolsa
vai ter uma grande correção lá. Essa não é uma posição que
vamos ter. Se acharmos que o crescimento for surpreender
positivamente podemos montar uma posição para os
próximos seis meses, com potencial de alta da bolsa entre
5% e 10%. Mesmo que haja risco de, daqui a dois anos, a
bolsa cair 30%, olhamos esse horizonte de seis meses.

Como os gestores lidam com a escolha de qual


mercado escolher para colocar suas posições?
Vai depender da situação. Se o gestor não estiver convicto
sobre qual mercado escolher, eu diria que ele vai querer o
kit Brasil completo. O dólar/real é menos suscetível ao
cenário local do que as pessoas imaginam. O dólar forte ou
o dólar fraco impacta muito mais do que qualquer fator
idiossincrático local. A não ser que seja uma variação
enorme. Em geral, não gosto de aplicar em dólar, a não ser
que seja numa situação estrutural grande. Tendo a achar
que o dólar não é o melhor mercado. Por outro lado, o dólar
tem uma grande vantagem, pois é um mercado de opções
mais líquidas e com volatilidade, em geral, mais baixa. Por
exemplo, as opções no mercado de juros são pouco líquidas.
O gestor precisa avaliar quais são os instrumentos
disponíveis. Posso ter minhas posições maiores em juros,
mas, se o meu cenário estiver errado, para eu não perder
em todas, pego câmbio e bolsa também, cujo mercado de
opções é mais líquido. Dessa forma, eu me protejo um
pouco se estiver errado. Todas essas combinações são
possíveis. O importante é olhar todos os instrumentos
disponíveis para cada mercado para ter mais convicção. Se
um determinado mercado fica crowded, não é incomum
trocarmos uma parte da posição por opções.

Falando de opções, vocês preferem instrumentos


lineares?

Quando o gestor monta uma posição em opção, ele está


pagando um prêmio. Uso opções apenas em condições
específicas. Quando avalio que um movimento rápido pode
ocorrer, quando vejo um trigger de curto prazo e a
volatilidade implícita está baixa, acho que é a hora de usar
opções. Senão, custa caro carregá-las. Se tenho uma
posição com perspectiva de se materializar em seis meses,
vou pagar prêmio esse tempo todo para quê? Corro o risco
de acertar e não ganhar. O gestor vê o smile da curva e
analisa os cenários para tentar diminuir o custo do prêmio
que está carregando. No geral, carregar opção custa caro.
Nem sempre vale a pena.

Vocês realizam a gestão do fundo com objetivo de


volatilidade ou de rentabilidade?

O objetivo é de rentabilidade e a vol é consequência. Até


porque a vol depende da volatilidade do mercado. E essa
volatilidade pode mudar com o tempo. Se o gestor está
sempre no limite de vol e a volatilidade do mercado por
algum motivo dobra, vai precisar diminuir a posição pela
metade. Não faz sentido. Nós buscamos a rentabilidade. A
vol é consequência.

Como ser consistente ao longo do tempo?

Uma coisa que aprendi nesses 20 e tantos anos de gestão é


que as oportunidades surgem. Elas sempre estão presentes
e o que conta é a capacidade de identificá-las. A
consistência, eu não sei. Acho que o meu estilo de gestão, a
sistematização do pensamento e do sizing acabam gerando
a consistência. Claro que é necessário acertar também, ter
uma boa equipe, saber entender e transformar o que o
departamento de pesquisa está mostrando. Para o mercado,
isso é muito importante. Às vezes, um gestor tem um ótimo
departamento de pesquisa, mas não consegue transformar
aquelas informações para posição e ganhar dinheiro. Não é
uma coisa só, é um conjunto, mas a sistemática de pensar e
a disciplina são muito importantes. Disciplina é o que vai
gerar a consistência do retorno.

Você comentou que as oportunidades aparecem.


Você acha que os mercados se repetem ou cada vez é
diferente?

Cada vez é diferente. Apesar de nós buscarmos


semelhanças históricas, nunca é igual. Há semelhanças na
maneira com que os investimentos são feitos e como os
ciclos econômicos acontecem. Agora, por exemplo, estamos
vivendo o maior ciclo econômico da história, pelo menos
nos Estados Unidos. Em alguns países os ciclos são longos,
em outros curtos. Como esses ciclos sempre ocorrem,
sempre abrem oportunidades. Eu tinha um chefe que
sempre falava: “Poxa, agora acabou o prêmio do mercado.
Como vamos ganhar dinheiro ano que vem?”. No ano
seguinte ele ganhava dinheiro também, sempre havia
oportunidades. Enquanto houver volatilidade e mercados, a
oportunidade vai estar presente. A questão é conseguir
identificá-las, o que não é fácil. É muito difícil. Diria que,
nesses últimos 23 anos, eu tenho conseguido sucesso nisso.
Mas é difícil, bem difícil.

Você conversa com gestores de outras Assets para


trocar informações sobre o mercado? E quanto a
monitorar o posicionamento de outros fundos?

Converso pouco. Tem amigos com que eu converso


socialmente, mas falo mais trivialidades do que sobre
análise de mercado. O que tentamos fazer é acompanhar a
posição aplicada por fundos grandes. Tentar entender onde
os fundos, não só os multimercados, estão posicionados. No
Brasil, com a cota diária, é fácil acompanhar isso. Esse
acompanhamento ajuda na tomada de decisão dentro da
sistematização de pensamento, na maneira de montar a
posição.

Nesses anos todos, quais foram as melhores lições


que o mercado te ensinou?

São tantas lições... Respeitar o mercado, não achar que sou


o dono da verdade. Essa questão do stop vem um pouco
disso, de saber que ninguém é maior que o mercado. Nunca
se achar o melhor e também não se achar o pior. O gestor
tem que se preocupar em fazer o trabalho bem feito.
Costumo dizer internamente que não estamos proibidos de
olhar para o lado. Devemos olhar para ver se podemos
melhorar, mas a preocupação é fazer o trabalho bem feito.
Se fizermos o trabalho bem feito, vamos ter recursos para
gerir. Em um momento, vamos estar com resultados
melhores, em outros, piores. Mas o importante é fazermos o
trabalho bem feito. Às vezes, ao olhar para o lado, o gestor
acaba deixando de focar no que interessa. Na época em que
eu trabalhei em banco achava que os bancos americanos
eram melhores. Os americanos eram mais pragmáticos,
tinham tomadas de decisão mais eficientes etc. Quando fui
trabalhar em banco americano, vi que eles tinham os
próprios problemas. Como eu trabalhei com eles em 2007,
ficou bem evidente isso com a crise financeira lá nos
Estados Unidos. O que diferencia gestores é como eles
reagem às situações. No Joesley Day, a nossa reação aqui
na Absolute foi em função dessa experiência. Agimos
friamente, mantivemos a forma de pensar. Trata-se também
de manter uma sistemática de sizing . Pelo lado psicológico,
a posição grande é a que perdemos e a posição pequena é
a que ganhamos. Então, se temos uma disciplina de sizing,
mantemos a posição de acordo com o nível de convicção.
Dessa forma ganhamos o que tínhamos de ganhar. Não tem
tortura psicológica de achar que a posição era maior ou
menor do que deveria ser. A grande mensagem que eu
captei de todos esses anos é a questão da disciplina. Nos
fundos de arbitragem, que na verdade são fundos de
grandes assimetrias, a disciplina é importante. Não acho
que seja diferente dos outros fundos, é só que nesses isso
fica mais claro. Disciplina na tomada de decisão, no sizing,
no stop . Isso é que faz o gestor conseguir chegar a 10 anos
com um bom histórico. Senão, ele vira um freerider e pode
ganhar pra caramba em um curto período de tempo, mas,
em algum momento, vai quebrar a cara. Outra coisa
importante é vender corretamente o fundo para o cliente. O
cliente precisa entender o que está comprando. Uma das
grandes dificuldades das gestoras é passar isso para os
clientes. Precisamos fazer com que o cliente não compre
única e exclusivamente o retorno passado daquele fundo,
mas entenda porque o gestor teve aquele retorno. Entender
porque o gestor teve aquele drawdown, porque teve aquela
grande alta. Para um investidor profissional é mais fácil. Mas
houve um crescimento substancial das plataformas de
investimento. Nesses casos, as gestoras precisam contar
com a ajuda dos profissionais que estão nas plataformas
para informar corretamente o que o cliente está comprando.
Esse ainda é um desafio. No longo prazo, acho que ele vai
ganhar dinheiro, mas pode ser que aconteça amanhã um
evento negativo para o fundo.

Para finalizarmos, como você lida com o estresse da


tomada de decisão e com o fato de que a cada
minuto os preços de mercado mudam?

Se tomarmos as decisões de maneira pensada e


estruturada, de forma sistemática, perceberemos que errar
é parte do jogo. Ninguém é inocente o suficiente para
aplicar dinheiro comigo achando que não pode perder.
Quem investe nos fundos da Absolute precisa saber que
está correndo risco e que pode perder dinheiro sim. Nós
temos bons produtos, gostamos e trabalhamos para isso.
Agora, não garantimos nada. Eu nunca garanti nada para
ninguém. Obviamente, falo para os clientes sobre os
cenários otimistas, mas sempre menciono também o que
pode acontecer, dos riscos. E isso me deixa bastante
tranquilo. Os reguladores também fazem isso. Nas lâminas
dos fundos, é necessário ter várias informações. Não vou
dizer que o estresse é zero, claro que existe. Mas é bem
suportável. Não sei se está no sangue, mas a pessoa precisa
gostar do que faz. Eu, claramente, gosto do que faço e acho
que, se não gostasse, não estaria aqui há tanto tempo. Tem
estresse, mas toda profissão tem estresse e as pessoas
conseguem lidar bem com isso. Quem chega ao nível em
que eu e meus pares chegamos é, com certeza, calejado, já
sofreu na pele. Há 15 anos, quando operava posições
infinitamente menores do que as que opero atualmente, eu
passava muito mais estresse do que hoje. Isso acontece
justamente pela experiência, segurança, por acreditar
naquilo que estou fazendo e por ter passado por diversas
crises. Quando tudo dá errado, já sabemos o que fazer. Se
tudo der errado, espero estar na ponta certa. Em geral, o
mercado dá sinais antes, a não ser em casos como o do
Joesley Day. Enxergar esses sinais é algo que fazemos bem
aqui e que nos ajuda tanto na performance quanto na
questão psicológica. Me preocupo mais em acertar e em
tentar identificar as oportunidades do que achar que a cota
não terá volatilidade. A cota terá volatilidade, mas isso não
é um problema em si.

Capítulo 2
MARCIO APPEL  |  ADAM CAPITAL

M arcio Appel é sócio-fundador e gestor da Adam Capital,


uma Asset especializada em fundos macro. Os fundos da
Adam são geridos como uma estratégia única, que combina
as ideias de alocação de toda a equipe.

M arcio, onde começa a análise de mercado de vocês?

A análise começa com o desapego ao status quo e com a


capacidade de olhar de forma isenta os mercados.
Montamos posições estruturais, por períodos prolongados, e
praticamente não temos research externo. As ideias vêm de
várias fontes, como história econômica, antropologia ou
tecnologia. Por trocarmos menos de posições, sobra tempo
para fazer uma pesquisa livre. E como somos uma casa
macro, precisamos entender o mundo. É mais holístico do
que, por exemplo, small caps , algo específico. Não se
ganha conhecimento de pequenas empresas estudando o
mundo. Obviamente, sempre tem influência, mas o case é
bem mais específico. Aqui na Adam, vale o inverso. Focamos
no principal fator, aquilo que motiva o investimento. Se
você vai para a especificidade acaba se perdendo nos
detalhes. No passado, já aconteceu de pecarmos pelo
excesso de granulosidade.

Como vocês interpretam os agentes ligados ao


governo e à autoridade monetária?

Nunca fazemos nada baseado em quem está na diretoria do


Banco Central. Não é isso que determina as nossas
posições. Ao contrário, tentamos não falar com as pessoas
do governo, daqui ou de qualquer lugar. Não estamos em
um negócio de pegar pistas. Essa não é a nossa filosofia de
investimento e não é o que fazemos. Vamos atrás de
movimentos que não dependem da decisão de um indivíduo
ou de outro. Na maioria das vezes, se estamos certos sobre
o cenário macro, inevitavelmente os agentes econômicos
responderão ao cenário que se apresenta. Eles reagem à
realidade, não criam a realidade.

Como vocês equilibram os dados econômicos de


curto, médio e longo prazo?

Primeiro fazemos uma leitura de níveis de atividade global,


com uma leitura secular. Isso depende da demografia, da
parte econômica, mudança de hábitos, entre outros
indicadores. Um dos motivos da desaceleração global dos
últimos anos é a maturidade do mercado de celulares ou
carros, por exemplo, que gera um headwind para a
atividade industrial global. Então, tudo se comunica. É por
isso que eu digo que esse processo é holístico. É difícil
determinar onde é o início.

Realmente. O que você lê para formar a sua visão de


mundo?

Eu leio muita História sobre as civilizações, do ponto


de vista evolutivo e antropológico. Por exemplo,
sobre o consumo de energia vinculado à evolução,
até o impacto dos instrumentos econômicos e do
desenvolvimento de tecnologias. Não apenas sobre o
século XX, mas sobre os últimos 3 ou 4 mil anos. E,
também, sobre as crises, não só a de 1929, mas a de
1907 e outras que aconteceram. Acho que a História
é uma das principais ferramentas para conseguir
entender o mercado e tentar achar padrões, que é o
que fazemos. Nosso processo de investimento
envolve identificar esse padrões, e é preciso olhar o
maior número de padrões possíveis. A parcela de
teoria econômica envolvida é simples e não é o que
gera diferenciação. Ao contrário, se nos
aprofundamos na teoria econômica para fins de
investimento, acabamos nos perdendo em nuances
irrelevantes. As alavancas e os resultados do
processo econômico são simples. O principal é tentar
entender o que acontece no mundo real. Do ponto de
vista demográfico, de mudança de hábitos, de
tecnologia, dentre outros, que forçam as pessoas a
puxar essas alavancas para uma direção ou outra.
Por isso, acho História tão importante.

Que padrões socioeconômicos você vê no mundo de


hoje?
A Revolução Industrial trouxe um aumento demográfico
enorme, produzindo um impacto relevante. E, agora, pela
primeira vez, há uma desaceleração. No passado, reduções
demográficas eram causadas por catástrofes, peste negra e
outros acontecimentos do tipo. Esses eventos levavam a um
impacto deflacionário violento. Obviamente, a queda da
dinâmica demográfica gera, ao longo do tempo, uma
mudança na inflação. O capitalismo é baseado em diversos
conceitos, incluindo o de que a competição é benéfica para
o consumidor. E a competição sempre foi precária, seja por
geografia, distribuição de informação ou uma série de
barreiras para uma competição eficiente. A tecnologia fez a
competição se tornar mais eficiente. Nesse sentido, há outro
impacto deflacionário. Entendemos que uma boa parte
desse benefício do aumento da competição já está presente
e vai começar a gerar um aperto de margem em empresas
que, por exemplo, não tenham a proteção natural de
propriedade intelectual, o que, no mundo atual, faz
diferença. Antigamente, quando a economia estava voltada
para indústria, era relevante controlar os meios de
produção. Hoje, não é mais. Atualmente, dois sujeitos em
uma sala podem fazer uma empresa de um bilhão de
dólares, o que antes era impensável. Então, a propriedade
intelectual é o que tem valor e deveria gerar um edge
competitivo, permitindo uma margem mais alta ao longo do
tempo para essas empresas, junto de outro efeito: o da
facilidade em disseminar informação, que é o conceito de
que the winner takes it all . Esse efeito, por consequência,
gera um aumento muito grande da desigualdade. As
pessoas, erroneamente, acham que ela é fruto de políticas
governamentais. Na verdade, existe um hábito de achar que
qualquer coisa é culpa do governo, e não é. É consequência
natural da evolução tecnológica. Na medida em que há
alavancas tecnológicas maiores, também há um aumento
da desigualdade. Porque quem tem a capacidade de usar
essas alavancas, começa a ter grandes ganhos e o restante
fica em uma situação, em termos relativos, pior do que em
termos absolutos. As classes menos favorecidas vivem
melhor do que os reis viviam antigamente. Então, o ser
humano tende a se comportar de maneira não-racional. E
boa parte disso também vale para os investimentos. Por
outro lado, vemos outro impacto da tecnologia, não
diretamente vinculado à parte econômica, mas que impacta
profundamente os mercados. As mídias sociais geram
comportamentos que não estávamos acostumados até
pouco tempo atrás, quando o discurso era centralizado
pelas mídias tradicionais e pelo governo. Começa a voltar
uma dinâmica que existia durante as cidades-estado
italianas, as pessoas falando com os amigos ou nas praças,
onde se trocava de governante o tempo inteiro. E as mídias
sociais geram isso. O controle do discurso fica reduzido e,
por outro, aumenta a capacidade de mobilização. Por
exemplo, vemos isso no discurso populista, que é simples
de convencer.

Falando de mídias sociais, elas tendem a aumentar o


potencial de eventos de cauda?

Sem dúvida. A mídia social polariza os discursos, como já


acontece, porque chama a atenção. O discurso moderado
gera pouca audiência e a radicalização aumenta o
engajamento. Estamos fazendo um tracking de mídia social,
uma investigação relativamente recente. Se não me falha a
memória, o primeiro efeito visto foi durante a Primavera
Árabe. Mas, como era um movimento contra ditaduras, acho
que não houve uma leitura correta do potencial de
transformação política que essas ferramentas geravam.
Obviamente, na eleição do Trump e no Brexit isso ficou mais
evidente. A partir desse momento, ficou mais claro o
impacto dessas ferramentas em tudo, do ponto de vista
político e econômico. Antes, nos Estados Unidos,
economicamente, fazia pouca diferença quem era o
presidente. Era mais ou menos parecido. E, agora, existe
uma polarização que eu, com certeza, não vivi. Atualmente,
os líderes do Partido Democrata são quase socialistas.

E como vocês rastreiam as mídias sociais?

Estamos há um ano e meio investindo em big data e


tentando identificar padrões vindos daí. De certa maneira, é
algo novo para todo mundo. É mais para gerar um input,
não para fazer um trading system. Ou seja, é para ajudar na
tomada de decisão. Porque isso não é a opinião do
presidente do Banco Central. Gera, de fato, um impacto
econômico, como gerou a greve dos caminhoneiros no
Brasil. Movimentos sociais como o do Chile também
geraram impacto. Então, é preciso mapear, e acho que isso
será cada vez mais relevante. Na verdade, estamos em uma
fronteira desconhecida, do ponto de vista político. Por causa
desses movimentos, nos aproximamos, talvez, de uma
democracia mais direta, o que pode ser instável
politicamente. É um mundo novo, com uma outra estrutura
social.

Quando esse rastreamento de mídias sociais se torna


uma posição efetiva?

Se algum movimento que vemos nas mídias sociais


gerar alguma preocupação, temos que encontrar
posições que se beneficiariam, ou que não sofreriam
se esse determinado cenário viesse a se concretizar.
Procuramos investir em ativos baratos, mas
resilientes a esse tipo de processo. Países onde o
movimento está favorável para a parte econômica
são menos afetados do que países mais suscetíveis a
esses processos políticos. Não operamos nada
baseado em um só input. É mais um dado adicional.
Em diversos momentos, seja olhando companhias ou
países, nos perguntamos qual é o impacto desse
ambiente de mídia social. As teses mais estruturais,
demográficas, de mudança de hábito, tudo isso
permeia onde vamos colocar o nosso dinheiro. Quais
são os setores e países que mais se beneficiam. Hoje,
gostamos do franco suíço, porque achamos que essa
moeda é menos sujeita a esse tipo de processo
político. Se num país você não conhece nenhum
político pelo nome, é porque as coisas estão bem. É
um país mais estável.

Mudando um pouco de assunto, qual a sua opinião


sobre gestão sistemática ou quant ?

Esses sistemas, normalmente, são de curto prazo. Em


sistemas de longo prazo, argumentarão que serão capazes
de identificar tendências. O problema é que há pouca
capacidade de treinamento com sistemas de longo prazo,
pois a quantidade de dados cai muito. Quando você olha
para tendências de longo prazo, a explosão de dados
disponíveis para treinar o curto prazo desaparece. Daí a
dificuldade de ser capaz de treinar um sistema em um
horizonte da forma como operamos. Mas, esse negócio
evolui de forma muito rápida. E acredito que não virá de
quem faz agora. Isso é muito mais avançado do que quem
já está no mercado. No caso da RenTech, por exemplo,
estamos falando literalmente de rocket science . Não tem
nenhum economista lá dentro, só PhDs, e ali pode ser que
dê certo. Porque estamos falando de pessoas altamente
qualificadas. Existem gestores espetaculares, só que não
operam com horizonte longo. Não começaram por causa do
big data , propriamente dito. Já fazem isso há muito tempo,
muito antes do big data existir. Isso caminha com o fato de
que todas as atividades humanas estão se tornando
obsoletas. A Inteligência Artificial vai ser uma
superinteligência que impactará tudo, sem dúvidas. Mas
vale lembrar que o ofício de gestão de recursos é um
processo quase criativo. Inclusive, uma boa parte dos
processos criativos você até já consegue reproduzir, mas
esse ainda não. Por exemplo, apareceu a Uber. O sistema
não sabe como tratar a empresa ou avaliar o impacto da
Uber na indústria de automóveis e da sharing economy
como um todo. É essa capacidade de extrapolar a inovação
e de imaginar. A Inteligência Artificial vai precisar ser capaz
de imaginar o que não aconteceu! Por exemplo, é possível
modelar o aumento da sobrevida humana e a mudança do
paradigma de transporte, porque a sobrevida saiu de 48
anos há 50 anos para 78 anos. E os carros substituíram os
cavalos. Foi uma evolução. Mas a sharing economy é difícil
para o modelo, porque nunca aconteceu no passado. A
Inteligência Artificial teria que basicamente chegar ao ponto
de aprender sozinha. Se a máquina for capaz de fazer isso,
será porque foi capaz de se autoprogramar. É o que se
chama de singularity. Um modelo aplicado a investimentos
de longo prazo precisa ser capaz de não apenas identificar o
status quo econômico, mas da civilização, considerando
todos os riscos vinculados a isso. Isso me parece exigir um
nível de evolução muito alto da Inteligência Artificial. Não
existe dados o suficiente para treinar um modelo como
esse. E antes disso, há muita coisa para ser sistematizada.
Então não é uma preocupação competitiva, porque não
acho que isso será monopólio de alguém. É mais uma
mudança na civilização do que um problema particular da
indústria de gestores de recursos.

Modelar a inteligência humana é algo difícil.

Modelar a inteligência é uma coisa, já a imaginação é outra.


A imaginação é o complexo. Imaginar, por exemplo, o
impacto que estamos tendo na demografia e na
competição. Falar desse assunto hoje é fácil, mas há dois
anos atrás seria difícil um sistema de pattern recognition
identificar esses fatores, porque não existia um histórico
desse tipo de processo. Na época foi preciso um pouco de
imaginação. E a imaginação vai ser difícil de substituir. Não
estou dizendo que é impossível. Talvez, um dia, substitua.
Mas é um nível de AI alto. O novo é que é o problema, para
todos esses casos. Um sistema teria de ser capaz de avaliar
o impacto de coisas novas sobre uma miríade de dados
econômicos. Considerando que esses negócios não existiam
no passado... Por isso não é tão simples usar AI para
simplesmente substituir o que fazemos.

Nos últimos anos, vocês aumentaram o número de


mercados em que operam?

A parte de Long & Short ficou mais desenvolvida do que era


antes e segue sendo uma fonte de retorno relevante. Ela
pega bem as trading ideas relacionadas a mudança de
hábitos e é menos vinculada a outros efeitos econômicos.
Isso é uma das coisas que evoluímos desde então, do ponto
de vista de mercados. O resto, não.

Em ações, que universo vocês monitoram?

Só olhamos large caps . Nossa análise de empresas inclui o


valuation e os drivers , os fatores importantes para o
resultado das companhias. Hoje, no mundo, para o nosso
nível de liquidez, existem cerca de 500 empresas onde
poderíamos investir. Dessas 500, fazemos o tracking de
cerca de 80. Das 80, montamos posições em
aproximadamente 20 companhias, seja comprado ou
vendido. Mas, fazemos o tracking de outras 60, pois temos
alguma ideia para onde cada setor vai. Inclusive, porque
podem ser fornecedores de um cliente de outras empresas
que nós temos ou porque são bons indicadores macros. O
desempenho das empresas se comunica com a parte macro,
então acompanhamos tudo.

Vocês têm predileção por algum mercado?

Ao longo do tempo, ganhamos dinheiro em bolsa, juros e


câmbio de maneira igual. Não temos nenhuma predileção.

Como vocês otimizam o equilíbrio entre os fatores de


risco?

Stress testing é uma das coisas que mais olhamos. Não o


stress test histórico, mas aquele que nós desenhamos. O
stress histórico já faz parte do nosso processo de controle
de risco. Mas, quando tentamos equilibrar as posições,
olhamos prospectivamente o que parece ser um cenário
adverso. Às vezes, não conseguimos achar uma nova
alocação que ganhe dinheiro e tenha uma correlação
negativa com o resto do portfólio. Então, fazemos posições
menores. Mas em Long & Short e moedas, por exemplo,
conseguimos isolar o risco de beta.

Em alguns momentos, carregar uma posição muito


longa pode ser bastante desafiador.

É preciso haver equilíbrio o suficiente para conseguir


navegar o curto prazo até as posições de longo prazo se
provarem. Esse é o cuidado que nós temos e com o qual nos
preocupamos. Já tenho tempo o suficiente de mercado para
ficar menos preocupado em pegar todas as ondas. Quem
faz isso há muito tempo, já viu que bastante gente surfou e
a onda quebrou. Faço como se estivesse fazendo o meu
próprio dinheiro, porque a maior parte do meu dinheiro e
dos sócios está investido aqui. Fazemos o que achamos que
é o melhor, e isso deu certo nos últimos 20 e poucos anos.
Teremos períodos em que nos sairemos melhor que os
nossos pares, e períodos nos quais os pares se sairão
melhor. O principal objetivo é fazer o que achamos ser o
certo. A competição direta é menos importante.

Em mercados menos voláteis encontrar alpha e yield


pode ser mais desafiador, não é?

Mercados com vol mais baixa são mais complicados porque,


normalmente, geram movimentos abruptos e intensos.
Então, é preciso ter cuidado, porque se errarmos o processo
em seis meses ou um ano, podemos sofrer. Eu me lembro
da crise de 2008. O cenário estava estranho desde 2007,
mas não acertamos mesmo estando certos de que o
mercado cairia, porque os processos de alta são muito mais
longos que as quedas. Por isso, é mais fácil carregar
grandes posições compradas do que vendidas. E no
momento de disrupção, para os clientes, é mais difícil
compreender. Vale lembrar que, em geral, cotistas gostam
de baixa volatilidade. Mas em 2019 muitas pessoas,
especialmente as pessoas físicas, sofreram com a vol
repentina dos fundos de crédito. Pessoa física gosta de
“vender pó” (opções baratas), ganhar pouco durante muito
tempo. Só que isso, normalmente, aumenta a chance de se
perder muito em pouco tempo. E nós tentamos fazer o
contrário. Prefiro ter volatilidade baixa em momentos de
mercados calmos e depois, quem sabe, ter uma vol alta
quando a disrupção estiver para o nosso lado.

O que vocês analisam quando montam posições em


commodities?

Posso dar o exemplo do ouro, uma das commodities que


deu bom retorno em 2019. No início, havia um potencial
movimento de queda da taxa de juros nos Estados Unidos.
Havia também uma tensão geopolítica que indicava uma
boa chance do resto dos países do mundo querer
diversificar e sair um pouco do dólar. E, dado a situação de
carrego de outras moedas, o ouro parecia um caminho para
a diversificação de reservas. Você tinha, portanto, dois
fatores muito favoráveis para a posição de ouro: a
diminuição do custo de carrego da posição e a demanda dos
Bancos Centrais. Da maneira como nós fazemos, há uma
certa dificuldade em separar essas coisas em caixas
isoladas. Por exemplo, carregamos uma posição comprada
em ações de financials nos Estados Unidos já faz um bom
tempo. E essa posição possui uma correlação inversa com a
taxa de juros. Normalmente, são papéis que tendem a
sofrer quando a curva de juros fecha. Então, havia essa
leitura positiva sobre o ouro, que caminhava perfeitamente
com a leitura sobre financials . São essas coisas que nós
tentamos fazer. Por isso que separar a gestão em mesas ou
books , no nosso caso, não funciona. Não queremos perder
a capacidade de achar essas relações. Olhando para o caso
de petróleo, no passado, já tivemos posições tanto
compradas quanto vendidas. Petróleo apresenta uma
relação de eficiência de produção e consumo, que vem do
nível de atividade econômica. Num dado momento, tivemos
uma posição vendida em petróleo, mas gostávamos de
Petrobras. E essas posições se combinavam. O portfólio é
um quebra-cabeças entre valor esperado positivo e
equilíbrio. Enquanto a tese de ações nos Estados Unidos
estarem caras não se provava correta, o restante da carteira
pagava o custo de estar errado em uma das posições
centrais do fundo. Temos de ser capazes de dar o fôlego
necessário para sustentar posições de prazos mais longos.
Isso, normalmente, também não fica isolado.

O petróleo é um dos mercados que, eventualmente,


apresenta alguns jumps e fatores difíceis de
controlar. Isso é algo que preocupa vocês?
Sim, preocupa, por isso a posição deve ser compatível. Mas,
faz parte do dimensionamento da posição, porque pode
acontecer um atentado em algum lugar e o petróleo no dia
seguinte subir 10%. Isso faz parte, sem dúvida. São coisas
não estruturais, pontuais, e a posição deve ser capaz de
suportar esses eventos. Passamos por isso, recentemente.
Estávamos vendidos, o petróleo subiu, mas depois caiu. A
posição é dimensionada para isso. Já tivemos posições em
ações de tecnologia que, quando saía o balanço, era um
sobe e desce de cerca de 10%. Então, de novo, o tamanho
das posições deve ser compatível com essas
descontinuidades que podem acontecer.

Como encontrar assimetrias de retornos em moedas?

Para operar moedas, é preciso conhecer os países em si,


como a demografia e outros fatores. É um mercado
profissional e complexo. Primeiro, porque toda moeda é, por
definição, um Long & Short . Você compra uma moeda e
vende outra. Eu tenho que achar uma relação entre os dois
países, juntando atividade econômica, demografia e
inúmeros fatores relevantes para montar a posição.

Vocês usam dados de COT ( Commitment of Traders )?

Para moedas, pouco. O mercado de moedas é enorme, e


muitas posições não estão em bolsas de futuros, estão em
derivativos de balcão. Não aparecem. Mas, usamos para
commodities. É um dado, da mesma maneira que usamos
as posições dos agentes na B3.

E funciona para ouro e prata?

Funciona, mas não consigo dizer se funciona sozinho. Não


operamos esse dado isoladamente, é apenas um indicador,
mas que acompanhamos. Por exemplo, na nossa posição de
ouro, uma das coisas que me preocupa é que todo mundo já
está nessa posição. Quando começamos, não. Mas, agora,
sim.

As posições dos players no mercado de commodities


agrícolas são relevantes para a análise de vocês?

Olhando para a soja, por exemplo, tivemos essa discussão


com o nível de estoque. Mas, é um mercado menos
especulador e direcionado pela economia real, como a safra
e a demanda. Ouro tem muito position financeiro. No
passado, o petróleo teve um volume muito grande em
posições financeiras, mas hoje é menor. Todas têm suas
peculiaridades. Mas, ainda assim, é um mercado muito
grande. Commodities, normalmente, tem um caminho
estreito com o mercado físico. A parte especulativa costuma
ser menos relevante do que em outros mercados puramente
financeiros. Já aconteceu com o petróleo. Havia, inclusive,
especuladores com navio parado cheio de petróleo. Mas,
normalmente, não é caso.

Vocês se reúnem periodicamente para gerar trade


ideas ?

Fazemos o comitê econômico uma vez por mês e, a cada


seis meses, um grande comitê de duas semanas no qual
olhamos 18 países. Cada dia é para olhar um determinado
número de países e fazer um estudo mais profundo. Depois,
monitoramos e atualizamos. Pode aparecer, também, algo
extraordinário. Alguém pode apresentar um case de outro
país que achou interessante, ou de um ativo que não
acompanhamos de perto. De qualquer forma, duas vezes
por semana, na hora do almoço, temos a apresentação de
um estudo. Seja de um país, empresa, setor ou determinada
commodity. Às vezes, depois disso, montamos uma posição,
às vezes, não. Em alguns casos trocamos uma posição por
outra. O ouro foi ideia de um dos membros da equipe.
Olhamos, estudamos, vimos que encaixava bem com o
resto do portfólio e fizemos.

Vocês se importam muito com os economics dos


países. Onde entra a taxa de juros nessa equação?

A taxa de juros não é a causa, mas a consequência do


estado econômico do país. Se achamos que a economia vai
enfraquecer, é razoável supor que o juros caiam e a moeda
se desvalorize. E se o país é um exportador, isso pode
acontecer porque os importadores estão desacelerando ou
porque existe alguma evolução tecnológica que vai fazê-los
perder market share . Existem diferentes motivos pelos
quais você pode achar que um país pode performar bem ou
mal. Aqui no Brasil conhecemos bem a capacidade de um
governo em fazer bobagem. Então, somos capazes de
identificar outros lugares onde o governo também pode
fazer bobagem.

Vocês monitoram, de alguma forma, a percepção de


risco de agentes, por exemplo?

Com o big data , estamos começando a olhar. O resto são


medidas tradicionais, de volatilidade, que acompanhamos
há mais tempo. E, verdade seja dita, a participação de
pessoas físicas tem sido mais relevante, não só no Brasil,
como no exterior. Então, começa a ser importante também
olhar essas informações.

Vocês procuram encontrar turning points ou


tendências?

Exercitamos ser agnóstico e tentar não ter preferências,


mas turning points são sempre mais difíceis. Prefiro
tendências, você nem precisa pegar o início. As posições em
que fico mais confortável são uma combinação daquelas
que acho que são de tendência e com pouca gente. Quando
todo mundo está junto, fico desconfortável, porque a
posição é mais frágil, do ponto de vista técnico. Gosto de ter
posições que ninguém tem.

Com certeza. Posições “da moda” geram algum nível


de buzz ? Vocês tentam ler isso?

Estamos fazendo essa leitura do ponto de vista do big data,


em termos de mídia social. Por outras fontes é mais
complexo. Mas, o extremo, é difícil não ver. Não precisava
ter mídia social para achar que a febre de bolsa no Brasil
em 2019 era gritante. Tinha bastante advogado e professor
perguntando sobre investimento. E isso é explicado pela
mudança na maneira como o investimento é distribuído no
Brasil. Relevante e rápida. O que está fazendo muita gente
entrar em uma onda. Normalmente, esses movimentos de
massa me preocupam. Não gosto de participar.

Nesse contexto de juros baixos, existe alguma


alternativa a equities ?

A geração de alpha pode ser comprada ou vendida. Eu sei


que, para pessoa física, é uma decisão complexa. A pessoa
física deveria entender que existem momentos bons ou não
para investir. Esse é o principal. E, normalmente, quando
todo mundo está falando de investimento, não é um bom
momento. Quando todo mundo está desinteressado, é um
bom momento para investir. Porque é bom ter uma gordura
razoável para entrar no mercado de risco. E juros baixos, no
mundo, é um mal indicador. A performance histórica mostra
que períodos de queda de taxa de juros são ruins para a
bolsa e períodos de alta de taxas de juros são bons. E a
coisa surpreendente: uma boa parte dessas pessoas que
estão fazendo migração por causa do juros baixos, não é
quem antes era rentista. Não é o sujeito que vivia de renda
e agora está apertado. É quem nunca teve dinheiro para
renda, possui só uma poupança e, por algum motivo, agora
acha que esse capital precisa trabalhar para ele. É uma
mudança radical na propensão à risco, que não tem
qualquer relação com a taxa de juros, exceto pela onda. A
rentabilidade do dinheiro nunca foi um fator determinante
para essas pessoas. O timing tem que ser determinado pela
oportunidade de investimento, não por uma necessidade
sua. Senão, você vai acabar fazendo alguma bobagem. O
motivo de tomar risco é porque existe uma boa
oportunidade para tomar esse risco. O fato da taxa de juros
estar fazendo com que as pessoas tomem mais risco não é
o processo correto. Um argumento seria o de que o país
está tomando as medidas corretas, por exemplo. Mas não a
taxa de juros em si. Seria melhor se a taxa de juros
estivesse subindo do que caindo, um motivo até melhor
para investir. A taxa de juros estaria subindo, as empresas
performando melhor, a bolsa estaria mais barata e valeria
muito mais à pena. Mas esses processos podem ser
razoavelmente duradouros. E, na maioria das vezes, não
terminam bem, só se a sorte ajudar. Há momentos em que
vale investir e momentos em que é melhor não fazer nada.
Se você acerta, faz toda a diferença. Se investe quando está
todo mundo falando, acho que pode ser desastroso com o
passar do tempo. A maioria das pessoas são levadas a
comprar bolsa porque o amigo falou que está ganhando
dinheiro. Melhor investir uma parcela da carteira ativos de
risco por 20 anos, e não porque o amigo falou, te levando a
entrar all in . E era a força desse movimento, com vários
outros indicadores, que levavam a crer que estávamos
passando por uma febre. O momento certo para investir é
quando há barganhas.

Será que as taxas de juros globais estão em um novo


normal? Talvez, haja uma “niponização” do mundo,
que pode perdurar por muito tempo?
Em uma “niponização” a bolsa não vai obrigatoriamente
bem. Pelo contrário, foi um desastre no Japão. A taxa de
juros baixa não é um indicador de que a economia vai bem,
esse é o ponto. Tem uma boa diferença entre os dois. Mas,
dessa vez, pode ser que façamos um soft landing
permanente. Eu fiz uma apresentação em que falei: “Se
você acha que o ciclo econômico acabou, talvez deveria
estar alocado em equity ” . Porque se não houver mais ciclo
econômico, o retorno vai ser mais estável ao longo do
tempo. Então muitos acham que “ this time is different” ,
que nunca mais vai ter ciclo econômico. Mas não vejo
nenhum indício disso. Se olharmos a história, perto de fins
de ciclo econômico, todo mundo sempre achou que o ciclo
econômico havia acabado.

Indo para um outro lado, gerir recursos e tomar


riscos é algo que se aprende na prática?

Sem dúvida alguma. Esse é um negócio para aprender na


prática e ter cicatrizes. É difícil não adquirir cicatrizes ao
longo do tempo. Elas fazem com que você aprenda, mas
sem morrer. Costumo dizer que é complicado treinar um
sujeito de 30 anos para começar a ser gestor, porque é um
ofício que se aprende desde cedo. E é complexo, do ponto
de vista emocional.

E você acha que tem um bom perfil emocional para


esse business ?

Não, ao contrário. Sou preocupado por natureza. Se, por um


lado, o fato de ser cético e preocupado me faz sobreviver,
por outro, realmente gera um nível alto de estresse. Talvez,
tenha gente que faça isso com menos estresse do que eu.
Não consigo dizer. É um negócio que possui um custo, com
altos e baixos. É necessário ter um policiamento para não
ficar exuberante nos altos. Quando se faz isso muitas vezes,
depois de velho, parece que quem lida bem com isso é
quem liga pouco. Mas, alguém que liga pouco me dá um
certo medo, porque é quem pode quebrar. Por outro lado,
não é fácil equilibrar a capacidade de tomar risco com o
medo de quebrar.

Fato. Chega a tirar o teu sono?

Muitas vezes. Você perde o sono nos dois pontos da curva.


Tanto quando as coisas vão muito bem, e quando as coisas
vão mal. Minha cabeça remói nos dois casos.

Mas você fica mais preocupado quando está


ganhando dinheiro e tem medo de devolver o ganho
ou quando está perdendo dinheiro e talvez esteja
fazendo algo errado?

Me preocupa menos entregar os ganhos. Mas, você começa


a pensar em outras coisas e a cabeça fica mais elétrica. É
preciso se policiar para não ficar excited com esse status. E,
na perda, com certeza. Quando você está perdendo, é óbvio
que também está tentando fazendo o certo. Esse business
não é simples. Por outro lado, não consigo me imaginar
fazendo outra coisa da vida. Acho interessantíssimo, é
preciso um conhecimento amplo e interesses diversos.
Acompanhamos várias coisas. Acho um negócio fantástico,
mas não é para qualquer um.

É duro mesmo. Esse mental fitness é algo que você


consegue resolver sozinho ou é preciso trocar ideias
com alguém? Você acha o processo de investimento
muito solitário?

Não. Conversamos sempre sobre exposição. Do ponto de


vista emocional, acho que é solitário sim.
O livro The Disciplined Trader argumenta que, em
trading, 20% é análise e 80% é gerenciamento das
emoções. Como você vê essa relação?

Não sei dizer. Não sei como se comporta um sujeito


sem disciplina emocional. É sempre difícil separar se
foi uma análise errada ou qualquer outra coisa. Não é
um negócio para quem não tem opinião, porque vai
sempre colocar em dúvida todas as suas teses.
Então, é preciso ter uma boa combinação entre
convicção e ceticismo. Você não pode ser convicto a
ponto de ser impermeável aos dados. Por outro lado,
não pode ser volúvel a ponto de qualquer coisa
abalar a tese. Eu sei que os extremos, com certeza,
são problemáticos. Confiança em excesso e o medo
em demasia. Todas as posições que tomamos nos
parecem óbvias. Se não parecem óbvias, é melhor
não fazer. Porque já vamos errar o óbvio diversas
vezes. E se você faz coisas que não são óbvias,
qualquer coisa que aconteça vai te tirar da posição.
Tem que estar convicto e ter gordura o suficiente
para dimensionar, sabendo que a posição pode ir
contra você. Porém, é difícil formar gente nova ou
alguém apenas jogando. Não dá para jogar pôquer
com feijão, porque não é a mesma coisa. E eu tive a
sorte de conhecer esse universo apostando dinheiro
cedo. No Bozano, quando comecei a operar volumes
maiores, tinha 24 anos. Hoje, não fariam isso. Jamais
dariam para um garoto daquela idade o tamanho de
posição que eu operava na época. Então, é mais
difícil para um jovem conseguir esse volume e
adquirir esse aprendizado.
Há cabeças brilhantes no mundo inteiro. Se você está
operando no mundo inteiro, está também operando
em posições opostas a pessoas muito inteligentes.

Conheci muita gente inteligente que não ganhava dinheiro.


Existem bons argumentos para comprar e vender um
mesmo ativo. Pessoas inteligentes serão capazes de
sustentar pontos contrários. Mas alguns argumentos são
mais importantes que outros. Nesse negócio, você é
treinado para identificar padrões. Padrões que funcionam ao
longo do tempo.

É possível ser treinado para identificar esses


padrões?

Se você não leu os padrões do passado, é difícil identificar


padrões atuais. Essa é uma parte que considero essencial, e
mesmo quem faz economia olha pouco. Muitos olham a
história recente, os últimos 100 anos. Acho que é preciso
mais que isso.

Você pretende estar nesse business até os 90 anos,


como o Warren Buffett?

Acho que sim. Vou fazer até morrer, porque gosto desse
negócio.

É quase um vício?

É. Para mim, não é só um ofício, no sentido que algumas


pessoas sentem o trabalho como um estorvo. Acho que não
é assim para ninguém que está aqui. É um negócio
interessante. O pesado é a parte emocional, não o trabalho
em si. O que nós fazemos é interessante por natureza. É
como ler quando se está de férias. Não é uma obrigação. Eu
entendo o sujeito que lê uma tonelada de research e
consegue achar aquilo enfadonho. Mas, não é o que nós
fazemos. Lemos para entender o mundo. Então, é
interessante por natureza.

É isso que cativa tanto? Essa complexidade e


multidimensionalidade?

Com certeza. É interessante por compreendermos o mundo.


Se você entender em detalhes o preço de um andaime, por
exemplo, acho que a sua vida não fica mais interessante
apenas por causa disso. Mas o que nós fazemos, sim. E, por
sorte, fui criado para tentar fazer esse negócio de uma
forma macro. Se fizesse algo como small caps, seria uma
outra circunstância. Eu teria de ler os researchs , falar com
os executivos das empresas, um universo de ativos
investidos muito menor e seria totalmente circunstancial.
Não é que eu escolhi, a priori, aos 23 anos . Comecei, por
acaso, operando Brady bonds , que já era um mercado
internacional por natureza, relacionado aos Treasuries. O
acaso determina mais que qualquer outro fator, e essas
coisas não são planejadas.

Capítulo 3

SERGIO SILVA E BERNARDO ZERBINI  |

AZ QUEST

O s fundos macro da AZ Quest contam com diversos co-


gestores, que detêm uma parcela do orçamento de risco de
cada fundo, onde montam suas estratégias sob a liderança
dos gestores Sergio Silva e Bernardo Zerbini.

Sergio e Bernardo, quais são os indicadores macro


que vocês usam para começar o processo de
investimento de um fundo multimercado, e como isso
se traduz em uma posição efetiva?
Sergio: Para termos uma visão total da economia, passamos
por todos os indicadores de atividade, inflação, parte fiscal,
balanço de pagamentos, entre outros. O grau de
importância deles vai variando de tempos em tempos para
vermos em que ponto do ciclo macroeconômico estamos.
Nos reunimos semanalmente com os nossos economistas e
eles vão nos municiando com todas essas informações.
Montamos uma radiografia macro.

Zerbini: Hoje em dia os formadores de preço estão cada vez


mais globalizados. Então, movimentos de taxas de juros lá
na Turquia podem afetar o Brasil. Aí juntamos o cenário local
com o externo. Olhamos a atividade global, juros globais,
inflação global, fiscal global, e como isso acaba interferindo
nas decisões no Brasil, dependendo da aposta que vamos
tomar. O alocador de recursos, principalmente o
estrangeiro, sempre vai olhar a melhor história. Então estar
de olho nos mesmos fatores macroeconômicos fora do Brasil
enriquece bastante a discussão dentro do país,
principalmente quando não houver um assunto
estritamente local, como foi a Reforma da Previdência,
eleições etc. Quando o mercado não tem esses eventos,
acabamos sendo orientados pelo mercado global.

Sergio: Talvez eu adicionasse o seguinte: essa série de


dados macro que analisamos é como se fosse um filme.
Pegamos todas essas séries dessazonalizadas e tratadas
econometricamente, nos fornecendo uma ideia sobre em
que ponto estamos do ciclo macroeconômico. Vemos o
quanto as medidas que foram tomadas pelo Banco Central
ou pelo Ministério da Fazenda estão funcionando e como
estamos vendo a evolução disso ao longo do tempo na
economia. E isso serve para qualquer país.

Após analisar o cenário fundamentalista, como vocês


calculam prêmios nos mercados?
Zerbini: Eu acho que essa é a segunda parte da
análise. Por exemplo, se temos um ciclo de queda de
juros nos próximos seis meses, olhamos a taxa de
juros ou a política monetária implícita na taxa de
juros de seis meses e vemos se aquele preço faz
sentido, se o ciclo já está bem precificado, se existe
alguma assimetria. Então, o preço do mercado é
muito relevante para a montagem de uma posição.
Porque, às vezes, aquilo que achamos já está
implícito no preço. Então, teoricamente, não existe
nenhuma assimetria. Isso vale para juros, ações e
moedas. Quando estamos otimistas com o real,
porque o saldo de conta corrente está sob controle,
balanço de pagamento está saudável, o fluxo para
emergentes tem sido recorrente, começamos a olhar
para câmbio real, termos de troca e vemos se o preço
faz sentido dado todo esse fundamento e toda
expectativa de fluxo. Então, chega uma hora na qual
o preço não é mais atrativo. Aí não existe essa
assimetria e não vale fazer essa posição. Eu diria que
isso é tão importante quanto a análise macro, porque
só conseguimos performar se houver oportunidade
de preço no mercado, se aquilo que achamos o
mercado ainda não precificou. Então, o preço é
importante. Aí acho que a segunda derivada de preço
seria a análise técnica, como está o posicionamento
do mercado com relação àquele ativo, se todo mundo
está achando a mesma coisa, se o preço faz sentido
quando todo mundo está achando a mesma coisa,
como tem sido o comportamento do Tesouro Nacional
na parte de juros, se o Banco Central está comprando
dólar, se está vendendo dólar, se está recomprando
reserva... Essa parte técnica de posicionamento dos
formadores de preço, mais a atuação do Banco
Central e do Tesouro Nacional, também é importante
para avaliar se aquela posição faz sentido ou não.

Sergio: No final das contas, o filme que olhamos com os


dados da economia para trás traça uma ideia do que
podemos esperar desse filme para a frente. E quando
olhamos para o futuro, para as cotações de mercado, temos
uma sensação se, dentro do que estamos vendo, os preços
estão acima ou abaixo daquilo que esperamos para daqui a
três meses, seis meses, nove meses, um ano ou até um
período de tempo maior do que esse, no caso de juros. É um
pouco do que o Bernardo falou. As cotações nos mostram se
estão atrás ou à frente das nossas projeções para aquele
período de tempo em que estaremos negociando o ativo. E
aí, no limite, chegaremos à conclusão se aquele ativo, para
aquele período de tempo, está caro ou barato, e
montaremos nossas posições em cima disso.

Essa estimativa de caro ou barato é


fundamentalmente subjetiva?

Zerbini: Acho que não. Acho que é uma combinação dos


dois. Ela tem uma objetividade matemática, nos juros
principalmente. No mercado de juros existe uma
expectativa de política monetária, é uma conta simples e
matemática. Existe uma subjetividade de como ela irá se
comportar, qual a velocidade com que cairão os juros, e isso
é subjetivo. Mas se você acha que o ciclo é de 300 basis ,
isso é matemática. Agora, a subjetividade vem: como serão
entregues esses 300 basis ? Qual é a velocidade? Isso é
subjetivo. Cada um acha uma coisa. A interpretação sobre a
comunicação de um Banco Central é subjetiva para cada
pessoa.
Sergio: A subjetividade vem também não só como a
autoridade monetária ou como o governo reage, mas em
relação a como os agentes reagem. Nos últimos tempos,
tivemos uma flexibilização de política monetária, os juros
caíram de 14,25% para 6,50%, onde todo mundo achava
que os agentes reagiriam de uma certa maneira e todo
mundo achava que a economia ia estar muito mais
aquecida do que efetivamente está. Então, é um jogo de
prever as expectativas não só do governo, mas também dos
agentes privados. Por mais que a taxa de juros tenha caído,
o investimento privado talvez não tenha vindo na
velocidade que esperávamos. Talvez a confiança do
consumidor e do empresariado não tenha vindo da maneira
que esperávamos. Vamos revendo essa subjetividade,
sempre atentos aos dados econômicos que vão saindo,
refazendo o cenário à frente.

Zerbini: Eu diria que a matemática é alimentada com


um grau maior de subjetividade nos modelos.
Quando estimamos que o país irá crescer 2,5% no
ano que vem, é porque achamos que o índice de
confiança vai melhorar no setor privado. No entanto,
não temos nenhuma análise matemática de que esse
índice de confiança irá melhorar. Na verdade, ele é
uma variável de entrada no nosso modelo de
crescimento, só que essa variável é subjetiva. Cada
um acha uma coisa e espera comportamentos
diferentes, apesar de no final existir uma conta
matemática. Eu diria que o mercado de juros é o
ativo mais cartesiano do mercado financeiro por
conta dessa matemática de ciclo monetário, mas
para o dólar e para ações, existe um grau maior
subjetividade nos modelos. Para modelarmos ações
de empresas negociadas em bolsa, cada analista usa
uma expectativa de taxa de juros de longo prazo,
uma expectativa de crescimento de vendas, de lucro
etc. Já o câmbio é o mais difícil, pois o câmbio é
muito mais global. A dívida externa pública não
existe, a dívida privada está sendo diminuída dada
essa recompra de dívida que estamos vendo lá fora.
O saldo de conta corrente está bem e dado que o
país não cresce tanto, as importações estão menores,
então a saúde cambial no Brasil nunca foi melhor do
que é hoje. No entanto, o preço do ativo também
varia em função das taxas de juros e da expectativa
de fluxo de capitais. Esse fluxo não necessariamente
vai acontecer, porque às vezes o cenário macro
muda. Então não há uma fórmula para o câmbio no
Brasil. Para juros há uma fórmula melhor. Quando se
junta o valor esperado para todas as empresas
estima-se o quanto pode valer a bolsa. O câmbio eu
diria que é o ativo menos cartesiano do mercado
financeiro e, portanto, menos técnico e com maior
grau de subjetividade.

Na hora de montar uma posição, vocês estimam


cenários de ganho e perda para cada posição?

Sergio: Sim. Usamos o princípio de assimetria. Cada posição


parte de um cenário de ganho. É uma ideia inicial. Estamos
sempre revisitando esses números. Cada aposta tem um
objetivo de ganho e de perda que tem de ser respeitada.

E vocês também associam uma probabilidade de


sucesso a cada aposta?
Zerbini: Sim. Temos um objetivo de preço. No
mercado de câmbio há um mercado de opções, que
mostra as probabilidades do câmbio atingir
determinados preços, em função da volatilidade. No
mercado de juros, se existe um ciclo monetário, e
você espera três quedas de juros de 50 basis points ,
você sabe exatamente qual é a relação risco-retorno.
Não falamos disso, mas existem várias maneiras de
você representar sua posição e alavancagem. Às
vezes a assimetria de preço não é boa, mas você
consegue expressar sua posição via opções de uma
maneira mais barata ou com uma alavancagem
maior. Por exemplo, Sergio montou uma posição, no
final do ano passado, de que a Taxa Selic iria ficar
estável, com retorno-risco de quase de 10 para 1. O
mercado esperava que ela fosse subir e não cair. E a
Taxa Selic acabou ficando estável. Outra questão
importante é a experiência de mercado. Quando o
mercado está muito alavancado, às vezes acontece
uma onda de stop loss e temos de proteger o fundo.
Quando há um player importante do mercado
induzindo um movimento, o preço pode andar contra
você. Muita gente jovem não entende isso.

Sergio: Eventos aleatórios acontecem ao longo do caminho.


Muito provavelmente numa hora dessas os preços ficarão
distorcidos por um período de tempo e cabe a quem está
tomando a decisão ter experiência o suficiente, já ter visto
algumas crises e entender como os preços se comportam
nesses momentos. Então eu acho que essa é a grande
vantagem de estar no mercado há tanto tempo e já ter visto
tanta coisa. Eu acho que, independente da capacidade
técnica das pessoas, estar no mercado há muito tempo cria
um histórico de eventos que te levam a entender o
mercado. A leitura dos Bancos Centrais, da economia, dos
agentes, vai ficando mais clara quando você tem
experiência.

Com certeza. O que vocês aprenderam com as piores


crises?

Zerbini: Temos de respeitar o mercado de uma


maneira bastante humilde. Tem gente que não
entende isso. A geração atual nunca viu isso, uma
reunião extraordinária do Copom. Quando uma dessa
acontecia, sabíamos que vinha uma subida de juros
de 200, 300 basis points . E hoje ninguém viu isso.
Isso aconteceu recentemente na Turquia, na
Argentina, então essa bagagem é importante para
tentarmos antecipar um evento desse e tentar
proteger o fundo desse evento. A liquidez também
permite nos movermos de maneira responsável. E a
segunda coisa é não “vender pó” (opções baratas).
Isso aconteceu em 2008 com as exportadoras. Ao
olharmos para um stress test temos a capacidade de
julgar o quanto ele é possível ou não. O que
aconteceu em cada evento e o que pode acontecer
de novo? Acho que é daí que vem a experiência. E do
outro lado o mercado exagera. Chega uma hora que
todo mundo acha que um mercado vai quebrar. A
nossa experiência mostra que o exagero existe e aí
temos de ter a capacidade de analisar se aquele
preço realmente fugiu de todo e qualquer sentido, e
ter a frieza de colocar uma posição. Entender que
aquilo é um momento de desespero de algum
formador de preço. E jamais subestimar os
estrangeiros. Vivemos momentos nos quais os
gringos foram capazes de fazer estrago no mercado
pelos dois lados.

Sergio: O mercado é uma eterna lição de humildade. Você


pode estar muito bem num dia, no outro dia você pode
estar na lama. Então deixamos o ego fora da empresa, lá na
rua. Não se trata de uma corrida de 100 metros. Você não
precisa fazer a sua carreira em um ano. É uma maratona.
Dependendo de quanto tempo você fica, pode virar uma
ultramaratona. Trata-se de tentar entender como é que se
sobrevive ao longo do tempo nessa ultramaratona. Não
precisa ser o melhor sempre, mas não pode morrer no meio
do caminho. Para isso, a principal coisa é um book com
seguros, com hedges , para a assimetria que na maioria das
vezes não conseguimos ver. O mercado vira muito rápido.
Às vezes somos pegos de surpresa, e dependendo do
posicionamento técnico do mercado, efetivamente pode
haver uma saída estreita para as posições. Quando o
mercado começa a virar sem entendermos plenamente o
que está acontecendo, os hedges nos salvam. O Ricardo
Braga, que era o tesoureiro do Citi na época em que
estávamos lá, disse uma coisa que lembro até hoje: “Não
fique super feliz e excitado no momento de vitória, nem
fique mega deprimido no momento de derrota. Tenta
manter uma estabilidade psicológica para que você consiga
sobreviver ao longo do tempo”. Eu acho que o mercado é
um pouco isso. É o tipo de lugar onde suas convicções serão
testadas o tempo inteiro. Se você tiver um ego inflado,
provavelmente não vai estar aberto a se questionar a
respeito das suas convicções. Para mim esse é o pior
defeito, porque provavelmente vai chegar o dia em que o
mercado vai te dobrar.
Zerbini: Tendemos a falar: “Nunca isso vai acontecer”. E
acho que as crises te ensinam que, sim, isso pode
acontecer. Se eu falar: “O futuro pode ficar abaixo do spot”,
alguém menos experiente pode dizer: “Isso nunca vai
acontecer, a matemática não permite”. Ou alguém dizer: “
Um banco americano grande nunca vai quebrar”; “Um
fundo grande como LTCM não pode quebrar”. Então, são
essas lições que carregamos conosco.

Vocês poderiam dar algum exemplo de hedges que


usam frequentemente?

Sergio: Usamos bastante opções. Somos ativos,


principalmente quando temos posição em bolsa brasileira.
Usamos calls de dólar no Brasil, também porque achamos
que o câmbio é onde a contaminação acontece primeiro.
Hoje apostar contra o câmbio está barato. Então temos o
costume de usar opções de dólar, opções de juros e opções
de Ibovespa. Infelizmente, não são todos os mercados que
te proporcionam a capacidade de fazer hedges . O mercado
de juros é um deles, nos vencimentos longos. O mercado de
opções é líquido para apostas de política monetária. Mas
você não consegue fazer hedge de DI Futuro longo ou de
uma NTN-B 2050. Onde existe hedge é no mercado de
ações, que é bastante ativo, e no câmbio. O mercado local
mais líquido de opções é o de opções de dólar. Operamos
também opções de EWZ, S&P500 e já fizemos opções de
ouro.

Como vocês enxergam o timing de montar uma


posição?

Sergio: Aqui não temos por hábito construir a posição toda


de uma vez só. Não precisa. Toda vez que discutimos e
falamos do tamanho de uma posição, vamos construindo
essa posição aos poucos. O segredo está na construção.
Não dá para chegar e falar: “Olha, esse preço está
completamente errado e vamos fazer uma posição muito
grande nesse preço”. Tudo pode ficar muito errado por
muito tempo. E o que está completamente errado pode
passar a ser o novo normal daqui a algum tempo.

Zerbini: É importante falar que vamos errar. Todo


mundo erra. Mas sabemos que existe um limite para
errar. Dependendo do estágio do seu business , do
estágio do seu fundo, da idade etc, isso tudo vai
permitir ter um pouco mais de drawdown ou não. Às
vezes você reduz posição para manter um business
saudável, com responsabilidade e comprometimento
com o cliente e respeitando os seus drawdowns . O
importante é: siga as suas convicções. Você pode
perder dinheiro dois meses, mas se tudo o que você
analisou, estudou, conversou, discutiu dentro da
empresa estiver certo, as coisas vão se mover para o
seu lado. No nosso fundo não temos botão de stop
loss. A pessoa que tem a responsabilidade de apertar
o botão de redução ou não é uma pessoa que não é
gestora, é o CEO da empresa, e que vai fazer aquilo
para proteger os clientes e a instituição. Mas temos a
experiência e a capacidade de sentarmos à mesa,
discutir o momento adverso, olhar para a situação de
PnL (perdas e lucros), qual o grau de incerteza que
temos, e ver qual posição vamos tomar da melhor
maneira possível, na qual consigamos proteger
melhor o cliente. Timing é importante, mas não
necessariamente você vai acertar sempre no
começo. Como o Sergio disse, deixe espaço para
aumentar as posições e cumpra os seus limites de
risco. Esteja sempre de acordo com a sua lâmina e o
que você vende para o seu cliente.

Vocês se consideram mais contrarians ou trend


followers ?

Zerbini: Não tomamos posição aqui porque os outros estão


achando isso ou aquilo. Tomamos posição dado o que
achamos. Às vezes o que achamos não é o que todo mundo
acha. Eu gosto de seguir a tendência. Se ela está favorável
ao que nós achamos, não vejo problema em seguir a
tendência. Já tivemos posições contrárias? Já. No câmbio já
tivemos posição contrária. Enquanto o mercado estava
querendo comprar dólares, estávamos vendendo.

Sergio: Alguns fundos estão num estágio de


amadurecimento diferente do nosso. A única maneira de
eles fazerem posições com o tamanho que tem é estar
numa posição contrária ao que o mercado está achando.
Isso também pode acontecer ao longo do tempo, mas eu
acho que depende de caso a caso.

Zerbini: A posição contrária é a mais bem feita que existe,


porque é a que mais vamos nos questionar. Quando
achamos alguma coisa diferente, temos de estar convictos.
E aí precisamos estudar. O consenso te deixa preguiçoso, o
contrário convicto. Tenho a curiosidade de saber o que os
outros estão pensando para me deixar mais convicto do que
estou pensando.

Sergio: Não dá para tentar ter sucesso baseado em ideias


alheias, porque é a mesma coisa que colar no colégio. Não
adianta muita coisa. Você pode até passar, mas
provavelmente no outro ano se o cara que te deu cola vai
embora, você vai bombar. Então não é por aí.
Zerbini: É bom analisar o lado técnico e saber que tem um
fundo gigantesco “stopando” uma posição. Isso é
importante saber para ver o timing de entrada. Se
queremos ir contra ou não. Mas não pesquisamos ou
investigamos o que os outros estão fazendo. Trata-se de
entender se existem posições concentradas em um
formador de preços e saber que esse player pode mexer o
mercado para um lado ou para o outro.

Sergio: No limite, o fundamento é soberano. Se estivermos


em cima do fundamento, o mercado vai convergir para o
fundamento, não tem jeito. Então, é estudar o máximo o
fundamento para poder ter convicção das posições que
você está tomando.

O que limita o risco do fundo?  O VaR (Value at Risk) ?


Stress Test?

Zerbini: Stress. Stress é o único hard limit que temos. Por


exemplo, se o stress do Multi estiver 0,01% acima do limite,
você é obrigado a diminuir a posição. E o drawdown é um
soft limit que você tem um X para receber durante três
meses consecutivos. Se perder, você senta numa sala,
conversa com o CEO e com o comitê de risco para explicar
sua posição. Mas não necessariamente tem de reduzir a
posição. Nós temos um livro consensual e um livro
individual. No individual somos obrigados a “stopar” o risco
se atingirmos o drawdown . No livro consensual, não. A área
de risco não olha o livro individual ou o consensual. Eles
olham como um todo. O Sergio e eu, como responsáveis
pelo fundo, olhamos o livro individual para impor disciplina
aos traders abaixo de nós e dos nossos livros individuais
também. Então o drawdown no final é um limite soft . Para
que serve um drawdown na nossa opinião? Ele serve para
você pegar uma teimosia. “Por que você está dado nos juros
e o mercado só sobe? Não é que ele sobe há um mês. Ele
sobe há seis meses”. Então isso também é para te
questionar e evitar teimosias de traders, inclusive do fundo.
O VaR usamos também, mas mais para quantificar
realmente se você está perto do seu orçamento ou não. Mas
também é soft .

Vocês falaram de book consensual. Poderiam explicar


um pouco melhor como funciona a gestão do fundo
com os diversos books e quanto de limite cada um
tem?

Sergio: É um pouco o que o Bernardo estava falando. Temos


um número limitado de pessoas dentro da área macro que
toma risco. E acreditamos que cada um tem de ter a
liberdade de expressar a sua visão individualmente, porque
estaremos respeitando senioridade, vamos estar
incentivando as pessoas e incentivando a meritocracia
nessa hora. Isso também faz com que consigamos avaliar o
time, ver quem está mais preparado para ir subindo alguns
degraus na sociedade, na hierarquia do fundo e um monte
de coisas. É uma forma também que temos de incentivar a
meritocracia e olhar cada ativo. Dessa forma conseguimos
mapear o quanto cada um está contribuindo para a
estratégia global do fundo. Hoje, por exemplo, temos cinco
books individuais. Um de bolsa micro, como chamamos, que
replica algumas estratégias dos fundos de bolsa, temos o
meu book , o do Bernardo, o da Ana e o do Marcelo Curvelo.
E temos os outros 50% que é a parte consensual. O que
queremos dizer com a parte consensual? Não precisa ser
uma unanimidade, mas a maior parte das pessoas,
concordando que aquele ativo, baseado no nosso cenário
macro, é um bom case de investimento. Essa posição será
expressa de uma maneira destacada dentro do que
chamamos de livro consensual, que é o core . E aí vamos
adicionando e vendo a contribuição de PnL individual e do
book core.
Zerbini: Eu acho importante que o livro individual gere uma
posição core , no sentido de que, se você tiver uma ideia
boa e as pessoas não estão olhando ou não acreditam, você
no seu livro individual é capaz de formular essa ideia via sua
performance, se ela está indo bem. Se você tiver um
argumento positivo, no final você vai convencer as pessoas
de que aquela posição faz sentido para o fundo como um
todo, podendo colocá-la num size maior se a maioria
concordar com o seu argumento. É claro que isso é um
momento de construção. Então as pessoas primeiro vão ter
de ver esse indivíduo ganhando dinheiro e, depois que ele
continua ganhando, vai convencendo de que aquele case
faz sentido. Outra coisa importante que faz parte das
discussões de consenso e livros individuais é que nós não
somos um fundo de caixinha, que é diferente de muitos
fundos que têm por aí. Aqui não temos um cara que só
opera pré, um que só opera câmbio, um que só opera bolsa,
um que só opera dólar, cupom, o que quer que seja. Aqui
temos pessoas que têm complementariedade, com mais
experiência ou especialidade em alguns ativos, mas aqui
não temos a obrigação que uma caixinha exige. De um
trader de câmbio ter risco o tempo inteiro para ganhar
dinheiro nessa caixinha de câmbio. Achamos que isso acaba
desperdiçando VaR , e aí você acaba não aproveitando a
assimetria que talvez seja maior no mercado de juros. Nós
temos essa visão aqui dentro. Nós sabemos que preferimos
ter assimetria num ativo que é mais claro. Isso foi usado em
2017 nos juros, foi usado em 2018 na bolsa, esse ano foi
usado novamente nos juros no segundo tri. Isso é um
privilégio para quem não tem esse modelo, porque se você
tem uma caixinha, teoricamente cada caixinha tem 25% do
limite do risco. Então você vai conseguir ganhar dinheiro no
juros com esse seu 25% de limite. Nós, não. Nós temos
condição de usar 75% de limite nos juros ou no câmbio ou
na bolsa ou no que quer que seja. Não estou falando que
isso é o certo ou errado e que nunca vamos mudar. Talvez
um dia mudemos de ideia, mas julgamos que esse modelo
se enquadra dentro do fundo macro e dentro da AZ Quest.
Estamos felizes com esse nosso modelo.

Vocês falaram há pouco de drawdown . Se o fundo


sofre um drawdown significativo ou já está ganhando
dinheiro há um determinado período de tempo, isso
muda a maneira de vocês gerirem o fundo e alocarem
risco?

Zerbini: O estágio ou amadurecimento do seu business


teoricamente exige um gerenciamento maior de PnL . Mas
olhamos para a assimetria. Se estivermos errados, vamos
ter que zerar ou diminuir a posição, ou “stopar”, o que seja.
Se estivermos certos, vamos aproveitar a assimetria. Então
não é porque estamos ganhando dinheiro que vamos
diminuir a posição. Se a assimetria continuar lá, se o juro
caiu 50 basis e achamos que vai cair 300, e já ganhamos
dinheiro com 50, vamos manter essa posição e não vamos
pensar em diminuir. Quando você está perdendo, temos que
olhar o drawdown e ver se o que você perdeu faz sentido
com o seu perfil, faz sentido com o seu amadurecimento ou
faz sentido com o cliente e tudo mais. E gostamos de olhar
a longo prazo. Quando estamos perdendo dinheiro nos
primeiros três meses, eu olho para a nossa casa nos últimos
dois, três anos. Se ela estiver boa, continuamos felizes,
porque eu acho que é isso do que é feita uma gestão. A
gestão não é de cota diária, mensal ou semestral. É de
médio e longo prazo. Então não ficamos chateados se
estamos tendo um semestre ruim, dado que o longo prazo
ainda está com uma cara bastante positiva. O nosso
objetivo aqui é sempre monitorar o tamanho do drawdown
para gerenciamento de PnL dos clientes. Se perdermos 7%
no mês… Não dá para perder 7% em outro mês. Claro que
vai depender do evento. No Joesley Day dava, mas se
amanhã o Banco Central falar que não vai cair o juros e
estivermos totalmente errados, teremos de zerar a posição
e repensar.

Sergio: Voltamos para o ponto de stop gain e de stop loss . E


como eu estava falando, é um filme no qual as cenas vão
vindo e ele vai sendo desenvolvido ao longo do tempo.
Quando olhamos: “Ah, o mercado já foi demais”. “Já foi
demais” não existe. O “já foi demais” pode ser revisto com
mudança de fundamento ao longo do tempo. Vou dar um
exemplo. Quando falávamos de 8,00% de taxa de juros, os
6,50% eram estimulativos. Os 6,50% são estimulativos por
um período de tempo X, e a partir do momento que o tempo
vai passando e não vemos a economia crescendo, os 6,50%
não são mais estimulativos, você vai tendo uma atividade
sendo revista para baixo e vai falar o seguinte: “Bom, um
novo ciclo de corte de juros pode ser necessário”. Ou seja,
se lá atrás estávamos aplicados em juros e quando chegou
nos 6,50% diminuímos a posição, passaramse seis, sete,
oito, nove, dez meses e a atividade não volta, vamos aplicar
juros de novo porque de repente a próxima pernada é para
5,00%, que é mais ou menos o que temos na cabeça agora.
Mas acho que existe também uma preocupação no seguinte
sentido. Quando falamos de construção de histórico,
estamos sempre preocupados não com a lâmina do fundo,
mas com a lâmina dos clientes da sua base. Isso tem que
estar nítido, porque se você tinha R$100 milhões e 100
clientes, e eles tiveram um histórico bom, e agora o fundo
passou a ter R$2 bi, R$3 bi ou R$4 bi, esse seu cliente novo
não vai ter a mesma tolerância a uma perda que o cliente
antigo. Então para construção e sobrevivência do business ,
é importante que tenhamos essa noção de que, como disse,
trata-se de uma maratona. Quando estivermos passando
pelo Km40, esperamos que todo mundo esteja confiando
em nós já há muitos quilômetros. Consequentemente vai
estar todo mundo dentro da mesma lâmina há muito tempo.
Então, na margem, lá na frente, isso tenderá a ser menos
importante, porque já estará todo mundo conosco há muito
tempo. Mas, de novo, stop loss é baseado na análise de
fundamento.

Depois de tantos anos vocês ainda se deparam com


medo de apertar o gatilho ao montar uma
determinada posição?

Sergio: Não (risos)!

Zerbini: Não (risos)! O coração bate um pouco mais


acelerado em algumas situações, mas zero medo. Acho que
se você fizer o estudo correto, análise correta junto com seu
time, discutir bastante, você tem total segurança. Estou no
mercado desde 1995, o Sergio um pouco antes. Acho que
você não vai ter medo.

Sergio: Até gostamos de uma crisezinha para o sangue


circular mais. Às vezes fica tudo muito parado (risos).

Como é o dia típico de um gestor de fundo?

Zerbini: Estamos sempre discutindo, olhando para os


preços, assimetrias, todos os mercados que cobrimos, e
discutindo com o time, conversando, olhando para a
posição. Eu diria que 99% das vezes estamos posicionados.
Mas não é todo dia que você se coloca em risco. Nem todos
os dias você está com o olho na tela de cotações. Diferente
de uma tesouraria, não somos uma casa de high frequency ,
de ficar montando e desmontando posição o tempo inteiro.
Às vezes você faz um day trade aqui, dependendo da
volatilidade do mercado, mas não é uma obrigação você
estar no telefone operando o dia inteiro. Um fundo hoje,
com um horizonte de longo prazo como é o nosso, tem dias
mais e menos ocupados, dias que você está mais no
mercado ou menos. Depende da quantidade de eventos, do
tamanho da posição, do estágio da posição. Se estamos
perto de um nível que vamos diminuir ou aumentar, vamos
ficar de olho. Aqui temos tempo para ler bastante. Acho que
tem de ler muito, conversar e discutir bastante, para tentar
ter uma nova trade idea . Estamos sempre procurando qual
é o próximo trade . Agora, se tem um trade no final,
estamos sempre procurando qual é o próximo cavalo. O que
podemos estudar melhor? Não paramos nunca, mas em
termos de tomar risco e estar no mercado, eu diria que,
comparado com uma tesouraria, somos bastante tranquilos.

Com relação aos diferentes mercados, vocês gostam


de operar um mercado contra o outro, como se fosse
um Long & Short macro?

Zerbini: Sim, temos um livro de book relativo, que a Ana


toca, mas eu já coloquei posições relativas no meu book ,
tanto no book consensual quanto no individual. Operamos
bolsa local comprada contra uma outra vendida lá fora, e
vice-versa. Ou um setor específico contra o outro. Uma
moeda comprada contra uma moeda vendida. Então temos
bastante Long & Short macro dentro do fundo. E aí vem
aquela história de análise macro. Quanto mais profundo
você pode ser e quanto mais amplo em termos de atingir
várias análises em vários países, maior sua capacidade de
fazer Long & Short macro. Comprar moeda do Brasil, vender
do México, comprar da Austrália, vender da Nova Zelândia
ou Coreia contra a África do Sul. Então vai depender das
oportunidades e da nossa capacidade de penetração nas
histórias individuais. Temos uma pessoa que é especialista
nisso, que é a Ana Abraão. Ela também tem um book de
gestão e é um book que chamamos de book relativo, pode
fazer o que quiser contra o que quiser.

Vocês percebem algum viés comportamental na


gestão de vocês?
Zerbini: Existe essa identificação. Acho que cada um tem a
sua. Pelos dois anos e meio que eu estou aqui, sinto que a
casa tem uma tendência otimista. Ganhamos doado em
juros, ganhamos vendidos em dólar, ganhamos mais
comprados em bolsa do que o inverso. Mas houve
momentos de bear market . Então eu diria que,
honestamente, tendemos a ser uma casa mais otimista.
Tendemos a ganhar mais em momentos otimistas do que
em momentos pessimistas, mas não quer dizer que não
ganhemos em momentos pessimistas. Compramos bastante
dólar quando o dólar bateu R$3,70, então teoricamente
montamos uma posição pessimista nesse ativo. Mas eu diria
que você pode analisar isso matematicamente falando. Você
pode ver o comportamento da nossa cota versus o
comportamento dos mercados e a direção dos mercados. Eu
diria que 70% do mercado de fundos performa em um
cenário otimista.

Vocês têm esse viés por ser difícil explicar para o


cotista que o fundo foi mal, enquanto o mercado
andou positivamente?

Zerbini: Não, eu acho que é uma tendência. Conheço gente


bastante bear , que ganha dinheiro no bear market . Não
que nós não tenhamos ganhado. Eu não estava aqui, mas
teve um cenário pessimista no Brasil com a Dilma, no final
do segundo mandato Lula, como no final do segundo
mandato Dilma e começo do último da Dilma. Era um
mercado claro de se ficar bearish com relação ao Brasil,
comprado em dólar. Então existem cenários em que
realmente você vai ganhar numa posição bearish . Aliás,
acho que é uma questão individual. Eu me considero mais
otimista do que pessimista, e eu falo: “Ganhei mais no
otimismo do que num cenário econômico negativo”. É uma
característica minha.
Sergio: Tem o fator psicológico nisso. Você apostar no
desastre é sempre muito ruim. Você sabe que o resultado
disso talvez seja bom só para você ou para poucos. Então
acho que exista um viés psicológico nisso. Concordo com o
Bernardo. Apostar a favor, até porque nessas horas a
autoridade monetária vai junto. É um trade mais
confortável. Ao apostar contra, você dorme pior. Apostar
contra uma autoridade monetária que tem uma bazuca,
contra alguém que tem um lote muito maior do que o que
você tem… Acho que dá certo durante algum tempo, mas
acho que você pode ser surpreendido em algumas horas.
Tem de ser preciso no timing . Eu acho que as coisas ruins
não duram para sempre, senão o país quebra e a coisa fica
inviável. Você acaba ficando contra quem efetivamente
decide política monetária e “n” medidas. Então às vezes fica
complicado, como apostar numa compra de dólar. Os
anúncios de leilão para o dia seguinte são sempre depois
que o mercado está fechado. Eu acho que é mais difícil.

Como é lidar com o risco de insolvência da dívida


pública?

Sergio: Brasil?

Sim, Brasil.

Sergio: De verdade, na minha opinião é só correção de


preço. Nunca tivemos default da dívida interna. Sempre que
fomos caminhando para o extremo as medidas foram
tomadas para que a rota fosse corrigida. Eu acho até que
podemos ter esse sentimento por um período X de tempo,
mas pelo menos nesses últimos 25 anos que eu estou no
mercado, de alguma forma, as coisas sempre foram
endereçadas. Talvez não na rapidez e com a urgência que
gostaríamos, mas acho que nunca ficamos em xeque, de
olharmos e falarmos: “Nossa, estamos caminhando para um
período de insolvência”. Acho que não. Houve períodos
difíceis? Sim. Nessas horas, talvez nós tenhamos tido
oportunidades. Talvez essas oportunidades não voltem
mais. Olhávamos e falávamos o seguinte: “Nossa, NTN-B
2045. IPCA + 9%. Insolvente”. Era uma preocupação que
estava lá atrás no nosso raciocínio? Estava. Hoje quando
você olha a NTN-B 2045 a três e pouco, você olha e fala:
“Meu Deus do céu, que saudade do IPCA + 9%”.

Zerbini: Eu acho que vivemos dois Brasis diferentes. Houve


o pré-boom de commodities e o pós-boom de commodities.
O pré-boom de commodities foi de 94 até 2003, quando
tínhamos uma dívida externa bastante elevada e o medo da
solvência fiscal. O risco de default da dívida externa era
muito presente. Você não tinha reserva para pagar nada. E
acho que hoje você tem o pós-boom de commodities, onde
o risco de cauda é a dívida local. A Reforma da Previdência
veio para ajudar, mas chegamos a discutir dominância fiscal
dois ou três anos atrás. Então se não tomarmos as medidas,
vamos cada vez mais discutir essa solvência fiscal. Como o
Sergio falou, acho que ainda estamos longe, mas sabemos
exatamente o que precisa acontecer para voltarmos a
discutir isso rápido. Graças ao Congresso, essa Reforma
está saindo, mas se não saísse iríamos discutir isso com
certeza. Um gestor respeitado no mercado disse algo que
eu tendo a concordar: “O Brasil é um país de rentistas,
certo? Ganhamos esses juros altos de presente a vida
inteira, porque nunca quebramos. Mas se não fizermos a
coisa certa, em algum momento vamos ter de devolver
parte dos juros que ganhamos nos últimos 30 anos”. Eu
acho que o fantasma da solvência fiscal é local. Ele existiu
nos últimos dois, três anos, e a Reforma veio para melhorar.
Mas vamos continuar discutindo, porque o país precisa
crescer, gerar superávit primário etc. Então acho que é um
ponto importante, que vão ter momentos mais estressados
e outros menos estressados, mas como o Sergio falou, o
Brasil está sempre no precipício. Ao longo do tempo
escolhemos o precipício em que quisemos estar. Acho que o
nosso precipício hoje é a solvência fiscal. Esse é o nosso
precipício. Dado exemplos passados nos últimos anos, o
precipício fez com que a política econômica fosse na direção
correta e, em alguns casos, o Congresso também fosse, mas
algumas vezes com bastante sofrimento.

Sergio: Os políticos são um tipo curioso. Nós flertamos com


essa ideia de insolvência inúmeras vezes. Mas uma coisa é
você estar na beira do precipício, outra coisa é você se
jogar. E eu acho que quando você olha racionalmente, a
opção de qualquer político, de qualquer governo, é não se
jogar. Tudo bem, já houve default da dívida externa, mas
dívida interna não. De alguma forma, ao longo do tempo,
fomos corrigindo a rota. Eu acho que é emblemático o que
vimos nessa aprovação de Reforma. Por mais que não
tivéssemos a organização política que esperávamos ou
talvez a articulação política que imaginávamos no início,
tivemos efetivamente um Congresso fazendo o que deveria
ser feito. Talvez, na margem, estejamos melhorando um
pouco.

Trading é uma coisa que pode ser ensinada? Como


vocês aprenderam na experiência pessoal?

Sergio: Eu diria que a análise macro pode ser


aprendida, a precificação dos ativos pode ser
aprendida, mas eu acho que tem uma coisa
particular, que é como cada um reage
individualmente a tomar risco. Tomar risco é quase
que uma habilidade, um skill. Não estou falando de
tomar risco de maneira irresponsável, mas eu acho
que é o tipo da coisa que nasce com você. É uma
habilidade específica de cada um. Eu não acho que
isso possa ser ensinado, não. Eu conheço pessoas
muito capazes que não lidam bem em ir para casa e
colocar a cabeça no travesseiro tomando risco,
porque o estômago revira, sei lá o que acontece. A
pessoa não se sente bem. Já teve gente que
trabalhou comigo e estava tomando um pouco mais
de risco. O mercado começava a ir contra, a pessoa
saía da mesa, não almoçava, perdia peso, não
dormia. Certamente são características que não
condizem com você tomar risco. Então, se vai fazer
mal para a sua saúde, não adianta. Eu acho que todo
o resto você aprende, mas o se sentir bem tomando
risco é individual. Acho que isso não dá para ensinar,
não.

Zerbini: Acho que tudo na vida é vivência. E é a vivência


que te traz experiência e aptidão para fazer o negócio. Eu
acho que o Sergio e eu, dado o nosso tempo, temos um
papel de mentoria bastante importante. Agora, aptidão,
perfil para ser gestor, ser trader , isso vai com a vivência e a
capacidade dessas pessoas de ir para a casa e ter a
sensação de que está fazendo o que gosta. Claro que tudo
são fases na vida. Quando eu tinha 23, 24 anos, eu nem
ligava para o dia de amanhã, tinha um pouco mais de
espírito aventureiro. Mas eu acho que a vivência é tudo,
além do estudo. Às vezes pessoas júnior falam que querem
ser trader . Qual é a fórmula para ser trader? Você tem que
investir tempo, tem que estudar, ler, estar interessado, ter
dúvida e investir em si mesmo, senão você não vai chegar a
lugar nenhum. E tem de ter vivência. Porque só inteligência
não é suficiente. Eu trabalhei com gênios que não
conseguiram ser traders . Acho que existe vivência + perfil.
Sergio: Tem que ver o seu lugar no mercado. Existem caras
muito bons, mas tomar risco não é a deles.

Zerbini: O cara tem um currículo dez vezes melhor do que o


meu, mas não consegue ser trader. Ou porque às vezes
acha que a coisa é cartesiana demais, e falamos que não é.
Existe o feeling, a sorte. Eu não estou falando que
ganhamos dinheiro por sorte, mas não existe trader
azarado. Ninguém é bom azarado. Não existe isso. Acho que
tudo isso tem a ver com a energia e a vivência que você foi
desenvolvendo ao longo do tempo, criando aptidão pela
profissão. Acho que o meu papel e o do Sergio aqui é
identificar essas pessoas e motivar essas pessoas, para ter
um time cada vez melhor e para que essas pessoas
venham, um dia, a substituir os seniores. Acho que esse é o
objetivo das pessoas mais experientes. Passar um legado
para alguém. Mas esse alguém precisa se esforçar, não é só
ter uma pós e achar que a parte acadêmica e o que
aprendeu na faculdade é tudo. Precisa aprender, viver, ver
se aquilo faz parte da sua vocação para ter o sucesso.

E como funciona, na prática, essa mentoria que vocês


fazem com as suas equipes?

Zerbini: Essas pessoas participam de todas as discussões,


em termos de cenário macro e montagem de posição.
Damos nossa visão das assimetrias, das experiências de
mercado, o que pode acontecer e o que não pode
acontecer, e tentamos discutir views diferentes. Não quer
dizer que o Sergio e eu vamos estar sempre certos. Pode ter
gente menos experiente de mercado que pode ter uma
opinião melhor e mais certa que a nossa, fazer o teste disso,
fazer essas pessoas colocarem o risco, seguirem as suas
convicções. Às vezes, mesmo sabendo que elas vão errar, é
importante colocar. Acho que isso é importante acontecer.
Acho que faz parte deixar esse cara errar. Esse drawdown
existe para esse cara errar. Isso faz parte do aprendizado. E
depende de uma contrapartida vinda dele. A mentoria
depende dessa pessoa sentar do nosso lado, querer
entender, conversar com os CEOs, entender o cotista, o
cliente, para o cara se aprofundar e querer ser sênior. É uma
via de duas mãos. Aqui somos abertos, e temos um
ambiente bom e rico. Eu cheguei onde cheguei porque
trabalhei em lugares onde as pessoas eram disponíveis. Eu
sentava com um cara mega sênior, o tesoureiro, o head da
mesa, porque queria aprender o beabá do business deles e
eles me ensinavam. Esse ambiente de disponibilidade
dessas pessoas com experiência, que entendem bastante
do mercado, é crucial para um ambiente de mentoria
satisfatório. Existe o autodidata, mas eu acho que ele
precisa da experiência dos gestores mais vividos para
receber a opinião de alguém experiente, de gente que já
viveu mais coisas.

Capítulo 4

CARLOS CALABRESI  | 

GARDE ASSET MANAGEMENT

C arlos Calabresi é CIO da Garde Asset Management, e


lidera um time de gestores responsáveis por gerir books
independentes divididos em mercados e estratégias. Além
de supervisionar essas mesas, Calabresi tem duas funções
importantes dentro da Garde: harmonizar a exposição a
risco dos fundos entre os diversos mercados por meio de
hedges, e gerir os fundos de previdência da Asset.

Calabresi, quando vocês fundaram a Garde, como foi


a dinâmica de sair da estrutura de um banco
internacional para gerir um fundo com cotistas?
Ajudou o fato de nosso time já trabalhar junto. O primeiro
ponto importante é que sempre fui focado em gerenciar o
time e conseguir extrair um bom resultado dele. Sempre fui
rigoroso na escolha das pessoas e na parte de organização,
do processo, de exigir disciplina e de monitorar os riscos.
Depois, com isso bem amarrado, sempre procurei extrair o
skill que os gestores têm. Isso é interessante, porque
quando se tem um time que investe no mercado, que opera
o mercado, as pessoas participam das mesmas reuniões e
discussões. Muito do que circula de informação é comum e
cada um tem um resultado diferente. Normalmente, existem
aquelas pessoas que consistentemente ganham mais
dinheiro e aquelas que, mesmo participando, fazendo tudo
igual, não conseguem gerar valor para o time. Tem um
componente aí que envolve um pouco de psicológico, de
personalidade. Uma parte importante é conseguir fazer essa
seleção das pessoas que, sob várias condições, vão
conseguir gerar valor, ganhar dinheiro, não importando a
condição do mercado. Esse componente faz diferença. Isso
é ainda mais importante no mundo do asset management .
Quando se está num banco com franchise importante, como
era o caso do BNP, que tinha clientes internacionais e locais
grandes, o business com cliente gera um colchão de
resultado. Também com o fluxo, conseguimos entender
melhor o que está acontecendo, o que está por trás das
movimentações de mercado, o que na Asset não temos. A
Asset é realmente você contra o mercado. Nesse sentido,
você não está vendo o que os clientes estão fazendo, não
tem outro resultado que pode te ajudar quando está em um
momento mais difícil. Você tem de “matar um leão por dia”.
Nesse sentido, o skill pessoal ajuda muito. Quando cheguei
aqui, com 30 anos de mercado, tentei montar tudo mais ou
menos conforme as experiências que tinha. A nossa
organização é semelhante a uma tesouraria. A equipe é
organizada por mercados, tem especialistas para cada tipo
de mercado, mas com um esforço grande para que isso
funcione como um time, que não crie incentivos para que as
pessoas olhem apenas para o seu resultado e não
contribuam com o resto. Então a estrutura faz com que a
gente consiga alavancar os valores pessoais e fazer com
que o todo funcione melhor do que a soma do individual.
Alguns fatores ajudam a montar um time de alta
performance. Como background para nossa área
operacional eu prefiro o pessoal de ciências exatas.
Basicamente todo o nosso time é de engenheiros, com foco
em raciocínio, cálculo, resolver problemas. Eu procuro
também trazer pessoas que trabalharam em bancos
grandes, de preferência bancos estrangeiros, justamente
por esse lado de controle de riscos rigoroso e focos em
sistemas. No BNP basicamente abolimos planilha. Era
proibido, não se podia ter planilha. Os cálculos tinham que
estar validados, encapsulados para que não corrêssemos
risco de alguém mexer em uma fórmula e acontecer um
acidente operacional ou alguma perda porque alguém
mexeu inadvertidamente e contaminou todo o cálculo de
pricing da mesa. Aqui a gente procura replicar isso. Por isso
eu tenho tantos profissionais do ITA. São muito bons em
programação, para encapsular a parte de pricing e gestão
de risco. Somos muitos rigorosos com sistemas de
monitoramento de risco. A granularidade que fazemos para
medir esse risco é grande. Procurei trazer a experiência que
tinha para esse mundo, aproveitando que não tinha as
restrições que um banco tem. Aqui temos liberdade para
montar a organização e o time do jeito que queremos.
Obviamente temos que achar as pessoas certas, então uma
parte grande do meu tempo é investido em entrevistas. Ter
a pessoa certa agrega muito valor. Uma das coisas que
fizemos no final do ano foi um grande upgrade no time. Ter
mais liberdade na formação da equipe compensa a falta de
um colchão de resultado de clientes que um banco tem.
Outro ponto é que tivemos que nos acostumar a ter o PnL
julgado diariamente, uma pressão em duas dimensões, o
absoluto e o relativo. Clientes perdendo não vão ficar
contentes. Mas, além disso, mesmo quando você ganha,
tem que ganhar mais que os concorrentes. Nosso objetivo é
estar no primeiro quartil dos melhores gestores.

Como funciona a estrutura de gestão do principal


fundo?

Partindo do conceito de que somos organizados por


mercados, temos uma equipe para câmbio, uma para
opções, uma para juros, outra para bolsa e uma mesa
sistemática. Cada mercado tem sua equipe, que
normalmente tem o pessoal júnior, que ajuda, que executa,
e o pessoal sênior, que é quem realmente toma risco. Todos
os seniores têm um budget . Esse budget varia em função
da senioridade e do histórico. O budget do ano seguinte é
baseado no histórico, dando um pouco mais de peso para o
histórico recente. A gente constrói esse budget área por
área, operador por operador. Aí entramos na parte dos
limites. O fundo tem limite de VaR , os operadores não. Eles
têm outros limites. O pessoal de câmbio tem um limite para
delta e esse limite tem sublimites por moeda. Em opções,
temos limites para todas as gregas. Não só para o delta ,
mas também para o gamma , para vega e para as gregas
de segunda ordem. Na mesa de juros temos o limite de
sensibilidade, o famoso DV01. Além disso, temos sublimites
por vértices e por brackets , intervalos de 6 meses. As
pessoas têm de tentar se enquadrar em vários sublimites,
mas VaR é só um limite do fundo. Depois temos também um
limite de drawdown . Ou seja, com relação ao retorno, o
budget que nos obriga a fazer uma redução do risco. Se um
gestor começa a perder dinheiro, a partir de um certo nível
ele tem que reduzir a posição. Se alguém está perdendo, a
gente reduz a posição daquele cara sem atrapalhar quem
está ganhando e sem prejudicar demais a rentabilidade do
fundo inteiro. Em função do budget temos uma alocação
média de risco para alcançar aquele budget , dado um
índice de Sharpe médio. Obviamente, vai ter sempre gente
que vai “outperformar” o budget e pessoas que vão
“underperformar”. Isso é normal. Em alguns momentos, os
mercados ajudam mais um mercado que outro. Nos últimos
dois, três anos, o mercado de juros sofreu uma redução
acentuada de taxas. Isso não acontece com frequência, a
Selic cair de 14,0% para 6,0%. O pessoal da mesa de juros
brilhou no mercado nos últimos três anos, muito mais do
que as outras áreas, que tiveram movimentos mais voláteis
e bidirecionais. Excluindo os episódios Joesley e o
movimento da greve dos caminhoneiros, o juros seguiram
numa só direção. Foi um período muito bom para trading de
juros e mais desafiador para trading de câmbio.
Obviamente, temos que balancear tudo isso quando
definimos o budget .

Hoje, qual é a sua função dentro da equipe?

Normalmente quem executa as operações são os gestores.


Eu não tenho book próprio. Como somos organizados por
mercado, se a gente quer fazer hedge por conta de algum
risco de cauda, não podemos colocar um hedge para o
fundo inteiro no book de um dos gestores, porque senão
desmontamos o resultado dele inteiro. Temos um livro de
hedge para essas situações e eu cuido disso. Tenho outro
livro que funciona assim: a gente quer ficar posicionado em
um certo mercado, um gestor está de acordo, mas não
temos um acordo do tamanho. Eu quero ficar maior e ele
quer ficar menor. Então posso fazer uma complementação
da posição em outro book fora dele, um book que chamo de
“harmonização”. Mas isso não acontece muito. Além disso,
abrimos um fundo de previdência que estou tocando. Em
função da legislação, as alocações são diferentes. Vou te
dar um exemplo: o D’Artagnan, que é nosso fundo macro,
tem um espaço grande para operar câmbio, seja dólar/real
ou outras moedas. E o fundo de previdência está limitado a
10% do fundo só. Aí preciso fazer uma adaptação. Com a
bolsa é o contrário. No fundo D’Artagnan, temos um limite
direcional de bolsas de até 20% do fundo, e no de
previdência, de até 50%. Na medida do possível, tentamos
ficar com os fundos bem alinhados. Se eu estou comprado
em bolsa em um fundo, provavelmente vou estar comprado
em bolsa no outro. Quem está cuidando do fundo de
previdência, por enquanto, sou eu. Até porque, como é um
fundo menor, são três books , é uma gestão um pouco mais
simples. Não consigo ver todos os mercados ao mesmo
tempo, então eu prefiro definir o cenário e aí cada um foca
na sua área, porque assim a gente não deixa passar nada.

Como funciona o book de hedges ?

Com a guerra comercial com os Estados Unidos, a China


resolveu endurecer mesmo. Portanto, aproveitamos que o
S&P500 voltou para 2.900 e já começamos a fazer uma
posição via opções de venda de S&P, para proteger as
nossas posições. Não que eu esteja negativo, mas esse risco
agora está um pouco mais na superfície. Ele tinha subido e
voltou. Nesse nível, perto dos 3.000, o upside fica bem
reduzido. A gente começou a montar essa posição para
proteger um pouco o fundo desse tipo de evento, se ele
ocorrer.

Como vocês decidem colocar risco em um mercado?

Para nós, colocar risco ou não acontece em função da nossa


visão de cenário. Quanto mais claro um mercado está ou
quanto mais convicto estamos de alguma coisa, mais risco
alocamos. Foi um pouco do que aconteceu no ano passado
com a eleição. Começamos o ano bem otimistas,
achávamos que a população estava querendo um governo
reformista, que o Alckmin era esse cara. De repente, no
meio do ano ficou esquisito, porque a candidatura do
Alckmin não saía do lugar. Tinha o Haddad, Ciro, Marina e o
Alckmin atrás. Começamos a pensar: “E agora? Se der um
desses aqui, o cenário fica muito ruim. Se der Alckmin, fica
muito bom”. Isso só mudou em setembro, com a facada. O
Bolsonaro entrou no jogo, com o Paulo Guedes. “Tudo bem,
não vai dar o Alckmin, mas se for o Bolsonaro com o
programa liberal do Paulo Guedes pode ser bom”. Mas até
então era uma coisa binária. Quando estamos em uma
situação em que a visibilidade não é boa tendemos a ter
menos risco. Quando temos uma clareza maior, tendemos a
tentar aproveitar a oportunidade, aumentando um pouco a
alocação. Obviamente, temos de ver o lado específico de
cada mercado. Há mercados nos quais precisamos ter uma
visão mais local do que está acontecendo, que é o caso dos
juros, e mercados em que o externo influencia mais, que é o
caso do câmbio. A bolsa fica no meio termo. Se as moedas
estão todas apanhando lá fora, o real aqui vai abrir
apanhando um pouco. Se mais ou menos, vai depender um
pouco de como estão as coisas locais, mas a direção tende
a ser a mesma. O mercado de bolsa sofre uma influência,
mas não tão grande. Muitas vezes lá fora as bolsas estão
ruins e aqui a bolsa vai bem. Os mercados de juros sentem
pouca influência. Claramente o que o Banco Central, o dono
da bola, faz com a Taxa Selic é muito em função de inflação.
A nossa alocação de risco é muito focada no mercado local.
85% do fundo é Brasil e 15% é o resto. Mas a gente acha
importante ter alocação em ativos internacionais pela
influência que exercem sobre o mercado local.

Falando de cenário, como começa o seu modelo de


análise macro?

Nossa área econômica é toda composta por economistas. O


cenário macro é revisado mensalmente em três reuniões
extensas. No primeiro dia a gente analisa o mercado
internacional. No segundo dia, o mercado local e, no
terceiro, se definem as estratégias. Vamos no detalhe, sob o
ponto de vista da economia. É quase uma aula detalhada
sobre cada assunto. Definimos esses cenários para que o
fundo possa se posicionar. Além disso, temos toda semana
uma reunião do comitê de gestão, onde só participam os
gestores, porque a linguagem é diferente, o timing é outro,
mas sempre baseado no que foi apresentado pela equipe
econômica. E temos ainda as reuniões diárias na parte da
manhã, que é um ajuste daquele cenário que traçamos para
o mês. É uma discussão sobre os dados de alta frequência,
além do noticiário daqui e lá de fora. Por exemplo: “Um
dado saiu acima ou abaixo das projeções? Isso muda algo
no nosso cenário?”. Uma parte importante do nosso tempo
é dedicado à discussões econômicas. O gestor, que é uma
pessoa com background mais técnico, passa a juntar as
duas coisas e a entender como a economia funciona e como
isso acaba interferindo nos mercados que opera.

Na visão de vocês, quais fatores influenciam mais


cada um dos mercados: o mercado de juros, o de
câmbio e o de ações?

Para o mercado de juros os fatores mais importantes são


atividade e inflação, com certeza. Para trading de taxa de
juros, um bom acompanhamento e um bom entendimento
sobre atividade e inflação cobre 80% do que precisamos
para podermos nos posicionar. No caso de bolsa, temos de
fazer duas análises. Uma análise é mais da conjuntura,
atividade e inflação. Elas indicam o que vai acontecer com a
taxa de juros. E juros são um componente importante para o
mercado de bolsa. Mas tem também a análise micro, que é
empresa por empresa. Aí tem que fazer o mais complexo,
porque depois de analisado o macro, você tem de ver as
empresas das quais gosta, as empresas das quais não
gosta, as que você acha que vão crescer, que vão entregar
resultados, que vão aumentar receita, que podem ser uma
boa opção de investimento. E aquelas que você acha o
contrário. O interessante do mercado de bolsa é que
existem várias estratégias possíveis. Há uma estratégia
direcional macro: “Eu quero ficar comprado ou vendido
porque acho que a bolsa vai subir ou cair”. Só que dentro
disso existem ações que você quer ficar vendido, para ficar
mais comprado naquelas que gosta mais. Você sempre vai
poder fazer um pouco de estratégia de valor relativo, que
permite gerar resultado independentemente da direção da
bolsa. No mercado de câmbio a taxa de juros é importante,
mas tem toda a parte de contas externas. Então estimamos
a balança comercial e o fluxo financeiro. A gente olha muito
o pipeline de emissão de dívida, IPOs e follow-ons , que
geram um fluxo razoável. Eles geram uma entrada
importante de gringo. Muitas vezes os estrangeiros também
compram papéis de renda fixa mais longos. E, além desse
fluxo direto, tem a parte indireta, que é o movimento global
das moedas, com uma influência forte aqui.

Você falou da contribuição dessa parte Long & Short


de bolsa dentro fundo. Como vocês comunicam as
apostas nessa estratégia?

Normalmente a informação que eu passo sobre esse book é


tanto o que temos de exposição direcional quanto o que
temos de exposição bruta. O short é a diferença dos dois.
Dando um exemplo concreto, a gente está com 10% de
posição direcional comprada em bolsa e 30% de posição
bruta comprada. Quer dizer que eu tenho 20% de valor
relativo. Hoje esse valor relativo é feito não só através de
ações contra ações, mas também através de ações contra
índice. Muitas vezes usamos índices de emergentes lá fora
para proteger parte da carteira.
É possível vocês montarem um trade relativo, de um
mercado com o outro? Por exemplo, estar dado em
juros e tomado no dólar.

Esse foi o grande trade do ano passado. Foi o trade que não
deu susto. Como somos organizados por mercado, no caso
de montagem de um trade relativo, utilizamos books
apartados e com divisão dos resultados entre os
responsáveis por cada mercado.

Como é a gestão do book de opções?

É uma pergunta interessante, porque tratamos opções como


um ativo. O ativo é volatilidade, se a volatilidade vai subir
ou vai cair. Na verdade, quando se determina o preço de
uma opção, um dos componentes do preço da opção é a
volatilidade. Existe volatilidade implícita e a volatilidade
realizada. Implícita é aquela embutida no preço da opção. A
realizada é a medida no dia a dia do mercado. Normalmente
o que a gente faz é verificar se a volatilidade implícita está
baixa ou alta. Por exemplo, em períodos de eleição, em
eventos como o Brexit, o Trump anunciando elevação de
tarifas de importação no dia 1º de setembro… Sabemos que
vai acontecer uma perturbação, algum evento que pode
fazer o mercado se mexer. Isso tem que aparecer na
precificação de opções para aquela data ou em torno
daquela data. Tudo isso a gente opera aqui. A parte de
opções não é feita para operarmos figuras direcionais. A
posição que o fundo faz é comprado ou vendido em
volatilidade. É uma visão de que essa volatilidade pode
subir ou cair, e aí a gente se posiciona em função disso.

Como vocês trabalham a influência da autoridade


monetária e do Tesouro nos mercados de juros e
cambial?
O juro é o mercado mais dependente do Banco Central,
porque a autoridade monetária vai definir 10 vezes por ano
qual o nível de taxa, e existe todo o processo que está por
trás do nosso sistema de metas de inflação: a reunião,
seguida de um statement . A ata sai na semana seguinte e
o relatório de inflação sai trimestralmente. É um conjunto de
informação maior e mais profundo, que vem com uma
apresentação. Do ponto de vista de calendário, são os
eventos importantes. Copom, statement , ata e relatório de
inflação. Além disso temos as conversas. Estamos sempre
no Banco Central para poder explorar um pouco mais,
apresentar a nossa visão, conhecer a visão deles. E tem os
eventos onde os diretores do Banco Central comparecem e
se pronunciam. É dever de ofício acompanhar tudo isso para
ver se há alguma mudança de discurso. Temos de prestar
bastante atenção, pois é algo que mexe com o mercado. O
Tesouro tem um papel importante, porque, no final, se
olharmos de modo agregado, o Tesouro é o grande tomador
de juros, ficando o mercado inteiro aplicado, porque o
Tesouro está lá vendendo a dívida. Depois o risco de
mercado acaba passando de uma mão para outra, mas o
risco primário vem do Tesouro. Isso depois vira a base para
o mercado de futuros. Normalmente, de quarta para quinta-
feira é o dia no qual o juro tem um funcionamento um
pouco mais fake , porque já tentam puxar um pouco a taxa
de juros para poder entrar no leilão com uma taxa mais alta
e ganhar alguma coisinha. É um fator que tem que ser
levado em conta. No caso do câmbio, eu acho que o Banco
Central participa só em situações específicas. Ele tenta não
participar muito, deixando o mercado funcionar por conta
própria. Para nós, é importante estar junto desse pessoal.
Por isso somos um fundo mais alocado em Brasil . Tem
sempre alguém da equipe visitando o Banco Central e o
Tesouro. Nesse processo da Reforma da Previdência um dos
nossos economistas ficava três dias por semana em Brasília
para tentar sentir os agentes políticos. É uma vantagem
competitiva que a gente tem sobre os estrangeiros, mas o
revés da medalha também é verdadeiro. Por isso dou menos
peso para o mercado internacional nas minhas alocações,
porque eu aqui não tenho o mesmo nível de informação que
o pessoal que está lá fora conversando com os Bancos
Centrais internacionais. Obviamente, eles têm mais
detalhes e uma visão melhor que a minha daqui.

Nessa dinâmica de falar com os players vocês


conversam com outras Assets para perceber como o
mercado está pensando? Qual é a influência que isso
tem no posicionamento de vocês?

O tempo inteiro. Todo mundo aqui tem relações que ao


longo do tempo foram sendo exploradas, relações de mais
confiança. Com as pessoas que agregam, que você confia,
que não mentem. Há, sim, uma troca de informações
importante com o mercado, mas acho que tem de ser algo
seletivo. Cada um na sua área, mas existem as pessoas que
são respeitadas, que contribuem. Não é só jogar conversa
fora, porque não existe tempo para isso. É preciso ver quem
são as pessoas que têm o que contribuir e explorar isso.

Falando de pessoas, os gestores aprendem o ofício


na prática?

Nesse aspecto o negócio de asset management é diferente


dos bancos. Um banco, em função do resultado recorrente
que consegue com os clientes, dá mais espaço para
contratar estagiários. Numa Asset cada pessoa precisa
produzir, porque não se tem outra fonte de resultado. O
resultado vem das posições que fazemos. Procuramos ter,
em todas as áreas, pessoas seniores. Mas quando pegamos
pessoas que começam como estagiárias e identificamos que
o skill e a personalidade da pessoa poderia ser desenvolvida
numa mesa, colocamos ela para ajudar. Ela começa a
ajudar, a aprender a boletar, a fazer contas... Demora muito
para um júnior começar a tomar seu próprio risco, porque
esse processo de aprendizado é algo que se aprende na
prática mesmo. Ele participa de todas as reuniões, começa
a entender qual é o racional das discussões, olha como é o
funcionamento da mesa, como é o processo de decisão do
mentor dele - se ele estiver em uma área em que trabalha
com um gestor sênior. Embora os gestores seniores
decidam o cenário e o posicionamento macro do fundo, e eu
o nível de risco, o timing e o instrumento são definidos pelo
gestor, porque ele está mais no front para saber. A partir de
certo ponto, é o skill do gestor que tem que fazer diferença.
Quem reage mais rápido, quem reage mais devagar, quem
acumula, quem opera com alta frequência. A gente tem
vários estilos. No final, vamos ver que, apesar de estilos
diferentes, olhamos quem faz dinheiro de maneira
consistente. Se um gestor traz resultado de maneira
consistente com operações de alta frequência, ou se é um
cara mais estrutural, mas também consistente, para mim
está bom. É preciso ver quem realmente tem capacidade de
monetizar. Quem consegue pegar toda essa base que
damos aqui via discussão com a área econômica e depois
consegue transformar isso em posicionamento de mercado,
alocação de risco e monetização. O estagiário vai ter que
aprender isso ao longo do tempo.

Quanto tempo você leva para identificar se alguém


tem consistência para tomar risco e ganhar dinheiro
tomando risco?

Começamos a ver aquele cara que está um pouco mais


arisco e colocamos a pessoa para ajudar. A pessoa começa
a ajudar, a participar, dar palpites, ideias. Se começamos a
ver que ela tem um certo grau de acerto no que fala e em
suas ideias, em algum momento falamos: “Agora você vai
poder fazer na vida real tudo isso que está tentando
contribuir no plano teórico”. Esse novato vai fazer posições
pequenas. Vamos medindo e corrigindo o que não deu
certo, e o processo evolui. Mas tem que ser realmente com
um mentor do lado, começando pequeno e evoluindo aos
poucos. Isso vale para os seniores também. Quando eu
contrato um profissional novo que não conhece a casa e que
a gente também não o conhece, mesmo que seja uma
pessoa sênior com nome no mercado, que veio por
recomendação e que foi bem na entrevista, sempre seguro
um pouco a rédea. Vamos ver como esse profissional se sai,
até eu entender o estilo dele, e ele entender o meu. Em
algum ponto a gente começar a soltar um pouco mais os
limites. Até para ele não entrar e bater no muro, porque aí
já abala um pouco a autoconfiança. O psicológico é muito
importante. A série Billions , da Netflix, é a história de um
hedge fund. Tem muita coisa ali baseada em fatos reais,
mas o que achei interessante e nunca tinha me passado
pela cabeça é que, na empresa dele, a terceira pessoa mais
importante é a mulher do RH. Não porque ela faz a parte de
RH, mas porque ela é uma psicóloga. Ela traz os gestores
para sessões de psicologia na rotina do fundo, porque eles
muitas vezes perdem a confiança ou tomam uma perda
muito grande. Ela faz esse trabalho psicológico para os
tomadores de risco voltarem a ter confiança e a produzir.
Nunca tinha me passado isso pela cabeça, mas vi que essa
parte é importante. Às vezes o gestor, inexplicavelmente,
entra numa fase ruim, tem dificuldade para ganhar dinheiro
e, de repente, sai da má fase. Isso é puro psicológico. Temos
que trabalhar esse lado também.

E vocês também contratam psicólogos?

Já houve casos em que eu mandei o cara para o psicólogo.


Tinha um gestor, que no final acabou não dando certo, mas
que era tecnicamente espetacular. Participava bem das
discussões, só que tinha aversão a risco. Ele não conseguia
colocar posições relevantes em seus books . Era um dos
mais preparados, que mais participava e mais sabia, mas só
colocava posição pequena. A gente falava: “Não é possível,
você tem que aumentar a posição”. Ele não conseguia. No
final, acabamos tendo que dispensá-lo, porque o fundo ficou
grande. Ele nunca perdeu dinheiro, sempre ganhou, mas
num volume incompatível ao tamanho do fundo, devido ao
seu problema pessoal de aversão a risco. Apesar de ser um
gestor e querer ser um gestor, na hora “H” não conseguia.
Então, infelizmente, acabou saindo. Isso acontece. Uma das
minhas últimas tentativas foi mandá-lo para a psicóloga,
mas ele quase deixou a psicóloga “maluca”. Ficou
contestando a psicóloga depois de um mês.

O lado psicológico e emocional parece fazer muita


diferença no estilo de gestão da equipe de vocês.
Que parte do trading você acredita ser determinada
por fatores emocionais e que parte pelo lado técnico?

Acho que as coisas se complementam. Sem a base, não


acredito em gestor que monta uma posição porque tem
bom feeling. No passado isso funcionava. Hoje o mercado é
mais complexo e ele não consegue. É muito importante o
processo de geração do cenário. A reunião grande gera o
cenário e depois a reunião de gestão modula o tamanho do
risco do fundo, o equilíbrio entre as posições. Depois entra a
execução. Aí é o gestor contra o mercado, mas já há uma
grande base embaixo. Quem faz diferença é quem, com
toda essa base, consegue ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro
com consistência. Não adianta o profissional que ganhou
muito dinheiro esse mês devolver tudo daqui a dois meses.
Isso para o fundo é muito ruim. Entre performance e
consistência, eu diria que o peso da consistência é até
maior do que o peso da performance. Não adianta ganhar
muito num ano e depois ter um ano ruim. O gestor que
ganha um pouco menos, mas vai sempre na mesma
direção, sempre ganhando com consistência, é importante.
Tem que ser um cara com um skill ganhador. Nessa hora
entra o perfil psicológico.

Vocês acabam usando dados técnicos de mercado


para gerenciar timing ou para gerenciar os books ?

É caso a caso, porque existe gestor que olha gráfico, existe


gestor que não olha gráfico. Não quer dizer que o gestor
que olha gráfico vai ganhar e que o outro que não olha não
vai ganhar. Tem aquele cara que olha outras coisas.
Particularmente, me ajuda olhar para gráfico, porque ele me
dá uma relação temporal de onde o preço está em relação a
onde já esteve. Tem gestor que diz: “Nesse nível de preço
eu começo a fazer a posição”. Aí entra um pouco daquele
trading skill . Cada um tem o seu jeito de operar. O
importante é que a gente trabalhe sobre uma mesma base.
Ou seja, que a gente tenha definido o cenário e para onde a
gente quer direcionar o fundo. Tamanho, timing e
instrumento eu deixo para cada gestor. Resumindo, não tem
uma receita nesse sentido. Tem aqueles que preferem usar
e usam gráfico e aqueles que usam outras ferramentas.

Você falou no início da nossa conversa sobre limite


de VaR , de Stress, stop loss , drawdown . Stress é
outro limite de risco que vocês usam?

A gente usa. Ele existe, é um indicativo, mas normalmente


estamos muito abaixo do limite máximo. Então não é um
limite que seja relevante. Os limites de VaR são atingidos
antes do limite de stress , normalmente.

Antigamente, as tesourarias eram um dos principais


atores do mercado. Com o crescimento do asset
management , dos fundos macro, esse cenário
mudou. Como vocês veem a importância dos fundos
macro dentro da liquidez do mercado?

O apetite a risco nos bancos hoje é muito baixo e o capital


requirement , a alocação em capital para manter posições
proprietárias, é muito alto. Hoje o que há é uma extensão
das mesas de clientes. Acabam dando algum limite de risco
para essas mesas, que se aproveitam um pouco do fluxo,
mas não é um resultado que seja de uma relevância tão
grande. Existem alguns bancos específicos que continuam
muito grandes. É o caso do Santander, do Itaú e do BTG
Pactual. Eles ainda têm uma importância, até pelo tamanho.
Acho que sejam, talvez, os maiores players . Mas isso gera
até uma dificuldade para mim, do ponto de vista de perfil
das pessoas que eu quero que trabalhem aqui. Eu gosto de
pessoas que vêm de banco, só que poucas pessoas hoje em
banco são tomadoras de risco. Elas são mais
administradoras de fluxo do que tomadoras de risco. Hoje,
para achar profissionais que sejam mais risk takers em
banco é mais difícil. Eu acho que realmente os grandes
players hoje são os fundos e os investidores estrangeiros,
que na sua maioria são fundos também.

Como vocês veem o nível de eficiência ou ineficiência


nos mercados atualmente?

O mercado melhorou muito nesse sentido. O mercado está


esperto para notícias e eventos de calendário, reage rápido.
A gente até acha que existe um mercado a ser explorado,
porque reage de uma maneira um pouco mais lenta, que é o
mercado da América Latina. México, Chile e Colômbia
reagem com um certo delay . Aqui é muito difícil. O
mercado está esperto. Não tem moleza, não.

Vocês tendem a ser mais trend followers ou mais


contrarians ?
Normalmente, definimos uma direção e vamos. A chance de
resultados ruins sendo contrarian é maior. Mas não é que
entremos nas posições porque está todo mundo numa
posição. Aliás, temos certo cuidado com posições crowded .

Como vocês identificam se um mercado ou trade está


crowded ?

Não é nada muito exato, mas tentamos fazer uma regressão


entre cotas de fundos e movimento de ativos, pegando os
principais players . Temos uma lista hoje dos 30 maiores
fundos e tentamos modelar qual é o posicionamento de
cada um, para ver se isso faz sentido para o movimento de
mercado. Obviamente, usamos também as cartas mensais
para dar uma ajustada, para ver se os caras estão mais ou
menos alocados. Não é uma ciência exata, mas dá uma boa
indicação.

O mercado de juros acaba sendo muito direcional,


não é?

O único tomador final mesmo é o Tesouro. O resto é batata


quente trocando de uma mão para outra. Mas tem fundo
que alavanca. Vimos o que aconteceu com o mercado
naquele Joesley Day, porque as posições estavam muito
alavancadas. Tinha fundo com dez, doze PLs aplicados.
Então gerou uma surpresa muito grande, porque bater dois
limites de alta nunca tinha acontecido na história, eu acho.

Isso acaba fazendo com que vocês montem posições


mais estruturais?

É, não vai ter aquele negócio que só você vai saber, que só
você vai ver. É difícil. Em relação à bolsa, como são muitos
cases , pode acontecer. Mas juro e câmbio é mais difícil. Um
banco que sabe um fluxo XYZ consegue se preparar para
isso, mas dentro de uma Asset é muito difícil. É na base do
estrutural mesmo. Qual a direção que você quer ir. Aí se usa
um pouco de skill : “Acho que foi demais, vou diminuir. Caiu
demais, vou aumentar”. Até a hora que acontece alguma
coisa estrutural que te fale: “Acabou. A direção não é mais
aquela, é para cá que vou agora”.

O fato de vocês terem books diferentes pode fazer


com que um book possa estar numa posição diferente
da outra em termos de view ?

Como no nosso processo a base é o cenário, isso acaba


causando um alinhamento de posições. A menos que seja
um hedge , dificilmente vamos estar posicionados de uma
maneira construtiva num mercado e pessimista em outro. O
que pode fazer essa diferença é o nível de preço. “Apesar de
eu estar construtivo, acho que esse mercado aqui andou e
esse aqui não andou, então vou ficar posicionado aqui e não
aqui”. Também não é uma coisa fácil de falar: “Isso aqui já
está no preço, isso aqui não está”. Mas aí tem um pouco de
valuation e feeling para falar: “Eu acho que tem mais upside
desse lado que daquele. Portanto, é aqui que a gente vai se
posicionar e não ali”.

Nos últimos anos, como vocês conviveram com o


risco de insolvência da dívida pública?

Aqui não há muito o que se fazer. Até porque o fundo


só consegue mandar 20% do que ele tem para fora.
Por enquanto o ativo de melhor qualidade ainda é o
ativo de dívida pública. Uma das vantagens que
temos em relação a outros países é que a nossa
dívida é toda financiada com dinheiro local. Hoje a
participação de gringo é em torno de 12%, o resto é
local. Alguns de uma maneira compulsória, como
seguradoras, fundos dedicados e fundos de pensão.
Esses eu acho que não têm alternativas, a não ser
deixar boa parte dos recursos na dívida pública. Se
houvesse uma fuga de capitais, aí seria mais dinheiro
de private banking . Esse tema foi discutido à
exaustão. A dívida é grande, é preciso pelo menos ter
algum prêmio que faça sentido em relação ao
tamanho dessa dívida. Essa dívida, que é muito
maior do que a de qualquer país emergente, sem
nenhum prêmio, poderia gerar algum tipo de
realocação de ativos e saída de recursos. Isso
aconteceu um pouco na época da eleição de 2014.
Eu diria que o private banking já tem uns 20%
alocados lá fora e por enquanto está bom. Para haver
risco de uma fuga de capitais é preciso uma piora no
fiscal sem um nível de taxa de juros adequado para
se financiar a dívida. Ou seja, um juro mais baixo do
que ele deveria estar. Tudo isso ao mesmo tempo iria
causar uma realocação dos ativos e o capital iria
embora. Mas nós como gestores do fundo temos
limitações a respeitar.

Na mesa de gestão sistemática, como vocês estão


atuando?

No caso de juros temos dois modelos. Um para juros de


curto prazo, para 12 meses, e um para juros de médio
prazo, de 2 anos. E eles respondem a fatores diferentes. O
modelo de curto prazo tem uma resposta melhor à política
monetária. O modelo mais longo é um pouco mais
complexo, pois o prêmio de risco da curva responde a mais
variáveis. Entramos com uma grande quantidade de dados,
envolvendo séries de preços, dados técnicos de mercado,
posições etc. Medimos se as posições em aberto e se as
compradas ou vendidas estão aumentando ou diminuindo.
Adicionamos sazonalidade, dados de inflação, vários dados
de atividade econômica, dados relativos às contas do
governo... Nós montamos uma série de quase 2 mil dados, e
os sistemas trabalham em cima deles. Temos alguns
artifícios de Inteligência Artificial para vermos quais
variáveis estão ganhando ou perdendo peso, para recalibrar
o modelo. O modelo indica a direção de mercado e se o
sinal é de movimento forte ou fraco. Em função disso, ele já
sugere o tamanho da posição. O modelo também define os
drawdowns e os stops . O modelo diz qual a probabilidade
de cada mercado ir para um lado ou para o outro nos
próximos 20 dias. Tudo isso é feito com milhares de back-
tests . É um trabalho contínuo. O interessante foi ver que a
modelagem de juros foi mais demorada. Mas agora que
temos a maioria das variáveis mapeadas, os modelos de
câmbio e bolsa estão saindo mais rápido. Nesse sentido, na
hora que formos analisar ativos do mercado internacional,
pode ser bom. Porque é um mercado que nós conhecemos
menos. Obviamente temos muito mais informação sobre o
mercado brasileiro. Temos mais dados e estamos mais
próximos das empresas e do governo aqui. Lá fora, não. Não
tem como ter o mesmo nível de informação. Então, o
approach de investigar milhares de variáveis pode ajudar a
melhorar a nossa performance no mercado internacional.

Como o modelo pondera as diferentes fontes de


dados?

No modelo curto os preços de vários ativos correspondem a


52% das fontes de dados do modelo. A parte de indicadores
de atividade econômica corresponde a 22%. Em seguida,
dados ligados ao governo, 14%. Depois os indicadores
técnicos, de sazonalidade, que mostram se o mercado está
sobrecomprado ou sobrevendido, responde por 8% do
modelo. Dados de inflação entram com 5%. E por aí vai.
Essa calibragem é que acabou dando o ótimo retorno para
esse mercado de DI Futuro curto. No DI longo essa
ponderação muda um pouco. No câmbio, muda bem. No
câmbio a parte de preços de ativos responde por 31%.
Indicadores técnicos, de sazonalidade, 26%. Inflação, 20%.
Atividade econômica, 17%. Dados ligados ao governo, 5%.
Muitos dos dados são comuns aos dois mercados. Mas, a
influência deles no comportamento do ativo é diferente.

Como você vê o futuro dos fundos macro? Eles


correm o risco de perder relevância, como aconteceu
no exterior?

Não acho que os fundos macro irão acabar. Pelo


contrário. Mas, olhando para as cartas mensais dos
fundos, vemos que 90% das Assets têm o mesmo
cenário. As visões são muito parecidas. O acesso aos
dados é praticamente o mesmo. Hoje em dia, todo
mundo tem acesso a todos os dados. O que vai fazer
diferença é o skill do gestor, o psicológico, quanto ele
é disciplinado. Fazendo um parêntese, quando
contratamos a nossa equipe quant , uma das coisas
importantes para eles foi que no cartão de visitas
deles estivesse o label de cientista de dados. Eles
realmente se veem como cientistas, não como
gestores. E essa equipe tenta justamente não
depender de fatores psicológicos das pessoas.
Tentam tirar o fator humano da equação. Aqui, nós
vamos ficar no meio do caminho. Ou seja, essa mesa
terá um percentual do risco do fundo. De manhã, na
nossa reunião, a equipe quant compartilha o que os
modelos estão dizendo. Se o modelo prevê um
movimento forte, fraco ou se o preço de mercado
está neutro... Os outros gestores usam isso como
mais uma informação. Eles se interessam em saber
quais dados estão levando à indicação que o modelo
quant está dando. Então, eu acho que, no final,
acabamos melhorando a parte macro também. Nós
não queremos ainda fazer uma migração. Eu ainda
dou muito peso para o skill de gestor. Eu acho que
ainda faz diferença. Mas, os gestores tem um input a
mais para tomar as decisões.

Para finalizarmos, que conselho você daria para


quem está começando e quer aprender sobre
mercado e não tem acesso a mentores?

Existem casas como a BlackRock e Pimco, tem o Mohamed


El-Erian, que são bons nesse ramo e que hoje soltam
informação no Twitter o tempo inteiro. Eu acompanho o que
eles falam. São caras em quem confio, como o Mohamed.
Eu leio todos os textos dele com atenção. Isso me ajuda a
formar meu próprio cenário. Mais do que o próprio research
dos bancos, porque você nunca sabe direito se é estagiário
que está fazendo aquele research . São caras que eu acho
mais confiáveis. Essas cartas mensais dos fundos ajudam,
porque tem, além da parte de cenário, uma parte de
alocações. Ajuda a tentar modelar como os outros fundos
estão posicionados, para ver quem está carregado e como o
mercado está tecnicamente. Existem alguns livros bons,
como aquele do Howard Marks e do próprio Mohamed. Toda
semana a BlackRock publica relatórios simples de ler. Não
são profundos, mas dão uma visão do que eles estão
achando, tanto em renda fixa como em equities . Como tem
muita informação que daqui a uma semana não vale mais,
esses caras mais experientes e mais confiáveis ajudam
bastante.
Capítulo 5
RODRIGO TERNI  |   GIANT STEPS

R odrigo Terni é um dos fundadores e co-CEO da gestora


Giant Steps, Asset especializada em gerir fundos
multimercados com uso intensivo de ciência de dados e
processos sistemáticos.

Rodrigo, podemos chamar os fundos da Giant Steps


de fundos quantitativos?

Historicamente, a palavra quantitativo é usada para separar


um fundo de natureza quantitativa de outro que não possui
essa característica. Atualmente, os fundos que não
utilizarem nenhuma tecnologia e matemática no processo
de gestão, sem sistematização desse processo, vão ficar
pelo caminho. Os 20 maiores fundos do mundo atualmente
são, de uma forma ou de outra, quantitativos. Todos eles
usam tecnologia para o processamento de dados, para
execução ou para a modelagem. Em algum momento será
necessário usar tecnologia e isso já se relaciona com a
definição do que é ou não quantitativo. Alguns fundos
tradicionais no país estão começando a usar processamento
de dados na gestão. Podem surgir várias perguntas a partir
daí: “Eles se tornaram quantitativos? Em que momento?”.
Tornam-se quantitativos quando começam a usar mais do
que 20% ou 30% do orçamento de risco nessas operações?
Quando se aplica método na execução e quando se usa
dados? Por isso o termo sistemático é mais inteligente.
Trata-se de um estilo de gestão onde seres humanos
desenvolvem um sistema para obter bons retornos ao
comprar e vender ativos no mercado, com o suporte de
tecnologia e matemática. A grande diferença disso para um
gestor que não utiliza sistema, é que o fundo desse gestor
está preso a ele. Sem ele para operar o fundo, nada
acontece, enquanto que um gestor sistemático pode rodar
seu sistema em qualquer lugar do mundo, sem sua
presença ser necessária.

De onde veio a ideia de começar um fundo de gestão


sistemática?

O ser humano sempre buscou, de uma forma ou de outra, a


ciência por trás do investimento. Essa busca se acelerou a
partir da década de 50, quando Markowitz contribui com o
desenvolvimento do conceito de risco, que até então não
era fácil de medir estatisticamente. Posteriormente, Sharpe
e outros cientistas e matemáticos começaram a trazer
novos conceitos para o mercado. Essencialmente, algo que
era muito baseado na intuição e experiência humana
passou a se aproximar muito mais da ciência. O que
acontece hoje é simplesmente um passo natural como em
qualquer outra indústria: aplica-se muito mais matemática e
tecnologia em um processo ainda muito baseado no ser
humano. No final das contas, qualquer gestão de recursos
lida com quantidades, números, e não há como escapar
disso. Agora, gestão sistemática faz bastante sentido
porque, afinal, qualquer fundo no mundo segue um
processo, seja ele qual for. O gestor cria o seu processo e
tenta segui-lo da melhor forma possível. E é desejável que
ele faça isso. Até porque, quando alguém investe em um
gestor profissional, não espera que ele deixe a emoção
interferir. Espera-se que ele seja totalmente racional. E, se
ele for, desenhará um processo para ser seguido, com um
limite de riscos. Se existe um limite de risco, espera-se que
o gestor saia da posição quando ele for atingido. Muitos
pensam que intuição humana é muito importante. Mas
como a intuição humana ajudaria um gestor em um caso de
limite de risco, por exemplo? Se for atingido e a intuição
humana o levar a se manter na posição, obviamente o
limite de risco será ultrapassado. Se der certo, foi possível
ganhar dinheiro. Mas e se der errado? Na história, milhares
de traders e fundos quebraram, e alguns poucos
sobreviveram com essa intuição. Estatisticamente, apostar
no gestor que vai seguir o emocional não é muito
interessante. É preferível seguir alguém mais racional, que
segue um processo. E, se esse for o caso, por que não testar
esse processo como se fosse um experimento científico?
Existem dados disponíveis para realizar esse experimento e
ver se ele fez sentido no passado ou se foi movido pela
sorte. Na gestora, lidamos com profissionais inteligentes,
com formação acadêmica relevante e uma experiência
grande de mercado. Transformamos o processo que eles
desenvolveram ao longo do tempo em um método
científico. O processo se desenvolve em algumas etapas,
mas trata-se basicamente de aplicar as ideias desses
profissionais em uma sequência de passos que acabam
recebendo o nome de algoritmos. São feitos testes dos
processos com dados passados e, se eles fizerem sentido,
os computadores são programados para executá-los
automaticamente. No final das contas, é uma repetição de
algo já feito todos os dias. Não vejo outra forma de fazer
isso. Acontecem muitas falhas se o processo for puramente
humano, com influência de emoções, vieses
comportamentais e cognitivos, que já foram mais do que
comprovados. Não vejo como um gestor conseguiria
sobreviver em um mundo cada vez mais rápido e com mais
dados para analisar. Alguns gestores dizem ler 400 ou 500
páginas por dia. Mas isso não quer dizer muita coisa em
comparação com a quantidade de informação criada
diariamente. Outros gestores com investimento em
tecnologia estão lendo 400 milhões de páginas em vez de
400. Então, é um pouco de arrogância pensar que ele vai
conseguir sobreviver nesse mundo com a mesma gestão
que foi feita há 20, 30 anos. Trata-se de fazer a evolução de
uma indústria tradicional, assim como está em curso a
evolução da indústria de bancos, seguros, farmacêutica e do
cinema. Praticamente todas as indústrias estão tendo
grandes revoluções baseadas em tecnologias exponenciais,
como Inteligência Artificial, blockchain e tantas outras que
surgiram ao longo dos últimos cinco anos.

Para montar a Asset vocês se inspiraram em outras


gestoras de recursos do exterior?

A revolução na indústria de gestão aconteceu já na década


de 90. O surgimento de um fundo chamado Medallion, da
Renaissance, foi a disrupção de uma indústria tradicional,
por mostrar que, quando a tecnologia é aplicada de forma
inteligente, com o processamento de dados e matemática, é
possível não só superar os retornos médios do mercado,
mas humilhá-los. O resultado histórico dele é alguma coisa
como 40% líquido de taxas, e ele tem 5% de taxa de
administração e 44% de taxa de performance. É um
resultado tão além de qualquer outro que não é possível
nem comparar o que ele faz com outros fundos. E está
fazendo isso há 30 anos. O caso do Medallion foi o momento
de uma virada de chave e, a partir disso, observa-se nessa
indústria uma sistematização, profissionalização e uso da
tecnologia cada vez maior. Então, a Renaissance é, com
certeza, a principal referência, porque é muito fora da
curva. Mas existem outras gestoras no exterior, como a
AQR, Two Sigma, a Winton, Man AHL, e várias outras que
realmente aplicam o conceito de usar um processo científico
na gestão. Nos espelhamos, realmente, no processo criado
pela Renaissance, onde 400 PhDs trabalham juntos para
criar uma pesquisa muito avançada e capaz de ser aplicada
na prática. Obviamente, Jim Simons e outros grandes
gestores sistemáticos são admiráveis por si só, mas o que
eles criaram em termos de empresa é o mais importante,
porque o processo e a cultura é o que faz com que o fundo
tenha perenidade. Jim Simons já se aposentou da
Renaissance há quase dez anos, e a empresa continua com
resultados excepcionais, o que demonstra que o processo é
muito mais forte e criativo. Nossa referência é mais a
empresa e a estrutura do que as pessoas em si.

Interessante. Que tipo de estratégias vocês


conseguiram sistematizar?

O trabalho de um gestor tradicional macro, por exemplo, é


observar a economia e o mercado financeiro ao mesmo
tempo, e cruzar informações de indicadores econômicos
com preços de mercado, para encontrar oportunidades de
compra e venda. Ao observar crescimento, inflação,
confiança e o preço das ações dos Estados Unidos é pos
sível definir se o momento é adequado para comprar ou
vender juros americanos. No final das contas, o que o gestor
faz é econometria a partir de certa quantidade de inputs, de
informações diferentes. No caso de um gestor macro, o
output desta conta é a indicação do que deveria ser feito:
comprar ou vender. Então se trata de um processo. Se o
gestor macro tradicional consegue observar dez
indicadores, outro gestor com acesso a tecnologia consegue
observar cinco mil. Se o gestor segue um processo de
econometria para definir o que é bom e o que é ruim para
uma economia, então é possível se basear em teoria
econômica para destilar indicativos de que a economia vai
bem ou diferenciar os momentos nos quais o ciclo
econômico é bom ou ruim para determinados ativos. É
possível transformar essa teoria econômica em uma fórmula
matemática que processa esses dados e oferece indicativos
para comprar ou vender. Nosso método é realmente uma
evolução de um processo natural. Em vez de 10 dados
econômicos, 5.000. Em vez de observar uma única
economia, observa-se todas. Em lugar de atentar para o
último ano, observa-se os últimos 100. Então é possível
testar se essa teoria econômica faz sentido nos últimos 100
anos, o que é muito melhor, porque proporciona muito mais
escala para processar dados e assim programar um
computador para executar automaticamente essa operação.
Fazer isso é relativamente simples, dado que um software
recebe como informação os preços de mercados e os
indicadores econômicos, repete uma sequência de passos
que foi criada, executa uma conta e devolve. Conectado
com a bolsa, o software envia uma ordem de compra e está
resolvido. A verdadeira dificuldade é pensar em estratégias
de investimento que obterão sucesso no mercado. Tentamos
encontrar ineficiências de mercado. Ou seja, momentos
onde ativos do mercado estejam precificados de forma
errada, sendo possível aproveitarmos para ganhar dinheiro.
O processo decisório de um gestor que utiliza um histórico
de 100 anos é diferente dos demais porque ele consegue
analisar e testar para decidir o que é melhor em termos
estatísticos, ao invés de usar apenas sua experiência, que
normalmente não passa de 10 a 20 anos. Por exemplo,
muitas vezes a projeção pode ser de que o dólar contra o
real está caro e vai se desvalorizar. Essa previsão pode ter
uma probabilidade altíssima de estar certa. Mas quando a
projeção acertar, o gestor vai ganhar muito pouco e quando
errar, perder muito. Estatisticamente, é melhor apostar na
compra, pois se de fato o mercado estiver errado, a
estratégia tem muito mais a ganhar. Isso se chama
assimetria positiva de risco. Muito gestor gosta de vender o
dólar no topo e ter uma boa história para contar. Foi genial,
pensou fora da caixa. Nós, que olhamos o mercado sob uma
ótica estatística, realmente não teremos a história bonita,
mas teremos consistência, que nos permitirá estar no
mercado daqui a 20 anos, enquanto o gestor com histórias
bonitas vai contar mais duas ou três. Na quarta, pode errar
e perder muito. A ideia é usar matemática e ciência a nosso
favor. Estamos realizando um projeto científico que nos
ajuda a observar o que faz mais sentido em termos
estatísticos e explorar isso em vários mercados.
O fato de vocês conseguirem extrair alpha dessas
ineficiências é por que os mercados não são
eficientes?

Sim. Se fosse eficiente, ninguém ganharia mais do que o


mercado. Estamos, sim, explorando alguma ineficiência.
Existem, porém, diversos momentos nos quais o mercado é
eficiente. Eu diria que em grande parte do tempo ele é
eficiente, então estratégias nas quais simplesmente se
extrai prêmio de risco são mais valiosas. Por exemplo, se
ações não tivessem prêmio de risco sobre a renda fixa,
ninguém compraria ações. Além disso, foi comprovado que
as menores empresas possuem prêmio de risco maior do
que as grandes, porque há um risco maior nas empresas de
menor porte. Assim como esse, existem vários outros
prêmios de risco que é possível absorver. Em um momento
onde o mercado está racional, exploramos esses prêmios
com um determinado nível de risco para ganhar um
determinado nível de retorno. Agora, existem momentos
onde o mercado fica irracional, nos quais pessoas entram
em pânico ou ficam eufóricas. Se entraram em pânico, vão
vender tudo e o prêmio de risco vai deixar de fazer sentido.
Nesse momento, é melhor explorar estratégias que são
mais direcionais e pontuais, tentar explorar essa
oportunidade de ineficiência e irracionalidade, do que usar
estratégias que são mais racionais, como prêmios de risco
etc. Aí compramos ou vendemos muito rápido para explorar
esse momento que sabemos que é curto. No ambiente de
racionalidade, é desejável absorver do mercado o prêmio de
risco. Desenvolvemos dois tipos de fundo que exploram
esses dois ambientes.

A qualidade dos dados é fundamental no business de


vocês. Como confiar nos dados históricos aos quais
vocês têm acesso no Brasil?
Enfrentamos grande dificuldade de coletar, tratar e utilizar
dados. É muito difícil fazer isso com os provedores que
existem no Brasil. Por outro lado, é uma oportunidade
porque o profissional que realmente investe recursos para
fazer isso tem uma vantagem muito grande sobre os outros.
É mais uma oportunidade do que um desafio, porque
sabemos como fazer e estamos dispostos a abraçar esse
trabalho. Ao longo da história, nós ganhamos muito dinheiro
no Brasil justamente por existir essas ineficiências e não
haver alguém disposto a fazer o trabalho de coletar e tratar
esses dados.

Que dados seriam esses, por exemplo?

Desde dados de mercado normais até praticamente


qualquer coisa que se possa imaginar. Imagens de satélite,
notícias, mídias sociais, textos etc. Tudo isso são dados
possíveis de serem utilizados. São chamados de dados não
estruturados, pois surgem com frequência ad hoc sendo,
portanto, difíceis de coletar e tratar. Porém, é necessária
uma dedicação e um investimento muito grande para
conseguir desenvolver uma base de dados extensa e com
informações fidedignas. As demonstrações financeiras são
um exemplo. Parecem um dado super fácil de coletar, mas é
super difícil. Coletamos de um provedor, por exemplo, as
demonstrações financeiras da Petrobras em 2017, mas
essas informações foram refeitas ao longo daquele ano. Isso
significa que a Petrobras começou com um balanço e,
depois de um mês, percebeu algo errado e corrigiu uma
pequena linha. Depois de seis meses corrigiu outro erro. O
resultado é um dado coletado que já foi corrigido duas
vezes. O gestor pode pensar que, se fizer a matemática
baseada nesses dados, pode chegar a um modelo que vai
render muito dinheiro. Mas há dados que não estavam
disponíveis naquela época. Se ele usar esse modelo muito
provavelmente não vai ganhar dinheiro. Tratar os dados
significa tentar chegar à informação mais fidedigna e
correta que existia no momento em que o dado foi
publicado. Isso é extremamente difícil. Esse é o tipo de
correção que fazemos e que realmente proporciona uma
vantagem muito grande. Fazemos isso também para preços
normais de mercado. Preços de fechamento de mercado são
fáceis de encontrar, mas todas as ordens enviadas para a
bolsa em um determinado dia, para reconstruir o book , são
muito difíceis de rastrear historicamente. E isso nós fazemos
também. As séries de indicadores econômicos muitas vezes
possuem grandes descontinuidades ou são refeitas. É super
difícil conseguir utilizá-las sem um grande tratamento
prévio. E tal como essas séries, existem várias outras, de
várias fontes interessantes que podemos usar para construir
nossas estratégias. Exploramos essa oportunidade em todos
os lugares do mundo. Não temos limitações geográficas e
hoje operamos em praticamente todos os países que
possuem liquidez adequada. Obviamente, se não houver
liquidez, há um risco operacional que não queremos
assumir. Partimos primeiramente de um filtro de liquidez e,
se for satisfatório, podemos explorar os dados e ativos
desses países.

Vocês já analisaram trading systems clássicos, como


reversão à média?

A ideia por trás de qualquer sistema é analisar dados de


forma estatística e desenhar experimentos científicos para
identificar estratégias que obteriam sucesso em
determinadas condições de mercado. Essa é a mesma ideia
para um sistema de reversão à média, ainda que
implementada de forma mais simples e com matemática
mais rudimentar. Hoje é praticamente impossível tentar
encontrar algum método desse tipo que gere um alpha
consistente no longo prazo, uma vez que elas são
conhecidas há muitos anos e tem muita gente que olha para
isso. Ainda assim, em tamanhos pequenos, pode ser que
exista algo a ser feito, mas não seria possível para uma
gestora grande executar. Sendo assim, é preciso realizar
uma pesquisa diferenciada para encontrar padrões que são
mais sutis, porque os padrões mais simples já foram
descobertos e tendem a não dar dinheiro. Por meio das
técnicas de machine learning que utilizamos, tentamos
encontrar padrões que não são óbvios. Se forem, todo
mundo já descobriu. É necessário encontrar algo diferente.

Dessa forma, parte do ganho de vocês advém do fato


de vocês explorarem ineficiências que ainda não
foram identificadas por outros players ?

Exatamente. A analogia que faço é com o processo de


extração de ouro. Na época da colonização brasileira,
bastava procurar a olho nu e já se encontrava pepitas de
ouro para extrair. Hoje, já não é mais o caso. Para extrair
uma pequena quantidade de ouro, é necessário o uso de
muita tecnologia. Porém, a extração de ouro nunca foi tão
grande quanto atualmente. Ou seja, o ouro não deixou de
existir, da mesma forma como o alpha de mercado não
deixou, apenas ficou mais difícil de enxergá-lo. Por isso o
uso de tecnologia é essencial. Eu diria que o mais difícil
nesse processo de “extrair” o alpha não seja encontrar a
estratégia, o modelo em si. Nós dispomos de alguma coisa
como 30 ou 40 modelos desenvolvidos ao longo da história.
E com certeza é possível encontrar profissionais que
possam replicar o modelo 1, o 7 ou o 13. Mas o grande valor
está em replicar o nosso processo, a tecnologia que
desenvolvemos, que é algo muito difícil de fazer. Contamos
com 20 pessoas que se dedicam a desenvolver novos
modelos. Enquanto alguém tentar copiar o modelo 1, já vão
existir outros dois novos. Encontramos novas ineficiências o
tempo todo. Muitos podem pensar que, se o mercado ficar
só com gestores sistemáticos, as ineficiências irão sumir. É
evidente que não. Ao explorar uma ineficiência, surge outra.
O mercado sempre será vivo e dinâmico, e sempre será
possível encontrar alguma forma de explorá-lo e gerar alpha
. Mas daqui para a frente vai ficar cada vez mais difícil,
porque as técnicas para encontrar alpha continuarão
avançando.

As ordens de mercado de vocês são automatizadas?

Grande parte das ordens que temos estão automatizadas,


exceto no caso de mercados onde isso não é possível. Por
exemplo, para instrumentos de balcão, opções de alguns
determinados ativos, não há liquidez em tela, então é
necessário um trader humano para executar essas
operações.

Como vocês lidam com quebras de paradigmas ou de


rupturas de níveis de mercado?

Na verdade, isso se relaciona um pouco com a forma que


nós implementamos e retiramos cada modelo de operação.
Devemos analisar nossos modelos e avaliar se eles pararam
de funcionar porque mudou o regime ou por causa de um
período ruim. Se for o período, vão continuar a performar
daqui a seis meses. É nesse aspecto que o ser humano
exerce uma função muito importante: discernir o que está
acontecendo e o que é mais adequado para determinado
cenário. Ainda não encontramos nenhuma forma, em
nenhuma gestora que conhecemos no Brasil ou no exterior,
de automatizar o processo de ligar ou abandonar cada
modelo. Normalmente, é o ser humano que chega a esse
entendimento. Então, quando entendemos que mudou o
regime, fazemos as alterações nos modelos em uso. Agora,
existem algumas coisas interessantes que podem ser feitas
e que ajudam a testar ideias mais longas. Chamamos esse
processo de cross validation . É possível testar um modelo
na Inglaterra, com um histórico muito maior, e validá-lo no
Brasil. Por exemplo, temos um modelo de juros que utiliza
uma técnica de machine learning . Esse modelo pode ser
testado com a série da Inglaterra e, depois de
parametrizado e pronto, ser aplicado com uma série do
Brasil para ver se funciona. Nesse caso funcionou muito
bem. Como pode ele performar no Brasil se ele nunca foi
usado para isso? É possível validar uma hipótese para outro
país mesmo que o modelo nunca tenha tido contato com a
série de dados, mesmo se a série de dados for muito
pequena. No final das contas, o mercado financeiro é o
mesmo para todo mundo e os operadores são os mesmos.
Então, o comportamento tende a ser similar. Obviamente
existem histórias em países que são particulares e será
preciso analisar com cuidado. Mas, se o gestor conseguir
um modelo que funciona para mais de um país, a chance
dele ter encontrado algo que vai continuar funcionando é
muito maior. Esse é um processo de validação muito
importante para nós.

Quando vocês decidem abandonar um modelo?

Quando desenvolvemos um modelo, há uma expectativa


quanto ao resultado e outra quanto às estatísticas deste
modelo. Ou seja, como esse modelo deve se comportar na
prática e qual é a sua distribuição de resultados. Conforme
executo o meu fundo, analiso se as estatísticas estão
discrepantes, tanto para o lado bom quanto para o lado
ruim. Às vezes, ao ser implementado, um modelo está
muito pior do que o esperado, mas há algo anormal, porque
a estatística dele está diferente do calculado. Esse é um
modelo que merece uma análise mais cuidadosa para
verificar se alguma coisa mudou. É necessário corrigir ou
examinar se é simplesmente um período de performance
ruim. Não existe uma regra de estatística que diz quando é
hora de abandonar um modelo. É muito mais uma discussão
aberta entre os pesquisadores, onde procuramos entender
se o regime mudou ou não. Às vezes é fácil perceber. Por
exemplo, dispomos de modelos que exploram intervenções
do Banco Central no dólar. Se o Banco Central parar de
intervir no dólar, esse modelo para de funcionar. Não é
necessário esperar seis meses para saber se esse modelo
vai deixar de funcionar porque ele está explorando uma
coisa que deixou de existir. Agora, se for o caso de modelos
que exploram tendências em dólar, estes podem ir
perdendo eficiência e parar de performar daqui a seis
meses. Esse é um modelo mais difícil de tirar de operação
porque a frequência dele é muito baixa e não houve
nenhuma alteração clara de regime para conseguir tirá-lo.

Hoje vocês montam posições em quantos países?

Em cerca de 20 países, nos quais observamos ações, juros,


moedas e commodities.

E quantas estratégias vocês têm rodando ao mesmo


tempo?

Nosso fundo mais conhecido executa em torno de 30


estratégias em paralelo. Os outros fundos possuem uma
estratégia única para buscar prêmio de risco. Nesse caso, a
forma deles crescerem é a fonte de dados e não o tipo de
modelo.

Os fundos da Giant Steps que buscam prêmios de


risco têm uma estratégia de maturação mais longa?

Com certeza. Trata-se de um horizonte mais longo de


investimento. O objetivo do fundo é utilizar toda nossa
tecnologia para analisar uma quantidade maciça de dados e
escolher quais países acreditamos possuir melhor relação
risco-retorno e, em seguida, quais ativos dentro desses
países comprar. Ao fazer isso, estamos selecionando os
ativos com melhor prêmio de risco e montando uma carteira
extremamente balanceada. Se formos pensar
objetivamente, é muito parecido com o trabalho de um
fundo macro. A grande diferença é que temos abrangência
para analisar um número muito maior de ativos e países
devido a toda nossa tecnologia. Note que existe uma
grande diferença dessa ideia para aqueles gestores que
buscam somente prêmios de risco tradicionais como value ,
carry etc. Esses gestores vão pensar em alocar igualmente
e explorar de forma idêntica se, por exemplo, houver cinco
prêmios de risco, em cinco classes. Farão isso sem
decidirem sobre onde alocar mais ou menos risco em
termos de classe de ativo ou geografia. O grande diferencial
do nosso fundo é que o modelo central é voltado para
definir onde concentrar mais o risco. O fundo pode ficar
mais concentrado em uma classe de ativos ou em um país,
diferente de um fundo com alocação de risco igual em um
país ou classe.

Alguns fundos quantitativos têm drawdowns


expressivos. Por que isso ocorre?

Eu argumentaria que qualquer fundo possui drawdown s


expressivos em um determinado momento da história.
Fundos que utilizam tecnologia e estatística para tomar
decisão não são diferentes, e muito menos piores. Na
verdade, uma das principais vantagens de um fundo
sistemático, é que seu controle de risco é parte do sistema
e, portanto, será seguido independente da opinião do gestor
naquele momento, que seguramente estará
emocionalmente comprometida. Já vimos inúmeras vezes
gestores quebrarem porque não seguiram os limites de
risco, e isso jamais aconteceria com um gestor sistemático.
No nosso caso, a maioria dos nossos drawdown s vieram
depois de ganhos expressivos, devido à forma como nossos
fundos são construídos. Como mencionei anteriormente,
procuramos por vantagens estatísticas, o que significa que
podemos passar longos períodos perdendo para acertar
fortemente em poucos momentos. A maior dificuldade que
podemos enfrentar, e qualquer outro gestor também, é a
ausência de liquidez. Quando o mercado fica sem
compradores e vendedores, é necessário aguardar o
mercado voltar ao normal, e nesses momentos, drawdown s
podem ser inevitáveis, para qualquer fundo.

Olhando para um back-test , como teria rodado o


fundo de trend following na crise de 2008?

Para o fundo Zarathustra, o ano de 2008 teria sido


espetacular, porque é um tipo de cenário que, em nosso
caso, é muito bom. É um cenário de queda contínua, com
poucas reversões, ou seja, de pura irracionalidade, com as
pessoas entrando em pânico, exatamente o que o fundo
explora. Ocorreram outros anos parecidos com esse ao
longo do tempo. Mas 2008 foi o melhor deles, nesse sentido.
Toda essa queda teria sido muito boa para nós. Cenários
ruins para essa estratégia são aqueles como o começo de
2019, no qual o mercado vai e volta muito rapidamente com
vários choques.

Faz sentido. Talvez o fundo que coleta prêmios de


risco perdesse um pouco de dinheiro em 2008, certo?

Com certeza. No caso da estratégia de prêmio de risco, nós


desenhamos um modelo para ser muito rápido em notar
quando o cenário está mudando e reduzir a posição.
Conseguiríamos mitigar, mas iríamos perder.

Como vocês estabelecem limites de riscos para os


fundos?

Todas as estratégias que desenvolvemos, obrigatoriamente,


devem ser implementadas com as regras de entrada e saída
do mercado. A saída é o stop loss . Todas elas dispõem
desses parâmetros dentro delas por definição. Além disso, o
gestor, como ser humano, precisa entender o que faz
sentido como delimitação de risco para o seu fundo. E essa
limitação deve ser imposta pelo ser humano e não pelos
modelos. Senão o modelo matemático entraria em um
momento no qual, por exemplo, a volatilidade do mercado
continuaria caindo e sua posição continuaria aumentando,
como nós já vimos acontecer em outros fundos. É
necessário definir uma limitação clara, que é importante
para nós em termos de risco. Definimos qual é o limite
máximo de risco do fundo, por classe de ativo e por modelo
que colocamos em execução.
Capítulo 6
EDUARDO CAMARA  | 

ITAÚ ASSET MANAGEMENT

E duardo Camara é Managing Director da Itaú Asset


Management, responsável pela gestão de diferentes
estratégias incluindo as estratégias de multimercado com
multi-gestores, na qual diferentes times fazem a gestão de
diferentes books independentes.

Eduardo, como vocês estruturaram o fundo


multiestratégia do Itaú?

O produto multimercado oferece um grande grau de


liberdade. Há muitos tipos de fundos multimercado com
estilos e modelos diferentes. Não existem estilos melhores
ou piores, são apenas diferentes. Nesse ambiente de queda
de juros, a demanda por produtos Long & Short deve
aumentar significativamente. A sociedade brasileira, tanto
indivíduos quanto investidores institucionais, tem
historicamente uma alta alocação em renda fixa, e por um
bom motivo. Antes o investidor recebia um prêmio para
alocar em renda fixa, mas temos visto, diariamente, uma
realocação de renda fixa para outros ativos com prêmio
maior e, consequentemente, possibilidades de maiores
retornos, especialmente renda variável e produtos de
multimercado. Nosso objetivo é sempre oferecer o melhor
produto para nosso cliente. Mas, dado o nosso tamanho, a
preocupação é também oferecermos um produto que tenha
escala. Detemos demanda por dezenas de bilhões de reais
em multimercado. E só há uma maneira de oferecer um
produto para o qual seja possível entregar um retorno
consistente com escala: por meio da diversificação da
tomada de risco. Tomadas de decisão por conta de um único
gestor podem funcionar, mas há riscos e o primeiro deles é
o gestor simplesmente errar e tomar uma grande decisão
de investimento que traga um resultado indesejado em um
horizonte relevante. O segundo risco se refere ao conceito
de key man risk , ou seja, se o gestor precisar se ausentar, o
business estará comprometido. Então, isso não é desejável.
Construímos um produto que procura maximizar o Sharpe -
que é quanto retorno entregamos para o risco corrido - e
ofereça escala através da alocação de risco para diferentes
gestores, com portfólios complementares e com uma
correlação baixa. Entre 2017 e 2019, houve a primeira fase
do produto agora conhecido como Global Dinâmico. Nessa
fase, os riscos eram mais concentrados, eu mesmo assumi
grande parte deles junto com o portfólio da minha equipe,
embora uma parte do risco fosse alocada para outros
gestores dentro da Asset. Atualmente, na segunda fase, o
produto conta com oito equipes. São três de natureza
macro, três de estratégia Long & Short - Long & Short Brasil,
Long & Short LatAm e Long & Short Global - e duas equipes
sistemáticas, sendo uma mais focada em risk premium e
outra dedicada a outros diversos modelos. Várias
estratégias suficientemente diversificadas, com uma ampla
escalabilidade. Os portfólios apresentam correlação baixa e
possuem, inclusive, horizontes de investimentos diferentes
e ativos distintos. A beleza desse modelo é que trata-se de
um círculo virtuoso: quanto melhor é a performance,
maiores as possibilidades de crescimento e, quanto mais se
consegue crescer, mais times é possível atrair, o que resulta
em diversificação e consistência para o portfólio,
melhorando a performance. Então, a necessidade do Itaú
Asset Management é ter um produto multimercado, que
invista verdadeiramente de uma maneira global, seja
diversificado, e que não tenha key man risk. Esse é o
produto ideal. Nos últimos dois anos, a performance tem
sido sólida. Com esse tipo de estratégia, contamos com algo
perto de R$8 bilhões no produto multimercado puro, além
dos mais de R$14 bilhões em estratégias satélites como
previdência e renda fixa, o que tem chamado a atenção do
mercado.

Para montar essa estrutura, vocês se inspiraram, de


alguma forma, em algum produto visto no exterior?

Interagimos com diferentes casas no exterior. E as que


realmente conseguem ter escala no negócio de hedge fund
são aquelas que trabalham com um modelo de plataforma,
que é esta diversificação de tomada de risco. A de maior
sucesso talvez seja a Millenium, mas existem várias que
trabalham com esse modelo, como a Point72, a Citadel e
outra relativamente recente, uma dissidência da Millenium,
que é a Exodus Point. Até mesmo em algumas casas onde
existe o star manager, o profissional que se identifica com a
empresa, como Paul Tudor Jones ou mesmo George Soros,
há o trabalho com um modelo de diversificação de gestores
em algum nível. Talvez ocorra alguma concentração de
parte do risco, mas há diversificação através de gestores.
Esse é um modelo relativamente comum no exterior. No
Brasil, talvez seja praticado em menor grau, mas não somos
os primeiros a utilizá-lo. Essa é a beleza: não é necessário
reinventar a roda, mas simplesmente observar o que está
funcionando e tentar reproduzir e adaptar à realidade local.

Que estratégias e mercados vocês gostariam de


explorar no futuro?

O mercado brasileiro é relativamente pequeno e as


correlações entre os ativos são muito altas. Em geral, há a
fase do Brasil melhor, do Brasil pior, momentos globais de
risk on ou risk off , e os ativos acabam se comportando de
maneira muito parecida. Apesar de, recentemente, o dólar-
real ter mostrado um comportamento pouco menos
correlacionado com os outros ativos. Então, a capacidade de
diversificação no Brasil é limitada, o que é um grande
desafio. Do ponto de vista regulatório, podemos ter 20% do
capital no exterior num fundo multimercado, considerando
os veículos onde é desejável atingir um público maior. Mas
não é possível enfrentar todos os ativos do mundo com uma
equipe 100% brasileira. Isso está claro. E é necessário mão
de obra especializada. Contamos com um escritório em
Nova York com uma equipe que possui um grande portfólio
de LatAm Equities e que está desenvolvendo o segmento de
LatAm Long & Short dentro desse produto. O objetivo é criar
um círculo virtuoso e, conforme cresça o produto, ser
possível alocar mais capital no exterior. A ideia é aumentar,
ao longo do tempo, a base de gestores focados em ativos
não-brasileiros em Nova York. Temos conversas constantes
com gestores de outras classes de ativos, como
commodities, crédito em mercados emergentes, alguns
dedicados a inflação de mercados desenvolvidos. Esses
ativos acabam demonstrando uma correlação menor com os
mercados brasileiros. Estes gestores possuem backgrounds
diferentes da escola brasileira de gestão. Observam o
mundo e assumem risco de maneiras diferentes. São
complementares e, quando isso é transformado em
números, a grande vantagem é a queda de correlação entre
os diferentes books. Então, o produto maduro é aquele no
qual há diferentes classes de ativos, renda fixa Brasil e
global, crédito Brasil e global. No momento, estamos na
fase adolescente deste produto. Já com relação ao crédito
doméstico no Brasil, prevalece ainda a visão de que é quase
um loan. O crédito é concedido e a gestora espera receber
os cupons e depois o principal de volta. Mas, no mercado
internacional, há uma possibilidade maior de trading na
área de crédito, com trades relativos, até no soberano.
Moedas, renda variável, Long & Short , commodities. Há
diversificação na classe de ativos, na alocação geográfica
de risco e no background das pessoas. No futuro
contaremos com mais pessoas de diferentes nacionalidades
para operar o portfólio. Hoje temos gestores de entre 5 e 10
nacionalidades. Esse é o verdadeiro valor a ser capturado.
Agora o desafio é conseguir atrair essas pessoas. O negócio
é ter as melhores cabeças. E, para conseguir atraí-los, é
importante ter um modelo que faça sentido e seja
compatível com as opções que esses gestores vão
encontrar em outras casas. Um lugar onde possam exercer
funções semelhantes. O desafio de modelos como o da
Millenium, Point72 e Exodus Point é justamente a
competição pelo capital humano. A expectativa é
desenvolver um modelo compatível com esse cenário ao
longo do tempo.

Como vocês encontram os talentos para gerir o


fundo?

O banco possui um programa de trainees bastante forte, no


qual o Asset Management está inserido. A maioria dos
jovens atraídos pelo programa é aproveitada. Os
treinamentos são aplicados de acordo com os diferentes
perfis. Alguns possuem um perfil comercial, outros de
economista e há aqueles com perfil de gestão de recursos,
de tomadores de risco. É necessário, no entanto, tornar o
programa de trainee um negócio global para atrair pessoas
com backgrounds diferentes. É desejável uma equipe com
backgrounds , experiências e vidas distintas, com visões de
mundo diferentes, com pessoas que enxerguem e assumam
riscos de maneira diferente. Ter uma equipe de 50 pessoas
formadas na FGV, que fizeram MBA no Insper e cresceram
em São Paulo e Rio de Janeiro é legal, mas haverá
redundância em termos de experiências e de como
enxergam o mundo. Além disso, temos o que chamamos de
IAM Academy , ou seja, uma grade de treinamento
específica para os profissionais que, após finalizarem o
programa de trainee , vão trabalhar na Asset. Então, há um
conteúdo de economia forte para quem tem background de
engenheiro ou matemático, mas também temos matérias
de programação e de trading muito forte. Além,
obviamente, de tudo que já é comum tanto em uma Asset
quanto em um banco, como os segmentos de compliance,
melhores práticas e assim por diante. É nossa obrigação
fortalecer e tentar extrair o máximo de cada profissional.

Na sua opinião, analisar mercados e gerir recursos é


algo que possa ser ensinado?

Como diz Nassim Taleb no livro Fooled by Randomness: “


It’s easier to sell or buy than frying an egg”. Então, assumir
risco é fácil, o difícil é assumir risco com qualidade.
Primeiramente, há pessoas que tem perfil mais propenso a
assumir risco e pessoas que são mais avessas à tomada de
risco. Não existe certo ou errado, são perfis diferentes. Se o
profissional possui uma qualidade que é desejável
aproveitar, ele será aproveitado em funções diferentes. Uma
coisa é o analista, outra coisa é, por exemplo, um gestor de
portfólio propriamente dito. Nesse caso, é recomendável
que o profissional seja mais propenso a assumir risco, e o
que pode ser feito é ensiná-lo a assumir risco com
qualidade, ajudá-lo a tomar decisões com maior
embasamento e em situações onde seja possível verificar
que a relação risco/retorno é mais adequada. Um
investimento no qual há dois para ganhar e cinco para
perder parece menos interessante do que um investimento
com cinco para ganhar e dois para perder. Parte do trabalho
é procurar assimetrias. Então, existe o profissional que não
assume risco e o que assume. Quem assume risco pode ser
ajudado a fazer isso com melhor qualidade.

Qual o maior erro que você vê gestores de portfólios


cometerem?
Excesso de autoconfiança, porque pode levar à tomada de
decisões erradas. Isso se aplica a qualquer área da vida. Da
perspectiva da gestão, é recomendável buscar diversificar a
tomada de risco de forma que um grande erro de gestão, o
que eventualmente acontece, não impacte o produto como
um todo. Esse é justamente o conceito: diversificação que
possa ajudar o produto a ter uma performance melhor ao
longo do tempo.

Como vocês lidam com limites de risco, stops e


drawdowns ?

No Global Dinâmico, que envolve o trabalho de diferentes


gestores, há um limite de risco, de stress test. Cada time de
gestão tem um limite de VaR , um limite de stress e um
limite de drawdown . Os limites de stress e de VaR
trabalham em conjunto. O de VaR monitora o risco alocado
em condições normais de mercado. Obviamente, todos os
limites são imperfeitos e são, na verdade, instrumentos
para conseguir monitorar o portfólio. O limite de stress
ajuda a monitorar as respostas caudais que o portfólio
possa manifestar a movimentos discretos e extremos. Vale
lembrar que, na maioria das vezes, o limite de stress serve
pouco para limitar o risco do dia a dia. O VaR assume esse
papel. No caso de um limite de stop por drawdown , o que
se busca é limitar as perdas de gestores que, por acaso,
estão em um momento desfavorável, porque o estilo do
profissional não encaixa com aquele momento específico do
mercado ou porque ele fez uma leitura ruim do cenário. A
ideia é reduzir o risco daquele gestor e deixar ele arejar, se
reciclar e depois permitir que ele volte a alocar o risco.
Embora não se trate de algo recorrente, os drawdowns
acabam se tornando uma ferramenta para fazer uma
reciclagem de gestores. Ao longo do tempo ficam os
melhores. Trazer e manter os melhores é o desafio.
Como gerenciar a alocação de risco em mercados
com pouco prêmio?

Quando o prêmio de mercado diminui, os gestores podem


acabar assumindo riscos ruins, assimétricos, em casos
extremos. Isso é uma preocupação. Parte do meu trabalho é
justamente alocar o capital do fundo. O objetivo é alocar o
capital no time mais experiente, com um histórico forte e
um retorno recente, nos últimos seis ou 12 meses, com
tendência positiva, isso porque talvez o ambiente de
mercado esteja favorecendo esses gestores. Tudo o mais
constante, busca-se alocar capital em uma equipe com um
portfólio menos correlacionado com o restante. Tudo o mais
constante, é viável, no final das contas, alocar capital a
equipes com mais capacity . Há estratégias nas quais o
gestor só consegue gerir R$1 bilhão, já em outras é possível
gerir R$10 bilhões. Se a concentração não for um problema
para o desenho do portfólio, isso pode ser feito. Então, é
necessário analisar diversas variáveis. E, tudo o mais
constante, também, procura-se alocar capital nos mercados
com mais oportunidade. Obviamente deve ser feita uma
análise quantitativa cuidadosa sobre todos esses aspectos,
além de uma análise qualitativa em termos de ambiente de
mercado e de ciclo. Há um pouco de arte nessa gestão.

Vocês montam hedges para fundos multiestratégia?

Tipicamente, os portfólios são construídos já com algum tipo


de hedge . Sejam, por exemplo, os portfólios Long & Short ,
sejam os portfólios macro. Tradicionalmente, um bom gestor
macro está sempre pensando em hedge . Ele tem as
posições de ataque e as de defesa. Então, o portfólio já
nasce com certa característica, é um hedge fund no sentido
próprio da palavra hedge . O que pode acontecer, e de fato
ocorre com alguma frequência, é que diversos gestores
constroem algumas posições que estão com uma correlação
maior entre si do que tipicamente possuem. Podem estar
expostos à renda variável ou ao aumento de juros globais.
Se o portfólio estiver concentrado em um fator de risco, é
possível, eventualmente, procurar outro tipo de hedge .

Você vê uma grande diferença entre o estilo de


tomada de risco de um gestor estrangeiro e o de um
gestor brasileiro? Isso tem a ver com o background
de cada um?

Nada é regra, mas a escola brasileira de gestão é, em


média, obcecada por inflação. Os brasileiros são muito bons
em analisar inflação, a parte curta da curva de juros e
política monetária. Essa é a característica do típico gestor
macro brasileiro, com algumas exceções. O que mais se
encontra são gestores bons fazendo isso. Mas os brasileiros
pegam esse modelo e extrapolam para os outros mercados,
operam em todos os países ao redor do mundo com esse
framework de política monetária. Até ganha-se dinheiro com
isso. É uma escola. Mas, o típico gestor de Nova York ou de
Londres, aquele que olha globalmente, opera em diversas
bolsas a partir de uma visão macro. Procura entender em
qual momento do ciclo a economia está, como está a área
fiscal e monetária dos países, observa mercados
emergentes como uma classe só. Esse gestor aloca risco de
forma top down mesmo. Geralmente se envolve pouco na
parte curta de juros, enquanto o brasileiro é diferente, gosta
de olhar para a parte curta da curva de juros. Ele olha o
segundo DI, terceiro DI, enquanto o estrangeiro olha para
vencimento longo, algo com mais duration . Qual é a melhor
escola? Obviamente não tem melhor. Não existe certo ou
errado, são estilos diferentes, mas complementares. O
desenho de portfólio ideal conta com os dois. É desejável
gestores que olhem top down e os que estejam em busca
do micro na política monetária.
Como você vê o crescimento dos fundos de índice, os
ETFs ( Exchange Traded Funds )?

Essa é uma discussão ótima. Tenho uma visão um tanto


agnóstica. Nos Estados Unidos os ETFs de renda variável e
os fundos passivos já devem ser maiores que os fundos
ativos. Esse é o cenário no Japão há alguns anos. No Brasil
esse é o caminho que está sendo trilhado. E o problema, ou
característica, do ETF, é que ele acaba intensificando fluxos
para ativos com os maiores pesos nos índices. Então,
algumas distorções são criadas. Por exemplo, a ação da
Amazon recebeu a maior parte do fluxo que vai para ETFs
de ações nos Estados Unidos. As ações de empresas
menores, que talvez estejam fora de ETFs , acabam sendo
prejudicadas em relação a essa alocação de capital. Isso,
por outro lado, gera uma oportunidade. Um gestor que não
se preocupa com um índice de ações, gerindo um fundo do
tipo total return , pode enxergar aí uma oportunidade. Pode
avaliar que a Amazon está supervalorizada e que as ações
fora dos índices têm uma oportunidade de valor.
Consequentemente, o gestor pode comprar todas essas
ações que estão fora do índice. Esses gestores, em tese,
estariam arbitrando essa distorção causada pelos ETFs .
Globalmente, os grandes gestores de ações de valor têm
sofrido nos últimos anos. Mas houve momentos de
pequenas reversões desse movimento. Em alguns
momentos de mercado, que chegou-se a chamar de quant
quake , as ações tipo growth registraram grande queda .
Nesses períodos, os índices continuaram como se nada
tivesse acontecido. Mas quem estava observando os
diferentes fatores notou que esse acontecimento gerou
movimentos extremos. Fluxos como esse podem gerar
essas distorções, é um aprendizado. A distorção pode ser
também uma oportunidade, para quem tem estômago,
aguentar um tempo maior.
Qual a visão de vocês sobre gestão quantitativa e
gestão sistemática?

Primeiramente, quando recentemente se observou o


aumento de volatilidade em momentos pontuais, muitos
culparam os gestores sistemáticos. Não concordo
totalmente que o trade sistemático foi o trigger para o
aumento da volatilidade pontualmente no passado recente.
Vale lembrar que estamos em um contexto histórico de
volatilidade muito baixa. Há a compreensão de que esse
aumento de vol se deu pela queda de liquidez no mercado.
E a queda de liquidez no mercado, em nosso entendimento,
está relacionada com regulamentação, principalmente, dos
bancos americanos e europeus, onde a tomada de risco
proprietário diminuiu bastante. Existe menos liquidez nos
mercados secundários, listados, e a profundidade dos
mercados diminuiu muito. Por isso, às vezes, são criados
vácuos onde quem quer negociar acaba realmente
deslocando os preços. O dia 24 de dezembro de 2018 foi um
dia emblemático, o S&P caiu muito. Existem diferentes
maneiras de se ver o trade sistemático. O que eu entendo
por sistemático hoje é simplesmente sistematizar um
processo de investimento e ganhar escala. Existem
portfólios que são evoluções do chamado risk parity, uma
derivada do portfólio inicial básico (60% equities , 40%
bonds) , que é uma alocação simplista de capital. É possível
fazer uma alocação entre essas duas classes de ativos e,
em vez de olhar para o capital, olhar para o risco. Conforme
a volatilidade muda, ajustes são feitos para que o risco de
cada classe de ativos seja representado de maneira
adequada. Se a volatilidade de uma classe de ativos subir
muito e o gestor continuar com o mesmo capital, o risco em
relação àquela classe de ativos pode ter mudado muito. Ao
evoluir esse conceito, é possível colocar mais classes de
ativos. Pode-se adicionar commodities, moedas,
volatilidade, que é uma classe de ativo, e fazer alocações de
risco em diferentes mercados. Essa é uma maneira de
sistematizar o portfólio. Outra forma é olhar para diferentes
mercados a partir de uma perspectiva sistemática. Algumas
regras são definidas e se, por exemplo, uma moeda ficar
muito barata em relação ao que se entende por valor justo,
um flag é utilizado para que se tome uma decisão, e assim
por diante. Essa é uma forma de tratar o portfólio
sistematicamente. Outra é entender que o mercado,
estruturalmente, oferece e tem prêmios de risco nas
diferentes classes de ativos a serem capturados. Talvez, o
mais simples nesse caso seja o de volatilidade. Investidores
pagam um prêmio para se protegerem de um certo tipo de
risco, comprando opções. Esse é, por exemplo, o conceito
de uma seguradora. É possível, de uma maneira
sistemática, assumir que se está disposto a correr esse
risco. O problema de se vender opções é que ativos
individuais estão sujeitos a um risco idiossincrático. Qual é a
maneira mais adequada de se prover esse seguro,
vendendo volatilidade? É diversificar o risco em diferentes
ativos. Idealmente, diferentes classes de ativos. Então, o
gestor está exposto à volatilidade de equities ,
commodities, moedas. E em diferentes geografias e
horizontes, de forma que se consiga ter um portfólio
diversificado. Obviamente, se houver algum problema de
grande dimensão, isso irá potencialmente gerar uma alta
correlação entre os diferentes ativos. Estes são os
momentos que os portfólios de volatilidade não performam
bem. Mas existem outros fatores de risco. Existe fator de
valor, de crescimento. Pode acontecer de o gestor
administrar um portfólio que procura capturar prêmios de
risco em diferentes fatores, níveis de volatilidade,
tendências e assim por diante, em diferentes classes de
ativos. Por falta de conhecimento, há ideias distorcidas
sobre o que é o sistemático ou o quantitativo. Por exemplo,
o que seria um black box ? É um conceito no qual o gestor
deseja não compartilhar o que está acontecendo. Por isso é
black box , mas não para o próprio gestor. Não existe black
box. O que existe, na verdade, é o que chamamos de
investimento sistemático, ou seja, capturar de maneira
sistemática os prêmios de risco do mercado por vias
diferentes, ou criar portfólios que tenham algumas regras
na alocação de risco. Trabalhei com traders muito bons nos
últimos 25 anos e os melhores agem de forma sistemática,
inclusive no dia a dia. Eles não querem operar de um jeito
em um dia e, no outro, de forma diferente. Todos os dias o
bom trader procura executar o seu processo de
investimento de maneira sistemática. Eles são, inclusive,
considerados “chatos”, porque vão, por exemplo, almoçar
sempre no mesmo lugar, pedem o mesmo prato, mantém
as mesmas amizades... Gostam de fazer aquele mesmo tipo
de trade . Os grandes gestores no mundo, como o Warren
Buffett, por exemplo, nada mais são do que grandes
profissionais sistemáticos. Foram publicados papers sobre
isso. É o caso do Buffett’s Alpha. Buffett tem um perfil
sistemático, observa o mercado de uma mesma maneira.
Não inventa coisa diferente. Ele está lá, há 60 anos, fazendo
a mesma coisa. Parece que funcionou para ele.

Para executar a gestão sistematizada, vocês


desenvolvem modelos internos ou usam ferramentas
de mercado?

A maioria das ferramentas foi desenvolvida in house. Há 10


anos, numa mesa de operações, víamos basicamente
traders em frente a suas planilhas Excel negociando com o
broker por telefone. Hoje é muito mais silencioso e temos
diversos programadores. Está todo mundo trabalhando com
Python. Então, fazemos muita coisa internamente.
Obviamente, alavancamos em ferramentas externas, seja
em termos de formação, seja em termos de banco de
dados, principalmente. E, no caso de alguns desafios
operacionais mais complexos, terceirizamos alguns
trabalhos.

Qual ou quais benchmarks vocês recomendam para


se analisar fundos multiestratégia?

O problema dos benchmarks é que multimercado é um


negócio relativamente heterogêneo. Existem multimercados
muito diferentes. A própria volatilidade dos produtos é
diferente. Então, o primeiro passo é tentar comparar coisas
que sejam mais ou menos comparáveis, seja em termos de
volatilidade ou da construção do portfólio. Há gestores que
operam mais beta e outros que procuram gerar alpha
propriamente dito. Não existe certo ou errado, são apenas
portfólios diferentes. Alguns benchmarks replicam a
indústria pelo tamanho de cada gestor. Outros, produzem
um índice “investível”, ou seja, um índice só dos fundos que
estão abertos à captação. Esse tipo de benchmark é
interessante para aquele investidor que pensa em investir,
mas não mostra ao gestor se ele está bem ou mal em
relação à concorrência. O que interessa ao investidor, no
final das contas, é um retorno adequado ao risco. Nós
usamos o CDI como termômetro ou régua para medir se
estamos gerando retorno acima do nível livre de risco
brasileiro. Agora, o que fazemos é criar uma lista de
concorrentes relevantes e então observamos como
estamos. Procuro olhar pouco para isso, porque traz pouco
valor. Não vou assumir mais ou menos risco em função de
como estou diante da minha concorrência. Mas é bom para
ter ciência sobre onde estamos vis-à-vis a indústria. O ideal
é observar uma vez por mês, não mais do que isso, com o
objetivo de mapear. No fim das contas, o que é preciso fazer
é gerar retorno ajustado ao risco.

E qual a maneira mais adequada para avaliar os


fundos multimercado?
Os fundos precisam ter retorno de longo prazo, ajustado ao
risco. Se eu investir hoje em uma ação, fundo de ações,
fundo multimercado ou em um hedge fund , estou
preocupado que ao longo do tempo será gerado um retorno
composto. Em renda variável talvez seja possível, no longo
prazo, ter retornos maiores. Só que o risco é muito maior.
Então, depende um pouco do tipo de risco que se está
disposto a correr. Mas, se o desejo é correr menos risco, o
hedge fund é um investimento que não vai te dar uma
volatilidade de 15% ao ano, mas vai dar uma vol de 7%. O
retorno, porém, não será de 13%, mas de 7% ou 10%, algo
assim. Não adianta olhar para o retorno de curto prazo,
porque não traz nada, tem muito ruído. Deve-se procurar o
retorno de longo prazo . Talvez esse seja o maior objetivo de
qualquer investidor. O que adianta ganhar ou perder
dinheiro hoje? Isso não representa nada. Mas, qual foi o
compound gerado nos últimos 12, 24 ou 36 meses? O
retorno compound que, por exemplo, o Luis Stuhlberger
gerou nos últimos 20 anos para os clientes dele responde
qualquer coisa. Ele estar bem ou mal esse ano é pouco
relevante porque o retorno composto que ele trouxe ao
dinheiro investido há 20 anos é o que importa.

A queda da volatilidade de alguns mercados nos


últimos anos é ruim para a gestão de fundos?

É ruim para os investidores em geral, porque as melhores


oportunidades de investimento são quando os preços estão
deslocados. Preços ficam deslocados sempre por algum
motivo. Seja por informação mal disseminada, aversão a
risco, por incerteza ou porque um participante precisou sair
de uma posição deslocando o preço de um ativo. Quando há
algum tipo de distorção, é quando nasce uma oportunidade.
Se o mercado está aquele céu de brigadeiro, super bem
precificado, fica menos interessante. O mercado mais
arbitrado é um mercado mais difícil.
Que tipo de conselho você dá para quem quer
aprender mais sobre o funcionamento dos mercados
e conceitos de investimento?

No caso de trading sistemático, o lance é education . O


profissional precisa, realmente, possuir um background
acadêmico forte, entender matemática aplicada a finanças
e programação. Pertenço a uma escola mais macro e o
segredo, na minha opinião, é ler, ler, ler e ler. Muita leitura.
Há muito o que ler em termos de research para entender o
dia a dia do negócio. Mas não dá para viver só disso.
Particularmente, gosto de ler livros para entender a história,
entender o funcionamento do mercado. E sou old school ,
tenho livros de papel e uma biblioteca. Leio muito sobre
história geral e do mercado financeiro, livros como When
Genius Failed (Roger Lowenstein) , Fooled by Randomness
(Nassim Nicholas Taleb), Devil Take the Hindmost (Edward
Chancellor) e Den of Thieves (James B. Stewart), que conta
a história do Michael Milken. Aliás, esse livro é genial. Ler é
uma condição necessária para ser um bom gestor macro.

Algum livro te ajudou a identificar momentos


extremos de mercado?

O Devil Take the Hindmost , do Edward Chancellor. Eu li esse


livro e fiquei algumas noites sem dormir. É curioso porque li
antes da crise de 2008 e naquele momento ficou claro o que
estava acontecendo. É um livro relativamente curto, mas
conta a história das bolhas. E todas as bolhas são as
mesmas histórias.

Verdade. Que mais você aprendeu com as crises


sérias, como a Crise da Ásia de 1997 e a Crise
Financeira de 2008, por exemplo?
A lição é zerar rápido. Zere rápido e saia da frente se você
não sabe como o negócio acaba. Só é possível diminuir risco
de uma maneira: zerando a posição. Não tente fazer hedge ,
por exemplo, protegendo uma posição comprada em real
vendendo peso mexicano. Essa é uma fórmula para perder
mais dinheiro. Zere o que você tem e irá dormir mais
tranquilo, mesmo que você tenha sido atropelado naquele
dia. Zerar uma posição de alta convicção é mentalmente
difícil. Mas nas grandes crises, a alternativa é você morrer
antes de poder aproveitar a volta, seja porque foi demitido,
porque seu cliente resgatou o capital ou sua contraparte
cortou as suas linhas de crédito. Estar vivo é a prioridade.

Capítulo 7
SÉRGIO BLANK E RODRIGO MARANHÃO  |  

KADIMA ASSET MANAGEMENT

S érgio Blank e Rodrigo Maranhão são os responsáveis pela


equipe de gestão da Kadima Asset Management, uma das
pioneiras em gestão quantitativa no Brasil, aplicando
modelos sistemáticos a uma família de fundos.

Sérgio, como funciona um fundo quantitativo?

Sérgio: Chamar um fundo de quantitativo pode ser muito


genérico. É como falar que um fundo é multimercado.
Existem diversos subtipos e subdivisões. Por isso, falamos
que o nosso fundo é sistemático, aquele cuja gestão segue
um conjunto de regras pré-estabelecidas. Você segue,
desde o início do pregão, regras que estão colocadas e não
mudam. Se uma determinada ação ou futuro preencher um
requisito para ser comprado ou vendido, a execução será
feita, independente de o gestor ter uma opinião particular
se aquele ativo é bom para ser comprado ou vendido ou se
o preço está bom. Essa é a diferença de um fundo
sistemático para um discricionário. A vantagem é tirar a
opinião ou a subjetividade, porque sabemos que o ser
humano possui emoções ou vieses comportamentais.
Queremos mostrar para os clientes que a abordagem
sistemática é legítima e permite gerar rentabilidade. Mais
do que isso, é uma abordagem descorrelacionada da
abordagem tradicional por ser sistematizada. E, por ser
descorrelacionada, costuma atrair diversos investidores.
Como dizia Markowitz, a diversificação é o único almoço
grátis que o mercado vai dar. Então, se você tem a
oportunidade de montar um portfólio com ativos ou fundos
descorrelacionados, é desejável ter algo deste tipo. Mas,
para dar certo, não basta ser sistemático. O fato de ser
sistemático apenas tem a ver com o conjunto de regras pré-
estabelecidas. Mas, como essas regras são criadas? Quem
cria essas regras? Esse é o verdadeiro segredo de cada
gestor quantitativo ou sistemático. Em geral, é preciso ter,
dentro da gestora, uma área de pesquisa forte para
desenvolver os métodos matemáticos. Normalmente,
utilizando o que chamamos de back-test , para testar ideias
com dados passados. A criatividade do gestor quantitativo é
a única limitação para os tipos de modelos que estarão
dentro do fundo.

De onde veio a inspiração para estudar e colocar


dinheiro nessas estratégias?

Sérgio: Quando eu ainda trabalhava em banco, no final da


década de 90, comecei a pensar de que forma os hedge
funds internacionais geravam dinheiro para os clientes.
Porque, na minha opinião, os hedge funds são a classe de
investimentos que sempre esteve na vanguarda da geração
de alpha . Por isso, eu estudei hedge funds , papers, livros e
revistas, e notei algumas estratégias que esses fundos
internacionais utilizavam para gerar dinheiro. Uma das
estratégias que me entusiasmou foi a quantitativa. Como
pode um modelo matemático ganhar dinheiro impunemente
no mercado por tantos anos? Então, a única forma de me
convencer de que isso era possível era eu mesmo fazer os
back-tests . Concluí que muitas das estratégias que
tínhamos testado não eram robustas. Ou seja, eram
estratégias que dependiam de certos fatores e
circunstâncias para funcionar. Por exemplo, funcionavam
num bull market , com volatilidade comportada ou curva de
juros fechando. Ao mesmo tempo, outras estratégias se
mostraram mais robustas, porque pareciam funcionar bem
em uma ampla diversidade de cenários. Foram estas que se
tornaram o embrião da nossa área de trading quantitativo.
Eram as estratégias de trend following.

E que livros te inspiraram a começar, ainda nos anos


90?

Sérgio: Entre os livros que me inspiraram a testar coisas


diferentes e entender o que os hedge funds faziam, eu
listaria o Market Wizards e The New Market Wizards . Foram
dois livros muito inspiradores. Ali eu pude perceber que a
metodologia quantitativa já era disseminada. Mas talvez a
principal lição do livro é a de que existem diferentes
fórmulas para se ganhar dinheiro. Você tem que tentar
achar a maneira mais adequada ao seu próprio estilo, e isso
não quer dizer que seja a única ou a certa. O importante é
ser descorrelacionado. No livro, havia quem ganhasse
dinheiro de forma quant , de forma discricionária, operando
cota de fundo ou aplicando e resgatando de fundos. É
inacreditável. Pessoas que ganhavam dinheiro só fazendo
short, outras apenas operando opções. Todas as abordagens
são legítimas, então é preciso encontrar a forma mais
adequada para cada um.

Quais modelos vocês implementaram?


Rodrigo: Na época em que trabalhava em banco, foi o
Sérgio quem começou a utilizar essa abordagem, ainda em
2002. Então, incluindo este período, estamos há 17 anos
desenvolvendo esses modelos e já temos uma biblioteca
bem completa. Se escolhermos diferentes subconjuntos de
modelos, já temos fundos e produtos diferentes. É assim
que temos, atualmente, sete famílias de fundos, cada uma
com objetivos e características próprias. Especificamente, o
Kadima FIC FIM, o nosso primeiro fundo, é o fundo quant
mais antigo do Brasil, e tem como principal estratégia
capturar tendências de curtíssimo prazo. É o que nós
chamamos de trend following, ou seguidora de tendência.
Essa estratégia utiliza uma fórmula matemática que olha
para o passado do ativo, os últimos dias de negociação, e
tenta identificar se há uma tendência de alta ou de queda.
Se identificar uma tendência de alta, o algoritmo comprará
o ativo, apostando que a alta vai continuar. Se identificar
uma tendência de queda, o algoritmo venderá o ativo,
apostando que a queda vai continuar. Essa é uma das
estratégias que temos dentro do fundo, mas não é a única.
Temos também, por exemplo, modelos de Long & Short
aplicados a ações. E há alguns tipos de Long & Short
diferentes que podemos fazer. Existem, por exemplo, os
chamados Long & Short estatísticos, modelos que buscam
reversões à média de grupos de ações. Existem modelos de
fatores que montam carteiras compradas em ações e
vendidas em outro grupo de fatores ou no índice Ibovespa.
Há modelos de contra-tendência, que tentam identificar
quando uma tendência está acabando. Existe uma série de
modelos, porque você pode tentar sistematizar e criar
regras para qualquer tipo de ideia e testar se,
estatisticamente, funciona ou não. O que eu considero
relevante é o que o Sérgio mencionou, sobre a ausência de
discricionariedade dos fundos quantitativos ou sistemáticos.
Em um fundo tradicional, o gestor compraria a ação X, Y ou
Z porque a margem EBITDA da empresa está crescendo.
Será que, no passado, quando isso acontecia, a ação
realmente apresentava uma alta? Não sei, mas é algo que
conseguimos testar. Esse é o ponto-chave: tirar a
discricionariedade e tomar as decisões baseado em dados,
apenas com o que as informações estão revelando. Você
pode testar uma ideia, criar regras, e avaliar se é verdade
ou não, criando um modelo ou algoritmo para operar nesse
determinado mercado.

Sérgio: No caso do EBITDA, o Rodrigo fez uma comparação


interessante, entre um gestor discricionário e um
quantitativo. Não queremos dizer que as nossas estratégias,
quaisquer que sejam, são melhores que as estratégias de
outros gestores. Mas, são diferentes. Em geral, nós dizemos
que os gestores discricionários fazem menos apostas, mas
com mais qualidade. Um gestor quant , assim como nós
somos, possui poder computacional para analisar muitos
casos ao mesmo tempo. Fazemos muitas apostas, mas,
cada uma delas não terá a mesma qualidade de uma aposta
realizada por um fundo discricionário, porque não
estudamos cada caso com a mesma profundidade que um
gestor discricionário. Ambas as abordagens costumam ser
lucrativas, e a grande vantagem: são descorrelacionadas.
Dá para ganhar dinheiro das duas formas. Fazendo poucas
apostas concentradas com alta qualidade em cada uma
delas ou fazendo muitas apostas diluídas. Ambas, no
conjunto, geram resultados interessantes.

Rodrigo: Nosso fundo possui diversos modelos compondo o


portfólio. E, uma comparação que dá para fazer com o
fundo tradicional, é pensar em cada um desses modelos
como um trader dentro do fundo. Cada um possui limites
para operar de forma independente. E tudo isso vai
construir o resultado final do fundo. Tem um exercício que
você pode fazer. Digamos que houvesse uma moeda
viciada. O gestor macro estudaria profundamente, avaliando
que há 70% de chance de ganhar uma aposta na moeda
viciada. Um resultado altíssimo. Se você calcula qual seria o
lote ótimo da aposta, usando o chamado critério de Kelly,
apostaria 40% do seu patrimônio a cada vez. Porém,
digamos que só seja possível fazer quatro apostas. Ao
simular esse processo com essa aposta concentrada, dá
para ver que a chance de perder após um ano é de 35%.
Agora, digamos que há uma outra moeda em que o edge é
muito menor, com 54% de chance de ganhar, 4% apenas
acima do resultado aleatório que seria de 50%. O critério de
Kelly, nesse caso, diz que é necessário apostar 8% do
patrimônio em cada aposta. Só que ao invés de fazer 4
apostas por ano, você faz 252. Nesse caso, a chance de
estar perdendo, após um ano, cai de 35% para 28%. Se
você conseguir um grande volume de apostas, basta um
pequeno edge estatístico para ter um negócio mais
interessante ou ganhador.

Os trading systems mais antigos eram muito


inspirados em ideias de análise gráfica?

Rodrigo: Sem dúvida. Os casos bem sucedidos de CTAs , nos


Estados Unidos e Europa, são fontes de inspiração. Mas
hoje, com todo o avanço tecnológico, você consegue fazer
coisas muito mais sofisticadas. Um celular atual possui mais
capacidade de processamento do que um computador há
dez anos atrás. Está disponível, capacidade de
processamento é barata e é possível fazer coisas muito
mais sofisticadas. Com isso, cresceram algumas novas
áreas de estudo, como, por exemplo, o machine learning,
que traz diversas ferramentas que podem ser incorporadas
ao processo de investimento. A ideia de uma estratégia de
trend following não se diferencia muito do que era em 1939,
quando Donchian começou a operar o rompimento de Highs
& Lows . Não se distancia muito. A ideia é identificar
tendências e apostar qual vai continuar, com perdas
pequenas e ganhos grandes. Essa é a ideia de uma
estratégia de trend following. Mas o que vai ser utilizado
como indicador ou fórmula para mensurar tendências pode
ser mais sofisticado do que foi no passado.

Sérgio: Eu creio que o núcleo da estratégia é relativamente


simples de ser compreendido. Mas os segredos estão nos
detalhes. A diferença entre montar uma estratégia de trend
following com índice de Sharpe de 0,50 e 1,00 é grande.
Uma certa sofisticação é necessária para, justamente, evitar
certos trades perdedores e até aumentar o tamanho da
posição em certos trades ganhadores. É essa inteligência
que talvez nos diferencie, em relação a uma estratégia
simples de trend following. Há uma outra questão que
talvez seja uma diferença grande: a execução. Não basta ter
um modelo que funciona bem no back-test ou na teoria.
Também é importante conseguir executar esse modelo de
forma econômica. Especialmente, quando falamos de
tendências de curto prazo, em que economizar qualquer
centavo faz toda a diferença. Porque a expectativa média de
ganho não é muito alta, uma vez que as tendências são
curtas. Nós conseguimos desenvolver alguns algoritmos de
execução que ajudaram bastante no sucesso da estratégia.

Modelos de trend following tendem a sofrer em


mercados laterais. Como vocês lidam com isso?

Sérgio: A característica do trend following é tentar perseguir


tendências. Porém, esta estratégia vai mal quando essas
tendências não existem. E não somente precisamos que
existam, mas que ocorram com baixo ruído. Não adianta um
ativo ir de 10 para 20, o que parece uma tendência
interessante, se antes passou de 10 para 30, de 30 para 15
e depois de 15 para 20. Isso foi um grande ruído, e não uma
tendência. Em contrapartida, se um ativo foi de 10 para 20
em um caminho bem-comportado, como, por exemplo, de
10 para 14, de 14 para 18, de 18 para 20, os nossos
modelos, provavelmente, iriam capturar essas tendências.
Mas, respondendo ao que você colocou, a ausência de
tendências, que se caracteriza como o movimento de
ziguezague, é o pior cenário possível para um trend
following. Para lidar com isso, nós fazemos back-tests
extensos. Nós temos bases de dados de 20 anos no
mercado brasileiro, tick by tick . É algo bastante robusto e
difícil de se conseguir, que construímos ao longo de anos.
Em geral, se estive fora da empresa e vejo no fim do dia
que a bolsa e o dólar fecharam no zero a zero, tendo a
achar que o resultado do fundo no dia não foi bom. Se a
bolsa fechou no zero a zero, é porque não houve uma
tendência de um dia para o outro. Mas, no intraday ,
provavelmente ela oscilou e o meu modelo de trend
following de curto prazo pode ter achado que uma
tendência se iniciou, tendo entrado em uma posição que, ao
fim do dia, não se mostrou ganhadora.

Rodrigo: Recentemente, perguntei à Bolsa, por curiosidade,


se ela tinha dados do dólar tick by tick dos anos 2000 e eles
não tinham. Nós temos dados que nem a bolsa tem.

Sérgio: Fomos armazenando e limpando esses dados ao


longo do tempo. Isso é importante para o modelo não dar
falso positivo ou falso negativo. Então, conseguimos realizar
o back-test dessas estratégias em um grande período. No
passado existiram momentos de tendência e de ziguezague.
Esperamos, no back-test , que as estratégias tenham uma
boa relação de risco-retorno. Essas estratégias não irão
sempre ganhar dinheiro, mas esperamos que, em
momentos de ziguezague, percam menos do que ganhariam
em movimentos de maior tendência. Estratégias que no
back-test não têm esse comportamento, provavelmente não
serão homologadas e aplicadas dentro do fundo.
Rodrigo: Você pode se perguntar por que não desligar um
modelo quando o mercado está de lado. A verdade, é que
nunca encontramos nada que tenha o poder preditivo de
adivinhar quando as tendências vão ou não acontecer. Ao se
tentar acertar o timing de ligar ou desligar um modelo,
corre-se o sério risco de não pegar o movimento quando ele
acontecer. O resultado do back-test ao testarmos ligar e
desligar os modelos, é o pior possível. De acordo com a
filosofia do modelo de seguir tendências, as perdas são
muito pequenas quando comparadas aos ganhos. Por mais
que seja desagradável, ali, quando se está passando por um
período de mercado com mais ziguezague ou sinais falsos,
se olharmos no longo prazo, a perda será irrelevante perto
do momento em que o fundo se recuperar. Acho que esse
longo histórico no back-test dá muita confiança para
continuarmos seguindo aquelas regras.

Sérgio: A família de fundos de trend following é gigante,


porque temos o trend following de curto, médio ou longo
prazo e os aplicamos em mercados diferentes: juros,
câmbio, índice futuro, ações, mercados internacionais e
commodities. É um número enorme de combinações de
modelos e mercados. Aliás, esse é um dos aspectos em que
nos diferenciamos, porque temos muitas combinações, e
uma perda em uma delas não vai afetar de forma
preponderante o restante do fundo.

Voltando ao modelo de Long & Short estatístico,


vocês poderiam dar um exemplo dessa estratégia na
prática?

Sérgio: Costumamos chamar essa estratégia de arbitragem


estatística. Por exemplo, se num grupo de ações de bancos
houver quatro ações líquidas, três bancos podem estar
subindo e um caindo. O que esse modelo vai fazer, em
algum momento, é apostar na convergência desse grupo.
Vai comprar a ação do banco que está caindo e vender a
descoberto os três que estão subindo, apostando que este
grupo vai voltar a caminhar junto. Outro exemplo é o ouro e
a prata, um subindo e outro caindo. Esse modelo vai apostar
na convergência desses ativos.

Vocês olham para outros tipos de padrão?

Sérgio: Um outro exemplo é que podemos, eventualmente,


identificar um grupo de ações que, por um motivo qualquer,
performam melhor do que o índice S&P500 nos últimos
quinze minutos de pregão. São outros tipos de padrão de
comportamento.

Vocês têm algum modelo que coleta prêmios de risco


a partir de dados macro?

Rodrigo: Temos em nossa biblioteca um modelo que utiliza


como input as informações do relatório Focus do Banco
Central para se posicionar em juros e moeda, mas está
desativado há alguns anos. Percebemos que, no final das
contas, o modelo pegava movimentos parecidos com o
trend following de longo prazo, porém com um controle de
risco pior. Então, não fazia sentido mantê-lo.

Os modelos da Kadima exploram vieses


comportamentais?

Sérgio: Nossos modelos acabam explorando esses vieses


comportamentais, tanto de pessoas, como de outros
gestores. Às vezes os agentes de mercado acham que um
ativo já subiu ou caiu muito. E isso nem sempre é verdade.
Pode ser que o ativo precise andar mais. Então, uma das
coisas que os nossos modelos exploram é justamente esse
tipo de viés. Além disso, quando eu digo que os modelos de
fatores coletam algum tipo de prêmio de risco ligado aos
fatores de valor, crescimento ou momentum , é porque
também são, de forma individual e coletiva, ligados ao
comportamento humano. Se não existissem vieses
comportamentais, o mercado seria perfeito. Não seria
possível gerar alpha em cima do mercado. O fato de que,
historicamente, nós conseguimos gerar alpha contradiz a
teoria de mercados eficientes.

Vocês pesquisam formas de incorporar dados de


mídias sociais nos modelos?

Rodrigo: Nós já testamos coisas do tipo, mas há dois


problemas. Primeiro, que esses dados, em geral, são
relativamente recentes. Não há histórico que permita
chegar a alguma conclusão definitiva. Segundo, nós
testamos, independentemente se achamos que funciona ou
não. E, o que eu posso falar, é que esses dados alternativos
que nós testamos nunca chegaram em nada que parecesse
bom. Porém, nós não descartamos. Pode ser que, em algum
momento, encontremos alguma coisa que pareça boa e faça
sentido de ser incorporada ao processo. Até hoje, nunca
encontramos.

Sérgio: Temos relatos de fundos que operam, por exemplo,


com bases em fotos de satélite do estacionamento do
Walmart. Se está cheio, é porque está vendendo muito e a
economia melhorando. Mas, se o estacionamento está
vazio, a economia está piorando. Sabemos que existem
gestoras operando dessa forma e estamos atentos para
esse tipo de input. Mas, como o Rodrigo disse, ainda não
temos nada do tipo. Na verdade somos conservadores em
nossas estratégias e gostamos de back-tests longos. Não só
longos, mas que passaram por diferentes momentos em
diversos ciclos econômicos. Queremos que os nossos
modelos sejam robustos, com economia crescendo ou em
recessão, com vol alta ou baixa. Para isso, precisamos de
mais dados para ficarmos confortáveis, e modelos que
operem a partir de premissas diferentes. Ainda não
achamos, mas, nada impede de termos algo assim no
futuro.

Por quanto tempo, em média, um modelo funciona?

Sérgio: Nossos modelos matemáticos não necessariamente


funcionam para sempre. Claro que os modelos possuem
longevidade, bem alta em alguns casos. O nosso modelo de
trend following, por exemplo, funciona bem há quase 20
anos. Mas isso não quer dizer que qualquer modelo que nós
desenvolvemos funcionará para sempre. Porque,
normalmente, o modelo matemático explora algum tipo de
ineficiência do mercado, e o próprio mercado pode se
corrigir. Então, uma das funções da nossa equipe de
pesquisa é reavaliar todos os modelos que estão em
operação, observando se a curva de resultado continua
positiva e de acordo com o padrão esperado pelo back-test.
Se algum está fora do padrão, é preciso investigar o porquê.
Será que esse mercado ficou mais eficiente, mais rápido ou
simplesmente mais lento? Investigamos caso a caso.
Podemos retirar esse modelo de circulação ou apenas
corrigi-lo. Se o mercado ficou mais rápido, podemos mudar
algum tipo de parâmetro para readaptar o modelo. É
dinâmico. Não desenvolvemos os modelos, deixamos ele
operando e vamos viajar. A realidade, no nosso cotidiano, é
tentar, a todo momento, revisar os modelos e questionar se
estão funcionando ou não, se fizemos algo errado ou se o
mercado está mudando. Talvez o dia a dia de um fundo
quantitativo seja bem diferente do que as pessoas
imaginam.

Rodrigo: É muito importante que essa avaliação do modelo


seja feita de maneira objetiva e sempre baseada em dados
e informações. Existe um ferramental estatístico que ajuda
a avaliar se realmente aconteceu alguma mudança nas
premissas de back-test , no comportamento do mercado ou
do modelo em si. É importante que a decisão de manter um
modelo ligado ou desligado seja feita com base em dados.
Sou um pouco mais otimista que o Sérgio, pois acho que
alguns modelos irão funcionar para sempre. O de trend
following, por exemplo, é um deles. Existe evidência
acadêmica de que as estratégias de trend following
funcionam há pelo menos 200 anos, como mostra um paper
publicado por um grupo de pesquisadores da França. Acho
que é inerente ao comportamento do ser humano. Então, eu
acredito que trend following é uma estratégia que vai
sempre durar.

Atualmente, vocês operam no mercado local e


internacional. Qual o peso de cada um deles?

Rodrigo: O primeiro requisito para entrarmos em um


mercado, é que um determinado ativo tenha liquidez o
suficiente para operarmos, além de uma base de dados
longa e confiável para realizarmos o back-test . Existem
muitos ativos que obedecem a esses critérios. No Brasil,
temos futuro de dólar, futuro de juros, futuro de Ibovespa e
ações. No exterior, futuros de commodities agrícolas,
metálicas e de energia, futuros de índices de ações, futuros
de juros, futuros de moedas e futuros de taxa de juros, de
diferentes países. Tudo com liquidez, então operamos todos
esses mercados. Hoje, as maiores alocações de risco são
nos mercados brasileiros, tanto em futuro quanto ações.
80% no mercado local e 20% nos mercados offshore . Mas
isso pode variar com o tempo. Já foi mais e menos. Achamos
que faz sentido ter uma alocação de risco maior no mercado
local, por enquanto, mas não existe qualquer problema em
aumentar o peso no exterior. Muita gente nos pergunta se
os mercados offshore são, em teoria, mais eficientes e
deveriam ser mais difíceis para gerar alpha . Estamos
conseguindo gerar bastante alpha ao longo dos anos
inclusive em mercados muito eficientes e competitivos,
como o mercado de ações americano.

A característica de cada mercado importa na hora de


implementar os modelos?

Rodrigo: Vemos na prática que alguns tipos de modelos têm


melhor aderência em determinadas classes de ativos.
Ações, seja no Brasil, Estados Unidos, Europa ou Ásia, têm
um determinado tipo de modelo que funciona melhor. Já
futuros de moedas, por exemplo, tanto de países
emergentes, quanto de desenvolvidos, funcionam melhor
com um outro tipo de modelo.

Vocês têm predileção por algum tipo de solução de


problemas, como redes neurais, algoritmos genéticos
ou outros otimizadores?

Rodrigo: Não temos preconceito de testar possibilidades.


Todas as técnicas que você citou podem ser testadas, mas
isso não significa que o modelo vai ter resultados melhores
apenas por utilizar algo sofisticado. Deve sempre haver
parcimônia ao observarmos se aquela sofisticação está
simplesmente fazendo um curve fitting da sua estratégia
para os dados passarem ou se realmente possui alguma
significância. A experiência também ajuda. E, claro, há todo
um grande ferramental estatístico e matemático. Técnicas
de machine learning , como, por exemplo, o cross
validation, vêm sendo cada vez mais utilizadas nos últimos
anos. Ajudam na validação do processo, mas a experiência
também é importante, porque a estratégia será programada
por alguém. Sempre haverá um humano para programar,
porque o computador não programa por si só. E, quando
uma pessoa está programando, é possível cometer erros. A
maioria dos estagiários, no primeiro back-test que faz, acha
uma estratégia com Sharpe de 10 ou 20. Uma coisa que,
nós, com experiência, sabemos que é impossível. Esse
resultado com certeza indica algum erro ou viés . Não é
factível acreditar que uma estratégia vai conseguir entregar
um Sharpe tão alto. Então, são erros comuns e é preciso
tomar cuidado. Até porque, se sofisticar demais, pode ficar
ainda mais difícil identificar o erro.

Sérgio: O Rodrigo deu um exemplo de Sharpe de 10, que


nós sabemos não existir. Mas, às vezes, o sujeito apresenta
uma estratégia de Sharpe de 1,0 que pode até parecer
razoável. Mas, pela complexidade da programação,
cometeu um erro muito difícil de identificar. Você vai achar
que a estratégia realmente possui um Sharpe de 1,0 e,
quando colocar na prática, não vai acontecer. Então,
qualquer estratégia que programamos e testamos é sempre
“back-testada” por pelo menos duas pessoas independentes
dentro da empresa. Estes programadores precisam chegar
aos mesmos resultados e em linguagens de programação
diferentes.

Interessante essa abordagem. Como é feito o cross


validation ?

Rodrigo: O cross validation é uma técnica que pega os seus


dados e segmenta em alguns pedaços. Normalmente, cinco.
Assim, otimizamos um pedaço, testamos na outra parte
para ver se os resultados entregues são coerentes. Na
abordagem da estatística tradicional, em um modelo
econométrico, se usaria um in-sample e um out-of-sample,
quebrando em apenas dois pedaços, parametrizando o
modelo. Assim, pegaria um pedaço dos seus dados, usaria
como um in-sample para treinar ou otimizar o modelo e
testaria em um out-of-sample. Mas, no machine learning, se
utiliza mais o cross validation. Ao invés de separar os dez
anos em apenas dois grupos, os 10 anos são separados em
cinco grupos de dois anos. Você pega várias combinações
de dois anos para otimizar e testar. Assim, podemos
observar com maior precisão se aquele processo de
otimização é robusto ou não, se apresenta resultados
parecidos em diferentes janelas. Esse cross validation pode
ser incorporado ao processo de investimento. Mas, como o
Sérgio falou, o mais importante é o processo de
reprogramar o que alguém já programou, em outra
linguagem, de forma independente, para poder validar um
determinado processo. Depois, ainda tomamos alguns
outros cuidados. Quando uma estratégia entra em
funcionamento, é sempre com uma alocação de risco muito
pequena, e temos alguns scripts que são rodados de
madrugada para refazer os back-tests e comparar se os
resultados estão de acordo com o esperado . Se houver
qualquer tipo de divergência ou de erro na programação, dá
para perceber nos primeiros dias, porque o back-test vai
divergir do que está sendo feito. Quando colocamos a
estratégia em funcionamento, o nosso diretor de risco
programa um simulador para comparar com as execuções
reais. Em caso de divergência, também dá para indicar.
Entendemos que é importante criar esse arcabouço para,
quando acontecer algum erro, conseguirmos identificar.
Novamente, o modelo ou algoritmo não surgiu do nada. Foi
feito por uma pessoa, e qualquer pessoa está sujeita a
erros. Não ter excesso de confiança é importantíssimo para
evitar desastres. Penso que o desastre acontece,
justamente, quando se tem um excesso de confiança que
leva a pessoa a não se preparar para quando errar. Por isso,
é muito importante sempre partir da premissa de que há
algo errado, para que o erro não te tire do jogo.

Quais são os conhecimentos técnicos necessários


para quem se interessa por dar os primeiros passos
em uma empreitada nesse campo?
Sérgio: O primeiro passo é a curiosidade. A pessoa deve ser
curiosa e ler bastante sobre o assunto, entender o que são
os modelos matemáticos, quais tipos existem, que testes
têm de ser feitos, para perceber o que funciona e o que não.
E, para fazer esses testes, tem de ter algum tipo de
ferramenta. Por isso, é preciso entender um mínimo de
programação e como diversas linguagens funcionam,
dependendo do tipo de teste que se quiser fazer. Em
seguida fazer pelo menos alguns back-tests preliminares
com algumas bases de dados, para começar a entender do
assunto. Mas, para coisas mais sofisticadas, realmente
existem fortes barreiras de entrada. A limpeza da base de
dados, por exemplo, é importantíssima, especialmente no
trade intraday de curto prazo. Se a base não está limpa,
você pode acabar achando que faria uma operação que não
teria de fato existido ou vice-versa. Você termina o processo
com um back-test ruim ou falso. Um outro fator, é que os
modelos estão cada vez mais sofisticados. Por mais que o
básico funcione, funciona com um Índice de Sharpe talvez
muito baixo. Além disso, temos que lembrar que não basta
encontrar um modelo que funciona. É preciso também ser
capaz de executar. Porque muitos modelos, especialmente
os mais rápidos, os que mapeiam vários ativos ao mesmo
tempo, necessitam de uma execução automática. E nem
todo mundo tem condições de ter uma ferramenta com
cotações em tempo real alimentando um programa que
gere ordens de execução. Além disso, é necessário um
arcabouço de controle de riscos. Por essas razões, não é
recomendado fazer por conta própria. Mas, para alguém que
quiser se aventurar nesse mundo, a melhor coisa é se
inteirar do assunto e depois tentar entrar em uma gestora,
para fazer parte de uma equipe de programação e entender
como funciona e crescer dentro da área.

Rodrigo: Essa pessoa precisa ter um espírito de cientista,


não acreditar no que os outros falam, baseado apenas em
opiniões. Precisa se dar ao trabalho de ir e testar. Ter uma
hipótese e utilizar metodologias científicas no processo de
investimento. Creio que esse é o ponto-chave: a pessoa
fazer, ao invés de simplesmente acreditar no que está
sendo dito.

Vocês falaram de limpar as bases de dados. Como


isso funciona?

Rodrigo: Até hoje nunca encontramos um vendor que


entregasse uma base de dados que confiássemos
plenamente. Então, sempre que compramos uma base de
dados, de qualquer mercado ou ativo, verificamos. São
comuns erros esdrúxulos. Por exemplo, já vi uma vírgula
errada no preço do dólar. Ao invés de 4.100,00 vi 41,0000.
Erros assim são normais. Se pegarmos uma base de dados
com erros desse tipo e colocarmos no backtest , o modelo
vai achar que o preço despencou de 4.100 para o 41. Ficou
bilionário ou quebrou, em um movimento que não
aconteceu. Na série de preços, também é comum acharmos
um zero no meio do nada. No caso de dados point-in-time ,
como, por exemplo, dados de balanço de empresas, que
podem ser utilizados como inputs para modelos. Os
balanços se referem a um determinado período. O vendor
tem o balanço referente ao trimestre ou período. Só que
esse dado não é, obrigatoriamente, o mesmo que foi
divulgado à época e que teríamos acesso no passado. As
empresas podem publicar uma revisão. Por exemplo, as
regras contábeis podem ter mudado e foi preciso republicar
o balanço, ou acharam um erro. Nesse caso, é importante
que o dado reflita o que teria sido visto naquele momento
em que se estaria operando. Isso é um cuidado que deve
ser tomado, saber se aqueles dados realmente estavam
disponíveis naquele instante. Acabamos gastando bastante
tempo para cuidar disso. É claro que, depois de tantos anos,
já temos muita coisa pronta. Temos um banco de dados
enorme, e basicamente o atualizamos, colocamos dados
novos e empilhamos mais coisas. Mas, com frequência,
queremos pensar em um mercado novo ou uma coisa nova
e temos que refazer esse processo.

Sérgio: Os dados de point-in-time deram muito trabalho.


Tivemos uma pessoa dedicada por mais de um ano só para
limpar esses dados de balanço. É uma base muito difícil de
ter, porque, em alguns casos, chega a ser uma limpeza
manual, e são muitas ações diferentes. Nós nos protegemos
de eventuais erros não só vendo os outliers e fazendo estas
checagens que o Rodrigo colocou, mas também
comparando as bases de vendors diferentes. Às vezes,
compramos a base de dois ou três vendors e cruzamos os
dados para identificar possíveis discrepâncias. Um outro
aspecto muito importante e que costuma ser
menosprezado, é que não basta ter uma base correta.
Também é preciso saber como utilizá-la. Deve-se levar em
consideração certos eventos que acontecem nos mercados.
Exemplo: uma ação que valia R$30,00 em um certo dia
recebeu um dividendo de R$3,00 e abriu a R$27,00 no dia
seguinte. Se você simplesmente tem a base de dados do
preço da ação, vai achar que o preço da ação caiu 10% de
um dia para o outro. Na verdade, se você estivesse
comprado, não teria perdido nada, porque deve-se
considerar o dividendo que foi recebido. E esta informação
sobre o dividendo não estará, em princípio, naquela base de
dados. De alguma maneira, é preciso acoplar na base de
dados a informação de que, naquela data, aquela ação
pagou aquele dividendo. Ou seja, incorporar os eventos
corporativos. E existem dividendos, split , bonificações,
subscrições etc. Tudo isso tem a ver com a limpeza da base
de dados. Um terceiro aspecto, é que nós operamos futuros.
Não adianta ter a base do índice futuro desde os anos 2000,
porque os vencimentos de índice mudam a cada dois
meses. É preciso criar uma forma inteligente de fazer o
encadeamento das bases a cada dois meses, refletindo o
que teria acontecido na realidade. Você precisa ver o futuro
contínuo, e existem várias técnicas para fazer isso. Por
diferença, pela razão, ajuste ou fechamento. Não é simples
limpar a base de dados. É muito complicado e pode ser a
diferença entre achar que um modelo é maravilhoso ou
concluir que é desastroso.

Rodrigo: Se não há uma base confiável, não é possível


confiar no backtest . No primeiro revés que a estratégia
tomar, vai ser tentador desligar o modelo. Uma base
confiável é crucial.

Com certeza. Para fundos que operam no intraday ,


ajuda ter os servidores próximos à bolsa?

Sérgio: A proximidade dos datacenters em relação à bolsa


impacta o que chamamos de latência. Ou seja, a rapidez
com que o computador percebe um certo preço mudando e
envia a ordem para operar em cima daquele preço. Isso faz
diferença em certos modelos de altíssima frequência. Mas,
os modelos que temos na Kadima não são de altíssima
frequência. São modelos cuja eficiência não depende de
milissegundos à frente ou atrás. Isso não quer dizer que não
são modelos rápidos, mas é um rápido que não faz
diferença emitir a ordem daqui e chegar em 50
milissegundos, ou ser emitida de dentro da bolsa, o que
seria quase instantâneo. Não é isso que vai fazer o nosso
modelo ser ganhador ou perdedor. Nos Estados Unidos,
existe uma questão séria relacionada à latência, porque há
uma arbitragem entre as bolsas. Se eu tenho as mesmas
ações sendo negociadas em cinco ou seis bolsas diferentes,
então, de fato, ali faz diferença. E certas bolsas norte-
americanas te pagam emolumentos para operar, ao
contrário do que acontece em geral, onde emolumentos são
um custo de transação. Fazem isso porque colocar uma
ordem sem agredir vai gerar liquidez para aquela
determinada bolsa. Então, ao invés da bolsa cobrar os
emolumentos, você ganha para operar. Uma operação
realizada por muitos hedge funds nos Estados Unidos é
comprar e vender a mesma ação, em geral pelo mesmo
preço, mas em bolsas diferentes para ganhar estes
emolumentos. É o centavo do centavo e ganham muito
dinheiro assim. Mas, só se consegue essa operação de
maneira eficiente se as cotações de todas as bolsas forem
sincronizadas e em real time . Nesse caso, realmente, faz
muita diferença estar a um quilômetro ou cem metros da
bolsa. Mas, para os modelos que nós temos, isto não é um
problema.

Rodrigo: No Brasil, permite-se o chamado colocation , em


que se instala um computador dentro da bolsa. A Kadima,
se não me engano, foi a primeira gestora a ter colocation .
E, em um determinado momento, percebemos que não
havia necessidade e resolvemos tirar a máquina de lá. Foi
uma decisão estratégica. Não queríamos brigar por
milissegundos. Não era no que queríamos nos diferenciar,
porque buscamos outro tipo de alpha .

Capítulo 8
MARCO FREIRE  |  KINEA INVESTIMENTOS

M arco Aurélio Freire é o responsável pelas estratégias dos


fundos multimercado da Kinea Investimentos, e lidera uma
equipe de gestão multidisciplinar divida por mesas, que
cobrem diversos mercados e estratégias.

Marco, existem diferentes modelos de gestão de


fundos multimercado. Como vocês chegaram à
estrutura utilizada pela Kinea?
No modelo convencional, um gestor, com auxílio de uma
equipe, toma uma decisão centralizada. A centralização de
posição pode formar uma carteira mais eficiente que a
soma de carteiras individuais. Essa é a principal vantagem
desse modelo. O outro extremo é o seguinte: vários
gestores. Gestor para mercado de dólar, de juros, de bolsa e
por aí vai. Dessa forma, o fundo consegue ter muito mais
cabeças atuando e cobrir mais ativos que uma pessoa
sozinha seria capaz de analisar. Existe uma quantidade de
informação que uma pessoa consegue processar. Então,
aqui, temos os dois argumentos, e ambos têm verdade. O
nosso modelo está no meio do caminho. Atualmente a
equipe tem cerca de 30 pessoas envolvidas diretamente na
gestão e é formada de várias equipes menores. Cada
subequipe geralmente tem em torno de três pessoas. Então,
dentro de cada um desses mercados de atuação do fundo,
eu tenho uma equipe pequena discutindo e trocando ideias.
Nós temos oito “caixinhas” de gestão, cada uma cobrindo
um mercado. Temos um gestor que opera taxas de juros e
inflação, outro faz dólar e cupom cambial, um é responsável
pelas estratégias de ações Long & Short, e um faz ações
Long Bias, todos esses no Brasil. Há ainda um gestor que
opera volatilidade, um renda fixa de América Latina, outro
faz modelos quantitativos, outro opera países do G10 com
visão macro. Cada mesa toma suas decisões e tem o risco
pré-estabelecido. Elas tomam 50% do risco do fundo, e os
outros 50% ficam comigo. Sou o alocador e tento fazer com
que a carteira total seja eficiente. Preciso ter uma
descentralização das tomadas de decisão, senão minha
carteira não vai conseguir ser suficientemente complexa. O
book Long & Short tem, atualmente, 70 ações no Brasil. O
time quantitativo tem 5 mil ativos offshore. O time de G10
cobre seis moedas e três taxas de juros. Eu não conseguiria
olhar tudo sozinho, mas posso ver as melhores ideias de
cada grupo e o todo, para tornar a carteira eficiente no
conjunto. A forma pela qual funcionamos é essa. Outra
forma de pensar isso é como se eles fossem os especialistas
e eu, o generalista. Eu observo a floresta, enquanto cada
um olha detalhadamente as árvores. Somos uma casa que
mistura gestão macro e micro. Somos focados na assimetria
dos preços dos ativos. Passamos a maior parte do tempo
discutindo isso. O importante que aprendi nesses anos de
gestão é que a assimetria de preços é o X da questão. Se eu
tiver posições assimétricas de preço ou combinar posições
diferentes que têm assimetrias, acho que consigo, com
alguns hedges , um portfólio eficiente, oferecendo uma
relação risco-retorno boa para o cliente. Essa é a busca. Não
somos uma casa que concentra posições. Dificilmente
fazemos isso. Se possível, temos sempre várias apostas,
independentes, assimétricas e com proteções. Procuramos
uma carteira que seja resiliente a vários cenários. Além
disso, temos seis pessoas trabalhando na parte de pesquisa
e análise, sendo três economistas que olham para inflação,
atividade econômica, fiscal, contas externas etc. Mas a
nossa equipe de análise é um pouco mais diversa. Os outros
3 profissionais respondem a qualquer pergunta de pesquisa.
Por exemplo, nos ajudam a decidir quanto de capital alocar
em cada equipe de gestão, algo que requer muitos dados. A
nossa equipe de análise também tem um papel relevante
em responder várias perguntas que são importantes no
nosso processo de gestão como: “Qual é a melhor regra de
stop ? Como eu dou os avisos para os gestores com relação
à regra de stop ?”. É uma questão quantitativa que
demanda fazer contas. E por aí vai. Temos duas pessoas na
equipe que são cientistas de dados, para poder responder a
outras perguntas, como por exemplo o posicionamento de
outros fundos em cada mercado. É uma equipe mais
quantitativa que analisa dados para nos auxiliar.

De que forma funciona a estrutura de gestão no dia a


dia?
Cada book tem uma cota. Então todo dia eu tenho as cotas
gerenciais dos fundos, a minha e a de cada gestor. Isso é
importante para o processo de investimento. Porque decisão
colegiada às vezes gera frustração. O gestor leva uma ideia
e essa ideia não passa no comitê. Então cada gestor tem
liberdade para montar as suas posições. Um gestor pode
estar comprado em NTN-B no book dele e eu vendido no
mesmo ativo no meu book . No final do ano, vamos ver se
eu não aloquei certo ou se o erro foi do gestor do mercado
de juros que não geriu bem no mercado dele. Então isso fica
claro, sem frustação. Fica existindo uma atribuição de
responsabilidade. Nós temos os comitês, mas a decisão é
totalmente descentralizada. Cada gestor toma suas próprias
decisões, e se eu não gostar, faço o contrário no meu book .
Até porque, em algum momento, eu posso estar no meu
fundo procurando proteções. Imagine que está todo mundo
otimista com Brasil, e a mesa de dólar está vendida em
dólar, a mesa de bolsa está comprada em bolsa, a mesa de
juros está aplicada em pré. Eu penso: “Opa, acho que está
muito concentrado, tenho que procurar uma proteção”. Aí
procuro um hedge para que a carteira total faça sentido. Eu
não necessariamente estou alocando nas mesma ideias
deles. Às vezes sim, mas o importante é que a posição total
do fundo faça sentido.

E como é a tua rotina e a da equipe?

A maior parte da equipe chega no escritório 7:30h da


manhã para se inteirar das notícias que aconteceram na
madrugada. A rotina típica é ler vários jornais do Brasil, lá
de fora, e nós dividimos isso em grupos. Um grupo vai cobrir
o noticiário do Brasil, um outro da Austrália, da Europa,
Canadá e por aí vai. Nós fazemos uma reunião, que começa
8:10h e vai até 8:40h, para compartilhar esse material. É a
nossa reunião de caixa. Mas não tomamos decisões nas
reuniões de caixa. Nós compartilhamos informação para que
todos saibam o que está acontecendo, seja no micro das
empresas, seja no macro dos países. Depois disso olhamos
a abertura de mercado. O restante do dia varia de equipe
para equipe. No meu caso, eu passo menos tempo olhando
o mercado e mais tempo lendo. Se estou querendo entender
mais sobre o mercado da Austrália vou ver vídeos sobre o
mercado imobiliário da Austrália, vou ler relatórios, tentar
conversar com pessoas e marcar calls com bancos
australianos para conversar com eles. Além disso,
tipicamente, tenho uma ou duas reuniões com a minha
equipe ou o subgrupo da minha equipe. Por exemplo, hoje
vou sentar com o subgrupo de volatilidade para eles me
falarem quais são as oportunidades que estão vendo nesse
mercado. Amanhã é o dia que sento para discutir com o
pessoal de renda fixa no Brasil e o pessoal de dólar aqui no
Brasil. Depois passo o dia pensando sobre algum tema de
investimento. Eventualmente tenho reuniões com outras
pessoas que podem auxiliar, como consultores e outros
bancos dos quais sejamos clientes. Muitas vezes não surge
nenhuma ideia nessas reuniões. Mas, num belo dia, você
que já vinha amadurecendo um tema de investimento e já
tinha o preço certo para colocar, ganha uma visão mais
forte sobre ele e uma ideia para implementar. Aí sim, nesse
dia que eu implementar a estratégia, vou olhar mais de
perto o mercado, conversar mais com o grupo especialista
nele e vamos começar a montar a posição. Quando você
enxerga a oportunidade, você vai e executa ela no mercado.

Alguém te ajuda a acompanhar as tuas posições?

No dia a dia penso mais as posições de longo prazo, mas a


minha equipe sabe as posições que eu tenho em cada
mercado. Se sai alguma notícia relevante, eles vêm
imediatamente me avisar. Às vezes um movimento de
preços pode me levar a concluir que seria bom diminuir ou
aumentar um pouco a posição. Mas preciso discernir o que é
tendência e o que é ruído.

Esse é um baita desafio... Como filtrar ruído de


tendência?

Essa pergunta é importante e de difícil resposta. Na minha


experiência, a melhor coisa a fazer é, quando você monta
uma posição, já tentar identificar os fatores que irão provar
ou negar a sua tese. Principalmente aqueles que mostrem
que você está errado. Então, de modo geral, quando eu
monto um tema, já tento identificar o que é importante e o
que vou acompanhar no dia a dia. Justamente para tentar,
no ruído do mercado, não deixar que aquilo afete a minha
tomada de decisão, e leve a uma decisão precipitada.
Gostamos de contratar consultores independentes como
fontes de informação. Lemos as notícias de jornal, olhamos
os dados econômicos com bastante detalhe, isso é
importante. Mas gostamos de ter algum consultor para ter
uma segunda opinião não enviesada, para checarmos o que
estamos fazendo. Fora isso, é falar com outras pessoas,
tentar entender o que elas estão achando, para estar
sempre testando se sua tese de investimento vale ou não.

Você poderia falar um pouco sobre os fatores de risco


de cada book ?

Por exemplo, eu posso fazer uma posição Long & Short no


setor de elétricas. Se faço isso, dimi nuo o risco de juros,
porque todas essas empresas são influenciadas por juros.
Diminui também o risco de regulação, porque todas as
empresas são do mesmo setor. Além disso, dentro deste
setor, uma empresa vai se sair melhor do que outra, por
exemplo, na construção das linhas de transmissão. Se eu
pegar uma ação individual, ela estará sujeita a vários
fatores, mas posso usar hedges para pegar o fator que eu
quero. Às vezes, fazemos isso. O caso da Petrobras é outro
exemplo. Eu não quis investir nessa ação durante algum
tempo, mas houve uma melhoria na gestão da empresa. A
empresa ia melhorar, ser mais profissional, ia vender ativos,
diminuir as alavancagens etc. Entretanto, ela ainda estava
dependente do preço do petróleo. As melhorias de gestão
não adiantam muito se o petróleo despencar, porque é o
produto que a empresa vende. Então, eu posso travar esse
risco, de certa forma, se eu comprar Petrobras e vender
contratos de futuros de petróleo. Existe uma arte que é
saber quanto de petróleo vender. Isso não é uma decisão
fácil, mas pode ser tomada. Portanto, com operações
intrassetoriais, intersetoriais e trade de ações para os
mercados macro, é possível apostar em ativos específicos,
isolando alguns riscos. No câmbio, essas operações são
mais difíceis, porque são muitos fatores influenciando. Além
dos fatores locais de determinada moeda, existe sempre a
influência do dólar e das decisões do FED, que impactam o
mundo. Já as operações com juros de curto prazo são as que
têm menos influência. Geralmente juros curtos têm a ver
somente com a política monetária e a economia do país em
questão. Já nos juros longos, existe um componente global
forte. Geralmente, os vencimentos de juros longos de
diversos países andam mais juntos do que os vencimentos
de curto prazo. Então, até construirmos um portfólio, prefiro
que meus gestores façam mais posições nos juros curtos do
que nos longos. Nós estamos em um período de juros
brasileiros baixos, então está todo mundo com a cabeça do
TINA: “ there is no alternative to equity ”. Muitos pensam
que todo mundo no Brasil vai ter que comprar ações porque
os juros estão baixos. Quando pensam em ações, pensam
em Ibovespa. E qual é o problema de disso? É porque 30%
das ações do Ibovespa são ligadas a commodities. Ações de
commodities não tem a ver com os juros baixos no Brasil.
Além disso, 30% do Ibovespa é composto por ações de
bancos. E pode ser que os bancos percam com esse cenário
de juros baixos. Não é óbvio que eles vão ganhar. Para essa
dinâmica faz mais sentido comprar uma ação de uma
empresa de consumo doméstico, por exemplo. Todos esses
aspectos são considerados.

Como vocês estruturaram a mesa de gestão


quantitativa?

Sempre questionamos o nosso diferencial competitivo. Onde


podemos agregar valor e competir no mercado de fundos.
Quem está na fronteira do conhecimento quantitativo,
investindo mais recursos e esforço, tem vantagem sobre
você. O que temos tentado fazer é coletar prêmio onde haja
motivo econômico e montar estratégias que se beneficiem
desses prêmios. Por exemplo, sabemos que, ao longo do
tempo, se comprarmos ações baratas e vendermos ações
caras, teremos um motivo econômico para ganhar dinheiro.
Se olharmos as séries históricas com vários mercados
diferentes, veremos que isso dá dinheiro. Então
programamos medidas de valor que achamos relevantes
com um filtro qualitativo nosso. Testamos pares de ações
globais usando esses filtros para ver se no passado isso
teria funcionado e ver o quão consistente foi esse prêmio ao
longo do tempo. Se houver consistência histórica,
implementamos essa estratégia. Ou seja, começamos a
usar as nossas medidas de valor para fazer uma carteira de
gestão de ações Long & Short global. Colocamos um sinal
quantitativo, que tem evidência empírica, intuição
econômica, e colocamos para funcionar. Existem outros
prêmios: de valor, de qualidade, de momentum , de
carregamento, em vários tipos de mercados diferentes, seja
dentro de ações, mercados futuros, ou posições direcionais.
Isso agrega valor, principalmente para o portfólio brasileiro,
porque geralmente esses retornos são pouco
correlacionados com ativos brasileiros. Você consegue
montar uma carteira mais eficiente agregando esses sinais.
Uma vez que o perfil é diferente, essa é uma mesa
separada. Por exemplo, a mesa de Long & Short Brasil tem o
perfil de analistas que conversam com as empresas,
entendem o negócio. A mesa de gestão sistemática se
baseia em dados. São profissionais que passam o dia todo
no Python ou no Matlab programando e testando modelos.

Vocês também monitoram fluxo?

É fácil acompanhar o fluxo, difícil é tomar uma decisão


baseada só nele. O que nós olhamos são momentos
extremos de posicionamento. Se todos os hedge funds e
todos os multimercados estão posicionados numa direção,
com relação ao histórico, não é o momento de montar uma
posição naquela direção. Você fica menor, zerado ou até
monta uma posição na direção contrária.

O fluxo te ajuda a tentar entender movimentos de


mercado sem notícias que os justifiquem?

Quando se trata de fluxo de curto prazo baseado em


notícias, geralmente, os quantitativos são os caras que
ganham dinheiro. Os qualitativos, quando se metem nesse
jogo, têm dificuldade de entender e são dominados. No caso
de ações americanas, existe uma porção de empresas
contratando provedores de big data e usando, literalmente,
centenas de pessoas para analisar isso. Não vamos
conseguir ter um edge aqui no Brasil nesse mercado no
curto prazo. Tem empresas quantitativas que usam
algoritmos supersofisticados. Nós olhamos o fluxo e
tentamos entender o que está acontecendo. Às vezes, pode
haver um descolamento técnico que gera uma
oportunidade. Mas é difícil ganhar dinheiro só com essa
informação isoladamente.
Como você pensa em cenários para as posições que
pretende montar?

Acho que a maioria das pessoas pensa apenas no cenário


modal da distribuição de probabilidade, aquele que tem
maior chance de ocorrer, mas elas deveriam focar na cauda
da distribuição e no cenário médio. É daí que vêm muitas
formas que usamos para nos posicionar. Diferentemente de
outras casas, não pensamos só no cenário mais provável.
Ele é um dos analisados e pode ser o menos importante
para a tomada de decisão. Geralmente, para mim, é o
menos importante. O mercado tende a formar expectativas
baseadas no passado recente, um viés cognitivo que gera
oportunidades. Fazemos um conjunto de cenários,
precificamos o mercado em vários deles e comparamos com
o valor atual. A partir daí, atualizamos a probabilidade de
cada um dos cenários de acordo com as evidências daquele
momento e comparamos novamente com os preços. Se
surge uma oportunidade, eu monto uma posição. Aí vem
outro passo importantíssimo, que é definir o tamanho da
posição. Se minha distribuição de cenários está muito
diferente dos preços, vou para uma posição maior. Se essa
diferença for menor, monto posições menores.
Basicamente, o tamanho é proporcional à distância do preço
atual daquele ativo em relação aos valores projetados nos
diferentes cenários. Tentamos buscar essa assimetria nos
diferentes mercados.

Como um gestor percebe quando está errado?

Seguindo o que falamos sobre teste e ruído, analiso cada


oportunidade sempre como uma hipótese e contra-hipótese.
Se começo a ver indícios de que minha contra-hipótese é
verdadeira, naturalmente mudo minha posição. Se o gestor
é disciplinado, vai reconhecer as evidências contrárias e
diminuir a posição. Qual a dificuldade disso? Um pouco de
ego, de reconhecer que está errado. Às vezes, o gestor
insiste em achar que as coisas vão virar para o seu lado,
mas isso não deveria ser um problema se ele for
disciplinado. É importante ter outra pessoa olhando os
dados junto com o gestor para dar isenção à análise sobre a
posição que ele escolheu. A pior situação ocorre quando o
mercado vai contra o gestor, mas ele não vê evidências de
que sua hipótese esteja errada. O que isso pode indicar?
Pode ser só uma oportunidade para aumentar a posição ou
pode ser um sinal de que ele não mapeou direito todas as
possibilidades. Além da hipótese base e contra-hipótese,
ainda pode acontecer uma terceira que ele nem mesmo
previu, embora isso seja dificílimo de ocorrer. Mas para
momentos assim, temos o stop. É o ponto no qual o
mercado diz que estamos errados. Zeramos a posição
porque a tese está se provando errada, mesmo com as
evidências todas a favor. Esse é o stop mais difícil. Muita
gente acha que gestão é acertar 80% e errar 20%. Para
mim, gestão é acertar 60% e errar 40%, mas nos 60%
ganhar muito mais do que as perdas registradas nos 40%.
Quando uma posição perde mais do que o esperado eu saio
da posição. Não quer dizer que depois eu não vá voltar, que
eu não venha a rever a minha posição. Mas, naquele
momento, eu saio para preservar essa característica de
assimetria de payoff . Passado um tempo, eu vou rever o
caso do zero, fazer todo o dever de casa. E não volto para a
posição rápido. Você precisa ficar um pouco fora da posição
para conseguir ter o desprendimento necessário para
avaliá-la de uma forma objetiva novamente. Essa disciplina
é sempre difícil...

Como você lida com mudanças de volatilidade dos


mercados?

O modelo RiskMetrics assume uma distribuição normal de


retornos. Além disso, esse tipo de modelo estima que se o
mercado estiver pouco volátil, irá continuar assim. E o
contrário também. Qual é o problema disso? É que, se todo
mundo usar isso, a estratégia gera um viés no mercado:
essas medidas de controle de risco serão estouradas todas
de uma vez! O mercado tem essa característica peculiar de
que, quando se mexe entre 1,6x e 1,9x desvios-padrão,
contra a tendência anterior, você geralmente tem um spike
que faz os preços pularem três ou quatro desvios-padrão.
Ou seja, quando o mercado anda um pouco contra uma
tendência, ele tende a dar um salto, porque todo mundo usa
a mesma metodologia. Quando passar daqueles limiares de
risco, todo mundo vai sair ao mesmo tempo. Quando isso
acontecer, teremos mais chances de comprar barato se o
gestor souber quais são os pontos de stop do mercado.

E quanto à correlação futura? Ela também pode


mudar...

Sim. O que interessa, na verdade, é a correlação nos


momentos de stress , não na média. Nos momentos de
stress, as correlações mudam muito. Geralmente, as
correlações entre os diversos mercados aumentam.

Um desafio constante é ponderar retorno e


volatilidade. Como lidar com isso?

A ideia é termos fundos all weather , bons para todos os


climas. Fundos que tenham mais chances de sobreviver no
longo prazo. É assim que gostamos de pensar. Temos fundos
para vários níveis de risco, com maior ou menor volatilidade
. Em qualquer um dos fundos, o nome do jogo é
consistência. Sabemos que, em algum mês, vai ter um outro
fundo no mercado com rentabilidade melhor. Às vezes,
muitos fundos concorrentes estão em posições grandes
numa direção, mas isso não nos faz mudar nosso processo.
Suponhamos que todo o mercado esteja com uma posição
gigante no pré. Não temos problema com isso. Teremos
posições no pré, em ações que gostamos, em Long & Short ,
em volatilidade. Essa combinação, com o tempo, gera um
resultado para o cliente tão bom quanto o das outras casas,
mas de uma forma que achamos mais sadia. Não vai ter o
grifo de uma só aposta, e naufragar o fundo junto com ela.
Gestor precisa ter confiança, mas não o excesso dela.

Como você define a alocação de risco em cada gestor


dentro dos 50% do fundo que não estão sob a sua
gestão?

Levo em conta a confiança que tenho nesse gestor para


ganhar dinheiro e os aspectos qualitativos das conversas do
dia a dia. No aspecto qualitativo, para alocar no gestor,
preciso ver que o processo dele está redondo e que ele de
fato tem um bom gerenciamento de risco. No aspecto
quantitativo, a primeira coisa que olhamos é a performance
histórica do gestor. Em seguida olhamos a correlação desse
gestor com os demais. Se temos dois gestores que
consideramos igualmente bons, preferimos alocar mais
naquele que está menos correlacionado com os outros. Não
adianta termos dois gestores muito bons que sempre
ganham juntos e perdem juntos. É mais interessante termos
dois gestores que ganhem em momentos distintos. Que na
hora da crise, entreguem retorno de formas diferentes. O
book Long & Short geralmente tem baixíssima correlação
com o mercado. Mas um cara que faz bolsa direcional tem
mais correlação com o que faz pré. A terceira coisa que nós
olhamos para alocar risco em um gestor é como ele se
comporta em eventos extremos. Clientes se preocupam
quando há uma queda grande da cota. É isso que, no final
das contas, preocupa o cliente. É o critério mais difícil de se
ter dados. Calcular o retorno do gestor pela cota diária é
fácil. Já calcular como ele se comporta em cenários de
cauda é mais difícil, porque não há tantos dados. Então,
tentamos medir isso, mas o bom senso prevalece. Não
adianta alocarmos muito dinheiro num gestor de ações
small caps , porque a liquidez desse mercado é restrita. Se
alocarmos mais, ele vai parar de ganhar dinheiro. Podemos
alocar mais num gestor de pré, porque esse mercado tem
mais liquidez. Isso é importante também. Não podemos
supor que o gestor vai para o mesmo nível de rentabilidade
independentemente do capital alocado nele. Então, o quarto
critério é liquidez. Temos esses quatro critérios que vamos
observar para alocar ou reduzir capital de um gestor. E isso
é feito de forma dinâmica ao longo do tempo.

Como você define o capacity do fundo?

Penso no mínimo de risco que eu poderia ter naquele


mercado. Em small caps , nunca concentro muito. Mas se eu
fosse ter small caps eu acredito que alocaria, por exemplo,
15% do risco do meu fundo. Então, não posso ter um
tamanho de fundo no qual isso fique impossibilitado. Temos
uma conta para cada mercado e vemos qual o tamanho
máximo da posição que poderíamos fazer. Então, é
exatamente essa conta. Temos que fazer isso sem nos
basearmos no momento presente, mas sim no que podemos
vir a querer fazer.

E como avaliar a performance do book de cada


gestor?

Bom, primeiro a janela de tempo. Ela é a mais ampla


possível para podermos olhar e avaliar um gestor. A
dificuldade disso é que nem sempre os dados estão
disponíveis. Geralmente digo aos gestores que é como se
eles trabalhassem aqui na Kinea com o conceito de três
anos. Isso significa que, embora a avaliação seja anual,
estou olhando uma janela de três anos dentro da empresa.
Tem de ser uma janela longa, porque no curto prazo há
ruído. Olhamos uma janela longa para avaliar se aquele tipo
de estratégia continuará rendendo daqui para a frente.
Porque, às vezes, o mercado muda. Às vezes um gestor
ganhou de um jeito no passado, mas atualmente o mercado
não funciona mais desse jeito. Por exemplo, o mercado de
opções sempre cobrou caro por opções muito fora do
dinheiro. Gestores de mesas de opções ganhavam dinheiro
cobrando caríssimo por esse seguro. Ao longo do tempo,
mais gente começou a oferecer esse tipo de seguro que
antes era muito caro. Então esse seguro deixou de ser caro
e não deve dar tanto dinheiro daqui para a frente. Outro
exemplo: nos últimos anos, qualquer gestor macro de G10
teve dificuldade, porque não houve grandes oportunidades
nesses mercados. Já gestores de pré no Brasil, nos últimos
três anos, ganharam à beça. Isso quer dizer que esses são
bons? Não, quer dizer que houve um bull market gigantesco
no pré. Então para os gestores de G10 precisamos olhar
como eles rentabilizaram em comparação à classe de ativos
do mandato deles. Mas, continuando, também
acompanhamos o Índice de Sharpe, que todo mundo olha.
Olhamos também medidas de dispersão. É como se
tentássemos ajustar a cota do gestor para ver o quão
próximo ele está de uma reta. Ou seja, quão consistente ele
está. Observo ainda as medidas de eventos extremos e há
várias que podem ser analisadas. Podemos calcular o
retorno sobre os 5% piores resultados, por exemplo.
Escolhemos métricas de consistência, pois o cliente gosta
quando o gestor tem o perfil de um maratonista.

Me fale mais sobre como você avalia


qualitativamente os gestores de cada book ...

Nunca vi um gestor sem processo ter boa performance. E


não existe um processo único, cada gestor tem um. Não
forço ninguém a ter o mesmo processo, porque algo que
funciona para um pode não ser adequado para os demais.
Mas eu quero que cada um tenha um processo definido. O
que eu analiso ao longo do tempo também é a tomada de
decisão do gestor, se há consistência com o processo que
ele definiu, seja ele qual for. Nessa profissão, há uma coisa
importante que aprendi: o emocional é preponderante. As
principais decisões são aquelas que o gestor toma em
momentos nos quais o mercado está nervoso. Ele precisa
aceitar essa emoção, saber lidar com ela e ter um processo
que o leve a uma decisão consistente. Gestores que fazem
isso tendem a se sair melhor. Ao longo do tempo o processo
individual de cada gestor pode mudar e não há problema
nisso. Mas é um problema se essa mudança ocorrer em
momentos de stress. A melhor ocasião para mudar um
processo de investimento não é quando você está perdendo
dinheiro, mas quando está ganhando. O problema é que o
gestor fica pressionado quando está perdendo. Então o ideal
é que ele tenha a confiança de continuar seguindo o
processo. Depois, com mais calma, ele pode olhar para trás
e ver o que funcionou na gestão e o que não funcionou,
para então aprender, mudar e evoluir. Mas, no meio do
furacão não é o momento de se fazer isso. Meu patamar de
compreensão do gestor muda depois que ele passa por uma
crise. Saber como ele vai reagir é fundamental, se ele segue
o mesmo processo, se ele mantém a calma. Todo gestor vai
passar por dificuldades alguma hora, mas se acreditar no
que faz e seguir o seu processo, ele terá mais chances de
ser vitorioso no longo prazo.

Cada gestor tem um estilo?

Há várias diferenças entre eles. O gestor de volatilidade é


aquele que está tentando precificar se o mercado em
outubro vai ser mais nervoso ou mais calmo, por exemplo.
Aqui na Kinea é um profissional que olha para uma grande
matriz de seguros pelo mundo para ver se eles estão
baratos ou caros em relação ao histórico. Ele se importa
apenas em saber em que nível desse seguro está em
relação ao histórico e como fazer a combinação com outros
seguros. Ele olha pouco a economia. Já o gestor que faz
moedas do G10 é o contrário. Ele fica a maior parte do
tempo tentando ponderar qual vai ser o cenário. Dedica
70% do tempo a olhar o cenário econômico e ver
assimetrias de preço para o mercado. O foco dele é a
economia. Ele não está precificando seguro, mas está
tentando precificar a probabilidade dos cenários
econômicos. O caso do gestor de bolsa é curioso. Há dois
perfis no Brasil: o que faz Long & Short e outro que faz Long
Bias . Aquele que faz Long & Short opera o curto prazo. O
que ele quer saber? Qual empresa está indo bem ou mal
agora. É esse o DNA dele. É um gestor de curto prazo cuja
rotina é conversar com todas as empresas e analisar os
dados para projetar quais setores e quais companhias vão
surpreender e decepcionar ao longo dos próximos meses.
Mas, no caso do gestor Long Bias, a discussão é outra. Ele
está olhando para o horizonte de dois, três anos e quais são
as empresas que podem ser vitoriosas. Gestores gostam de
ganhar dinheiro, mas têm personalidade. Há os que ganham
mais dinheiro sendo otimistas e outros, mais pessimistas.
Todo mundo fala que não, que não existe viés, que ganha de
qualquer forma. Mas na minha experiência, claramente, há
pessoas que são naturalmente otimistas e outras que são
pessimistas. Há gestores que ganham em bear market,
outros que ganham em bull market , e aqueles que, de fato,
conseguem ganhar nos dois. Há também os vieses dos
próprios gestores. E é bom se eu tiver um de cada. O meu
gestor de renda fixa, por exemplo, ganha dinheiro, na
média, em bull market . O meu gestor de cupom cambial
ganha, geralmente, em bear market . Se eu tiver os dois
juntos, eles funcionam melhor do que cada um
separadamente. E, talvez, eu não consiga tirar o viés da
pessoa, porque é difícil, mas consigo tirar o viés da casa.
Todo mundo fala que consegue tirar o viés de si mesmo,
mas, na minha experiência, isso é raríssimo. A maioria de
gestores tem viés. Se conseguirmos combinar os dois perfis
para olhar dois mundos diferentes, podemos dar informação
por meio de dois pontos de vista, e esse portfólio
combinado é mais eficiente. Outro aspecto que gosto de
verificar em um fundo, quando analiso sua carteira total, é o
quão independente minha carteira está de determinados
vetores de mercado. Se um só vetor de mercado explicar
muito o retorno da minha carteira, fico um pouco
desconfortável. Nós medimos até estatísticas de
componentes principais. Se poucos componentes
independentes explicam mais de 70% do retorno, alguma
coisa não está legal.

Como vocês trabalham os vieses comportamentais de


cada gestor?

Os chefes de cada mesa e eu desempenhamos esse papel.


Estamos sempre conversando com os gestores para saber
quais são os seus dados, seus vieses e para tentar melhorar
o processo de investimento de cada um. Internamente
temos isso. E temos consultores externos que nos ajudam,
principalmente na parte de mind fitness . Mind fitness é
basicamente estar com a cabeça no lugar para tomar
decisões. Já falei para alguns membros da equipe: “Você
está estressado demais e esse estresse está prejudicando o
seu resultado. Você está precisando de um mind fitness ”.
Eu já vi o caso de uma empresa gestora no exterior que
contratou um profissional que treinava atletas de golfe. Era
alguém que deixou de treinar os melhores golfistas do
mundo para ser exclusivo na empresa, que buscava
melhorar a performance dos gestores. O mercado é um
ambiente competitivo. Treinamentos como o de mind fitness
fazem a diferença. Existem pessoas que acham isso uma
frescura, mas é bem importante.
Como você analisa o estado da economia num dado
momento, em comparação a ciclos econômicos
anteriores?

Olhar o histórico é importantíssimo, mas é preciso saber


qual histórico. O melhor é olhar um período diferente do que
você viveu recentemente. História é fundamental. Olhar os
dados ajuda a entender o que pode acontecer e gera
objetividade. Com o passar do tempo, vamos passando por
cenários diferentes, ganhando mais experiência por ter
vivido coisas distintas. Nessa profissão, ganhamos
experiência com as crises e momentos que passamos, mas
também temos de olhar períodos da história em que não
vivemos. Porque ao olhar apenas para o que o gestor viveu
na pele é limitado, dado que o que ele viveu na sua carreira
profissional pode ser que não se repita.

Para terminarmos, como você vê o futuro dos fundos


macro?

No Brasil o mercado de fundos é 90% macro. Nos Estados


Unidos estratégias macro são apenas 10%. A indústria
macro aqui no Brasil foi atipicamente bem nos últimos anos,
porque houve oscilações muito grandes no mercado de
juros e bolsa, grandes movimentos direcionais nesses dois
mercados, enquanto a indústria lá fora teve dificuldade,
devidos a menores oscilações em moedas e juros. Lá fora, a
última década foi bem difícil, e acho que a próxima vai ser
melhor. Na próxima recessão mundial os fundos macro
globais devem ir bem. No Brasil, teremos que ser um pouco
menos macro, para virar um pouco mais micro, num
movimento contrário.

Capítulo 9

LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO E


LUIS GARCIA  | MAUÁ CAPITAL 
L uiz Fernando Figueiredo é CEO da Mauá Capital. Antes de
fundar a Asset, foi sócio de Armínio Fraga na Gávea
Investimentos, diretor de política monetária do Banco
Central e executivo em diversas instituições financeiras.
Luis Garcia também ocupou posições de destaque no
mercado financeiro, e lidera o time de gestores
responsáveis pela estratégia macro da Mauá Capital.

Como explicar o que é um fundo multimercado para


alguém que está começando a se interessar por
investimentos?

Luis Garcia: É um produto que investe em vários mercados e


tenta se apropriar das melhores oportunidades. Há todo um
processo por trás, mas no final do dia é isso: compramos o
que achamos que vai subir e vendemos o que achamos que
vai cair. Obviamente, temos um conjunto de informações,
de vários inputs, que nos levam a tomar a decisão de
comprar ou vender. Há uma série de complexidades por trás
disso. Por exemplo: “Como lidamos quando o preço sobe e
esperávamos que caísse? O que fazemos? Compramos mais
ou menos? Como revemos nosso conceito?”. Aprendi ao
longo da vida a olhar para risco da seguinte forma. Por
experiência, sabemos que os ativos que nos propomos a
cobrir, no Brasil, têm três ou quatro grandes movimentos
por ano. O que chamamos de grandes movimentos? São
grandes oportunidades ou grandes assimetrias. Ou seja,
quando o preço de um determinado ativo se desloca de
forma significativa em relação ao preço que avaliamos como
o valor justo. Então, se o dólar está muito acima do que
achamos que deveria estar, se a bolsa está muito abaixo, ou
se os juros estão muito mais altos. Essas seriam grandes
assimetrias ou oportunidades. Se, em um ano, elas ocorrem
somente três ou quatro vezes, precisamos ter em mente
duas coisas: não podemos correr risco o tempo inteiro e,
quando aparecerem essas oportunidades, não devemos nos
posicionar de forma pequena. Precisamos ir com um
tamanho grande o suficiente para ganharmos, pelo menos,
um terço do resultado total previsto para o ano. Idealmente,
devemos fazer até um pouco mais, porque nem sempre
acertamos nas três oportunidades. Às vezes, acertamos
bem duas, uma acertamos uma de forma parcial e em outra
perdemos, por exemplo. O importante é que poucas vezes
em um ano o cenário está claro e fica evidente de que o
preço, na nossa visão, está muito deslocado. Então, a
pergunta é sempre a seguinte: de que maneira descobrimos
esse momento mágico, que é o que procuramos o tempo
inteiro? É um processo maçante. Temos de manter o cenário
macroeconômico o mais calibrado possível, o tempo todo,
para sairmos com os inputs dos preços dos ativos. Quando
temos um cenário macroeconômico calibrado, conseguimos
entender onde a taxa de juros e o câmbio deveriam estar.
Em um fundo multimercado macro, o princípio de tudo é ter
um bom cenário macro. Ter o cenário macro atualizado,
preciso e profundo para entender exatamente como as
forças da economia estão agindo naquele momento.
Deveríamos poder dizer: “O ciclo de juros está em um
momento abaixo da taxa neutra, portanto, estimulativo”.
Para a taxa de câmbio, vamos precisar estudar o cenário de
pelo menos dois lugares diferentes. Por exemplo, o cenário
do Brasil e dos Estados Unidos. Ou seja, estudamos os
cenários dos dois países e imaginamos onde deveria estar a
taxa de câmbio, qual seria o preço justo. O mercado,
sempre dizemos, nunca está no valor justo. Está sempre
para um lado ou para outro.

Luiz Fernando: O Warren Buffet tinha uma frase assim: “O


mercado, todos os dias, diz quanto acha que valem seus
investimentos. E ele está sempre errado. Ele
invariavelmente está errado”.
Luis Garcia: Acho que este é o starting point. O mercado de
juros, por exemplo, depende muito do mercado interno, da
política monetária, e pouco do cenário dos outros países.
Outros ativos, como a taxa de câmbio, são mais complexos,
como falei, e dependem, no mínimo, de dois cenários
macros bem calibrados, o do seu país e do outro, para fazer
o cruzamento. Quando falamos de bolsa, por exemplo,
precisamos do nosso cenário macro e também de cenário
micro. Então, a coisa fica mais complexa. O que nós
acreditamos é no jeito de analisar essas grandes
oportunidades ou grandes assimetrias. Não sabemos o que
vai acontecer, obviamente. Mas olhamos para o preço e
avaliamos se há uma chance muito menor de ele ir contra
do que a favor, em relação à direção que acreditamos que o
valor desse ativo seguirá.

Luiz Fernando: Um exemplo legal disso que o Luis falou foi


em 2015 ou 2016. Achávamos, se não me engano, que os
preços de serviços iriam cair muito. Então, a inflação, que
tinha sido 7,0%, iria cair para 5,0% no ano seguinte.
Acontece que o mercado apostava em 8,0% de inflação
para aquele ano. Então, se estivéssemos errados e o preço
de serviços não caísse e a inflação ficasse em 7,0% ou
8,0%, nós não perderíamos. Quando o Luis fala em
assimetria é o seguinte: achamos que vai acontecer algo
diferente do que o mercado acha, só que o mercado nos dá
“colchão” suficiente para que, mesmo que estejamos
errados, não percamos ou percamos pouco.

Luis Garcia: Exatamente. Assim, simplificadamente, acho


que esse é o conceito. Tudo começa com uma pequena
assimetria, um pequeno deslocamento. Começamos a
observar uma pequena assimetria, que vira média, média-
alta, até que achamos que já chegou a um preço que, para
perdermos, algo raro teria de acontecer. Seria muito difícil.
Por isso é importante, todo dia, rever o cenário. Todo dia
questionamos nosso cenário macroeconômico. Se ele está
certo ou errado, se precisamos calibrar aqui ou ali. Chegou
uma informação nova, como nos reposicionamos, como
reavaliamos o cenário. Enfim, é um trabalho de muita
transpiração. E outra coisa que acho importante dizer é que
existe uma falácia popular, até na mídia, de que gestores
gostam de volatilidade.

Luiz Fernando: A gente escuta isso há muito tempo.

Luis Garcia: Isso é uma mentira. Não gostamos de


volatilidade. Gostamos de tendência com baixa volatilidade.
Gostamos daquele ativo que compramos hoje, amanhã sobe
um pouco, depois mais, e vai subindo. É disso o que mais
gostamos. Esse negócio de sobe e desce frenético não nos
interessa. Eu não sei quem criou essa ideia, que virou lugar-
comum no mercado, mas isso com certeza não é verdade.

Luiz Fernando: E não é só de tendências que gostamos. É,


em geral, de tendências para cima. Porque para baixo, cai e
você compra. Aí cai mais. Pensamos que “agora está barato
demais”, mas sempre pode ficar mais barato.

Luis Garcia: Quem se dá bem no mercado de volatilidade


são os market makers . Por quê? Se não se sabe bem onde
está o preço, quem ganha são os market makers dos
bancos, que eram os antigos “armazéns de risco”, que
conseguiam receber o risco do sistema. Hoje em dia, eles
são muito menores, praticamente inexistentes. Toma muito
capital o negócio de posições proprietárias em bancos. Além
disso, quem gosta de volatilidade são os gestores que usam
algoritmos. Agora, o trader direcional, position trader, não
gosta desse tipo de coisa. Gostamos de movimentos
direcionais. Pegando o gancho, outro conceito importante é
o seguinte: a volatilidade no mercado em alta é
completamente diferente da volatilidade em um mercado
em baixa. O mercado em alta tende a ter uma volatilidade
comportada, muito mais tranquila do que o mercado em
baixa. O mercado em baixa, sempre falamos, é aquele que
poucos traders sabem operar bem. Não é o meu caso, não
sou um cara que faz bem o mercado de baixa.

Luiz Fernando: São poucos.

Luis Garcia: E por que é tão difícil? Porque os Bancos


Centrais e políticos estão sempre procurando um jeito de
reverter aquela tendência negativa dos mercados. Então,
você está sempre sujeito a acordar de manhã com uma
notícia de uma autoridade monetária, de um político ou de
um grande player de mercado.

Luiz Fernando: Além disso, o mercado, com toda sua


sofisticação, é um punhado de pessoas tomando decisão.
Tenho um jeito divertido de falar que é o seguinte: 100% do
tempo, nossa razão briga com a emoção. Quando a emoção
ganha, perdemos dinheiro. É certo. Quando a razão ganha,
temos 50% de chances de ganhar. É difícil! Não é algo
simples. Num fundo multimercado, ficar sem tomar posição
custa caro, porque os custos por si só já irão fazer o fundo
render abaixo do CDI. Não ter opinião custa caro. Então,
com o mercado em baixa, é sempre mais difícil. Os
governos sempre respondem. O país está indo bem e, de
repente, entra em uma crise. Lá atrás, quando o real
começou a pesar nos mercados, o governo falou na famosa
“marolinha”. Todo governo fala. Que é a fase que nós
chamamos de denial , negação. Ele está negando que haja
algum problema. Então o problema cresce. Porque o ideal,
naquela fase, seria reagir. Se o governo reagisse lá, o
problema não cresceria. Às vezes, o governo não torna
público o problema, mas chegou à conclusão de que ele
existe. E aí começa a pensar em que medidas tomar. O
mercado fica sem saber o que vai acontecer até o momento
em que o governo toma a decisão, que pode ser suficiente,
menor ou até maior do que o esperado. Vou relembrar
vocês. Quando nós entramos no Banco Central, em 1999,
era até engraçado, porque fazíamos questão de ser mais
pessimistas que o FMI. Então, se acho que a situação está
ruim e o governo tem uma ação maior do que o problema,
fico tranquilo. Se a ação é ligeiramente inferior, o mercado
fica morrendo de medo.

Cada casa tem um DNA e estilo. Como vocês estão


estruturados?

Luis Garcia: Quando eu trabalhava no BBA, havia oito mesas


diferentes tomando risco, cada uma com seu mandato
específico de VaR , stress , stop . O livro central tinha, mais
ou menos, 40% dos limites totais. Então 60% do risco
estava nas mesas e 40% no livro central. Por quê? Porque
um banco tem várias áreas. Então ele consegue amortecer
o resultado com o lucro de várias áreas juntas. O maior
desafio de um gestor de fundos é que temos uma profissão
na qual todos os nossos erros e acertos são públicos. Então,
toda vez que erramos ou acertamos está lá na cota. Todo
mundo pode olhar e dizer: “Ih, esse cara acertou ontem,
errou ontem”. Nesse sentido, é desgastante. Quando
acertamos, somos os reis do universo. Quando erramos,
somos o pior ser humano na Terra. Quando temos sequência
de erros grandes, então... Isso faz parte, mas é a coisa que
considero mais desafiadora nessa profissão. Na nossa Asset
temos as diversas mesas, com seus respectivos mandatos e
seus respectivos limites, mas o livro central é mais
importante. Por quê? Porque no meu passado de banco, se o
livro central não desse dinheiro, conseguíamos puxar
resultado de outras áreas. Aqui não adianta o gestor
arrebentar na mesa dele, se o livro central não ganhar
dinheiro. Então temos um combo onde os livros individuais
têm valor, mas todo mundo precisa prestar atenção no livro
central. Quando um fundo chega a um certo tamanho, onde
a taxa de administração é grande, se recebe uma receita
tão grande que permite migrar para o sistema multiportfólio
puro. Como se o fundo fosse a soma de todos os portfólios
individuais. A taxa de administração é como se fosse, dentro
de um banco, o dinheiro que é garantido, vamos dizer
assim. Se você ainda não tem o dinheiro garantido para
todo mundo, é bom todo mundo prestar atenção ao todo.
Não há gabarito na hora de montar a estrutura de um
fundo. Eu sempre falo que o mais difícil, como em qualquer
profissão, é achar talentos. Em tese não deveria haver
limites diferentes para três mesas diferentes, mas se chega
aqui um cara muito talentoso, vou ter que dar mais limite
para ele. O ideal é um gestor que opere bem um horizonte
de investimento de médio prazo. Mas, se chega aqui um
cara super talentoso e bom de gestão de curto prazo, vou
mudar um pouco. Existe aquela regra de administração de
negócios: strategy, structure and people. Você pensa na sua
estratégia, com a estrutura adequada para a sua estratégia
e quais são as pessoas naquela estrutura que vão fazer tudo
funcionar. Pensa como um time de futebol. Eu vou jogar no
4-3-3. Daqui a pouco, falam que arrumaram um centro
avante espetacular, mas ele precisa de dois pontas-direitas.
Nesse caso, vou mudar o meu time. Agora, eu vou jogar
com 4-2-4. O talento, aquele cara que faz a diferença,
muitas vezes nos obriga a refletir sobre a estrutura.
Precisamos ter um pouco de flexibilização porque o mais
difícil no dia a dia é justamente encontrar talentos.

Como encontrar esses talentos?

Luis Garcia: Excelente pergunta. Eu gosto muito do conceito


de escola de trading. O que é escola de trading? Aqui no
Brasil, nós tivemos algumas. A mais antiga e razoavelmente
conhecida é a escola do Garantia. O Garantia formou uma
enorme quantidade de traders . Não sei bem a origem do
sucesso deles. Talvez fosse o jeito deles estarem
organizados, o processo de admissão ou a identificação das
qualidades de cada profissional para as determinadas
funções. Mas era uma grande escola de trading . O BTG é
outra grande escola de trading. O Bahia, hoje, é a escola de
trading mais famosa. Formou não só a tesouraria do
Bahia/BBM, mas formou vários gestores de fundos
extremamente bem-sucedidos. Todos vindos da escola
Bahia de trading, de caras que aprenderam a operar lá
dentro. Isso é um negócio que nos bancos acabou. Não
existe mais dentro dos bancos escolas de trading . Agora as
escolas estão nos fundos. A próxima geração de fundos vai
começar na escola do Bahia. A Kapitalo, o próprio Bahia
Asset, a SPX. São gestores que foram formados na escola
Bahia e já estão formando os seus sucessores. Para mim,
são esses os lugares mais óbvios para você procurar um
gestor. A primeira coisa que penso é pegar alguém que já
tenha passado por uma escola dessas. Não significa que
quem não passou por essas escolas não seja bom. Mas, se o
cara passou por uma escola dessas, dou muito valor para o
aprendizado que ele teve com essas pessoas, que são
extremamente bem-sucedidas nessa profissão. O BBA, onde
eu e o Luiz Fernando trabalhamos, talvez não seja uma
escola tão AAA quanto foi o Bahia, BTG e o Garantia, mas
acho que é uma escola de trading muito boa também.
Formou uma equipe de traders boa. Mas há outras. Sempre
que eu entrevisto algum profissional em trading pergunto
com quem o candidato aprendeu, quem o ensinou, quem
admirou ou admira, o porquê, e como ele faz a gestão de
riscos. Não é fácil. O talento por natureza é sempre o sujeito
mais disputado. Mas, se o cara passou cinco anos no
Garantia, com certeza sabe alguma coisa. Se passou cinco
anos no Bahia, com certeza aprendeu muito. Se passou
cinco anos no BTG ou na SPX também. Em casas de estilo
one man show é mais difícil haver essa transferência de
conhecimento. Obviamente, nós tentamos formar gestores
também. É difícil ter a paciência para formar alguém do
zero, então ter uma segunda linha boa ajuda. É difícil achar
talentos. Na nova geração, todo mundo só quer trabalhar
em startup, então fica mais difícil ainda. Houve um período
dourado do trading, que nós vivemos um tempo atrás. Todo
mundo queria ser trader, todo mundo tinha um amigo que
ficou rico com 22 anos, aquela história toda. Essa fantasia,
esse canto da sereia, agora está todo na tecnologia, em
startups . Todo mundo tem um amigo que abriu uma
empresa, um negócio. Então, nós estamos em um período
de baixa atração de talentos.

Luiz Fernando, como foi a experiência de ter


trabalhado como Diretor de Política Monetária do
Banco Central?

Luiz Fernando: Foi muito interessante. É uma ilusão achar


que o Banco Central sabe mais que a gente. E que ele é
onipotente ou onipresente. Onipotente, às vezes, até é.
Mas, onipresente, é uma bobagem. Muitas vezes, no Banco
Central, você tem menos informação até do que o mercado.
Ele está entendendo menos do que o mercado sobre o que
está acontecendo. Então, isso era uma preocupação muito
grande. Eu tinha que me informar muito bem sobre o que
estava acontecendo. É um jogo. Os agentes de mercado
diziam ao Banco Central o que era melhor para eles, e não o
que realmente estava acontecendo. Eu tinha a vantagem de
lidar com estas pessoas todos os dias até ir para o Banco
Central. Eu vinha de um banco de investimentos sofisticado.
Então, sabia de todos os meandros. Quando nós entramos,
fizemos uma lista, se não me engano, de 10 ou 12 coisas
que tínhamos de fazer. O mercado havia criado um
mecanismo para enviar dinheiro para fora e nós
descaracterizamos direitinho esse mecanismo. Eu lembro
bem de um cara, de um banco grandão, que veio me visitar.
Ele me disse: “Essa regra aqui é muito séria. Muito pesada”.
Eu respondi: “Gosto mais dela agora. Você está achando
que é pesada? Então ela é boa. Se você achasse que era
tranquila, é que seria ruim”. Enfim, tínhamos as
informações de todo mundo. Criei um mapa que me
fornecia a posição em juros e câmbio de todos os bancos,
consolidada com os fundos, aqui e lá fora. Eu sabia qual era
a posição do cara quando ele vinha conversar comigo.
Tínhamos uma diferença de mindset . O objetivo era fazer o
menos possível, porque quanto mais se interfere no
mercado, mais ele fica viciado em uma muleta. Por outro
lado, o objetivo era manter a funcionalidade. Eu tinha a
vantagem de conhecer tudo o que é “trique-trique” e fomos
fechando todos. Isso ajudou muito o mercado a ganhar
corpo naquela época. Foi esse olhar de mercado que me
ajudou a ver, do ponto de vista do regulador, como agir e
como seria a reação. O acadêmico não entende isso. Nunca
fez isso. É como ter estudado medicina a vida toda e nunca
ter feito uma cirurgia. Não estou fazendo juízo de valor, mas
é uma questão de característica. Outra coisa é que as
decisões são colegiadas e cada um tem um background
diferente. Havia muito respeito dentro do colegiado. Se uma
decisão exigisse conhecimento de mercado, tínhamos
liberdade para tomar a decisão. Foi uma experiência muito
rica, inclusive para ver erros que cometemos. Vou dar um
exemplo: acho que foi em 2001, quando tivemos de intervir
no mercado de câmbio. Alguns disseram: “Só a intervenção
não adianta, precisa impor um monte de medidas”. Então,
viemos com um conjunto de medidas, junto com o
Ministério da Fazenda. O mercado não deu a menor bola.
Daí chegou uma quinta ou sexta-feira e nós vendemos
muito dólar, 5 ou 7 bilhões em dois dias. Naquela época,
cada bilhão era um mundo pra gente. Então, a gente viu
que errou. Quando foi na segunda-feira, nos reunimos e
inventamos a ração diária no câmbio. O Banco Central tem
uma perspectiva e um objetivo diferente do mercado.
Quanto mais calmo estiver, melhor. Depois veio o ano de
2002, que foi aquela confusão. Terminava um dia e
pensávamos: “Como será o próximo?”. Todo dia tinha uma
encrenca. Num determinado fim de semana, o assessor de
imprensa me ligou: “Oi Luizinho! Está muito esquisito, não
tem nenhuma crise!”. Eu respondi: “Aproveita, porque daqui
a pouco vem outra!”.

Ter passado pelo Banco Central te ajudou depois a


gerir fundos de investimentos?

Luiz Fernando: Tem um valor enorme passar por lá. Você


passa a entender como uma decisão é tomada. Eu não sei
qual decisão vai ser tomada, mas o processo eu entendi
como é. Sei qual é o ponto de vista de quem está tomando
a decisão. Não quer dizer que nós sempre acertemos, já
erramos várias vezes. Porque uma decisão do Banco Central
tem um grau de aleatoriedade muito grande. Várias vezes,
eu pedi opinião na reunião do Copom. Várias vezes diretores
pedem opinião. O sujeito pode ir com uma cabeça e sair
com outra, numa boa. No Brasil, o governo é uma coisa
muito grande. Se você ficou lá e entende a lógica desse
agente, tão influente e importante na economia, fica mais
fácil compreender o todo. Por exemplo, uma visão que nós
temos aqui é que, invariavelmente, os analistas erram
porque não levam em consideração as respostas de
governos. Todo governo responde. Pode ser atrasado,
menos que deveria, mas sempre responde. Então, é muito
difícil que um país vá, definitivamente, para o buraco. Pode
acontecer, mas entender qual é o mais certo para aquele
governo fazer é muito importante. Tem governo que deixa ir
pro buraco. Por exemplo, a Argentina não fez nada. Foi pro
buraco primeiro. Outros países também. Se jogam para
depois tentar ressuscitar. É preciso entender a lógica e a
cultura. É possível dizer que grande parte dos brasileiros
gosta de samba. Então, não gosta de ir pro buraco.
Luis, você passou por vários bancos. Como foi essa
experiência?

Luis Garcia: Eu comecei no J.P. Morgan, muito tempo atrás.


Eu acho que lá havia bons traders. Os traders de mercado
brasileiro eram bons, mas os traders de mercado emergente
eram excelentes. E conseguíamos trocar ideias com eles.
Então, em um banco estrangeiro, você tem essa vantagem
de ser exposto a um grupo de pessoas que vão além do seu
grupo. Claro, era uma interação muito menor, mas você
consegue ter uma exposição. Acho que ali já estiveram bons
professores. Depois eu passei um tempo no Bankers Trust
que, pra mim, era um sonho de consumo. Porque o Bankers
Trust era um banco de traders . Era um banco de trading
mais agressivo até que a Goldman Sachs. Por serem um
banco puramente de traders, se valorizava demais isso.
Acho que aqui no Brasil eu tive a honra e a felicidade de
trabalhar com o Oscar Camargo, da GAP, que é um cara que
eu admiro e respeito demais como trader . Aprendi muito
com ele. Conversávamos com uns caras faixa-preta, muito
bons mesmo. Depois quando eu fui para o BBA tive contato
com outros traders que eu respeito demais, como Pedro
Cerize, e o Leonardo Callou. Era um grupo de traders muito
bom. Não tive a felicidade de passar pelas escolas
tradicionais como Garantia, BTG e Bahia, mas tive o
benefício de ter acesso a traders internacionais que me
ajudaram bastante.

Vocês operam muito nos mercados internacionais?

Luis Garcia: Operamos mais no Brasil, que é o nosso carro-


chefe, mas operamos bastante no mercado americano.
Porque para fazermos um bom trading local, precisamos
entender bem o que está acontecendo no mercado
americano. O Brasil já é globalizado há algum tempo. Isso
nos obriga a entender o que está acontecendo lá fora.
Precisamos ter um cenário macro de Estados Unidos
apurado e atualizado. Então, já faz 18 anos que nos
posicionamos na curva de juros americana. É um mercado
bom de operar porque tem liquidez em tudo o que você
pensar. Seja nos instrumentos derivativos ou nos futuros.
Sempre tentamos capturar algum ganho lá.

É mais difícil ter um edge lá fora?

Luis Garcia: Sim, é mais difícil. Não se trata apenas de falar


com a autoridade monetária, mas, principalmente, estar
inserido em um network de operadores que estão lá o
tempo inteiro, para trocar ideias. Isso é mais do que falar ou
não com a autoridade. Você não está no clube dos caras
que operam aquilo lá para viver. Mas, aqui no Brasil, há
muitos traders que operam juros nos Estados Unidos e você
pode entrar em um clubinho. Esse, pra mim, é o grande
diferencial. No mercado americano, não vamos ganhar mais
que os caras da Goldman Sachs. Eu só preciso saber se eu
consigo ter um conjunto de informações sobre
oportunidades onde eu consiga ganhar.

No final dos anos 90 e início dos anos 2000, o


mercado, em vários momentos, pareceu testar o
Banco Central brasileiro. Como você viu isso?

Luiz Fernando: Tinha uma máxima que dizia o seguinte: no


curto prazo, ninguém vence a autoridade monetária. No
médio prazo, se ela estiver fazendo uma bobagem, todo
mundo ganha. Essa era a máxima que eu lembro como
tesoureiro. Quando o Banco Central entrar na frente, não
fique na frente dele. O nosso sistema de câmbio, lá por
1996 ou 1997, já estava fora do lugar. Só que o governo foi
tocando. Aprendeu a operar nos contratos futuros, esticou
muito a corda. Até que veio o estopim.
Vocês precisam adaptar a análise quando a diretoria
do Banco Central muda?

Luiz Fernando: Os dilemas são sempre os mesmos. É uma


questão de estilo, mas os dilemas são sempre os mesmos.
Também tem uma coisa que é a seguinte: da minha época
pra cá, o Brasil evoluiu muito. Se eu tivesse a cabeça de
quando eu saí do Banco Central, eu ia errar 100% das
vezes. Como qualquer um. Você vai evoluindo de acordo
com a evolução do próprio país. Por exemplo, em 2008, foi a
primeira vez na história que o Brasil reagiu como um país de
primeiro mundo a uma crise. A reação do mercado à crise
foi uma pancada monstra na curva de juros, porque essa
sempre foi a reação natural. Mas o Banco Central cortou
juros. Isso foi uma reação de país de primeiro mundo. Isso
foi um processo evolutivo.

Como vocês enxergam a relação entre eficiência dos


mercados e Bancos Centrais?

Luiz Fernando: Eu acho que os mercados são ineficientes e


os Bancos Centrais, em geral, aumentam a ineficiência do
mercado. Às vezes, não, mas, em muitos casos, sim. Tudo
depende das circunstâncias. O que nós tivemos de 2008 pra
cá? O que os Bancos Centrais fizeram foram coisas que
nunca se pensou antes. Se algum diretor de um Banco
Central dissesse que ia fazer algo semelhante no passado,
ia ser demitido em qualquer país do mundo. E todos eles
fizeram e depois foram ovacionados por terem feito. Mas
por quê? Porque as circunstâncias foram essas. Assim como,
do ponto de vista de expansão fiscal, as circunstâncias
também não têm precedentes. No final das contas, sempre
fica a discussão de moral hazard . O que é mais importante:
dar uma lição de moral hazard ou deixar o país quebrar?
Vocês acham que essa nova maneira dos Bancos
Centrais atuarem é algo preocupante?

Luis Garcia: O sistema brasileiro e o americano são


diametralmente opostos no sentido da concepção do que é
liberdade. Então, no sistema americano, você é livre para
fazer tudo. De vez em quando, alguém entra para proibir
alguma coisa. No mercado brasileiro, você é proibido de
fazer qualquer coisa e, de vez em quando, liberam alguma
coisa. O que isso quer dizer? Quer dizer que, no sistema
brasileiro, o mercado fica sempre pedindo. “Libera mais um
pouquinho”. No mercado brasileiro, exageros de mercado
não acontecem porque ele está sempre contido. O que
acontece são erros de políticos, como segurar a taxa de
câmbio artificialmente. São erros de concepção, de
conceitos, vamos dizer assim. Não são erros de
instrumentos. Então, aqui no mercado brasileiro, é difícil ter
uma bolha. Porque, como a autoridade, não só a monetária,
a autoridade em geral, dá pouco espaço para se tentar fazer
alguma coisa, é muito difícil acontecer um exagero. O que
os Bancos Centrais estão fazendo agora é uma questão
curiosa. Teoricamente, deveria haver um equilíbrio entre
política fiscal e monetária. Só que em muitos lugares, a
política fiscal está congelada. Seja por regras internas,
como é o caso da Alemanha, seja porque já se usou demais.
Então, nesses países, só sobrou a política monetária. Nós
sabemos que, nesse ambiente de dificuldades em que
estamos, como as trade wars , ninguém vai fazer um grande
investimento. É dificílimo. Então, quem deveria tomar a
decisão de investimento sério, se tivesse espaço, seriam os
governos. Com uma política fiscal melhor, deveriam investir
em infraestrutura, por exemplo. Só que vários governos
estão nesse xadrez fiscal, então só sobrou a política
monetária. Acho que eles estão fazendo o que dá. Vai ser o
suficiente? Enquanto não houver maior clareza sobre as
trade wars será sempre um paliativo. O mundo gozou de um
crescimento fantástico com a globalização. Estava todo
mundo de mãos dadas. De repente, os Estados Unidos
lavaram as mãos e disseram: “agora não quero mais”.
Ninguém sabe quem é parceiro de quem. Isso não é uma
coisa trivial e nem uma coisa que vai ser resolvida de uma
hora para outra. Acho que nem com um democrata
ganhando as eleições nos Estados Unidos. A meu ver, a
política monetária, globalmente, vai ser esgarçada de uma
maneira nunca antes vista. Nós vamos ver a política
monetária no chão em grande parte do mundo. Está cada
vez mais nessa direção. Mas é the only game in town nesse
momento.

Luiz Fernando: A atuação dos Bancos Centrais me preocupa,


sem dúvida. Acho que 2008 foi o resultado do maior
“pileque” que o mundo viveu. Já 2012 foi a ressaca do
“pileque”, com uma regulação horrorosa ou falta de
regulação. Com uma boa regulação, talvez tivesse ocorrido
uma crise, mas talvez não fosse um décimo do que foi. Para
resolver o desastre foram os tax payers que pagaram a
conta. Fizeram uma regulação em que os bancos
precisavam ter mais capital, uma série de coisas. Isso, ao
invés de ajudar o sistema, piorou. Então, antes, havia um
sistema profundo, com buffers . Isso não existe mais. A
mudança na regulação foi para o outro lado do pêndulo e
provocou o oposto do que os Bancos Centrais gostariam.
Concentrou muito mais o sistema, tornou muito mais cara a
vida de muitos bancos e atrapalhou muito o
desenvolvimento dos mercados. Simplificando, depois da
crise, aconteceram três coisas: atitudes dramáticas de
Bancos Centrais com juros negativos, expansões fiscais
gigantescas e compra de papéis. E isso tudo desembocou
numa regulação horrorosa que, se fosse integralmente
implementada, iria ruir o sistema financeiro.
Os fundos multimercado ganharam muita relevância
no volume dos mercados de risco, não?

Luis Garcia: Se ajustarmos por volatilidade, não tenho a


menor dúvida que o multimercado será maior tomador de
risco do que os fundos de renda fixa tradicionais. Claro que
o volume de recursos dos fundos de renda fixa será muito
maior. 100, 200 ou 500 bilhões. Há uma parte dos
tomadores de risco que pensa: “Vou ficar aqui na renda fixa
e está tudo bem”. Mas o fundo multimercado é o produto do
futuro, cujo interesse está crescendo. Eu não vejo isso
sendo revertido, no curto prazo, nem por tesouraria de
banco e nem por fundo papai e mamãe. Este último, na
minha opinião, é o próximo da cadeia a perder tamanho e
participação na indústria. E tem um agente novo que ainda
é bem pequeno na indústria, que é o pessoal dos fundos
quantitativos, que usa algoritmos. Essa turma está entrando
no mercado e, lá fora, já está bem mais desenvolvida. Aqui
há alguma coisa, com investidores estrangeiros
quantitativos. Eles estão na fronteira, além dos
multimercados. Antigamente, se fôssemos falar em
fronteira, tínhamos fundos papai e mamãe, e tesouraria de
banco. Aí, os caras da tesouraria de banco foram
encolhendo, e quem fazia risco passou para multimercado.
O fundo de renda fixa tradicional continua sem correr risco.
Os bancos estão fora do jogo, não correm mais risco. Você
tem um agente correndo muito risco, que são os fundos
multimercado. Acho que o volume dos fundos sem risco vai
cair e passar um pouco para o multimercado, que vai
continuar tomando muito risco. Na ponta da inovação, os
fundos quantitativos estão chegando.

Vocês planejam investir nessas estratégias


quantitativas?
Luis Garcia: Sim, estamos avaliando a sistematização de
algumas estratégias.

Os modelos quantitativos acabam gerando trades de


mais alta frequência. Ou não necessariamente?

Luis Garcia: Tem modelo para tudo que é gosto. Tem


modelos que dão 20 sinais por dia e outros que dão um
sinal a cada 20 dias. Há modelos com janelas de tempo
maiores, que usam componentes econométricos, da
economia real, que são os de tendências mais longas. É
difícil dizer, hoje, se aumentou ou diminuiu a frequência
com que cada um desses sistemas entra no mercado. Mas
os modelos sistemáticos, em geral, amplificam as
tendências. Quando o mercado está em uma tendência
ruim, eles amplificam a queda. Quando o mercado está em
uma tendência boa, eles amplificam a alta. Eu sempre digo,
seja no computador, seja no humano, o trade mais difícil de
se fazer é o da inflexão. O momento em que o mercado vai
virar. É reconhecer que já subiu demais e agora vai mudar a
tendência ou que já caiu demais e vai começar a se
valorizar. É difícil o ser humano passar essa percepção para
o computador, um conjunto de regras que determinam essa
inflexão. O normal é o trend following, no qual se aproveita
para surfar a tendência. Agora, identificar a reversão da
tendência… Há modelos que predizem quando é a hora da
tendência acabar, mas o success ratio deles é muito menor.
O payoff é diferente. É aquilo que sempre falamos. Se
alguém consegue surfar em uma tendência boa não precisa
ficar preocupado com a virada da tendência. Se já surfou
bem a tendência, na hora em que ela virar só perderá um
pedaço do resultado. O bom identificador de tendências no
início é muito mais valioso do que aquele que identifica o
fim da onda.
Qual o impacto que vocês viram do trading
quantitativo nos Estados Unidos, em termos de
volatilidade e volume?

Luis Garcia: O mercado americano é muito mais


automatizável do que o brasileiro. Programam um robozinho
para detectar toda vez que aparecer a palavra Trump e
China. Aí, montam uma série de regrinhas e o mercado fica
com 500 mil robôs para 500 mil combinações de palavras,
de padrões de mercado, de liquidez. O mercado americano
tem essa facilidade. Esses caras aumentam a liquidez do
sistema, mas amplificam a volatilidade. Todo mundo está
sempre engatilhado para operar. Por exemplo, se a liquidez
subiu 50% em relação ao período anterior ou se saiu algo no
noticiário, o robô vai executar. É um ambiente
completamente diferente do que tínhamos antes. O gestor
compete com uma máquina que vai tomar decisões muito
mais rápidas. Dependendo da combinação de palavras de
uma notícia, o robô vende as posições em 30 segundos, não
importa o preço. Ninguém precisa ser mais rápido que
aquilo para vender. O que precisamos entender é se isso é
realmente uma oportunidade e qual o próximo movimento
do mercado. Então, é um ambiente mais difícil, sem dúvida
alguma. Temos de nos preparar. Só que essa nova realidade
funciona melhor no mercado americano. No brasileiro, essas
novas ferramentas são muito mais complexas de se
implementar. Tem um leque maior de possibilidades de
notícias e outros fatores que podem influenciar o mercado.
São complicações que precisamos entender para ficarmos
menos atrasados no mercado global e nos posicionarmos
em função disso. Pode chegar uma hora na qual o headline
risk esteja tão alto que é melhor não termos risco. Ou, em
outro momento, podemos analisar que o fundamento
macroeconômico está tão bom que ele vai prevalecer sobre
o headline risk . Nesse caso, vamos entrar.
Com tanta informação disponível, inclusive no
Twitter, como vocês filtram os ruídos?

Luiz Fernando: Acho que é difícil dar uma resposta objetiva.


Lógico que nós prestamos atenção a essa quantidade
imensa de informação, mas o que isso significa na nossa
função de reação? Se estivermos em um período onde a
formação de preço dos ativos seja feita no fundamento
macroeconômico, essa profusão de informações influencia
menos. É o que chamamos de melhor quadro de risco. À
medida em que entramos em um período de maior headline
risk , com maior risco político, risco de eleição, a qualidade
do risco piora muito. Então, nesse admirável mundo novo,
temos de prestar atenção a isso. Temos de fazer o dever de
casa, a fundamentação. Precisamos estar super convictos
de que o fundamento está apontando para aquela direção.
Mas, se estivermos em uma época de muito headline risk,
teremos de fazer uma posição menor, porque a qualidade
do risco é pior. Isso não conseguimos controlar ou prever.
Podemos ter quatro, 40 ou 400 economistas e ninguém vai
conseguir dizer qual a próxima coisa que o Trump vai
“twittar”. Esse conceito de qualidade do risco veio para ficar
e respeitamos muito. Aliás, sempre foi verdade. Sempre em
época de eleições, montávamos um cenário macro que
estava uma beleza, mas aí vinha uma pesquisa eleitoral de
surpresa que complicava o cenário. Agora, temos esses
extremos frequentemente. Acho que depois da eleição do
Trump a piora da qualidade do risco é um novo paradigma
de mercado.

Em 2015/2016 o Brasil flertou com o risco de


insolvência da dívida pública. Como é para vocês,
fazendo a gestão de recursos para terceiros, conviver
com esse risco?
Luiz Fernando: Nós dependemos de um mandato. Quando
temos um fundo com dinheiro local, em CDI, por exemplo,
tudo bem. Outra coisa é o investidor lá de fora que investe
no Brasil. Este risco cross border tem que ser considerado.
Não só o cambial, mas o cross border também. Ficar
preocupado com a insolvência da dívida pública é um papel
mais do gestor de wealth management , que é quem gere o
dinheiro global do investidor.

Luis Garcia: Não há como fazer gestão de recursos sem ter


uma parte considerável em dívida pública. Quando se faz
operações de futuros, é necessário depositar margem em
títulos públicos. Então, precisamos ter títulos públicos
anyway . Num cenário ruim, tentaríamos reduzir ao máximo
a posição em dívida pública, mas mesmo assim não íriamos
conseguir reduzir muito, por causa das exigências de
demanda de margem. E mesmo quando você faz uma troca
de duration , colocando em vencimentos mais curtos, isso
pode ser um tiro no pé. Quando acontece um default , todos
os preços vão para o preço nominal. Em um título com
duration mais longa, você comprou um título a 70% do valor
de face antes do default , agora ele cai para 40%. Na ordem
do default, todos os títulos negociam no preço nominal.
Então esse encurtamento muitas vezes pode ser um tiro no
pé.

Como foi para vocês passar por várias crises


importantes, não só locais, como lá de fora?

Luis Garcia: É curioso você falar isso, porque temos, seja no


mercado brasileiro, mas sobretudo no exterior, uma geração
inteira que ficou desacostumada à volatilidade. Depois da
crise de 2008, a interferência na política monetária e um
crescimento muito anêmico no começo da retomada
produziu uma janela de baixa volatilidade em dez anos.
Quase dez anos. Então, você teve uma geração de traders
que nunca viu grandes volatilidades. E, sem dúvida
nenhuma, ter passado por todos estes eventos, para quem
tem mais cabelo branco ou pouco cabelo, foi muito
importante. Um gestor acostumado a um ambiente de baixa
vol, fica perdido quando a vol sobe. É como falar de um
capitão de embarcação de rio contra um de embarcação de
mar. O cara do rio, se colocar no mar, afunda o barco. Não
tem jeito, ele não sabe como lidar com as ondas. Então é
muito importante ter quem já passou por isso para ter
aquela função de reação super ágil. Mas, ao mesmo tempo,
é importante também entender quanto o local, o ativo ou o
mercado em que se está inserido mudou.

Luiz Fernando: Aqui no Brasil, o câmbio tem subido, mas em


uma dimensão completamente diferente do que era antes.
Antigamente, o país não tinha reserva cambial e tinha que
fazer toda a resposta a uma crise na taxa de juros. Agora
temos reservas internacionais grandes, então a resposta
nos juros pode ser menor. Em outro momento, tivemos um
Banco Central que perseguiu uma meta de inflação que não
era a do target, com uma credibilidade de política
monetária muito menor do que recentemente. Então, você
precisa ter esse mix de ter vivido a experiência e entender o
que é diferente agora. Não há mais uma resposta
automática: os juros sobem, o câmbio sobe. Acho
importante ter experiência, mas com a cabeça ajustada
para a nova realidade, para a nova condição de mercado.

Capítulo 10

JOSÉ TOVAR E BRUNO GARCIA  |


TRUXT INVESTIMENTOS

J osé Tovar e Bruno Garcia são, respectivamente, CEO e CIO


da TRUXT Investimentos, e lideram uma equipe de 40
profissionais voltados para a gestão de fundos de ações e
macro.

Tovar, como está estruturada a equipe de gestão do


fundo macro da TRUXT?

Tovar: O nosso fundo multimercado macro é livre para fazer


qualquer coisa. Operamos tanto no Brasil quanto no
exterior. Obviamente, a nossa vantagem competitiva é
Brasil, porque podemos falar com a autoridade monetária,
com os reguladores, com os CEOs e com os grandes
economistas. Então, nossa vantagem é Brasil. Mas
queremos também aproveitar movimentos globais. A gente
é menos profundo em casos internacionais do que locais,
mas queremos ter os dois. Para isso, temos um time de
gestão de macro razoavelmente grande. Temos dois
portfolio managers focados em Brasil e dois portfolio
managers de mercados offshore . Um deles é responsável
pelo risco para mercados emergentes e outro para
mercados G10. Mas o risco dessa caixinha de offshore é
menor do que a caixinha de Brasil. Na verdade, temos
aumentado gradualmente o risco de offshore a partir do
momento em que começamos a ficar mais confortáveis
nessas operações. Mas eu ainda acho que o investidor é um
pouco mais tolerante se eu errar alguma coisa no Brasil do
que lá fora. Não usamos ações no fundo macro, só índice
futuro. Mas o fundo macro compra 15% do fundo Long &
Short. Temos, além dos quatro portfolio managers , três
economistas apoiando a análise macro de Brasil e três
apoiando a equipe de offshore. De manhã, os analistas e os
portfolio managers conversam sobre todos os temas. Todas
as observações do dia anterior, do overnight , da abertura
na Ásia, da Europa são discutidas. Os temas de interesse
são discutidos secundariamente em reuniões menores
depois. Mas tudo o que a casa sabe é discutido nessa
reunião. Não se discute posição exatamente, não se discute
detalhes da posição, mas o que se pretende fazer. Além
disso, eu convido a turma de vendas, risco e compliance
para se atualizarem. Eles ficam por dentro do que a gestão
está pensando, e os comerciais passam para os cliente.
Outro ponto que dedicamos muito tempo é com seleção e
treinamento. A gente gosta muito de treinar estagiários high
potential para formar gente na casa.

Cada gestor tem um pedacinho do risco alocado ou é


um book consensual?

Tovar: O book de Brasil é consensual entre dois gestores


bastante experientes. Eles debatem posições no Brasil junto
com os economistas. Eu me dedico a contatos com analistas
políticos, com gente mais sênior por aí afora. Eu trago essas
informações e repasso para os gestores. Como o book
offshore é menor, se existir uma grande ideia offshore que
não cabe no limite, analisamos. Se a área de Brasil quiser se
apropriar dessa ideia e expandir a exposição, dado que tem
um limite muito maior, pode. Tudo coordenado com a área
de risco, que fica full time olhando isso. 

Bruno, os diversos mercados funcionam de forma


muito diferente?

Bruno: Conforme você vai trabalhando e pegando


experiência, vê que o mercado se comporta de forma muito
parecida. Há determinados vieses e formas comuns, tanto
em ações, quanto em moedas, juros ou títulos privados. A
forma como as pessoas operam, como reagem, como zeram
posições, como gerenciam emoções e ganância, como
capturam os movimentos, como reagem ao medo quando
as coisas acontecem ou frente a crises… Talvez, isso seja
comum a todos os ativos, embora cada ativo tenha
especificidades.
Como vocês analisam o cenário macroeconômico e
como traduzem isso em estratégias?

Bruno: O primeiro passo é construir um cenário. Os


mercados estão cada vez mais interligados. No passado,
não era assim. Gestores macro brasileiros se preocupavam
com o Brasil, com inflação no Brasil e PIB. A parte externa
não era tão importante. Uma boa construção do portfólio
passa por uma boa construção do cenário, que passa por
algum entendimento do que está acontecendo no mundo,
em especial com as economias desenvolvidas. Se
colocarmos em perspectiva, o Brasil tem cerca de 0,5% de
representatividade no mercado acionário global. Por mais
que a gente vá bem ou mal, o que acontece com esses
99,5% lá fora acaba nos arrastando. Tem que acontecer algo
muito forte no Brasil para que a gente consiga se descolar
do resto do mundo. Independentemente do cenário inicial,
temos que olhar para fora. O ideal é tentar entender em que
parte do ciclo estamos, lembrando que o mundo é feito de
ciclos econômicos, aquecimento e desaquecimento. Tem a
ver com inflação, com atividade e outros indicadores.
Estamos passando por um momento de final de ciclo, no
qual o mundo está desaquecendo, e as perguntas que ficam
é se vamos parar numa recessão ou em um crescimento
mais lento. Por trás dessa percepção, você faz as condições
de contorno. O mundo tem um excesso de dívida muito
grande. Por outro lado, tem uma taxa de juros muito baixa,
até negativa, em quase 20% dos títulos mundiais, em
especial nos países desenvolvidos. Ou seja, estamos
tentando ver o momento do ciclo, quais são as situações de
contorno, taxa de juros, inflação, crescimento e como isso
impacta os ativos brasileiros, que é um país emergente,
exportador de commodities, com uma conta-corrente
pequena. Ou seja, um país muito fechado. Tudo isso é
levado em consideração na hora de construirmos o cenário
dos ativos brasileiros. Claramente o que mais impacta o
dólar/real é a aversão de risco lá de fora, o movimento de
fortalecimento ou enfraquecimento do dólar global e das
moedas de emergentes. A ideia é ver se existe alguma
assimetria, algum ativo que se possa operar, seja comprado
ou vendido, e que tenha expectativa de ganho maior do que
de perda. Ou seja, uma probabilidade maior de ganhar do
que de perder. A vantagem de um gestor macro é que ele
pode buscar essas assimetrias nos mais variados mercados.
Você pode operar renda variável, moedas, juros,
commodities, títulos privados e por aí vai. A ideia é: “Dada
minha visão do cenário, dado o que eu acho que vai
acontecer com o mundo, como os ativos estão precificados?
Vejo algo muito diferente do que o mercado está vendo?
Tenho alguma percepção de valor de algum ativo muito
diferente do que o mercado está vendo?”. O grande ganho é
quando você tem uma opinião muito diferente do mercado,
é quando o mercado acha que o cenário é um e você acha
que o cenário é outro. Ou quando você acha que as coisas
não são daquela forma que o mercado espera. Você
consegue apostar nisso com convicção através de algum
ativo líquido que expresse isso. Se, eventualmente, você
estiver certo e o mercado estiver com a leitura errada, você
ganha muito dinheiro. Isso é o que todo gestor busca pegar.
É mais ou menos o que a gente tenta fazer. Determinadas
estratégias ou estilos de gestão são interessantes. Em
alguns momentos tenta-se descobrir a tendência e montam-
se as posições. À medida em que as coisas vão evoluindo,
aumentamos as posições. Vamos como se fosse ao sabor da
onda. Geralmente é isso que a maioria dos gestores macro
faz. Pegam grandes temas globais. Por exemplo, um tema
global é o aumento da internet, o aumento da Inteligência
Artificial, novas tecnologias, disrupção... Com isso, as ações
ligadas à internet, especialmente da área de tecnologia,
têm ido bem. Então você compra aquele determinado tipo
de ativo apostando que aquela tese estará certa. Vai
capturando essa tese até o momento em que ela deixar de
funcionar ou até o momento no qual os ativos já estejam
100% precificados. Quando a tese está 100% precificada,
todo mundo já sabe dela, e as coisas podem ir contra. Acho
que a maioria dos gestores macro costuma ter esse tipo de
posicionamento. E tem os contrarians , que vão contra a
maré. Eles tentam pegar a faca caindo. Ou seja, ir um pouco
contra a manada. O gestor pode dizer: “O preço do ativo
está tão descontado que vale a pena eu ir contra a maré,
vale a pena eu apostar que o cenário não vai ser tão ruim
assim. Porque, caso eu esteja certo, de repente os ativos
vão dobrar ou triplicar de preço e, caso eu esteja errado, eu
já tenho muita coisa no preço”. Esses são os dois grandes
estilos e o gestor pode fazer um pouco das duas coisas.

Então vocês não se consideram nem contrarians ,


nem trend-followers ...

Bruno: Exatamente. O melhor gestor, tanto para macro


quanto para renda variável, é aquele que não tem
preconceito e se adapta às situações. Moramos no Brasil e o
cenário muda tão rápido que ser fiel a um determinado
estilo e operar da mesma forma a vida toda não tem a
mesma eficiência nos diversos ciclos. Você tem que se
adaptar em função do ponto do ciclo em que estiver. Vou
puxar o gancho agora para ações. Determinados gestores
dizem: “Só compro ações de empresas de qualidade,
empresas privadas, que têm um management excelente”.
Em 2014 e 2015 isso foi muito bom, porque o cenário
estava muito ruim. As empresas que eram vistas como
premium se desvalorizaram muito pouco com o mercado
caindo. Esses mesmos gestores, depois do impeachment,
não compraram ações de empresas estatais, por exemplo,
que tiveram desempenho fantástico em comparação com
outras conhecidas por ter melhor gestão. Eles também não
compraram empresas ligadas à internet, porque, talvez, o
valuation fosse mais etéreo, mais difícil de precificar. O bom
gestor é aquele que tem capacidade de se adaptar e de
fazer as operações adequadas ao cenário, e não aquele que
fica escravo de uma estratégia só e de uma forma de
operar.

Tovar: A gente já ficou comprado em juros, tomado em


juros, comprado em dólar, vendido em dólar, pessimista,
otimista... Tem de tudo. Não temos um viés para lá ou para
cá. Essa é a beleza do multimercado. Você pode ganhar em
qualquer direção. Mas, para se olhar o desempenho, é
preciso analisar o longo prazo. Pelo menos 5 anos. O cliente
local, porém, é muito imediatista.

E como saber se a estratégia adotada foi adequada


ao cenário?

Bruno: Nunca sabemos. Temos que tomar decisões sempre


com base na incerteza. São dois os grandes segredos de
operar: saber dimensionar as posições corretamente e não
ser teimoso. Se você quer pegar uma faca caindo, e coloca
todas as fichas neste movimento, não vai ter estômago para
aguentar até o fim. E lembre-se que não é o seu dinheiro. O
fundo é de cotistas que olham o valor da cota todo dia.
Dependendo da percepção deles sobre o seu trabalho, eles
podem sacar o dinheiro. Então, se o gestor pensa que está
certo e que todo o mercado está errado e começa a
aumentar posições que estão caindo, ele será parado pelo
limite de risco do fundo ou pelos cotistas que vão sacar o
dinheiro. Neste caso, o gestor pode até estar certo, mas não
vai conseguir ganhar. A pior coisa é estar certo e não
ganhar. A teimosia é outro fator que atrapalha muito. O
gestor bom é aquele que não tem amor às posições e que
consegue reavaliar os cenários. Caso a tese dele não esteja
mais válida diante das novas circunstâncias, não há o
menor problema em desfazer as posições e mudar a
carteira. Quando olho alguns gestores macro mostrando a
opinião em Twitter, Instagram e palestra, com uma
exposição muito grande, vejo uma armadilha. Já é super
difícil mudar de ideia e zerar posições. Se você torna pública
sua avaliação e, depois, ela está errada, a resistência a
mudar o rumo será muito maior. Então, o dimensionamento
correto de posições e a flexibilidade para mudar de ideia em
função de um cenário novo são elementos importantes para
um gestor, especialmente os que estão apostando contra a
manada.

Como vocês monitoram a performance do fundo?

Tovar: A gente se compara a tudo. A gente olha a indústria,


todos os nomes que a gente respeita, todo dia. Olhamos a
nossa volatilidade ajustada à volatilidade dos concorrentes,
nosso resultado, nosso Sharpe. Tudo é comparado o tempo
todo. Finalmente estamos vivendo um período de juros mais
civilizados, que podem ser sustentáveis pelos próximos
anos. Isso expõe um investidor acostumado a deixar
dinheiro no CDI e receber 1% ao mês a um cenário novo.
Hoje o investidor está sendo obrigado a estender o
horizonte de investimento, a tolerar a volatilidade, a
entender o perfil de risco. Muitos clientes dizem topar correr
risco, mas no primeiro drawdown resgatam o dinheiro. Uma
coisa interessante é o que o investidor deixa na mesa de
linha d’água. O fundo anda, aí ele investe. O fundo tropeça
em alguma coisa, o que é normal, aí ele saca. Só que ele
saca deixando a linha d’água. Aí o fundo anda e ele investe
de novo. Consequentemente, ele tira toda a linha d’água
que o protegia. Muito mais inteligente, para o investidor, é
ver o perfil de risco, escolher um bom fundo e investir com
um horizonte de prazo maior. Faz mais sentido do que ficar
escolhendo o melhor fundo dos últimos seis meses. O fundo
tem cota todo dia. Todo dia a gente é julgado. O nosso
negócio é de uma dedicação extrema. Do lado do cliente,
ele precisa entender que nem em todos os dias as cotas são
boas. Você tem que analisar esse gestor ao longo de um
período. O gestor tem que ter experiência, tem que ter anos
de track record , tem que ter passado por muitas crises e
muitas experiências.

Vocês têm privilegiado algum tipo de passivo


específico?

Tovar: Procuramos diversificar o passivo. Os grandes


distribuidores e private banks são um passivo qualificado.
Eles entendem do assunto, mas há um banker por trás. A
gente gosta também do passivo dos grandes family offices .
O terceiro passivo que a gente gosta é o passivo
institucional, que requer uma atenção diferente. A outra
diversificação, obviamente, são as plataformas digitais e
agentes autônomos que pulverizaram o mercado e estão
tirando um pouco dos clientes dos grandes bancos. Por
último, o passivo internacional. Uma coisa muito importante
para nós é ter um ROA, return on assets , adequado.
Capacity é uma preocupação. Não queremos ser uma
gestora muito grande, porque dificulta a movimentação de
entradas e saídas nos ativos e cai a performance. Aí você
vira um coletor de taxa de administração e sabemos como
isso termina. Reduz a performance. O gestor pode até ficar
rico, mas o negócio vai embora. Não é um projeto vencedor
no longo prazo.

O fundo macro tem maior capacity que os outros


fundos da casa?

Tovar: Apesar de no fundo macro você poder investir lá fora,


o negócio ainda fica muito preso aos juros do Brasil, que
têm movimentos gigantes, e ao câmbio. Estamos investindo
no offshore para aumentar a capacidade, mas primeiro a
gente tem de aumentar a confiança na gestão. Primeiro
comprovo isso e depois aumento o capacity . Acho que a
gente vai sempre ser um gestor de Brasil, que tem muita
oportunidade. É um país emergente, tem volatilidade e
muito potencial de crescimento.

A flexibilidade do fundo macro faz com que a TRUXT


tenha um giro maior de posições?

Bruno: Não. Enquanto as teses estiverem válidas, não tem


por que ficar alterando as posições. Você movimenta
quando acha que está errado ou quando a assimetria já não
é mais positiva, quando o que tem a ganhar é próximo do
que tem a perder. Salvo essas duas situações, não tem
motivo para ficar girando posição.

Para montar uma posição, além da tese, o timing faz


diferença?

Bruno: Por incrível que pareça, começar a operação


ganhando dá um conforto maior de aumentar. Se começar
perdendo, você vai ter de testar a sua convicção logo na
largada. A grande beleza de fazer gestão é saber lidar com
isso. E quanto mais vezes você repete esse processo, mais
experiente fica e menos sujeito a cair nessas armadilhas.
Então, ganhar dinheiro logo na primeira boleta é super
importante. Dá mais confiança. Minha convicção para
apostar contra hoje será menor se eu tiver perdido dinheiro
ontem em outra aposta contrária ao mercado. Isso é
natural, mas não deveria ocorrer. É importante saber que o
que aconteceu ontem já está na cota. Temos que tomar as
decisões de hoje em função dos cenários e preços de hoje. É
lamber as feridas e olhar para a frente. E essa capacidade
vem com o tempo, com a experiência. Você repete esse
jogo inúmeras vezes e, na medida do possível, vai ficando
bom.
Horas de vôo fazem diferença... Para acertar o timing
, vocês usam análise técnica, além da
fundamentalista?

Bruno: Eu não uso. Não conheço e não gosto. Não é que a


análise técnica não funcione. Na verdade, funciona se as
pessoas acreditarem que funciona. Algumas pessoas
convencionaram determinadas regras de comportamento do
mercado. Toda vez que acontecer isso, a consequência é
aquela, e aí elas passam a operar dessa forma. E acaba que
muitas vezes dá certo. Apesar de saber que muita gente
boa opera dessa forma, nunca fiz e não uso.

Vocês também monitoram como outros fundos estão


posicionados?

Bruno: Sim. É interessante para validar suas teses. De


repente, você acha que descobriu a pólvora, olha para o
lado e está todo mundo usando a pólvora há muito tempo.
Então, não tem motivo para fazer uma aposta grande
porque está todo mundo apostando na mesma coisa. Por
outro lado, quando você tem uma posição diferente dos
outros, vale a pena ouvir pontos de vista de terceiros, que
fazem você repensar. Sou a favor de conversar com os
outros, sim.

Tovar: Testar o conceito, a gente faz internamente. Por


exemplo, você tem reuniões sobre as posições e todo
mundo dá sua opinião. Você já testa internamente. Eu acho
que é mais para formar a opinião. Falo com os parceiros
próximos, que fazem a mesma coisa que a gente. Você
troca opinião com todo mundo. O networking é importante.
Quando você não dá nada, ninguém mais quer dar nada a
você. Então, tem que trocar. Obviamente, mantidas as
confidencialidades, mas você pede opinião e dá opinião.
Incorpora algumas coisas que não estavam no seu
raciocínio, corrige outras que acha que estava fazendo
errado, mas as teses mesmo são discutidas internamente.
Se discute o assunto e se forma esse consenso. Se você
consegue antecipar o consenso, você ganha dinheiro. Você
não consegue ganhar dinheiro apostando após ler o caderno
de economia dos jornais. O que foi para o jornal é passado.
O ideal é acertar a manchete do jornal de amanhã. Essa é a
dificuldade.

Hoje em dia, muitos gestores, não só pensadores de


mercado, estão no Twitter compartilhando ideias.
Vocês acompanham pensadores econômicos ou
grandes gestores nas redes sociais?

Bruno: Com certeza. Acompanhamos o que muitos


profissionais de renome falam. Só não gosto de me
posicionar tanto, pois acho que coloca o gestor numa
situação em que ele fica atrelado ao que falou, ficando
muito difícil mudar de ideia. É interessante saber o que está
acontecendo e o que o mercado está achando. Dificilmente
teríamos acesso a essas pessoas para saber qual a opinião
delas a respeito do mercado. É interessante ler o que eles
escrevem, mas não é o nosso norte.

Tovar: A gente é influenciado o dia inteiro. Eu filtro essas


informações, tanto falando com consultores, com
concorrentes ou lendo na mídia social. O que atrapalha é
que tem informação demais. Eu leio mil tweets por dia. Ao
final do dia, o jogo é esse: filtrar tudo o que você lê e chegar
a uma conclusão. Só acerta quem antecipa.

Como filtrar o que é ruído e o que é sinal?

Bruno: Discutindo, conversando. Acho que é da experiência


também. É saber interagir dentro de uma equipe e
relativizar o que é importante a cada momento. É óbvio que
existem variáveis muito importantes. Níveis de liquidez
mundial, níveis de crescimento do PIB mundial… Esses
dados são importantes em qualquer cenário. Mas há
determinados momentos em que uma notícia política do
outro lado do mundo é muito importante e, em outros, essa
notícia não é tão importante assim. Depende da experiência
do gestor.

Com mais informação fica fácil ou difícil acertar e


obter bons resultados?

Bruno: Fica cada vez mais difícil, porque o mercado está


mais eficiente. Cada vez mais há pessoas capacitadas
cobrindo os mesmos eventos, com acesso a mais dados e a
informação em tempo real. A Inteligência Artificial está
sendo usada também, especialmente lá fora. Está cada vez
mais difícil ganhar dinheiro.

Tovar: Depende de quais serão as oportunidades daqui para


frente. Se tiver volatilidade com uma tendência mais
definida, o mercado ganha. Quando o mercado fica
oscilando sem direção por muito tempo, a indústria não vai
bem. É difícil acertar. Outro ponto é que se o Brasil tiver
uma trajetória positiva na sua economia, os multimercados
vão perder importância para os fundos de ações, para
private equity , pois mais empresas vão se capitalizar no
mercado. O governo vai deixar de tomar toda poupança
privada para si com juros altíssimos.

Além de conversar com outros gestores, vocês


monitoram outros fundos quantitativamente?

Bruno: Sim. A gente verifica determinados fluxos,


regressões de cotas nos principais fundos, com os principais
ativos. Mas isso não é determinante para fazermos ou não
uma aposta. É mais um dado auxiliar que vai nos ajudar a
entender a posição técnica do mercado, o quão posicionado
o mercado está para aquela tese.

Como seria a melhor maneira de o cotista avaliar os


fundos da TRUXT?

Tovar: O cotista tem que avaliar que tipo de risco eu corri


para ter aquela rentabilidade. Em geral o cotista não vê
isso, ele vê quem acertou. Acho muito importante ver como
o fundo acertou. Se acertou correndo um risco alto e deu
sorte. Um gestor não vai dar sorte sempre na vida. Tem que
ver se o risco foi calculado, planejado e se o fundo acertou
mais do que errou. Esse deveria ser o grande teste. Como o
gestor passou essa ou aquela crise? Se ele quase quebrou,
não é o cara que o cotista deveria querer. Quanto ele
ganhou, obviamente, é importante, mas como ele ganhou é
muito relevante no processo de avaliação.

Como funciona a cabeça de vocês quando o fundo


toma um drawdown maior? Vocês pisam no freio ou
tentam mentalizar que nada aconteceu?

Bruno: O que acontece, e é natural que aconteça dessa


forma, é esmiuçar mais e mais as suas teses. Você deve
tentar olhar do zero e não ficar preso ao que aconteceu. Na
TRUXT, não temos stops automáticos, o que determinados
gestores têm. Quando a posição cai mais de X por cento,
eles zeram a posição sem nem pensar. Aqui, sentamos,
discutimos e podemos até zerar a posição se for o caso,
mas não é um processo automático. O que fazemos é
dialogar ao extremo. Avaliamos todos os pontos de vista.
Tentamos entender por que perdemos e quem está
apostando contra a gente. Levamos em consideração os
dados e cenários para validar a nossa posição. Se
soubermos que estamos certos, a gente mantém e adequa
o tamanho das posições ao risco. Parametrizamos uma
posição em função de quanto ela pode oscilar. Analisamos
cenários de stress, o quanto uma posição pode perder ou
ganhar. Depois de uma crise, esses parâmetros mudam. É
razoável que você parametrize novamente as posições para
tentar se manter no jogo em função daquele novo patamar
de volatilidade. Mas não temos um stop automático.

Existe subjetividade na análise macro? Como


equilibrar subjetividade e objetividade?

Bruno: Entender o cenário corrente é importante, mas o que


todo mundo quer fazer aqui é descobrir o que vai acontecer
para a frente. É um pouco de previsão com relação ao
futuro. Ninguém tem bola de cristal. A gente usa a
experiência para prever o que deve acontecer no futuro.
Antecipar como as pessoas devem reagir a um fato. O que
queremos antecipar, na verdade, não é o cenário, mas o
preço que os ativos financeiros terão no futuro. Isso, óbvio,
depende do cenário e de como as pessoas vão reagir. É um
jogo de antecipação. Eu quero antecipar o que as pessoas
vão achar daqui a uma semana sobre o estado da
economia. É óbvio que, se eu souber como vai estar a
economia, é fácil antecipar o que os outros vão achar sobre
a economia. Essa definição é importante. Mas, às vezes,
você acerta o cenário e acaba errando a estratégia ou a
forma como achou que o mercado iria reagir. Por exemplo,
se sai um número de PIB com crescimento espetacular,
digamos 3,0%, você pensa que a bolsa deve subir. Mas, se
todo mundo achava que o PIB fosse subir 4,0% e ele veio
3,0%, por mais que os 3,0% sejam bons, estão aquém do
que o mercado esperava e a bolsa vai cair.

Como vocês veem o futuro dos fundos macro?

Tovar: O fato é que fundos macro, como um todo no mundo,


vêm perdendo tamanho e relevância. Eu vejo isso cada vez
mais lá fora. Cada vez menos gestores de hedge funds
macro estão conseguindo ganhar dinheiro, se diferenciar e
entregar um bom retorno para os cotistas ao longo do
tempo. Vem sendo um desafio grande no exterior. Aqui no
Brasil ainda estamos um passo atrás, muito macro e pouca
renda variável. Um percentual grande dos recursos no
mundo estão sendo investidos em ações de forma passiva.
Simplesmente você vai lá e compra uma cota de um fundo
atrelado a um índice. Não tem gestão, não tem
conhecimento algum ali. Mas as pessoas acham que aquela
economia de custo compensa porque o gestor, na média,
não consegue justificar a taxa que ele ganha. Esse
fenômeno aconteceu muito em fundos macro no exterior.
Aconteceu em fundos de renda variável. Pela curva de
captação de fundo ativo e de fundo passivo, estima-se que
em 2021 e 2022 vá existir mais fundo passivo do que fundo
ativo no mercado mundial. Pode também ser um processo
cíclico, no qual o mercado ficou eficiente, os fundos macro
desapareceram. Os fundos de gestão ativa de ações
tenderiam a diminuir. Sobraria pouca gente e o trabalho dos
gestores ficaria mais fácil, por haver menos competição,
abrindo oportunidade para se gerar alpha de novo. Aí,
ocorreria a tendência contrária, de aumentar os fundos
ativos. Seriam ciclos ao longo do tempo.

Em geral, vocês acham que quando os mercados


estão em alta, a gestão ativa fica mais em voga do
que quando os mercados estão em baixa?

Bruno: Eu não tenho essa certeza. Para o gestor de ações


costuma ser mais difícil bater um índice que está subindo
do que caindo. Existem determinados papéis que são
representativos no índice, mas os negócios dessas
empresas não são tão bons assim. Gestores de ativos estão
comprados na maior parte das vezes em empresas de
qualidade, que têm um diferencial de gestão. Aí, esses
gestores podem não pegar a alta com a mesma intensidade
do índice.

As Assets independentes podem ter equipes bem


menores que bancos, e às vezes menos acesso, por
exemplo, a reuniões com o Banco Central e com o
Ministério da Fazenda. Como vocês veem isso?

Tovar: Em compensação, temos a capacidade de nos


movimentar de forma mais ágil, e um pool de recursos
atrativo para reconhecer e trazer os talentos para dentro de
casa, diferentemente de um banco grande. Como os bancos
têm grande acesso ao fluxo de clientes, eles conseguem de
alguma forma ter um sentimento maior do curtíssimo prazo
no mercado. Mas isso vale pouco para montagem de
cenário e de posições. Hoje a informação está
extremamente disseminada, o difícil é filtrar tanta
informação.

Mudando de assunto, quais foram as crises e


momentos de mercado mais difíceis e o que vocês
aprenderam com cada um deles?

Bruno: Crises te deixam experiente, calejado. Você sabe que


o mundo não vai acabar e que pode manter a calma, porque
essas coisas acontecem. Vão e voltam muito rapidamente.
Duas crises me chamaram atenção. A pré-eleição do ex-
presidente Lula, quando o dólar disparou de forma absurda.
O cupom cambial de um mês no Brasil era 10%. O mercado
tinha um grande medo do risco de fronteira. As pessoas não
queriam ter dólar futuro na B3 para receber o ajuste em
reais. As pessoas queriam ter dólar físico lá fora porque
tinham medo que as fronteiras fechassem. Foi uma crise
aguda e impressionante. O Banco Central, se não me
engano, subiu juros entre o primeiro e o segundo turno das
eleições de uma maneira importante. Alguns bancos
quebraram. Foi um aprendizado. Foi a primeira crise
importante que eu vivi de forma intensa como gestor.
Lembrando que eu comecei lá em 1998, 1999. Peguei
aquela crise, mas ainda era inexperiente para entender o
que estava acontecendo. Não tomava risco que doesse na
pele com as decisões que tomava. Uma segunda crise
incrível foi a de 2008, com a quebra do Lehman Brothers.
Também era um sentimento de que o mundo ia acabar, uma
falta de liquidez absurda, uma avalanche. Basicamente as
pessoas vendiam os ativos que tinham para pagar resgates
e aqueles que estavam comprando tinham preocupação
grande porque iam comprar os ativos que os outros
estavam vendendo para pagar resgates. Mas, no dia
seguinte, eles podiam ter que vender aqueles mesmos
ativos para pagar os resgates deles próprios. Não era um
jogo de quanto valiam os ativos. Era um jogo de qual era a
minha capacidade de carregar esses ativos. Era um jogo de:
“Será que a economia mundial vai permanecer solvente?
Será que é um castelo de cartas? Qual o meu risco de
contraparte?”. Eram coisas absurdas. Você se preocupava
não só com o seu derivativo estar na ponta certa, mas qual
era a contraparte do seu derivativo para ter certeza que ia
receber de volta o ajuste positivo do ganho do derivativo.
Foi uma crise intensa. O lado bom foi que essas duas crises
foram rápidas. Não demoraram tanto tempo assim e
geraram oportunidades interessantes depois. Foram as duas
piores crises que eu já vi no mercado: a pré-eleição do ex-
presidente Lula e a crise de 2008.

Com essa experiência, você tem um viés otimista de


que os problemas econômicos, em algum momento,
serão resolvidos pelos policy makers ?

Bruno: No passado, esse foi o caso na maior parte das


vezes. Se existe a crise, se existe o pânico, naquele
momento não se sabe se vai continuar sendo o caso. A crise
vem com a percepção de que, naquele momento, as coisas
não terão solução. É estudar o cenário e manter a frieza,
tentar não se influenciar pelo quanto a sua cota está caindo
ou por quanto as suas posições estão perdendo. Manter a
capacidade de tomar decisões na crise é importante.

Você consegue visualizar se o mercado está esticado,


se está em um cenário de pré-bolha?

Bruno: É superdifícil, e é até por conta disso que as bolhas


se formam. Geralmente, elas estouram quando todo mundo
reconhece que não era uma bolha. Quando todo mundo
joga a toalha e fala: “De fato, deve ser isso mesmo, não tem
nada de errado. Quer saber? Está todo mundo ganhando
com essa tendência, eu não posso mais ficar de fora dessa
tese”. Seu vizinho está ganhando operando ação de
internet, seu primo está tirando onda e você é o único que
está achando que aquilo não está certo, que o preço está
muito alto, que não é sustentável. Chega uma hora que
você não aguenta mais deixar de ganhar dinheiro, entra
naquela tendência e as coisas explodem. O aspecto
psicológico e o posicionamento são muito importantes.
Normalmente, as bolhas acontecem quando está todo
mundo na mesma posição e quando as pessoas param de
questionar o risco. Geralmente é o período mais perigoso
possível.

Você acha que isso tem mais a ver com o investidor


individual ou também acaba afetando um gestor de
fundos?

Bruno: Afeta todo mundo. O que queremos como gestores é


dar boa rentabilidade para o cliente. Se virmos uma
tendência positiva acontecer com determinado ativo e
acharmos que vai continuar, vamos tentar capturar e nos
posicionar para isso. Eventualmente, podemos estar
comprados no ativo que julgamos, naquele momento, estar
caro, porque achamos que alguém irá comprá-lo de nós no
dia seguinte mais caro ainda. Podemos. É um jogo
superperigoso e temos que fazer com parcimônia, mas é
feito pelos gestores, sim.

Nesse caso, existe algum tipo de trade que te anima


mais?

Bruno: É mais fácil errar junto com a manada do que errar


contra a manada. Apesar de os trades mais lucrativos serem
aqueles que você faz contrário ao mercado, eles são os
mais difíceis de serem feitos. Psicologicamente eles doem,
porque você vai perdendo dinheiro e confiança à medida
que as coisas vão contra você. É o aspecto psicológico do
investimento. Apostar contra é mais difícil do que apostar a
favor. Vai contra tudo aquilo que a gente faz como ser
humano desde que o mundo é mundo. Todo mundo corre do
fogo, você vai ficar para ver o fogo? Não, então aqui é
parecido. É difícil. É cada vez mais psicológico. É óbvio que
a economia tem um papel importante, é óbvio que desenhar
o cenário tem um papel importante, mas mais importante é
se antecipar ao que os outros vão fazer. E, para isso, você
vai ter que entender como, na média, as pessoas agem.
Ânsia, medo, comportamento de manada, ancoragem. A
bolsa bateu 100 mil pontos. Quantas matérias vocês leram
sobre 100 mil pontos? Por que 100 mil pontos é mais
importante do que 101 ou 99? Não tem importância
nenhuma, mas essas ancoragens psicológicas influenciam o
mercado. À medida que você reconhece que existe esse
viés psicológico nas pessoas, você consegue se posicionar
de forma mais efetiva.

Você chega a perder o sono ou dorme tranquilo?


Bruno: É um jogo de repetição. Você faz isso há tanto tempo
que vai se acostumando com esse sentimento. É óbvio que
tem momentos em que você fica mais nervoso, mais
ansioso. As coisas dando errado te deixam mais tenso, mas
faz parte da profissão.

Olhando para essa questão de montar uma posição,


como vocês trabalham os cenários de ganho e de
perda?

Bruno: Você tenta quantificar quanto tem a ganhar e quanto


tem a perder. Isso se faz meio que mentalmente: “Quanto
eu tenho a ganhar no cenário bom e quanto eu tenho a
perder no cenário ruim? Será que está simétrica essa
relação? O ativo é líquido o suficiente para apostar? Qual o
tamanho da posição que eu vou fazer? Como vou reagir se o
mercado vier contra? Vou aumentar?”. Então você tende a
fazer um plano de voo assim.

Quando os prêmios de mercado caem, vocês ficam


esperando o próximo stress de mercado?

Bruno: O mercado é cíclico. É quase certo que vai haver


alguma crise nos próximos 12 meses e que naquele
momento as pessoas vão ficar desesperadas e que o
mercado vai atribuir um prêmio grande àquele momento. O
grande segredo é você capturar as tendências de uma
forma saudável, com posições normais e conseguir estar
leve em momentos de pânico para poder aproveitar o
pânico dos outros para se posicionar. Isso seria o que todo
mundo gostaria de fazer. Pegar os momentos bons com
maiores posições e estar leve nos momentos de crise. Seria
o mundo perfeito. Mas é óbvio que haverá crises. Se
olharmos os movimentos do mercado nos últimos 20 anos...
Não sei quantos foram, mas serão muitos. Se olharmos para
a indústria de fundos no Brasil, o que me chama a atenção é
a quantidade de fundos que têm tempo de mercado, que
tem 10 anos ou mais de histórico. Isso diz um pouquinho
sobre como os gestores fazem gestão de fundos. Essa
cabeça de saber se posicionar corretamente, com tamanhos
adequados, ser parcimonioso, não ser teimoso, saber mudar
a posição, zerar posições. Ao longo do tempo, isso dá
retorno positivo, porque você está vivo e consegue apostar
nos momentos de crise. A última vez que eu vi havia mais
de mil gestoras independentes abertas. Dessas mil, quantas
estão com tamanho suficiente para manter uma equipe
bem remunerada, adequada e ganhando? De repente 100?
Quantas dessas existem há mais de cinco anos? Talvez 20
ou 30. É interessante ver como esses gestores macro que
estão no mercado há 10, 15 anos fizeram para sobreviver a
esses ciclos todos e o que aprenderam com isso. Os erros
mais frequentes que eu vi na minha vida de mercado foram
gestores que se empolgaram, fizeram posições muito
grandes, subestimaram o risco, foram teimosos e obrigados
a zerar posições no pior momento possível. Se olharmos
para trás, na maior parte das vezes as casas estavam
certas. Elas não erraram na tese. Erraram no tamanho das
posições e na gestão do risco.

Como vocês lidam com a gestão de riscos?

Tovar: O que fazemos quando pensamos o produto é que


tipo de risco eu aceito. “Para correr esse risco, que tipo de
contratempo eu preciso mensurar? Para que tipo de
contratempo eu preciso estar dimensionado?”. Vez ou outra,
o fundo terá um contratempo. É impossível garantir que não
vou ter nenhum problema. Quando você lança o produto,
ele precisa estar dimensionado para, caso aconteça uma
situação adversa de mercado, tenha o seu mandato
cumprido e respeitado. Não tem como eu falar que o meu
fundo é para render CDI mais um percentual se eu não
correr risco. E, quando eu corro risco, estou sujeito a ter
uma cota negativa se houver uma situação adversa do
mercado ou um momento de ruptura. Na verdade, o
dimensionamento é feito pensando nisso. Quando o
mercado não está muito volátil, a área de riscos sabe que
está muito abaixo do risco dado para o fundo. Mas quando
nos aproximamos do limite, ficamos em cima e todo mundo
é obrigado a reduzir as posições. Como ninguém quer zerar
posições, porque isso é ser forçado a desistir, a tendência é
que a gente diminua antes de atingir o limite. A gente
desiste da posição voluntariamente quando está errado, e
não compulsoriamente com o gerente de risco em cima.

Hoje vocês têm algum hard limit ?

Tovar: Temos. Desde o início, o nosso limite mandatório de


risco para o fundo macro é o limite de stress . Temos um
acompanhamento de VaR , que é mais um limite gerencial.
Ele, na verdade, aciona uma conversa, mas não é balizador
para a tomada de decisão. O stress test é calculado com
duas metodologias. É o pior histórico de quatro anos,
majorado em 25%. Então, é uma janela móvel de quatro
anos em que você pega o pior retorno do ativo e o
potencializa em mais 25%. E tem um stress test que
fazemos no qual damos um choque de volatilidade.
Pegamos a vol dos últimos 30 dias para todos os ativos e
damos um choque de oito vezes. A gente reprecifica o
portfólio para esses dois cenários e vê qual deles é o que
consome mais limite. Aquele é o número que você usa. No
stress , a gente não tem correlação. Se eu tenho uma
posição que é hedge , essa posição não diminui o limite que
eu estou usando. E ela não aumenta também.

Qual é a característica principal que faz com que o


time consiga dar os retornos acima da média, pagar a
taxa de administração e ainda dar retorno para o
investidor?
Tovar: É uma combinação de fatores. Tem a formação, a
dedicação e a vontade de acertar. O prazer, a vontade de
entregar um bom resultado. A equipe aqui precisa estar
dedicada full time . Nosso negócio é “barriga no fogão”. A
informação está cada vez mais abundante. Então, é
importante filtrar o que não serve e pegar o que serve. Mas,
para filtrar o que não serve, tem que se ler o que não serve.
Os fins de semana também são assim. Todo mundo aqui lê
fim de semana, estuda fim de semana e está ligado no
WhatsApp, se falando. A empresa funciona 24/7. A empresa
está aberta 24/7 para quem tem autorização para entrar e
trabalhar aqui. Se quiser, pode fazer reunião aqui num
sábado, num domingo. Tem que haver vontade de fazer o
negócio dar certo. Não estou dizendo que isso traga
felicidade. Felicidade é outra conversa. Aqui é a vontade de
fazer com que o negócio dê certo. Eu quero um grupo
assim. Ao longo do tempo, eu acho que desenvolvemos a
capacidade de achar esses talentos. Temos um time
experiente mesclado com gente nova, porque eles trazem
ideias novas também, uma maneira diferente de ver as
coisas. Eu gosto de trabalhar com gente melhor do que eu.
O Bruno é 100 vezes mais inteligente do que eu. Não quero
gente pegando feudos, que não quer riscos, não quer
ameaça. Eu quero trazer gente para desafiar o e
stablishment da casa. Sem hierarquias, que prevaleça a
melhor ideia.
Capítulo 11

RICARDO DE PAULO, GUILHERME AMARAL

E RODRIGO CARVALHO  |

VINTAGE INVESTIMENTOS

R icardo de Paulo, Guilherme Amaral e Rodrigo Carvalho


fazem parte de uma geração notável de traders que
trabalharam juntos no banco de investimentos CSFB
Garantia. No final da década de 90, sob a liderança de Jorge
Paulo Lemann, o Banco Garantia foi considerado uma
espécie de Goldman Sachs brasileira. Após a venda do
banco para o Credit Suisse First Boston em 1998, Ricardo e
Amaral permaneceram na instituição até 2002, e Rodrigo
até 2005. Em 2014, se juntaram novamente para montar a
Vintage Investimentos.

Quando conversamos com alguém que tem um


background de tesouraria, um dos assuntos
recorrentes é a diferença entre gerir dinheiro dentro
de uma tesouraria e de um fundo. Como foi essa
transição para vocês?

Rodrigo: As tesourarias de banco são


“departamentalizadas”, dividas em mesas de juros, câmbio,
dívida externa e bolsa. O profissional que trabalhou grande
parte da vida em mesas de banco geralmente transitou
entre mais de um desses departamentos da tesouraria.
Então, acumulou experiência em alguns mercados. Isso é
diferente da gestão de um fundo, onde é necessário gerir
diversas classes de ativos com um portfólio só. No meu
caso, essa foi uma mudança muito clara, não só pelos ativos
que comecei a cobrir, que aumentaram muito, mas pela
composição da carteira. Quanto deve ser colocado em uma
posição vis-à-vis outra, quanto de hedge etc.

Ricardo: Essa questão de ver outros mercados foi


interessante. Quando saí do (Credit Suisse) Garantia,
montamos um family office só para operar o nosso dinheiro.
E ali me aprofundei mais na área de mercados
internacionais e comecei a aprender a lidar com os
diferentes mercados. Em 2006 fui viver no exterior e me
desenvolvi ainda mais.

Rodrigo: Outro aspecto é a cota diária. Numa instituição


financeira, o cliente é o chefe, o dono do limite de risco. Em
banco os chefes ligados à administração da tesouraria
vinham da mesa também. Eram chefes que entendiam
muito bem o que estava sendo feito. Num fundo, o chefe é o
cotista, que está na ponta final. Normalmente, há um
intermediário, um profissional que entende do produto e faz
a mediação com o cliente final. Mas na gestão de fundos a
questão de drawdown é mais sensível, então a preocupação
em acertar esse timing de montar uma posição, mesmo que
seja estrutural, é maior do que em uma tesouraria. Em
tesouraria havia mais flexibilidade para errar o timing de
montar a posição porque o sócio, o cliente, entendia
daquele business .

Amaral: Concordo. Nas tesourarias havia basicamente


ativos divididos em clusters , cada um com seu limite e
risco. Não havia tanta interação, tampouco as ferramentas
para análise de risco que existem hoje. A gestão de risco
era feita por fluxo de caixa e, eventualmente, por
alavancagem simples de balanço, sem tanta preocupação
com volatilidade. As ferramentas foram sendo
desenvolvidas junto com a evolução das tesourarias. E
quando as gestoras de fundo chegaram em meio a essa
evolução, já havia muito mais sistemas disponíveis para
análise de risco. Foi bastante interessante acompanhar esse
movimento. Nas crises da década de 90 era mais uma
questão de quando surgiriam as supervariações de preços,
de como estavam os fluxos, as linhas de financiamento. Não
havia efetivamente muita preocupação com o VaR , ou um
potencial drawdown . Claro que isso contava, mas é uma
diferença interessante. Hoje em dia são poucos os bancos
que têm as tesourarias clássicas, que tomam risco efetivo.
Elas se tornaram um departamento de apoio às operações
de clientes. Nos bancos estrangeiros o risco proprietário
virou exceção, principalmente depois da crise de 2008, com
a aplicação de novas regulamentações. Quem entrou na
gestão a partir do final da década de 90 ou começo de 2000
acabou por herdar todo aquele ambiente de tesouraria e
tomada de risco proprietário.

Da época que vocês operavam no Garantia, os


mercados mudaram muito?

Ricardo: O Garantia foi um lugar bastante inovador em


várias áreas. Contávamos com o Jorge Paulo Lemann e sua
mente visionária, que já tinha um viés de se tornar
internacional. Entre 1987 e 1988 abrimos um broker-dealer
em Nova York já vislumbrando, naquela época, o começo
das privatizações e o aumento de fluxo de capitais para o
Brasil. As ações de Telebrás dispunham de um volume muito
grande no Brasil e depois alcançaram patamar igual no
exterior. Chegaram a estar entre as mais negociadas em
Nova York e isso abriu o mercado do Brasil para o mundo de
maneira ampla e com alcance a vários clientes. Lembro que,
na época, tínhamos clientes na Ásia, Europa e Estados
Unidos. Como resultado, o mercado foi ficando mais
sofisticado. Eu operava muito derivativos, então me esforcei
para entender como era operar derivativos no mercado
internacional. Fiz alguns cursos em Nova York pelo banco
em 1990. O objetivo era entender melhor as ferramentas
dos nossos parceiros, que dispunham de uma tecnologia
totalmente diferenciada, como por exemplo o Morgan
Stanley e o Société Générale . A globalização mudou o
mercado, mudou tudo o que sabíamos e entendíamos.
Coisas que aconteciam do outro lado do mundo passaram a
afetar muito o mercado local. Não ter acesso a esse
conhecimento significava ficar ignorante no assunto e órfão
de informações. Isso ficou claro na crise da Ásia em 1997 e
na crise da Rússia em 1998. Foram dois eventos externos
que nos afetaram diretamente. E para jogar este jogo era
preciso estar preparado e organizado.

Amaral: Daquele período para hoje houve uma evolução


interessante. A partir da venda do Garantia para o Credit
Suisse em 1998, gradativamente, passamos a acompanhar
mais de perto o que acontecia no exterior. No meio da
década de 90 nem todo mundo acompanhava em tempo
real, no terminal da Bloomberg, a decisão sobre taxa de
juros do FED. Às vezes havia um movimento forte, mas era
preciso alguns minutos para aquela notícia se espalhar.
Agora acontece no segundo da divulgação. Naquela época
nossa exposição a riscos era basicamente em risco Brasil.
Quando saí do banco em 2002 comecei realmente a
observar mercados externos e instrumentos internacionais.
Na década de 2000 isso ainda não era difundido como é
hoje, era uma fase de experimentação. Então surgiram os
fundos que possibilitam aplicar fora. Quando criamos a
Vintage, em 2014, isso já era algo que estava em nosso
DNA. Operar no exterior há muito tempo foi bem aceito
pelos alocadores, que enxergavam isso como um diferencial
nosso.

Dizem que o Garantia foi uma escola de traders . O


que vocês mais aprenderam lá?
Ricardo: Entrei no Garantia com 18 anos, em 1984. Construí
minha carreira ao longo de experiências em várias áreas lá
dentro. O grande aprendizado no banco veio das
oportunidades que ele oferecia. O banco cumpriu com todas
as expectativas da maioria das pessoas que trabalharam lá.
No final das contas, com um pouco de paciência, não existia
nenhuma limitação para se chegar ao lugar desejado. Só
dependia do seu resultado. Era realmente um lugar de
meritocracia. Ninguém precisou me mostrar o quão
melhores eram as pessoas que estavam acima de mim, eu
sabia que eles eram melhores. E era possível melhorar,
aprender com eles. Mas foi necessário entender que sempre
existe alguém melhor que você. Essa é uma coisa que levei
para o resto da vida, saber exatamente minha limitação,
capacidade e tempo das coisas.

Amaral: Uma das principais coisas que eu me lembro de


sentir ao longo do trabalho para o banco, e que serve para a
vida inteira, é estar efetivamente envolvido com o que eu
estava fazendo. Dado o meu estilo e interesses, acabei me
encaminhando para a área de trading na tesouraria. A
estrutura era pequena. A exposição era rápida e isso era
justamente o que fazia diferença. Lá não simplesmente
sugeríamos uma ideia. Se eu levasse alguma ideia, a
pergunta era se eu seria o dono do assunto, se iria cuidar
daquilo desde o começo. Montar, acompanhar e desmontar,
sem pedir para ninguém fazer. Os riscos e as posições
precisam de um ou mais donos. É importante aprender
desde o começo a assumir a responsabilidade daquilo que
se está fazendo. Dentro do banco, sempre ouvia: “Quem é o
dono disso aqui agora?”. Alguns sustos em crises vieram de
posições ou riscos que estavam, por assim dizer, sem dono.
Havia uma dúvida sobre quem estava olhando aquela
operação no detalhe. Esse aprendizado rápido de estar
envolvido, ser o dono, assumir a responsabilidade, tocar e
acompanhar do início ao fim, me ajudou na gestão e na vida
inteira. Fazer gestão e assumir risco é para quem gosta e
tem aptidão. Economista é importante, analista também, e
é possível obter uma fusão dessas duas funções. São os
chamados estrategistas, que conseguem juntar o perfil
analítico e de gestão. Mas os gestores têm a
responsabilidade final. Se o mercado estiver ruim ou
agitado, durmo mal. Sou o dono do risco que tomei, e não
há o que delegar.

Rodrigo: O que mais lembro da época do banco é a questão


da meritocracia. Embora façamos parte de uma sociedade
um pouco diferente do padrão das Assets americanas, com
uma operação um pouco mais enxuta, tentamos pagar
muito bem aos profissionais que forem bem. Então, o
profissional se sente sócio mesmo sem ser. Ele apresenta
um beta com relação ao resultado da empresa e um alpha
em relação ao seu desempenho específico naquele período
que está sendo avaliado. Essa abordagem de
responsabilidade com exercício meritocrático é algo que
vem do banco e que tentamos utilizar aqui na empresa.
Outro ponto é a aptidão ao risco, que foi uma escola muito
importante, no meu caso. É comum existirem pessoas boas
em análise, e com uma formação brilhante, mas
eventualmente falta essa característica. Não faço
julgamento de valor, se é positivo ou negativo, é só uma
característica, que é a aptidão para tomar risco. Alguns
profissionais conseguem conectar os pontos , tem a análise,
o diagnóstico do todo, mas falta alguma característica
pessoal para conseguir colocar o resultado em uma posição
efetiva. Quem viveu em tesouraria de banco por algum
tempo desenvolveu isso. Esse é um aprendizado que eu
trouxe para a gestão de fundos.

Como é o processo de investimento de vocês no


fundo?
Rodrigo: Pelo fato de querermos ser um hedge fund enxuto,
decidimos não ter muitos produtos, não ter muitos
funcionários e nem ter um patrimônio gigante. Em função
dessa escolha empresarial, adequamos nosso processo de
investimento. Ele é Top-Down . Esse é o nosso approach ,
algo também visto em vários hedge funds globais.
Contamos, claro, com profissionais que operam também
com um processo de investimento mais detalhado, mais
Bottom-Up . Mas temos três heads generalistas globais com
posições que, na média, são maiores em Brasil. Esse é o
estilo do nosso processo de investimento.

Ricardo: No macro é realmente onde consigo me destacar.


Aprendi que pertenço a uma velha-guarda generalista. É
nesse ambiente que navego melhor.

Rodrigo: Temos nos esforçado para fazer um outsourcing de


pesquisa para tentar identificar com maior precisão em que
ponto do ciclo econômico estamos. Temos inclusive
procurado um processo mais sistemático para a área de
pesquisa. Ou seja, em vez de lermos inúmeros relatórios de
research , uma empresa pode sistematizar isso. Em resumo,
o nosso trabalho numa gestora macro é tentar identificar
esse ponto do ciclo econômico, é o ponto inicial de qualquer
análise.

Amaral: Se identificarmos a fase do ciclo global no qual


estamos, podemos ver se esses ciclos são coincidentes em
diversos países ou não. O Brasil está numa fase do ciclo um
pouco diferente dos demais, e estamos tentando verificar se
o cenário externo contamina o Brasil. Tudo isso identificado,
podemos analisar, precificar, ponderar os cenários e medir o
que está precificado ou não nos preços de mercado. É uma
busca incessante para saber o que está mais assimétrico
em termos de risco e retorno. E para avaliarmos onde estão
as melhores oportunidades. Podemos adicionar
determinados hedges na posição para tornar a assimetria
ainda mais interessante. Mesmo que seja identificada uma
oportunidade direcional muito atrativa em determinado
ativo ou país, buscamos outras posições que possam nos
defender. Se for uma tese precoce, adicionamos algumas
proteções, para potencializar a assimetria que possa existir
naquela estratégia. Como minimizar o risco de algo
inesperado? Se houver posições que não se provarem
certas, as proteções limitam as perdas. Os erros sempre vão
acontecer, mas podemos minimizar de um lado e
potencializar de outro.

Mudando de assunto, como um profissional se torna


um bom gestor?

Amaral: Acho que é preciso um pouco de dom. Existem


algumas coisas que não se aprende em lugar nenhum. Há
duas ou três coisas que levo em consideração. Uma delas é
a lógica de raciocínio. Se o profissional possui uma boa
lógica de raciocínio, a chance dele alcançar o sucesso em
várias áreas é gigante. Outro aspecto que levo em
consideração é saber ler a psicologia do mercado e do
ambiente macro. Se o profissional consegue fazer bem a
leitura do psicológico das ruas, do mercado, do Banco
Central, dos políticos, ele sai na frente. Gestão é um
desafio, mas o trabalho também precisa ser divertido. É
óbvio que o trabalho não vai ser diversão 100% do tempo,
mas é preciso rir até mesmo dos erros, senão o sucesso não
vem.

Rodrigo: O exercício de conectar os pontos é um desafio


enorme. Com a globalização, a velocidade da informação
gera nós. Então um bom gestor descarta informação inútil
ao longo do caminho da maturação da tese de
investimento, desatando nós. Um analista júnior que não
pesar bem as fontes de informação vai se perder entre os
nós. A experiência conta muito nesse sentido. Então, é um
desafio e um exercício intenso separar, de fato, os nós no
mundo atual.

Ricardo: É impossível entender tudo. Isso evolui com o


tempo. É importante essa flexibilidade de observar dez
fatores que influenciam a minha posição e saber que daqui
a seis meses serão outros dez fatores diferentes. Então,
precisa estar claro na mente o entendimento de quais os
fatores que te levam a colocar tudo isso no bolo, e chegar a
um denominador comum para uma posição final. Até hoje
continuo cometendo os mesmos erros. Tento diminuir, mas
continuo. Por outro lado, continuo fazendo outras coisas
muito bem. Essa leitura diária de mercado, olhar na tela e
ver se está todo mundo querendo comprar ou puxar preços.
Essa leitura eu faço bem, mas preciso estar no dia a dia
para fazê-la. Se me afasto, perco informação importante. A
leitura dessas informações me fazem tomar uma decisão.
Se eu não tenho essa leitura pessoal, provavelmente não
vou conseguir tomar uma boa decisão. É uma história que
está sendo contada todos os dias e é preciso ler essa
história. Se eu faltei ontem, perdi um capítulo.

Quais são os skills necessários para tomar risco com


sucesso?

Rodrigo: Há pessoas que simplesmente não suportam


dormir mal, mas nós conseguimos. É inerente à profissão.
Normalmente alguém com uma formação cartesiana só
assume risco quando tem a convicção matemática de que
aquele negócio vai dar certo. E isso raramente acontece em
gestão. Então, é um misto de pragmatismo com
característica pessoal, de entender que faz parte do negócio
assumir posições arriscadas onde não há 100% de
convicção. Claro que se houver menos convicção, um
tomador de risco deveria assumir uma posição menor com
um stop mais rigoroso. Em compensação, quando houver
mais convicção, ele deveria montar uma posição maior.

Amaral: Não é que o profissional com estômago para gestão


seja melhor ou pior que um analista. Eles são
complementares. O gestor em geral não tem a profundidade
de um analista. Até porque se tiver, não vai conseguir
exercitar as outras características de gestão. É provável que
ele seja um bom leitor de cenários. Existem pessoas que
possuem uma aptidão enorme para resolver um problema,
juntar as peças, buscam dicas, conseguem desenhar um
cenário e explorá-lo. Já outras se desesperam diante de um
quebra-cabeça. Uma coisa é implementar algo, outra é
fazer. Amanhã pode ser outro cenário. É necessária uma
constante análise do cenário e testar a convicção como um
todo. O importante é testar. Às vezes, uma posição que
começa pequena e direcional pode se tornar um Long &
Short , e depois uma posição de três pernas. O processo é
dinâmico. É preciso ter jogo de cintura para não ficar preso
na primeira página da análise. Conseguir fazer a migração
para algo complexo, com mais pontas, combinar diversos
riscos e ter uma visão de portfólio. Faz diferença vivenciar
várias situações. Se desenvolve um equilíbrio para lidar com
a situação estressante e agir no timing certo.

Quais são os erros mais comuns de gestores e


traders, que vocês já viram e que, atualmente,
evitam cometer?

Rodrigo: Um erro que eu evitei, e que pode ser


praticamente fatal em uma indústria como a nossa, é o
oversizing em uma determinada tese, ou seja, a
concentração grande de risco . O gestor se sujeita à
dependência absoluta de sua tese estar correta. Não faz
sentido manter uma posição mega-alavancada para ganhar
3% ou 4% e correr o risco de perder 25%. Então esse erro
de dimensionamento, com excesso de confiança, é o que
procuro evitar. Preferimos esse estilo de preservação de
capital. Muitos gestores focam em volatilidade do fundo ,
talvez isso seja um erro também. Existe uma confusão
conceitual entre volatilidade e risco. Algumas pessoas são
normalmente induzidas a assumir mais risco quando a vol
dos ativos está baixa. Temos uma percepção diferente.
Historicamente, corremos mais risco quando a vol está alta,
porque são nesses momentos que a assimetria melhora.
Uma coisa é aplicar pré a 4,50% e esperar que chegue a
4,30%. Outra coisa é aplicar a 13,00% porque houve um
Joesley Day, e está todo mundo “stopando” posições. Qual é
a chance de perda permanente de capital se você continuar
a 13,00%? Vai oscilar para 14,00% ou para 12,00%, mas o
risco de perda permanente é muito menor do que aplicar a
4,50%.

Amaral: Concordo com essa questão de concentração e ter


uma convicção extrema. Chega a ser arrogante não
enxergar determinados riscos e acreditar que está 100%
convicto. Vivenciei um tipo de erro que muitos também
devem vivenciar. É o famoso amor à posição, a dificuldade
de se desfazer dela. No banco, eu era de renda fixa e só
depois comecei a prestar mais atenção em equities, e a
gostar muito. Em equity é possível identificar a questão do
amor à posição. Há uma lista com 20 papéis. De repente o
gestor escolhe um, coloca na posição e pronto, se torna
uma tese. Nesse caso, infelizmente, é comum ignorar os
sinais de que aquilo não é exatamente como o esperado.
Esse viés é difícil tirar, mas há mecanismos para controlar
isso melhor. Uma das coisas que ajuda é não concentrar.
Não gosto de usar a palavra diversificação, porque ela está
gasta. Também, se diversificar demais, não se faz nada. Em
vez de falar diversificação, o importante é a não
concentração. É uma arte montar a posição do tamanho
certo para que ela não seja algo que use energia e recursos
da empresa e, quando a tese estiver certa, gere um
movimento pequeno para o investidor ou cota. É natural
olhar com mais carinho para algo que você tem na carteira,
mas existem mecanismos para testar isso constantemente .
Outra coisa que ajuda é que, ao trabalhar com seus pares, é
possível colocar mais em jogo as suas teses. Temos essa
confiança e liberdade entre nós para fazermos isso. Apesar
de todo mundo saber da responsabilidade própria em seus
books , compartilhamos muito. Isso é positivo para a gestão
como um todo. Fomos unânimes no desejo de montar algo
com três sócios, porque pode chegar um momento no qual
alguém vai falar uma coisa, o outro vai falar outra e não
haverá solução. Com um terceiro sócio, é possível
desempatar e resolver melhor. Essa divisão entre sócios de
igual para igual é o cenário ideal para montar sociedade. É
o nosso caso. Criamos afinidade e confiança mútua ao longo
do tempo. Mesmo que você admire certos profissionais, que
os conheça há muitos anos, se nunca trabalhou e conviveu
com eles, a chance da sociedade não dar certo é grande.

Ricardo: Um exemplo de erro clássico é quando um gestor


está perdendo 10, então tenta operar 20 para recuperar os
10. É como dizia um piloto: o avião não cai só por um
motivo. E isso também se aplica à gestão. O gestor não
chega a uma situação difícil por um motivo só. Se verificar a
história, os outros dias, o que ele fez ou deixou de fazer, é
possível observar que foram vários motivos, houve vários
sinais de que ele realmente estava perdendo a mão. Na
maioria das situações é falta de controle emocional. Ele não
está preparado para aquela pressão. Outro erro é operar
coisas que você não acompanha de perto. Você pode
acompanhar dois, três ou quatro mercados no dia a dia, mas
não dez. Você tem que evitar mercados que não entende a
fundo.
Faz sentido. Como vocês fazem para gerenciar a
questão emocional de gerir dinheiro de verdade, o de
vocês e de terceiros?

Rodrigo: Experiência e idade trazem benefícios para


entender melhor como funciona todo o processo. A
tendência, ao ficar mais velho, é sofrer menos, porque a
adaptação aos momentos ruins é mais rápida, embora esse
não seja o meu caso. Nos momentos ruins, eu sofro como
no início da minha carreira. A diferença é que hoje eu sei
que faz parte e tenho que saber lidar com aquele negócio,
que não depende da idade ou de quanto dinheiro alguém já
tenha acumulado. É um negócio maligno. O sofrimento,
para mim, é igual. O que muda é o entendimento de que faz
parte.

Ricardo: Sempre achei que o importante é montar posições


que transmitam segurança. Quando tenho muitas posições
com as quais não estou tranquilo, que não me deixam
dormir bem, alguma coisa está errada. Então, dormir bem,
tranquilo, é sinal de que a posição condiz com o que foi
pensado. Algo errado na posição preocupa, e deixa o
profissional fora do jogo. Se isso acontece, no dia seguinte o
operador já estará correndo atrás do rabo. Aí na hora que
precisa aumentar, não aumenta, na hora que precisa
diminuir, não diminui. Isso acontece porque o pensamento
não está fluido e tranquilo para tomar as decisões. Em
resumo, se o operador dorme bem com o trabalho que fez,
no dia seguinte tem grandes chances de operar da forma
correta. Se dorme mal, vai operar mal no dia seguinte.

Amaral: O que fazemos na Vintage, e provavelmente é feito


em todos os lugares, é expor um potencial gestor aos
poucos para confirmar a vocação. Já houve um caso de
chegarmos à conclusão de que o profissional queria ajudar
mais em análise. Realmente, a exposição de um gestor é
total em situações estressantes. Em escala macro e micro,
quanto mais você souber os seus limites, melhor. Pessoas
mais experientes são um poço de sabedoria. Isso se deve ao
tempo vivido, experimentado, lido. É interessante quando já
é possível perceber as situações. Em certos momentos eu
julgava acreditar muito em um risco, mas estava além do
meu limite físico suportar tantos detalhes ao mesmo tempo.
Eu precisava cortar o tamanho da posição para raciocinar
melhor. Fazia um downsizing e tudo ficava mais claro. É
importante cada um saber o seu limite. Mas esse limite é
dinâmico. Há fases em que o profissional está mais seguro,
acreditando mais, e está fazendo uma leitura melhor do
cenário. Eventualmente está com menos questões fora do
trabalho competindo por sua atenção. Então, é saber esses
limites macros e micros, de épocas e situações diferentes.
Outro aspecto vital é a humildade, que se desenvolve com o
tempo. É necessário humildade para saber que não é
possível estar sempre certo. Pelo contrário, muitas vezes
estaremos errados. Não é aconselhável ficar inebriado
demais quando está certo. Mas ter calma, isto é, aproveitar
com o pé do chão. Quanto do seu acerto veio de habilidade
e quanto de sorte? Não há nada de errado em estar numa
onda positiva, é para surfar mesmo. Mas a humildade é a
alma do negócio. Em 30 anos de tesouraria, por muitas
vezes experimentamos situações completamente atípicas.
Algumas situações não serão claras e vão surpreender. É
aconselhável não descolar o pé do chão.

Rodrigo: Uma coisa que percebo em várias profissões é uma


dificuldade grande de reconhecer erros. Reconhecimento de
erro, para um advogado, médico ou engenheiro, é mais
difícil do que para nós. Em gestão, basicamente todos os
dias se comete um erro. E isso nos prepara para encarar
algumas coisas da vida. Essa é a principal característica
positiva que carrego dessa profissão para a vida, lidar
melhor com questões não esperadas ou frustrações. Ao
mesmo tempo em que esta é uma profissão estressante,
também prepara melhor para os diversos desafios da vida.

Amaral: A questão é saber lidar emocionalmente com isso,


admitir que está errado e “stopar” a posição. É um exercício
constante para aprender a lidar com o erro. O profissional
desenvolve uma resistência às situações. Além dos erros
ativos, ainda é preciso lidar com o que eu chamaria de erros
passivos, que são as oportunidades que deixamos passar.
Não há necessariamente perdas, mas também se deixa de
ganhar dinheiro. Até para esse tipo de situação é preciso
desenvolver resistência.

Tendo tido sucesso pessoal ao longo de muitos anos,


o que motiva vocês a continuarem gerindo recursos
após tanto tempo?

Rodrigo: Somos intelectualmente desafiados todos os dias.


E esse é o grande chamariz da profissão. Existe o desafio
intelectual diário de tentar entender o que está
acontecendo no mundo e como isso vai se traduzir em
preço. No final das contas, é um desafio atrativo. Não é à
toa que fazemos isso a vida inteira. É uma atração e um
desafio intelectual que encanta.

Amaral: É claro que há a consequência de ganhar dinheiro.


Mas, ao mesmo tempo, isso deixa de ser o fator primordial.
Uma coisa importante é a realização pessoal e profissional.
A responsabilidade de gerir o dinheiro de terceiros é
motivante. E o gestor é constantemente desafiado e,
naturalmente, uma pessoa atualizada. Ainda mais em um
cenário mais amplo do que era a gestão há 20 ou 30 anos.
Ao conversar com qualquer gestor, é comum começar a
discutir filosofia e outros assuntos, porque está todo mundo
lendo. O gestor se torna uma pessoa com vários interesses.
E isso torna a vivência intelectual estimulante. E nas
grandes crises, é importante um approach no qual se
observa pragmaticamente o que está acontecendo para
conseguir atravessar o processo raciocinando e controlando
o emocional. Ao longo do tempo, tenho admirado
profissionais de TI e a capacidade deles para resolver
problemas que podem demandar cinco minutos de esforço
ou até algumas horas. Desde o período no banco, tenho
notado como esse pessoal atende os usuários e sempre
identifico os melhores profissionais. Se há um nó
tecnológico na máquina, por exemplo, os melhores mantém
a calma e a estabilidade enquanto testam as soluções. Eles
só param quando o problema está resolvido. Gosto de
observar os profissionais que mais deram certo nessas
situações. Eles não se desesperam com o problema que
encontraram pela frente.

Ricardo: São duas coisas. Saber que você é capaz, mas


querer novos desafios. O segundo ponto vai além do desafio
de mostrar que é capaz, é trabalhar com pessoas mais
novas que você. Isso gera entusiasmo. Se você trabalha só
com gente mais velha, acaba envelhecendo. Não tem ideias
novas. Se você trabalha com gente mais nova, alguém
sempre te oferece algo diferente. E isso motiva para a vida.
Não interessa se vai dar resultado ou não. Você ouve
pessoas mais velhas, mas onde você aprende de verdade
sobre a vida atual é ao lado de pessoas mais novas.

Capítulo 12

JÚLIO FERNANDES E BRUNO MARQUES  |

XP ASSET

J úlio Fernandes e Bruno Marques lideram a equipe de


gestão macro da XP Asset Management, que define, de
forma consensual, a alocação dos fundos multimercado
macro da casa.

Qual o approach de vocês para a gestão do fundo e


para análise do mercado?

Bruno: A indústria de fundo multimercado tem vários


modelos de gestão. Não gosto da ideia do especialista. O
especialista é quem olha só para um mercado e tenta
extrair alpha daquele mercado. Existe valor em fazer isso,
porque quando você é bom o suficiente naquele mercado,
você consegue ver coisas que outras pessoas não estão
vendo. Mas, fica aquela questão de você ver floresta ou
você ver as árvores. O inverso disso, é que também quem
vê tudo, não vê nada. Por que, se você vê tudo, você não vê
nada direito, não consegue olhar tudo ao mesmo tempo.
Existe um equilíbrio nisso, que é o universo que você
consegue acompanhar. Para a gente isso se restringe
bastante a Brasil e uma gama de países desenvolvidos.
Quanto aos países desenvolvidos, é mais no sentido de
acompanhar o cenário e menos no sentido de alocação de
risco. Partindo dessas premissas, conseguimos fazer bem
macro Brasil. Para isso, obviamente, você precisa saber
fazer bem um cenário internacional, porque isso nos afeta
de alguma forma. O Brasil não é um país dos mais abertos
do mundo. Então, o efeito disso é muito mais via ativos
financeiros do que efetivamente análise macro. Gostamos
de fazer análise macro, é isso que conseguimos fazer. Leia-
se nível de atividade, inflação, política monetária. Política
monetária é muito relevante. Fazemos isso há muito tempo.
Para isso precisamos de um estudo profundo. Para
compreender a política monetária você precisa entender os
dados econômicos, ver o que está acontecendo e a inter-
relação entre o Banco Central e os dados econômicos.
Porque, não necessariamente, o que você acha que os
dados indicam como atividade de política monetária é o que
o Banco Central vai fazer. A gente não está no business de
acertar o que acha certo, e sim acertar o que o Banco
Central vai fazer. Isso, obviamente, pode ter impactos em
outras coisas. Então, se trata de fazer cenário
macroeconômico e, dali, tentar extrair um alpha , tentar
extrair uma rentabilidade extra. Eu volto para a questão do
especialista: o especialista vê o cenário macro e como este
cenário afeta o mercado que ele acompanha. Para nós é o
contrário: dado o cenário macro, quais são as melhores
oportunidades? Como os ativos deveriam se comportar? E,
aí, sem o menor preconceito: existe algum hedge bom para
aquele cenário? Na nossa visão o cenário vem primeiro e a
alocação vem depois. Por outro lado, vemos um cenário de
médio prazo. Para você conseguir monetizar um cenário de
médio prazo é preciso conseguir carregar os ativos por um
bom período de tempo, com gestão de risco. Essa gestão de
risco não envolve apenas VaR e Stress Test . Mas sim
otimizar o seu portfólio de forma a fugir de grandes
drawdowns . Avaliar se há algum ativo melhor do que outro
e ver se existem hedges a serem feitos. No geral, a gente
não ama fazer hedge . Por quê? Quando você faz hedge de
um ativo em um outro ativo, você está correndo um risco de
correlação. Às vezes simplesmente diminuir a posição é o
melhor hedge .

Júlio: Nosso modelo é de gestão consensual. Trabalhamos


juntos o melhor portfólio possível, independente do
mercado que a gente escolher e dos hedges . No final das
contas, avaliamos se o portfólio como um todo está subindo.
E não qual caixinha: se é juros, câmbio ou bolsa que está
ganhando. Temos esse alinhamento com o cliente. O que
importa é a cota. Analisamos o cenário de cima para baixo e
depois quais os melhores mercados. Isso é o que
acreditamos que irá trazer os melhores retornos no longo
prazo. Estamos alocando o risco da melhor maneira
possível. Algumas casas têm um terço do risco em câmbio.
Mas o câmbio já tem um ano e pouco que não tem
apresentado grandes oportunidades. Mas vemos retornos no
mercado de juros. O grande consenso nos últimos tempos é
de que o crescimento global, de maneira geral, está
desacelerando. O cenário é de crescimento um pouquinho
para baixo e juros para baixo. Então, qual é a melhor
alocação de risco nesse cenário? Montar posições que se
beneficiam dessa queda de juros. Bolsas vão subir em
alguns países, especificamente, ali ou cá, nos países em
que a economia também está ciclicamente se recuperando.
Nosso modelo tem uma predeterminação de remuneração,
baseado no modelo de gestão de uma carteira de consenso.
Estamos alinhados até na remuneração. Valorizamos a
crítica, que é importante na co-gestão do fundo. Mas
modelo de consenso, com muita gente não funciona. Com
cinco, seis, sete pessoas dando opinião, você não tem
agilidade, não tem um consenso e não consegue montar o
portfólio. Quando há algo no cenário que está ficando
nebuloso, quando tem muita gente dando opinião, você não
tem agilidade necessária para reduzir o risco da maneira
como deveria. Num modelo de dois, um complementa o
outro. Há momentos nos quais precisamos aceitar a ceder.
Mas com dois é mais fácil do que com cinco. Então,
conseguimos um modelo com a agilidade necessária, cada
um cedendo no momento em que achar necessário, e, uma
vez que a gente toma uma decisão, o portfólio é dos dois.
Todo mundo aceitou, é nosso. Se acertar, acertou, se errar,
errou junto. Dessa forma se aloca o risco da melhor maneira
possível, no nosso entender. Eu dei o exemplo do câmbio: se
tivesse um terço do risco para um gestor de câmbio, a
pessoa só vai ganhar dinheiro se gerar resultado naquele
mercado. Ela, com certeza, vai ficar tentando arrumar uma
operação. Quando você tenta inventar algo, a probabilidade
de perder é muito elevada. Então, um terço do risco estaria
sendo subutilizado ou mal utilizado.
Bruno: O cenário vem sempre em primeiro lugar. A
derivação daquilo é a posição que você vai fazer e a terceira
derivação é uma gestão ativa de risco. Acho que cenário é
50% e risk management são os outros 50%. Se o cenário
vem sempre em primeiro lugar, você tem que ter espaço
para estudar e ter uma discussão ativa, em que as pessoas
estejam sempre tentando melhorar a confecção do cenário.
E o cenário não é estanque. Você precisa estar o tempo todo
se questionando se aconteceu alguma coisa que refutou o
seu cenário ou se o confirmou. A analogia que eu faço é a
de um grande quebra-cabeças infinito, em que você recebe,
todo dia, umas duas ou três pecinhas novas. Você acha que
está montando uma casa, mas, às vezes, você pode
começar a mudar e falar “casa não tem uma chaminé... ou
não tem uma vela de barco”. Você vai, aos poucos,
moldando o cenário. Mas há dois lados nisso. Se, toda hora
em que acontece alguma coisa, você se questiona demais,
você fica igual a uma biruta. Então, você tem que tentar
separar o que é ruído e o que é sinal.

Com certeza. Em quais mercados vocês atuam?

Bruno: 90% do risco do nosso fundo vem de juros, câmbio e


bolsa local. E todos os instrumentos que envolvam esses
três mercados. No mercado de juros, você tem juros
nominais e juros reais, você tem opções. No mercado de
câmbio você tem câmbio futuro e opções. Na bolsa você
tem índice futuro, opções, ações especificas. A gente não
opera nada com modelo quantitativo, somos zero
quantitativo. Teve um modelo de câmbio que funcionou
durante muito tempo no Brasil, embora tivesse baixa
capacidade de previsão. Quando o spread do preço com o
valor do modelo abria muito, o modelo conseguia identificar
isso bem. Só que, de março do ano passado para cá, esse
modelo parou de funcionar. Porque mudou o modus
operandi, o câmbio passou a sentir mais os juros baixos.
Júlio: No mercado de juros não tem modelo, mas
naturalmente a gente olha a curva de juros para trás.
Olhamos como se comportou a curva de um ano, de dois
anos, de três anos, de cinco anos, para trás. Então, usamos
dados históricos, para avaliar como que o mercado se
comportou em cada oportunidade. Num ciclo de easing , e
em um de aperto. Mas também olhar as especificidades de
cada momento. Então, num ciclo de easing , 2008, lembra
da Lehman Brothers? Ali, o Banco Central teve que cair juros
de emergência. Então, olhar os dados para trás faz parte da
nossa função aqui, para tentar comparar com o momento e
ver se tem alguma informação, se está muito fora de preço
ou não. Mas, aí, nesse caso, tem toda a subjetividade e a
nossa capacidade de analisar os dados.

Falando em analisar dados, como vocês gerenciam o


excesso de dados econômicos que saem todo dia?

Bruno: Eu acho que tem a experiência de fazer isso há


muito tempo. A verdade é que o Brasil não tem excesso de
dados, mas um excesso de informação e notícias para tudo
que é lado. Cabe à gente ter um pouco de frieza, bom
senso, para tentar separar o que é ruído do que é sinal.
Então, por exemplo, numa tendência de números de
inflação mais fracos há muito tempo, não é um número ou
outro mais forte que vai fazer você mudar o seu view
desesperadamente. Vislumbramos uma perspectiva de
atividade mais negativa no Brasil já há uns dois anos.
Montamos um quebra-cabeças na nossa cabeça de porque a
atividade está mais fraca e de porque vai continuar assim
durante um tempo. Quando sai um dado mais forte,
ponderamos: “Mudou alguma coisa? Tem alguma coisa que
faça com que a narrativa que prevaleceu até agora mude?
Não”. Então pode ser apenas um ruído. Usamos bom senso,
comparando os dados que vão saindo com o nosso cenário
base.
Júlio: A nossa experiência aqui já nos faz filtrar quais dados,
tanto no Brasil, quanto no exterior, são importantes. Lá fora
é divulgada uma bateria de dados quase todos os dias, mas
a gente sabe exatamente o que olhar. Se no atual momento
o que importar for a atividade econômica, então vamos
olhar dados de geração de emprego. Tem momentos que o
foco está em inflação e aí sabemos que um dado de payroll
forte não vai afetar o mercado. O CPI vai ser o foco de
atenção. Há períodos nos quais o mercado está todo focado
no payroll , porque está olhando a atividade. Você sabe que
um payroll forte e um dado de average hourly earnings forte
pode fazer o FED subir mais os juros. Isso foi a narrativa de
2018. Em 2019 o medo é o contrário: já é de desaceleração,
então o foco começa a ser a inflação. Se a inflação não sobe
como ele imaginava, o FED vai cortar ainda mais os juros.
Tem momentos em que a atividade é protagonista, em
outros a inflação é importante.

O processo de vocês é puramente fundamentalista ou


incorpora elementos técnicos?

Júlio: Somos fundamentalistas, no sentido de olhar os dados


macro e transportá-los para o nosso cenário. A parte
técnica, a gente não deixa de olhar. Por exemplo: “Está todo
mundo comprado em bolsa? Está todo mundo aplicado em
pré?”. A gente consegue saber isso, vendo dados de
mercados futuros e investimento estrangeiro em bolsa no
Brasil. Também analisamos, via regressão, a cota de outros
fundos. Dessa forma sabemos se o mercado está muito
aplicado em juros, se está muito comprado em bolsa. Isso é
uma informação auxiliar, que temos para tomar uma
decisão. Assim, o core , 90% da análise é fundamentalista e
as informações técnicas ficam à nossa disposição. Se o
mercado está muito comprado, e estamos começando a
ficar menos otimista com bolsa, podemos reduzir um pouco
a posição. Faz parte da nossa gestão ativa de risco.
Bruno: Essa parte quantitativa de ver a regressão dos
fundos entra no risk management. Usamos para compor o
cenário, tentando buscar uma otimização de posição . Mas
sempre olhando um cenário de médio e longo prazo. Temos
de ter uma vantagem comparativa. Ponto. O resumo é esse.
Então, por que a gente não opera o mercado externo?
Porque não temos vantagem comparativa. Se o cliente quer
investir em multimercado com 40% de risco offshore ,
recomendo: “Investe 60% com a gente e investe 40% em
um fundo bom lá fora”. A nossa vantagem comparativa,
certamente, não é prever o movimento das próximas duas
semanas. Certamente não é essa. Não quer dizer que a
gente não consiga tentar otimizar a gestão do fundo por
conta disso. Mas, para quê? Para conseguir estar vivo e
monetizar o cenário de médio e longo prazo. Quantitativo
como trigger de gestão, a gente não usa. Tipo: “Toda vez
que acontece isso, a gente faz aquilo”. Não é muito a nossa
praia. Acho bem complexo fazer isso em macro. Tem pouca
gente no mundo que faz isso bem em gestão macro.

Vocês conseguiriam dar um exemplo de como


traduzem o cenário macro em posições efetivas?

Bruno: A gente começou o fundo em março de 2016. Boa


parte da precificação do impeachment já tinha acontecido.
O mercado estava começando a discutir o novo cenário de
ajustes etc. Logo depois entrou o Ilan como presidente do
Banco Central, a inflação era muito alta no Brasil e a
atividade era muito fraca. Mas vínhamos de anos terríveis. A
nossa primeira opinião concreta foi: o Brasil vai precisar
cortar juros em algum momento, mas não é agora. O Ilan é
muito qualificado e já esteve nas duas funções, em mercado
e na academia. Sabe melhor do que qualquer um como
aquilo funciona. Pensávamos que ele ia tentar reconquistar
a credibilidade perdida nos anos anteriores. Então, achamos
que, num primeiro momento, o Banco Central não ia
entregar um corte de juros como o mercado estava pedindo.
Naquela época, os mercados achavam que o Ilan ia revisar a
meta de inflação, ia fazer uma meta ajustada para o ano de
2016, para conseguir cair juros mais rápido. Então
montamos uma posição aplicada em juros mais longos.
Prevíamos que o Banco Central seria um pouco mais
hawkish , para conseguir ganhar a credibilidade, fazendo
que a curva cedesse um pouco. Montamos uma posição
vendida em volatilidade de juros de curto prazo.
Entendíamos que o Banco Central não iria fazer algo
relevante nos juros. Por outro lado, a gente achou também
que existia uma reprecificação a ser feita no mercado de
câmbio. Em junho de 2016 o Banco Central começou a
intervir mais forte no mercado de câmbio comprando dólar.
Tínhamos uma posição vendida, então zeramos a posição
vendida. Estávamos otimistas com o cenário de Brasil, mas
não queríamos mais ter risco em câmbio. Queríamos ter
risco no mercado de juros. A bolsa, à época, parecia ser
uma boa oportunidade. O Ibovespa estava a 55 mil pontos,
e começamos a comprar a bolsa, posição que mantivemos
durante um bom tempo. Chegou em dezembro de 2016,
novembro para dezembro, o Banco Central decepcionou o
mercado duas vezes. O mercado queria que ele tivesse
cortados juros lá atrás e ele demorou a cair. Quando os juros
caíram, foi de forma bem mais módica do que o mercado
imaginava. Começamos a achar que a inflação já estava
convergindo muito rápido, era um cenário de inflação muito
melhor. Tivemos vários discursos de Bancos Centrais
começando a abrir as portas para cortes mais ousados. Em
novembro e dezembro começamos a aumentar
substancialmente as nossas posições aplicadas em juros
mais curtos, que são os juros mais sensíveis à
movimentação do Banco Central. Os vértices mais longos
são menos sensíveis ao que o Banco Central está fazendo
no curto prazo, e mais sensíveis à precificação de prêmio de
risco. Então, encurtamos bem as posições. Havia
aumentado bastante o espaço para o Banco Central ser
mais ousado, dado que ele tinha reconquistado a
credibilidade. Não achávamos que o Banco Central era
hawkish à toa. Ele estava reconquistando a credibilidade.
Com a credibilidade reconquistada, havia espaço para uma
queda violenta de juros. Em 2017, o Copom fez cortes fortes
nos juros e a gente conseguiu monetizar isso bem.

Júlio: Nesse período que o Bruno citou, tivemos dois


períodos que damos como exemplo de gestão de risco. Na
votação do Brexit a probabilidade de a Inglaterra ficar era
elevada. E a saída era improvável. Então, tínhamos pouco
para ganhar e poderíamos ter muito a perder se o Brexit
acontecesse, o que acabou acontecendo. Então antes do
Brexit reduzimos 50% do risco das nossas posições, mesmo
estando com uma visão de médio prazo otimista, apenas
para passar pelo evento. Acabou acontecendo o
imponderável. Tivemos volatilidade, e o mercado voltou
mais rápido do que a gente imaginava. Quando vimos que
normalizou tudo, voltamos à alocação anterior. Então, o
nosso fundo acabou voltando à posição original sem ter
passado por aquele período de volatilidade que houve
durante um, dois, três dias ali. E em novembro de 2016
tínhamos a eleição americana. Então, mesmo estando
otimista com bolsa e com a curva de juros, uma semana ou
duas antes a gente já foi reduzindo grande parte do nosso
risco para o dia da eleição. Em juros trocamos
temporariamente a posição em DI Futuro por NTN-Bs,
reduzindo o risco de maneira consolidada. E até montamos
um put spread de bolsa para proteger o nosso portfólio. Por
quê? Porque achávamos que a probabilidade da Hillary
ganhar era muito alta. Isso estava precificado, teríamos
pouco a ganhar. E se desse o imponderável, no caso a
eleição do Trump, poderíamos ter muito a perder. Então, o
nosso cenário de longo prazo não estava sendo alterado,
mas, no caso da eleição, reduzimos 75% do risco no
portfólio como um todo, só para passar por aquele evento.
Acabou dando o imponderável de novo. É claro que o
mercado se recuperou, de novo, mais rápido do que
imaginávamos. Mas são exemplos de que ex post , o nosso
fundo passou pelos eventos e não caímos do cavalo. Se não
nos preocuparmos com os eventos, podemos ser
“stopados”. Entre aspas, poderíamos não aguentar um
eventual drawdown . Eventualmente reduzimos as posições
para nos proteger dos eventos perigosos e assimétricos. Em
seguida, se acharmos que nada mudou, montamos a
posição de novo, para conseguir monetizar isso no longo
prazo. Nosso cotista, no final das contas, acaba sofrendo um
pouco menos. Nosso fundo tem um bom índice de Sharpe,
em função de uma gestão bem ativa de risco, minimizando
a volatilidade nesses momentos nos quais achamos que há
mais riscos iminentes.

Falando de drawdown , quando vocês sofrem um


drawdown significativo isso muda a maneira de
tomarem risco?

Bruno: Tem duas coisas: o teórico e o prático. Na teoria,


abrimos o fundo todo dia, com o gerencial zerado. Você
ganhou ou perdeu, está lá. Não tem diferença, você não
consegue mudar o passado. O seu gerencial sobre aquela
posição deveria ser irrelevante, ele não dá nenhuma
informação sobre se aquela posição vai ser vencedora ou
não. No Joesley Day, a gente estava com a posição grande e
tomou um resultado bem negativo no dia. 24 horas depois
do evento a gente estava 100% zerado no fundo. Por quê?
Olhávamos para o cenário e não tínhamos a menor ideia do
que iria sair nas fitas. Não sabíamos como seria um possível
processo sucessório. Se seria uma eleição direta, indireta
etc., se o Lula poderia ser candidato, se o Rodrigo Maia
assumiria. Como a economia iria reagir? Qual seria a reação
do Banco Central? Era impossível traçar um cenário e
atribuir probabilidades aos cenários. Você pode não
conseguir traçar um cenário, mas pode atribuir
probabilidade a cenários distintos. Mas, naquela época, não
conseguíamos fazer nenhum dos dois. O que fizemos?
Zeramos todas as posições. Foi um mês ruim, mas não
bizarro. Passaram-se duas, três semanas, saíram as
divulgações das fitas, eram fitas bem mais tranquilas, não
tinha nada comprometedor. A oposição não se organizou
para ir para cima do governo Temer, e o Rodrigo Maia não
parecia estar disposto a ir para cima também. O Banco
Central deu liquidez para o mercado, o Tesouro Nacional
entrou comprando títulos e, por aí vai. Ficamos
progressivamente mais otimistas. Era irrelevante o quanto a
gente estava perdendo à época. O cenário estava positivo
dali para frente e era isso que importava. Nós tornamos a
alocar grande. Só que, para isso, voltamos àquela questão
original, temos de estar vivos. Os resultados negativos vão
acontecer, mas eles não podem ser um resultado
incapacitante. Se o prejuízo for grande você fala: “Não
posso arriscar, se eu perder mais capital, eu acabo com o
meu produto”. Nesses casos você teria que alocar bem
pouquinho. Você não pode ter resultados tão negativos que
te incapacitem. Então, é por isso que temos essa questão
de gerenciamento de risco.

Ainda em termos de gerenciamento de risco, como


vocês lidam com stops ?

Júlio: Não temos stop formal para cada posição. O cenário é


o primordial para cada posição. É natural que, ao montar
uma posição, você tenha um objetivo de retorno. Você fala:
“Eu acho que uma posição tem potencial de ganhar 50 basis
points e, no pior cenário, perdemos 30 basis” . Claro que,
chegando lá na frente, a gente pode reavaliar, caso
ganhemos 50 basis . Você reavalia o cenário e pode achar
que tem mais 50 para ganhar. Lá na frente. Mas, em um
primeiro momento, você fala: “Eu tenho 50 para ganhar e
eu acredito que, se nada mudar muito, eu tenho 30 para
perder”. Se estivermos perdendo os tais 30 basis , não tem
um stop que fala “vamos ‘stopar’ no 30”. “Mas será que tem
alguma coisa que não estamos vendo ou entendendo? Será
que é o cenário lá fora que está pior? Ou, será que aqui
dentro o Banco Central pode estar tendo reuniões com os
agentes e falando outra coisa?”. Reavaliamos, novamente,
em termos de cenário. Se aquela posição é válida ou se
deveríamos reduzir um pouco ou “stopar” a posição. Se a
perda de 30 basis veio muito rápido, poderíamos chegar à
conclusão que foi um agente do mercado específico, alguém
que distorceu o mercado e pode ser que a gente aproveite
para aumentar a posição. Por isso que é muito importante
ter essa reavaliação.

Bruno: O modus operandi faz muita diferença. Modus


operandi, para mim, entra no combo risk management. É
difícil comerçarmos uma posição full . Digamos que uma
posição devesse ser de 100. É muito difícil começar com
100. Porque você parte do pressuposto de que já está
entrando no melhor momento e que não tem nenhum risco
sobre aquilo ali. Então, o ideal é você entrar com uma
posição entre 40 e 60 e, aí, ir aumentando.

Vocês tentam otimizar o timing da montagem dessa


posição?

Bruno: Não. Timing é muito difícil. Prever o que vai


acontecer no mercado no curto prazo é a forma mais
errada, ou a mais fácil, de perder dinheiro.

Crowded trades preocupam vocês? Vocês tentam


fugir deles?
Bruno: Não. A gente não tenta mapear o quão crowded um
trade está. Eu não tenho a menor restrição com crowded
trades . O quão crowded um mercado está, às vezes,
restringe e deixa o risco-retorno pior. Aí, é uma questão
tática. De como otimizar a alocação. Mas o fato de o trade
estar crowded não é um impeditivo.

Júlio: Grandes tendências sempre aparentam que são um


consenso, né? A bolsa americana sobe há dez anos. Parece
crowded há dez anos.

Bruno: Deve estar crowded há, pelo menos, uns quatro


anos!

Júlio: Nesse caso, você fica suscetível aos drawdowns . Você


tem que estar atento para isso.

Bruno: Ser contrarian é muito fashion . É muito bonito você


falar: “Ninguém está vendo isso, só eu estou vendo esse
negócio”. 99% das vezes aquele cara está errado.

Júlio: Esse contrarian precisa de timing , porque, se ele não


tiver timing , ele vai quebrar. Ele pode estar certo daqui a
20 anos, mas ele quebra antes. Então, esse cara tem que
esperar 20 anos e entrar para acertar a virada.

Bruno: Esse negócio de ser contrarian é muito chato.

Isso faz com que vocês tenham um viés otimista nas


posições ou vocês são completamente desapegados
disso?

Bruno: Somos, por definição, agnósticos. Por definição. Não


acreditamos, nem desacreditamos. Nosso único
compromisso é com a cota. O pessoal de bolsa é sempre
otimista. Por quê? Porque as empresas estão contratando
gente boa o tempo todo, focada em fazer a empresa ganhar
mais dinheiro. A economia, no geral, é parecida. Não é
exatamente igual. Mas, geralmente, as pessoas estão se
organizando para que dê certo. Às vezes, as pessoas são
bem desorganizadas e fazem coisas que claramente dão
errado. Vivemos isso recentemente. Nos últimos três anos
foi muito bom estar otimista no Brasil. E se tudo der certo,
nos próximos anos, será a mesma coisa. Somos agnósticos,
tentamos traçar o cenário e a posição. Para qualquer lado.
Para cima, para baixo, para um lado, para o outro...

Vocês têm um book consensual e não usam muitos


hedges . Mesmo assim conciliam posições em
diferentes mercados?

Bruno: Pode acontecer. Já aconteceu uma vez ou outra, mas


não é a coisa mais recorrente do mundo. Por quê? Para fazer
hedge de qualquer um dos três mercados, preciso estar na
posição contrária em outro. Se a correlação for perfeita, é,
simplesmente, igual a estar menor. Não tem a menor
diferença. O hedge funciona se existe uma assimetria na
distribuição de retorno esperado dos ativos. Se um ativo, na
melhora, andar mais do que o outro, e, na piora, eles
andarem igual. Nesse caso você pararia para fazer o hedge .
Mas você tem de ter um assumption muito forte para ter
essa percepção dos resultados. De probabilidades etc. É um
negócio difícil, não é trivial. É um skill de traçar cenários
cross-asset . Propomos algo diferente.

Júlio: Só fizemos isso duas vezes, quando conseguimos


identificar eventualmente uma restrição à melhora do
câmbio. Por exemplo, o Banco Central, em 2016, começou a
comprar dólar muito forte, quando o dólar batia lá R$3,10 -
R$3,15. Aí a gente identificou ali um potencial limite à
apreciação do real. Achamos que, de repente, poderíamos
ganhar nas três posições: bolsa sobe, os juros caem e o
dólar não cai ou até sobe. Mas isso tem que estar muito
claro...

Para vocês, os mercados são eficientes? Como ganhar


consistentemente e bater o CDI?

Bruno: Eficiência de mercado não é um assumption forte


para mercados desenvolvidos. Para um mercado como o
Brasil é mais fraco ainda. Você consegue provar com
alguma tranquilidade que mercados no Brasil não são
eficientes. Mas para você ganhar dinheiro, você tem que ter
um diferencial. Ponto. Qual é o nosso diferencial? O cenário
macro e a análise de política monetária. Isso demanda
algumas coisas, como ter uma equipe muito boa. Para você
ter uma equipe boa, ela tem que ser bem remunerada e
tem que ter os interesses e incentivos alinhados. A maioria
das pessoas tem como base os incentivos. A remuneração
de toda a equipe é alinhada ao bottom line do fundo.
Quanto mais o fundo ganhar, mais dinheiro você vai ganhar
e mais meritocrático é o negócio. Então, o rapaz de 24 anos
pode virar sócio e ganhar muito mais dinheiro do que uma
pessoa de 30. Não tem a menor restrição a isso. “Mas será
que tem alguma coisa que não estamos vendo ou
entendendo? Será que é o cenário lá fora que está pior? Ou,
será que aqui dentro o Banco Central pode estar tendo
reuniões com os agentes e falando outra coisa?”. Você tem
de ter as pessoas certas, com os incentivos alinhados. A
outra coisa é você ter um ambiente propício à discussão.
Aqui, todo mundo pode dizer alguma coisa. O processo de
cenário é um processo dialético. Temos de ter pessoas
falando coisas diferentes do que nós estamos pensando.
Precisamos de gente boa, focada, discutindo, até se chegar
ao melhor cenário, e esse é o nosso diferencial. Sabemos o
que fazemos bem e estamos sempre trabalhando para
melhorar isso.
Júlio: E só complementando, o modus operandi...

Bruno: Faz diferença.

Júlio: Você pode estar com o cenário correto, colocar muito


risco, muito beta e, no final, vão te perguntar: “Você ganhou
dinheiro? Você acertou o cenário?”. Alguém pode dizer:
“Putz, acabei que eu exagerei, coloquei logo 100% da
posição na largada. Aí veio o Joesley Day ou um vento lá de
fora, acabei me 'stopando' e esqueci de voltar para a
posição. Mas eu estava com a posição correta e não ganhei
dinheiro”. Então, nesse nosso business , o estar vivo, a
nossa filosofia de gestão, é muito importante. E isso é um
diferencial no longo prazo. Tem Assets que acertaram, mas
tropeçaram no meio do caminho. Se enrolaram no modus
operandi e quando chegou no final do ano, no período, não
conseguiram entregar o que gostariam. Todo esse
alinhamento, pessoas boas, somado ao modus operandi, é o
que faz com que a gente consiga entregar o que a gente se
propõe.

Vocês gerem o fundo perseguindo um objetivo de


volatilidade ou de retorno?

Bruno: Acho que objetivos de retorno e de vol se falam


muito. Eu acho que a vol é mais clara. Na média, vamos
estar com 5% de vol. Se estivermos com posições muito
confiantes, ela vai estar mais perto de 7%. E, quando não
tiver nada de bom, estaremos com uma vol perto de 3%. E
por aí vai. Achamos que a vol é uma boa forma de
padronizar, porque se consegue fazer um link razoável entre
volatilidade e retorno. No Brasil, bons fundos tiveram
Sharpe perto de 1. No médio prazo, um Sharpe muito maior
do que 1 é difícil para caramba. Então, se tivermos um
Sharpe de 1, vamos ter um retorno médio, líquido, de taxas
de CDI + 5%. Imagine que a gente tenha uma posição
comprada em bolsa. Digamos que a bolsa tenha volatilidade
de 25%. Tudo mais constante, se eu tiver 20% comprado em
bolsa, eu vou trazer uma vol de 5% para o fundo. Isso baliza
o tamanho das posições que a gente pode ter. Só que a vol
de curto prazo nem sempre é o melhor previsor da vol do
ativo. Às vezes, o mercado mostra uma vol muito baixa,
mas sabemos que aquilo ali não é a vol de longo prazo
daquele ativo. Sabe-se que, na média, a vol é maior. O
mercado de juros, por exemplo, é um mercado que tem uma
vol muito baixa, mas uma vez por ano, pelo menos, tem um
movimento de estilingada de stop que é descontrolado.
Então a vol média é alta, mas no curto prazo, às vezes, ela
é baixíssima. Você tem que tentar fazer uma projeção do
que você acha ser a vol esperada e as correlações entre os
ativos, para tentar fazer uma vol projetada do futuro. Temos
um modelo desenvolvido nosso, para tentar projetar a vol
do fundo e aí fazer um balizamento das posições em função
disso.

Vocês conversam com outros players para entender


como está a cabeça do mercado?

Júlio: É natural, dado o tempo que temos de mercado. Tenho


uma rede de contatos, o Bruno tem uma rede de contatos.
Eu conheço os contatos dele, ele conhece os meus, mas
tenho mais proximidade com alguns, ele tem mais com
outros. E é natural uma troca de opiniões recorrente entre
pessoas de mercado que você confia. Então, é mais uma
segunda maneira de conversar. Você conversa com pessoas
da sua equipe, que é de onde vem a informação primária, o
fundamento, atividade, inflação, as nossas projeções...
Vamos criando o nosso cenário, mas você usa os seus
parceiros de mercado e amigos para ficarem te
questionando: “Tem algo que eu não estou vendo? Será que
tem algo que alguém aqui possa estar falando de diferente
do que os meus economistas estão falando?”. Então, é
importante sim, a gente faz almoço de mercado, com o
pessoal de mercado. A gente vai a eventos, vai a Brasília, a
eventos políticos aqui na XP. Aí, você fica refinando a sua
análise. Eu acho que o primário vem da casa. E a gente usa
inputs de fora, para ficar se questionando o tempo todo.

Bruno: Eu concordo. Tentamos minimizar o ruído. Existe


muita gente achando muita coisa o tempo todo. Mas as
pessoas não têm o mesmo peso na confecção do cenário.
Tem pessoas que não têm a menor capacidade de dar
opinião, mas todo mundo tem opinião sobre alguma coisa.
Então, você tem que filtrar bem as pessoas que você acha
que têm uma opinião válida, que têm capacidade de dar
uma informação sobre aquilo. O mais relevante é você ter
gente contra-argumentando o tempo todo.

Quais foram os piores momentos de mercado de


vocês?

Júlio: A gente até brinca aqui que é maio... Maio tem sido
um mês não muito bom para o nosso fundo.
Especificamente, maio de 2017 e maio de 2018.
Basicamente, todo mundo sabe da história, do Joesley Day,
não preciso nem entrar no mérito do black swan . Do
imprevisível do imprevisível. Nunca poderíamos imaginar
que ocorreria aquilo, num momento em que a inflação e a
atividade estavam fracas. A inflação brasileira estava
afundando. O Banco Central estava num ciclo forte,
agressivo de queda de juros. E estava aumentando a
confiança. Se não me engano, ele iria até acelerar. Naquele
momento, tinha risco de ele acelerar a queda de juros.
Então, era um momento de muita convicção dos players ,
por isso que houve aquele movimento exagerado no DI.
Então o Joesley Day foi um dos nossos piores momentos, foi
o maior drawdown que a gente teve na cota. Mas, como a
gente é todo centrado em fundamento, cenário, a nossa
reação foi: como o cenário mudou, a gente achou que, do
dia para a noite, o cenário passou a inexistir, não
saberíamos nem o que sairia no áudio. O Joesley disse que
tinha um áudio, mas não disse o que tinha no áudio. Foi um
dia às escuras. Então, na ausência de cenário, zeramos as
posições para esperar que o cenário clareasse novamente.
Esse foi maio de 2017. Maio de 2018 foi uma agonia um
pouco mais lenta, uma greve de caminhoneiros que parecia
inicialmente inofensiva. Eu nunca tinha visto uma naquela
proporção. Estava já ocorrendo um movimento de dólar
forte no mundo, com moedas de emergentes começando a
desvalorizar. A greve dos caminhoneiros virou um evento
até meio político e antecipou uma discussão eleitoral. O
Brasil tem um risco de populismo maior do que
imaginávamos. Aí que o mercado lembrou do risco das
eleições. O real, que já estava depreciando por motivos
externos, ampliou o movimento. A gente foi se
questionando: “Será que estamos corretos? Será que há
risco dos juros pararem de cair?”. Chegou uma hora que a
gente falou: “Tem mais risco do que a gente imagina”.
Fomos reduzindo, reduzindo, reduzindo as posições e não
tivemos um drawdown do tamanho que poderíamos ter tido
se não reavaliássemos o tempo todo. Acabou que, mesmo
em menores steps , um dos piores meses que tivemos foi
maio de 2018.

Bruno: Na história recente do fundo foram esses meses os


mais difíceis. Na época do Joesley, o pior foi não conseguir
olhar para frente e ver um cenário. Como tudo vem do
cenário, não ter um cenário e ser incapaz de atribuir
probabilidades a cenários distintos foi horroroso. Sempre
que envolve muita política, pra gente, é difícil. Porque é
difícil ter um edge político, é difícil ter uma vantagem
comparativa em política. Olhando mais para trás, na minha
vida particular, 2014 foi um ano muito difícil. Em 2013 eu
estava bastante pessimista e foi um ano bom. Mas, em
2014 o cenário externo era muito otimista, só que houve a
piora do fundamento local. Antes disso, 2002 foi muito difícil
também. Foi meu primeiro ano de mercado, mais
ativamente na gestão. 2002 começou com o impacto da
crise argentina. Junto com uma “barbeiragem” do Banco
Central, que fez a marcação a mercado de títulos. Depois,
teve uma piora forte lá fora, tiveram as eleições aqui...

O que vocês aprenderam com momentos marcantes


nos quais estavam na ponta errada do mercado? O
que vocês aprenderam com aquela situação?

Júlio: Na minha vida profissional antes da XP, uma coisa que


eu aprendi é respeitar o mercado, principalmente o mercado
de juros. Em alguns momentos que você começa a olhar e
fala: “Não pode ser verdade o que está ocorrendo”. O
mercado de juros começa abrindo 50 basis e você fala: “Não
é verdade, cara! Eu achava que o mercado tinha que fechar
e o negócio está abrindo”. Por isso os limites também de
VaR e Stress são importantes. Porque eles te obrigam a ter
uma disciplina. Mas o ideal é que você tenha essa disciplina
antes de bater nos limites. O meu maior momento de
aprendizado e que mostrou que a disciplina é muito
importante foi 2006. O Brasil vinha de um momento de
melhora muito forte. Tínhamos iniciado um ciclo de queda
de juros em setembro de 2005. De 19,75% ele caiu para
11,5%. Foi o maior tempo caindo juros no Brasil. Nesse
momento de euforia o Brasil estava abrindo o mercado para
investidor estrangeiro. Ele estava começando a aplicar em
NTN-Bs 2045. Mas só que, no meio desse período, em abril e
maio de 2006, teve um soluço forte lá fora, de medo de
inflação americana. Foi tão forte que jogou as Treasuries
para cima. Os juros da B45 tinham caído de níveis de 8,0%
de juros para 6,0%. E de repente tivemos um soluço, uma
volta de 200 basis points. A taxa da B45 voltou de 6,0%
para 8,0% de novo. Em um mês. O vento estava vindo lá de
fora, não era daqui. Nessas horas é preciso ter um respeito
e atentar para a questão da posição técnica. Você tem que
fazer esses grandes movimentos logo nos primeiros 25% -
30% do movimento, para você não morrer. Então, a gente
“stopou” toda a posição. Não tem problema em realizar uma
perda. Tivemos uma disciplina adequada de tentar avaliar o
que estava acontecendo e o que não estava se encaixando
no quebra-cabeças. Se eu não tivesse tido essa disciplina à
época, eu teria tido um drawdown muito, muito forte, que
poderia atrapalhar muito o business . Depois que ocorreu o
movimento, em maio de 2006, impressionantemente, o
cenário foi ficando cada vez mais claro, lá fora acalmou. Daí
em diante, até o final de 2006, foram alguns dos melhores
momentos que já tive na carreira. O mercado foi fechando
continuamente até meados de 2007. Fui gradualmente
voltando a ter confiança, aumentando as posições e
esperando, além de analisar para ver se tinha algo que
pudesse sair do script . Mas foi um aprendizado em termos
de respeito e disciplina, e de visualizar de onde pudesse vir
algo que não estava mapeado. Foi respeitar o mercado. Para
poder sobreviver e, no final, monetizar o que eu tinha
originalmente na cabeça.

Bruno: O meu primeiro grande trade foi horroroso. Foi um


trade de valor relativo entre papeis de dívida externa
brasileira. O mercado estava achando que ia ter swap, eu
achava que não ia ter. E se tivesse ia ser um fracasso.
Acabou tendo o swap e foi um fracasso. Só que quando
anunciaram o swap o meu trade andou para trás e depois
voltou. O que fica desse evento é de que o grande
disciplinador do mercado é o mercado de juros. Ele vai
mexendo devagarzinho e, de repente, ele abre igual a um
alucinado. Ele fecha 2, 3 basis por dia, todo dia, durante
cinco meses. E, de repente, ele abre 200 basis em duas
semanas. Os outros mercados têm menos diferença de
volatilidade na melhora e na piora. O mercado de juros é um
mercado unidirecional, só tem um tomador, que é o Tesouro
Nacional. E o resto, a economia inteira, é doador, não tem a
outra ponta. Então, as volatilidades são extremas. O
aprendizado que ficou é: nunca se coloque numa posição na
qual você pode ficar em corner . Isso vale para vários ativos.
Toda posição é uma teoria. E aquela teoria é testada
consistentemente. Como em ciência, tudo tem que ser
refutado. Você não consegue provar um positivo, não prova
um negativo. Se jogar uma maçã para cima e a maçã não
cair de volta, a gravidade foi para o caramba! Toda teoria
tem que estar sendo constantemente refutada para
continuar valendo. Mas você não pode se colocar em uma
situação em que se você for refutado, você quebra, não
consegue sair ou não consegue gerenciar. Você acaba com
um risco de business muito grande. Então, trata-se de
tentar ter posições adequadas para estar vivo. Quando o
mercado está num high e você está ganhando, você não é o
único que está posicionado. Na hora que o negócio vai mal,
é melhor estar melhor que os outros, do que estar melhor
que os outros quando o negócio vai bem.

Que conselho vocês dariam para alguém que está


começando nesse business ?

Bruno: Eu acho que a pessoa tem que gostar bem de


estudar. Tem que gostar bem do que faz. Meu primeiro
chefe me falou algo que eu nunca vou esquecer: “A sua
profissão tem que virar o seu hobby. Você tem que imaginar
que, se você ganhar na loteria, vai continuar fazendo o que
você está fazendo”. Você tem que ter prazer em fazer
aquilo. Se você tem prazer, você vai fazer cada vez melhor.
E eu acho que o negócio que fazemos é sedutor, porque
nosso negócio é ficar estudando o dia inteiro, ficar
estudando o tempo todo e ficar pensando em teorias e por
aí vai. Então você tem de ser uma pessoa que goste de
estudar, mas que seja aberta a se questionar o tempo todo.
Para a gente, tudo é resultado, então, você tem que estar
aberto a escutar as teses contra você. Você também tem
que ter uma humildade intelectual grande. Tem algo que
acho curioso na vida do gestor: você tem que ter arrogância
para tomar uma posição, para dizer que aquele preço está
errado e, no limite, você está dizendo que aquele preço está
errado o tempo todo. Mas tem que ter humildade para
quando o negócio ir contra. Porque isso significa que você
está errado. Acho bem legal isso.

Júlio: Aqui entra um pouco da diferença entre uma


tesouraria e asset management . Em asset management
você lida com o dinheiro dos clientes e, numa tesouraria,
você lida com o dinheiro do dono do banco. Você pode ser
maluco e se, no final, você ganhar dinheiro, o dono do
banco vai gostar de você. Você pode perder dois anos
seguidos, mas se, no terceiro, você dá um pancadão, o dono
do banco pode gostar de você e te manter lá como diretor
de tesouraria. No asset management você precisa que os
clientes gostem de você todo santo dia, todo mês, todo ano
e confiem dinheiro a você. Então são negócios diferentes,
tesouraria e asset management , e você tem que lidar com
aquele dinheiro assim como você lida com o seu, como o
nosso dinheiro. É por isso que a gente aqui tem o
compromisso no XP Macro, e em toda a XP Asset, de
reinvestir praticamente todo o nosso patrimônio.
Reinvestimos nos nossos próprios fundos. E, então, pensar
dessa maneira como Asset e não como uma tesouraria faz
com que você encare o business como de longo prazo. O
nosso objetivo não é ficar rico, pegar o capital e tentar dar
um pancadão de hoje para amanhã, de hoje para um mês. A
gente está aqui para rentabilizar o nosso investimento e o
dos nossos clientes para o longo prazo. E quanto mais você
pensar lá na frente, mais cuidado, carinho e zelo na gestão
você vai ter. Você vai acordar todo dia querendo ganhar,
mas, tendo uma preocupação muito grande em, antes de
tudo, não ter uma grande perda. Então, a mensagem é: o
business de asset management é uma maratona, não é
uma corrida de 100 metros. Se você pensar dessa maneira,
você vai trabalhar para tentar, devagar e sempre,
rentabilizar. No final, se o cliente estiver feliz daqui a dez
anos, você, com certeza, sendo um gestor de Asset, vai
estar bem. Não precisa ser de hoje para amanhã. Acho que
essa é a mensagem.

Capítulo Bônus
ANA LAURA MAGALHÃES E

MATHIAS FULDA

A na Laura Magalhães é mestre em Economia Política


Internacional e apaixonada por ajudar pessoas a investirem
e planejarem melhor seu futuro financeiro. Em 2018 criou a
página @explicaana, que se tornou um dos maiores canais
de finanças do Brasil.

Mathias Fulda começou a trabalhar no mercado de capitais


alguns meses após a maxidesvalorização do real em 1999,
em um período delicado da economia brasileira, repleto de
reuniões extraordinárias do Copom e Taxa Selic a 45% ao
ano. Além de gerir recursos de terceiros, analisou e
selecionou fundos como investidor institucional.

S elecionando e acompanhando Fundos


Multimercado

Mathias: Ana Laura, na sua visão, por que vale a pena


investir em fundos multimercado?

Ana Laura: Não devemos estar 100% alocados apenas em


juros ou ações. Fundos multimercado permitem ao
investidor se posicionar em vários ativos simultaneamente,
trazendo uma amplitude de estratégias e uma gestão ativa
que balanceia posições em juros, inflação implícita, ações,
moedas e commodities, entre outras. Essa é a beleza das
diferentes posições simultâneas, que permitem aos gestores
explorarem as assimetrias de preços em vários mercados,
maximizando o retorno com risco adequado. O aumento da
quantidade de alocações tende a reduzir o risco. Ou seja,
essas multiestratégias combinadas trazem diversificação,
redução de riscos e maximização de retornos. Ter fundos
multimercado no portfólio de investimentos é esse ncial.

Mathias: É uma classe de ativos diferenciada mesmo. É


interessante reparar a forma como cada fundo implementa
essas estratégias por meio de diferentes abordagens.
Alguns gestores, junto à equipe de analistas, se
especializam em avaliar o cenário econômico e estimar
onde os preços de mercado deveriam estar. Frente a preços
fora do equilíbrio, se posicionam em função da premissa de
que os preços irão convergir para o cenário deles. Já outros
têm um approach levemente diferente. Avaliam como os
vários agentes do mercado irão perceber o cenário
econômico no futuro, daqui a uma semana, um mês ou mais
à frente. Estão mais interessados em entender o que outros
investidores comprarão no futuro por um preço maior do
que o atual. Isso me faz lembrar o conceito do Beauty
Contest, popularizado pelo economista John Maynard
Keynes em 1936 para descrever o comportamento dos
participantes do mercado acionário. Keynes comparava a
arte de selecionar ações à atividade de prever corretamente
o vencedor de um concurso de beleza imaginário. Nesse
concurso, os jornais publicariam fotos de 100 mulheres, e
cada leitor deveria escolher as cinco fotos que achava que
os outros leitores escolheriam. Quem acertasse o consenso
de todos os outros leitores, ganharia o jogo. Keynes dizia
que o sucesso nesse jogo não estaria relacionado ao ato de
escolher os rostos que, no julgamento pessoal do leitor,
seriam os mais bonitos, nem mesmo aqueles que a média
das pessoas consideraria serem os mais bonitos. Seria a
terceira derivada: antecipar o que a opinião média dos
leitores esperaria ser a opinião média dos outros. E ele
acreditava que alguns leitores chegariam a praticar,
inclusive, a quarta, quinta e outras derivadas. Em outras
palavras, Keynes acreditava que, no caso do mercado
acionário, selecionar ações seria um jogo psicológico de
prever quais ações outras pessoas escolheriam no futuro.

Ana Laura: Esse é um conceito muito interessante.

Mathias: Sem dúvida! Quais dicas você dá para investidores


selecionarem fundos multimercado?

Ana Laura: Acho muito bom falarmos desse assunto, porque


não é difícil encontrar pessoas que investem em produtos
que não são aderentes ao seu perfil de investidor. Alguns
investidores escolhem fundos de um gestor mais conhecido
ou fundos que investem em uma classe de ativos mais
popular. Então, para começar, eu gosto de analisar algumas
informações. Por mais que rentabilidade passada não seja
previsão de rentabilidade futura, ela nos mostra,
minimamente, as estratégias de controle de risco dos
gestores. E o passado me ajuda a entender o que esperar
no futuro. Acho importante olharmos para o desempenho de
cada fundo em momentos de estresse nos mercados. Ver se
usaram estratégias de proteção e como cada gestor
controlou a volatilidade. Se olharmos um panorama dos
últimos cinco anos, por exemplo, é importante ver quais
fundos se saíram melhor no época do impeachment do
governo Dilma, durante o governo provisório, no Joesley
Day, no período eleitoral de 2018 e agora, nesse cenário de
pandemia. É interessante ver quais fundos conseguiram
lidar melhor com as incertezas do mercado e trazer
rentabilidade mais equilibrada ao longo do tempo. Eu gosto,
também, de entender quem são as pessoas que compõem o
time e saber se elas estão alinhadas. O dinheiro delas está
lá dentro? Quando o fundo vai mal, ele também perde o
próprio dinheiro? Me deixa mais satisfeita investir em
fundos onde sei que todo ou grande parte do patrimônio dos
gestores também está lá. E, por fim, gosto de Assets que
são comprometidas com o conceito de partnership . Quanto
mais elas fidelizam seu time, em uma estratégia de longo
prazo, maior é o compromisso da casa com os cotistas do
fundo.

Mathias: Falando de pessoas, podemos traçar um paralelo


interessante. Gestores de ações do estilo value investing
conhecem profundamente as pessoas à frente da empresa
na qual pensam em investir. Em muitos casos, compram
mais o management e o potencial da empresa no futuro do
que necessariamente os números recentes. Números são
importantes, mas esses investidores dão maior importância
às pessoas que administram o negócio. No caso de gestão
de fundos multimercado, conhecer os gestores e seus
estilos é importantíssimo.

Ana Laura: Exato. Em alguns casos, quando novos gestores


vêm de tesourarias de bancos, ficamos sem um histórico de
cotas para analisar, mas eles trazem uma experiência
prévia. Então, conhecer essa experiência é fundamental.
Você falou de números. Como você analisa a parte
numérica?

Mathias: Considero a análise quantitativa a base para


começar a selecionar fundos. O ideal é partir de uma lista
dos fundos disponíveis em cada categoria de fundos
multimercado em que se esteja considerando investir. O
segundo passo seria comparar a performance histórica com
o CDI e, eventualmente, com os índices IHFA, IFMM e IMA-
B5. Em seguida, eu excluiria os fundos com volatilidade
acima do perfil de risco do investidor. O objetivo desses três
primeiros passos é filtrar a enorme lista de fundos. Facilita a
análise. Existem boas ferramentas para avaliar dados
históricos de fundos, mas as melhores são pagas. Quem
sabe, no futuro, as próprias plataformas de investimentos
possam vir a disponibilizar sistemas dedicados a isso para
seus clientes. Isso ajudaria alocadores e investidores a
realizarem seu próprio research de fundos. Vale a pena citar
que escolher o período de análise de rentabilidade de
fundos é uma arte, porque você precisa combinar o histórico
de gestoras que estão há menos tempo no mercado com
outras que têm um histórico maior. Em tese, quanto maior
puder ser a análise histórica de cotas, melhor. O prazo mais
longo permite considerar, por exemplo, um fundo que não
foi bem no curto prazo, mas possui um histórico excelente.
E vice-versa... No quarto passo, é importante avaliar se a
rentabilidade de cada fundo na nossa lista foi gerada pela
equipe atual do fundo. Em alguns casos, quando um bom
gestor ou uma boa equipe sai de uma Asset e vai para
outra, podemos unir o histórico de cotas de cada fundo que
geriam em cada instituição. Assim temos uma análise mais
fiel da performance entregue por esses profissionais. Por
fim, precisamos chegar em uma forma de ranquear os
fundos com os dados de rentabilidade, idealmente
combinando indicadores de retorno bruto, retorno ajustado
ao risco e o retorno ajustado a drawdown . Esse seria o
básico. Mas uma outra medida interessante seria avaliar,
em janelas móveis de 12, 24, 36 ou mais meses, o
percentual das vezes que a rentabilidade do fundo esteve
acima do CDI. Esses cinco passos da análise quantitativa
fornecem uma lista menor de fundos, uma short list , para
realizarmos a parte qualitativa da análise.

Ana Laura: Pois é, a parte qualitativa é fundamental.


Especialmente conhecer o processo de tomada de decisão
de cada Asset. Nesse aspecto, as cartas dos gestores me
ajudam a entender o que está acontecendo com o fundo
naquele mês. Eu valorizo muito a estratégia de
comunicação das Assets com o cliente final. Existem
diversas ferramentas de comunicação que trazem a
possibilidade de transparência com o cliente. Gestor de
difícil acesso não existe mais. Acho que com a própria
democratização do investimento e do acesso aos fundos, a
informação interna também precisa ser democratizada. Se
as empresas negociadas em bolsa têm o compromisso de
abrir, trimestralmente, seus demonstrativos financeiros, por
que não as Assets deixarem mais claro como estão
enxergando o mercado e quais as principais posições dos
fundos? Por exemplo: a posição do fundo está 10% em
juros, 20% em commodities, 5% em Long & Short etc. Os
materiais de divulgação poderiam evoluir nesse sentido. Ter
transparência do que se passa na cabeça do gestor ajuda a
avaliar se o fundo é descorrelacionado com os outros.
Assim, podemos entender se aquele fundo agrega e
complementa o portfólio.

Mathias: Verdade. Quando selecionam fundos, grandes


alocadores e investidores institucionais costumam enviar à
Asset um questionário com uma série de informações que
gostariam de obter. São informações sobre a empresa, a
equipe, os fundos e os processos internos de investimento,
compliance e risco. Um bom ponto de partida é o
Questionário de Due Dilligence da Anbima. Costumo dizer
que um dos principais objetivos da análise qualitativa é
inferir se o resultado histórico pode ser repetido.
Geralmente se faz isso entendendo o processo de
investimento da casa, como o risco é dividido entre os
gestores, como pensa a equipe de gestão e de onde veio a
rentabilidade do fundo, que chamamos de atribuição de
performance. O ideal é entender o racional por trás das
estratégias vencedoras e das que trouxeram perdas. Isso
permite, com exemplos práticos, entender como o gestor
elaborou suas posições. Uma outra dica é unir risco e
performance. Caso o gestor possa enviar essa informação, é
interessante avaliar o VaR e o Stress Test ao longo do
tempo. Porque a rentabilidade pura não mostra o quanto de
risco potencial foi tomado ao longo do tempo para entregar
a performance. Então, dois fundos com um mesmo Índice de
Sharpe podem ter corrido níveis de risco completamente
diferentes para entregar aqueles resultados. Às vezes, o
fundo teve baixa volatilidade na cota, mas correu um risco,
em termos de Stress Test , consideravelmente alto.
Juntando todos os pontos da análise qualitativa, temos mais
dados para avaliar se os elementos que trouxeram
performance histórica continuam válidos. Além de
acompanhar as informações compartilhadas pelos gestores
em diversos formatos, que outras dicas você daria, Ana
Laura?

Ana Laura: Após investir em um fundo, é importante


acompanhar o desempenho dele. Mas a minha dica pessoal
é: o acompanhamento não deve envolver uma verificação
diária da cota. Ele deveria ser de médio-longo prazo, em
conjunto com uma avaliação das decisões tomadas pelos
gestores. Olhar a rentabilidade mensal é um bom
parâmetro, mas não é suficiente. Eu recomendaria olhar no
final da primeira semana do mês subsequente. Ver se
aquela Asset já divulgou a carta para explicar o mês
passado, buscando entender o que aconteceu com o fundo.
Lembrando que cada investidor possui uma rentabilidade
diferente, que depende da data em que ele entrou no fundo.
A partir do nível de abertura da atribuição de performance e
das tomadas de decisão dos gestores disponibilizadas nas
cartas e em outras ferramentas, podemos avaliar a
transparência de comunicação dos gestores com os
investidores.
Mathias: É, acompanhar fundos requer dedicação. Inclusive,
estamos vendo uma tendência que surgiu com o
desenvolvimento da indústria de fundos: profissionais
dedicados à seleção, alocação e acompanhamento de
fundos. Parece ser, cada vez mais, uma profissão dentro do
mundo da gestão de investimentos. Lembrando que o
processo de acompanhamento é uma continuidade do
processo de seleção. Acho que todos os pontos
considerados na seleção dos fundos deveriam ser
revisitados, de tempos em tempos, no acompanhamento.
Algo que também pode agregar valor é conversar com
outros alocadores, trocar ideias sobre a percepção deles de
uma determinada Asset ou determinado gestor, por
exemplo. Isso pode ajudar no caso de um fundo passar por
um momento de rentabilidade abaixo do esperado. Para
Assets renomadas, o resgate de um fundo deveria estar
mais relacionado com uma mudança de percepção do
investidor sobre a estrutura da casa, a filosofia de gestão ou
a equipe, e menos com a performance de curto prazo.
Mudando de assunto, como você vê a questão de dividir a
alocação entre vários fundos?

Ana Laura: Eu acho muito importante ter todas as


estratégias de fundos multimercados. Fundos macro
complementam fundos multiestratégia, que complementam
fundos quant , que complementam fundos Long & Short .
Mas como alguns fundos podem ser parecidos, é bom
entender o estilo dos gestores e suas estratégias, para não
estarmos over posicionados na mesma classe de ativos. É
importante ter pelo menos um fundo de cada tipo. Se você
ainda fizer um ranking de fundos, olhando para essas
premissas que mencionamos e criar esses filtros ao longo
do processo, à medida que o seu patrimônio permita, você
também pode ir somando novos fundos ao seu portfólio ao
longo do tempo.
Mathias: Sem dúvida existem fundos de um mesmo tipo que
têm alta correlação entre si, resultando em baixa
diversificação. Mas dentro de um mesmo estilo de fundos,
acontece de um fundo ir mal enquanto outros estão indo
muito bem, especialmente em momentos de alta
volatilidade ou de crise. Então, sempre que possível, gosto
de diversificar em um número maior de fundos. E, na hora
de pensar quanto alocar em cada fundo, vejo basicamente
três abordagens igualmente válidas: alocar igualmente
entre os fundos, alocar com auxilio de um ranking ou
otimizar uma carteira de fundos. A alocação por ranking
supõe alocar mais nos fundos com melhor posicionamento
na sua lista de indicadores de performance. A otimização
também pode ser uma ferramenta útil, permitindo associar
risco, retorno e correlação histórica entre os fundos. De
todos esses anos visitando diversas Assets, que
experiências você vivenciou no contato com os gestores?

Ana Laura: Gostei de aprender com certas vivências


pessoais de alguns gestores. Passar pelo Banco Central ou
pelo Governo traz uma bagagem diferente de ter trabalhado
em tesourarias de bancos. Não que seja melhor ou pior, é
apenas diferente. Um outro ponto foi perceber, conhecendo
alguns gestores pessoalmente, um pouco desse aspecto
humano, complementar à capacidade de tomar decisões
financeiras com o dinheiro do outro. Nem sempre vemos os
erros que o gestor comete, mas ele sabe. Alguns gestores
são humildes para reconhecê-los. Gosto dos que identificam
os próprios erros e compartilham ideias para não repeti-los.
Alguns gestores têm mais dificuldades nesse processo, seja
porque têm um histórico bom ou porque têm muita
experiência. Me parece importante perceber que o cenário
se modifica e algumas estratégias precisam ser alteradas no
longo prazo. Os fundos multimercado têm uma tarefa difícil
na busca por assimetria de preços. Acho bom quando o
gestor reconhece que não tem o poder de prever o futuro,
mas pode tomar as melhores decisões com as informações
disponíveis no presente. E que, em algum momento, ele vai
errar. Olhar para esse lado humano é algo que também
deve ser considerado.

Mathias: Estamos no início da crise do coronavírus, uma


pandemia. Mesmo considerando as singularidades dessa
crise, notamos que, de tempos em tempos, há algum
evento que traz incerteza. Não necessariamente uma crise,
mas algo que traz volatilidade ao mercado. Em 2018 houve
a greve dos caminhoneiros e a volatilidade pré-eleitoral. Em
2017, o Joesley Day. Em 2015 e 2016, a crise do governo
Dilma. Em 2014, eleições novamente. Em 2013, alta das
curvas de juros e as manifestações de rua aqui e em outros
países emergentes. Em 2012, a crise europeia. Em 2011,
uma expectativa de shutdown do governo americano. Em
2008, a Crise Financeira Global, que, na verdade, começou
com uma sacudida dos mercados já no final de 2007. Em
2004, no Brasil, houve a crise política relacionada ao
Waldomiro Diniz. Em 2002, um low nos mercados acionários
globais, combinado com a eleição do ex-presidente Lula. Já
em 2001, três eventos: o racionamento de energia, o 11 de
setembro e a crise argentina. Em 2000, o estouro da bolha
da Nasdaq. Em 1999, a maxidesvalorização do real
brasileiro. Em 1998, a crise da Rússia e quebra do hedge
fund americano LTCM. Em 1997, a crise asiática e, dois anos
antes, a crise do México. Um histórico e tanto! Na sua visão,
o que podemos aprender com as crises?

Ana Laura: A principal lição é que os mercados são cíclicos.


Num mundo integrado, podemos sentir mais impactos que
em crises passadas. Então, de fato, uma crise importante
em um ponto do mundo vira também uma crise em outro
lugar como consequência. Eu gosto de ver, por exemplo, a
vivência dos gestores que passaram por outras crises e o
aprendizado que trazem para a crise atual. É
impressionante perceber como todos eles concordam que
não existem muitas similaridades, e que hoje nós passamos
por um processo em que a crise vem da economia real e
impacta, a posteriori, o mercado financeiro. Isso é
superinteressante. Porque se olharmos para a crise europeia
ou para a crise de 2008, vemos que foram crises financeiras
que, a posteriori, impactaram a economia real. É curioso ver
o quanto os gestores também passam por um processo de
aprendizado, tendo que lidar com novos fatos, notícias e
expectativas do mercado. Quando o investidor escolhe um
fundo para investir seu capital, ele confia que o gestor
tenha expertise suficiente para absorver as novas
informações e tomar uma decisão melhor do que o
investidor individual poderia fazer sozinho. Também aprendi
que cada momento da economia é diferente. Momentos de
crise nos mostram quem consegue olhar para o menos
óbvio. Enquanto muitos gestores renomados estão fazendo
posições idênticas em momentos de grande otimismo,
outros percebem que é hora de começar a se posicionar de
forma conservadora ou até mesmo contrária. Não tem
ninguém comprando ouro? Compra ouro. Todo mundo
comprado em bolsa? Vende S&P Futuro. Um exemplo que
gosto de citar é o do Howard Marks, gestor americano que
escreveu o livro The Most Important Thing . Ter esses
gestores na carteira pode fazer sentido no longo prazo, já
que traz um equilíbrio, reduzindo a volatilidade da carteira
de fundos do investidor. Por isso vale a pena escolher
fundos complementares. É um filtro interessante na hora de
escolher um bom produto.

Bibliografia

Os livros para ler sobre o mercado financeiro evoluem com o


tempo. Encontrei nas páginas abaixo uma curadoria incrível
com os melhores títulos para quem já trabalha no mercado
ou para quem está começando a ler sobre investimentos.

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Vale a pena!

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app da Amazon, procure pelo livro "assimetria gestores de
fundos multimercado", role a tela para baixo e, abaixo do
gráfico de Avaliação de Clientes, clique no botão "Escreva
uma avaliação". É isso!

Obrigado e um abraço,

Mathias Fulda

Glossário
As definições desse glossário levam em conta o contexto da
gestão de investimentos. As respostas são breves ( short
answer ) e sem tecnicismo, de forma a facilitar o
entendimento prático.
Alpha: valor agregado sobre um índice de referência.

Back-test: teste de um modelo matemático a partir de


dados históricos.

Basis ou basis points: o equivalente a 0,01%.

Bear market: termo genérico para mercados de baixa.

Bearish: estar com uma visão negativa para um mercado


ou preço de ativo.

Beta: razão de quanto se espera que a carteira de


investimentos se valorize ou desvalorize com relação a um
índice de referência.

Book: sinônimo de carteira de investimentos ou portfólio.

Bullish: estar com uma visão positiva para um mercado ou


preço de ativo.

Capacity: tamanho máximo de um fundo para que o gestor


consiga manter o nível de rentabilidade esperado.

Carry: quanto uma posição ganha ( carry positivo) ou custa


( carry negativo) em função da passagem do tempo.

Compound: retorno acumulado por juros compostos ou


rentabilidade composta.

Contrarian: investidor que tenta pegar viradas de preços


de ativos financeiros, contra a opinião da maioria.

COT (Commitment of Traders): dados divulgados no


mercado americano para medir o posicionamento comprado
e vendido dos agentes.

Downside: potencial de queda do preço de um ativo.


Drawdown e maximum drawdown: maior queda
percentual de um ativo ou cota de fundo, de um topo a um
fundo.

Driver: fator econômico que afeta o preço de um ativo.

Duration: prazo médio de uma carteira de ativos de renda


fixa.

Edge: de forma estatística, quanto uma estratégia


consegue ganhar acima da média ao longo do tempo.

Equities: termo em inglês para ações de empresas


negociadas em bolsa.

ETF: abreviação de Exchange Traded Fund , fundo de


investimento negociado em bolsa.

Follow-on: emissão secundária de ações por parte de uma


empresa.

Growth: geralmente relacionado a ações de empresas com


maior potencial de crescimento ao longo do tempo.

Hard limit ou soft limit: limite de risco mandatório ( hard


) ou flexível ( soft ).

Hedge: estratégia para proteger a carteira de


investimentos de quedas de preços.

Large caps: empresas grandes listadas em bolsa.

Long & Short: estratégia de estar comprado em um ativo


e, simultâneamente, vendido em outro, estimando que o
primeiro deva subir mais que o segundo em caso de alta
dos dois ativos, ou cair menos em caso de baixa de ambos.
M & A: abreviação de Mergers and Aquisitions , fusões e
aquisições.

Momentum: fator que impulsiona os ativos a seguirem na


tendência recente de alta ou de queda.

PnL: contabilização do ganho ou perda no investimento.

Pricing: apreçamento de um ativo financeiro.

Risk on e Risk off: momento de apetite ou aversão a risco.

Risk parity: estratégia de gestão que balanceia uma


carteira de investimentos, em função da contribuição do
risco de diversas classes de ativos para o risco total da
carteira ou fundo.

Sell side: análise econômica e de empresas fornecida por


bancos e corretoras a seus clientes.

Sharing economy: economia compartilhada, como, por


exemplo, Uber, AirBnB e coworking.

Sharpe ou Índice de Sharpe: relação entre o retorno e o


risco de um investimento.

Small caps: empresas pequenas listadas em bolsa.

Smile: curva ou superfície de volatilidade implícita nas


opções de ativos.

Soft landing: desaquecimento suave da economia.

Spot: preço à vista de um ativo como, por exemplo, uma


moeda ou commodity.

Stop, stop loss e stop gain: limite de perda, com relação


ao preço de compra ( stop loss ) ou ganho recente ( stop
gain ), levando um gestor a liquidar suas posições.

Stress testing: medição da perda financeira possível de


uma carteira de investimentos em um cenário de grande
variação de preços.

Survival bias: fenômeno pelo qual apenas negócios de


sucesso permanecem ativos, trazendo a falsa sensação de
que aquele tipo de negócio sempre dá certo.

Timing: geralmente se relaciona com o tempo ideal para


comprar e vender um ativo financeiro.

Top down: análise de ações partindo-se de um visão geral


de setores econômicos e, a partir daí, descendo para o nível
de empresas específicas.

Trading system: sistema computadorizado que indica


momento de compra e venda de ativos financeiros segundo
regras predefinidas.

Treasuries: títulos públicos americanos.

Trend following: estratégia de comprar ou vender ativos


seguindo uma tendência.

Upside: potencial de ganho de uma estratégia.

Valuation: apreçamento do valor justo de uma empresa ou


ativo financeiro.

VaR ou Value at Risk: Valor em Risco em português,


medida estatística que mede a perda máxima de uma
carteira de investimentos, em um determinado intervalo
futuro de tempo, com um dado nível de confiança.
Yield: taxa de retorno esperado de um ativo financeiro que
gere renda contínua, como, por exemplo, renda fixa,
imóveis e empresas que são boas pagadoras de dividendos.

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