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Livros de Coro

Os dois principais ritos da Igreja Católica são a Missa e o Ofício das Horas ou Ofício Divino

O Ofício das Horas estrutura-se em Leituras retiradas do Antigo e Novo Testamento, em Salmos e
em Antífonas, estas, uma espécie de Refrão com que se começa e acaba o Salmo. Os versos dos
salmos, mais conhecidos por versículos, eram rezados ou cantados numa espécie de
pergunta/resposta: metade do verso atribuído a um grupo, a que outro grupo respondia com a
segunda metade. A estrutura musical de uma Missa divide-se em duas partes: o Comum e o
Próprio. Ao Comum, pertencem as partes que ainda hoje se cantam nas missas solenizadas: o
Senhor tende piedade de nós, o Glória, o Santo e o Cordeiro de Deus. Em terminologia litúrgica
pré-Concílio Vaticano II, Kyrie eleison, Gloria in excelsis Deo, Sanctus e Agnus Dei.

O Próprio deixou de se cantar na Missa em português. Em terminologia latina, os cânticos eram:


Introitus, Graduale/Alleluia, Offertorium e Communio. Estas partes foram substituídas por cânticos
mais ou menos temáticos que se ajustam a qualquer missa, ao contrário de antes, que variavam de
Missa para Missa. Devo explicar que existe uma diferença entre canto religioso e canto litúrgico: ao
canto religioso basta-lhe ser de qualquer temática religiosa, enquanto o canto litúrgico é parte
integrante dos textos de qualquer dos dois ritos católicos: Missa ou Ofício. Significa isto que o
cântico canto correspondente ao Próprio das Missas deixou de ser litúrgico.

Todo este repertório era escrito em grandes livros, colocados numa estante em frente ao Coro.
Eram grandes o suficiente para uma leitura a alguma distância. O material utilizado durante
séculos, foi o pergaminho, mesmo quando o papel já era vulgarmente utilizado. A razão justifica-se
pela sua utilização quase diária, se não diária, logo teriam que ser de material resistente ao tempo
e ao uso.

O pergaminho era feito de pele animal, geralmente de vitela ou de ovelha, bem raspada e colocada
em esticadores. A pele ia sendo molhada e gradualmente esticada para resultar uma textura mais
fina que permitisse a sua utilização para a escrita. Para melhor uniformização final da pele, era
esfregada com pedra-pomes. Este processo poderia demorar quase um mês. Entre os Livro de
Coro de Guimarães, por exemplo, os livros do mosteiro da Costa era de fólios (ou folhas, se
queiram) mais finas que os que se conservaram da Colegiada. À partida, significa que eram
economicamente mais custosos o que se justifica porque à data da sua elaboração, 1546, o
Mosteiro da Costa tinha sido, pouco tempo antes, transformado em Estudos Gerais, hoje
Universidade, e onde estudaram os infantes D. Duarte, filho bastardo de D. João III e D. António,
futuro Prior do Crato e filho de D. Luís, irmão de D. João III, dois primos de sangue real. Hoje, em
linguagem do dia-a-dia, chamar-lhe-íamos um colégio interno de meninos bem. Por sua vez, os
livros da Colegiada têm a data do início do século XVII (1610), tempo da ocupação espanhola, que
funcionou como uma espécie de interregno aos favorecimentos reais. O pergaminho utilizado é
mais grosseiro que os primeiros, notando-se perfeitamente o lado da pele e o lado da carne, o que
demonstra que não foram tão raspados e tão esticados. Derivado ao valor do pergaminho, era
muito vulgar o seu contrabando, sendo alguns dos contrabandistas, os próprios responsáveis dos
cartórios.

Com a extinção das ordens religiosas no tempo do liberalismo, em Maio de 1834, todos os seus
bens passaram a pertencer à Fazenda pública. Será de compreender que estes livros de coro
foram também eles, de alguma maneira, espoliados, vandalizados e até destruídos.
Reaproveitaram-se, casualmente, as suas folhas para servirem de capas a outros documentos
considerados valiosos, como é o caso de maços notariais. Podemos constatar isso em Guimarães,
no Arquivo Municipal e na Santa Casa da Misericórdia. Os espólios que se conservaram deveram-
se ao zelo de monges e outros religiosos que os esconderam da devassa oficial emanada dos
governos e alguma por conta própria de agentes locais. Por exemplo, os livros da Colegiada foram
encontrados escondidos numa parede por Alfredo Guimarães, o primeiro director do Museu Alberto
Sampaio.

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