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Enriquecimento de Farinha de Trigo por Adsorção de Carotenóides do Azeite

de Dendê Para Produção de Biscoitos Ricos em Provitamina A


Maria Rosa Figueiredo Nascimento1
Luiz Augusto da Cruz Meleiro2
Cristiane Hess de Azevedo-Meleiro3
Neusa Quaresma da Costa Dias da Mota
Barbara Avancini Teixeira

RESUMO

Enriquecimento de Farinha de Trigo por Adsorção de


Carotenóides do Azeite de Dendê Para Produção de Biscoitos
Ricos em Provitamina A.

O azeite de dendê é uma fonte lipídica de alto valor tecnológico, pois apresenta perfil em ácidos
graxos desejável para o processo de fracionamento. Entretanto, nesse processo, os carotenóides –
compostos bioativos importantes para saúde – são perdidos ou retirados. Este trabalho objetivou
recuperar estes carotenóides presentes no azeite de dendê através de um processo de adsorção
com farinha de trigo e desenvolver biscoitos enriquecidos com provitamina A usando essa farinha
fortificada. Foram utilizadas formulações substituindo a farinha tradicional pela enriquecida nas
proporções de 25, 50 e 75%. Os produtos foram analisados segundo parâmetros físico-químicos
(quantificação dos carotenóides), microbiológicos (Salmonella, coliformes totais e termotolerantes,
bolores e leveduras) e sensoriais (testes de aceitação com escala hedônica e ordenação por
preferência). Os dados foram avaliados estatisticamente através de análise de variância e teste de
Tukey, com p£0,05. Os resultados obtidos mostraram que o processo de fortificação da farinha
de trigo foi efetivo e que os produtos obtidos apresentaram 132, 193 e 260mg/g de carotenóides
totais expressos em beta-caroteno para as substituições de 25, 50 e 75% da farinha tradicional,
respectivamente. A aceitação sensorial pelo teste afetivo em todos os atributos avaliados recebeu
notas entre seis e sete na escala hedônica de nove pontos.
Palavras-chave: Elaeis guineensis Jacq.; fortificação de alimentos; beta-caroteno.

ABSTRACT

Enrichment of wheat flour by adsorption of carotenoids from


palm oil for the production of cookies rich in provitamin A

Palm oil is a fat source of high technological value, since it has desirable fatty acid profile for the
fractionation process. However, in this process, the carotenoids, which are bioactive compounds

1Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Economia Doméstica


2Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Engenharia Química
3Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Tecnologia de Alimentos, Atua no Departamento
de Tecnologia de Alimentos, Área de tecnologia de produtos de origem vegetal.

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important for health, are lost or removed. This study aimed to recover these carotenoids present
in palm oil through an adsorption process using wheat flour, and produce biscuits enriched with
provitamin A using this fortified flour. Biscuit formulations using 25, 50 and 75% of the enriched

flour were used, and the products were analyzed by physicochemical parameters (quantification
of carotenoids), microbiological (Salmonella, thermo tolerant coliforms, yeasts and molds), and
sensory (acceptance tests with hedonic scale and order of preference). Data were statistically
analyzed using analysis of variance and Tukey’s test, with p≤0.05. The results showed that the
process of fortification of wheat flour was effective and that the products obtained were 132, 193
and 260 μg/g of total carotenoids, expressed as beta-carotene for replacements of 25, 50 and 75%
of flour traditional, respectively. The sensory acceptance by affective test in all sensory attributes
notes received grades between six and seven in the nine-point hedonic scale.
Key words: Elaeis guineensis Jacq. food fortification. β-carotene.

INTRODUÇÃO

O Azeite de Dendê, também conhecido como Óleo de Palma, é extraído da polpa do fruto dendê
(Elaeis guineensis Jacq.), apresenta coloração amarelo-avermelhada e sabor adocicado. A sua
coloração característica é determinada pelo alto teor de carotenóides e, por esse motivo, apresenta
grande interesse nutricional devido à sua composição estar associada a substâncias bioativas.
O dendê é uma fonte rica em carotenóides pró-vitamínicos A e o teor de carotenóides no óleo
de palma varia de acordo com grau de maturação e com o genótipo do fruto do qual é extraído
(TRIGUEIRO; PENTEADO, 1993). Atualmente, essa fonte lipídica já ocupa o segundo lugar
em produção mundial de óleos e ácidos graxos fracionados, representando 18% do consumo
mundial (OIL WORLD, 2011).

Nos próximos dez anos acredita-se que a produção de óleo de palma aumentará em 15%, isso
porque a maioria dos óleos vegetais teve a produção estagnada e o óleo de palma é o único em
plena expansão. O óleo de palma vem suprindo as necessidades de consumo industrial em função
da sua versatilidade, pois apresenta qualidades e características benéficas para a elaboração de
produtos. Além disso, esse óleo atende a demanda mundial da substituição das gorduras trans,
através da utilização do processo físico de fracionamento (SOARES, 2010).

O óleo de palma refinado é modificado pelo processo de fracionamento, que consiste em uma
separação termomecânica envolvendo o resfriamento em condições controladas para formação
de cristais grandes (processo físico), no qual os triacilglicerois são separados em duas frações. A
filtração separa as frações em estearina de palma, que é a fração sólida rica em triacilglicerois de
alto ponto de fusão, e oleína de palma, que é a fração líquida rica em triacilglicerois de baixo
ponto de fusão. Dessa separação obtém-se entre 70-80% de oleína de palma e 20-30% de estearina
de palma. O óleo de palma e as suas frações são importantes fontes de óleos comestíveis para
indústria de alimentos devido às suas propriedades de elevadas estabilidades térmica e oxidativa,
além da desejável plasticidade (DEFFENSE, 1985). Entretanto, os carotenóides presentes no óleo
de palma não são reaproveitados nesse processo, visto que para a indústria de gorduras é desejável
a obtenção de uma estearina branca para não comprometer a cor dos produtos formulados
posteriormente.

Segundo pesquisas realizadas pelo Fundo de Nações Unidas para a Infância (UNICEF), verificou-
se que nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, 40% das crianças apresentam o

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sistema imunológico debilitado pela carência de vitamina A, originando um milhão de mortes


anualmente. A deficiência de vitamina A (hipovitaminose A) é resultante de uma dieta constituída
por alimentos com baixa quantidade da vitamina ou da pró-vitamina A. (BRASIL, 2004).

De modo a diminuir ou combater a carência de vitamina A no mundo, vários programas estão


sendo criados visando incentivar a alimentação equilibrada durante a infância, de modo a não
atrapalhar o desenvolvimento intelectual nem comprometer o sistema imunológico, evitando
problemas como déficits no crescimento e pessoas vivendo abaixo de seus potenciais físicos e
mentais. Alguns exemplos desses programas são baseados no enriquecimento de alimentos com
vitamina A, através da elaboração de suplementos na forma de cápsulas ou xaropes de baixo
custo, e da educação nutricional para a população, principalmente nas escolas para as crianças e
adolescentes. (FAO, 2003).

Os estudos envolvendo o desenvolvimento de produtos enriquecidos ou fortificados têm crescido


bastante nas últimas décadas, contribuindo para o declínio da prevalência de várias carências
nutricionais. Alguns processos envolvendo adição e fortificação tornaram-se compulsórios
no Brasil para alguns produtos, como o enriquecimento das farinhas de trigo e de milho com
ferro e ácido fólico, regulamentada pelo Ministério da Saúde através da Resolução RDC nº344.
(BRASIL, 2002).

O Codex Alimentarius aponta que a adição de nutrientes a alimentos visa “prevenir ou corrigir
uma deficiência comprovada de um ou mais nutrientes na população ou em grupos populacionais
específicos”. Essa afirmação salienta a importância da prevenção ou correção de uma carência
demonstrada de uma vitamina ou de um mineral, uma situação comum especialmente nos países
em desenvolvimento. (FAO, 2003). A fortificação dos produtos é empregada para a produção de
alimentos com valores comerciais e nutritivos superiores, podendo configurar uma estratégia viável
para auxiliar na prevenção dessas deficiências na população. Suas principais vantagens são a alta
cobertura populacional, o fato de não modificar hábitos alimentares e o baixo risco de toxicidade.
O objetivo deste trabalho foi enriquecer a farinha de trigo branca tradicional através da
incorporação dos carotenóides do azeite de dendê pelo processo de adsorção e utilizar essa farinha
rica em provitamina A na formulação de biscoitos. A escolha de biscoitos como produto final se
justifica por se tratar de um alimento consumido por grande parte da população de diferentes faixas
etárias e sociais. Dessa forma, evita-se a perda desses nutrientes bioativos durante o processamento
do azeite de dendê e, simultaneamente, transforma-se uma farinha com baixo valor nutricional em
um produto alimentício enriquecido.

MATERIAIS E MÉTODOS

Todos os procedimentos foram realizados no Laboratório de Análises de Carotenóides e Produtos


de Origem Vegetal (LACPROV), na Planta de Processamento de Frutas e Hortaliças e no
Laboratório de Microbiologia do Departamento de Tecnologia de Alimentos, todos localizados
no Instituto de Tecnologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DTA/IT/UFRRJ),
município de Seropédica – RJ.

Materiais

As matérias-primas utilizadas neste trabalho foram:


 Azeite de dendê bruto, da marca comercial Nordeste.

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 Farinha de trigo branca, refinada, da marca comercial Dona Benta.


 Demais ingredientes dos biscoitos: aveia, sacarose, margarina, creme de leite, canela,
aroma de baunilha e raspa de limão.
 Sacos de polietileno com alta barreira de umidade para acondicionar a farinha enriquecida
e os produtos prontos.

Métodos

Enriquecimento da farinha – testes de adsorção: Os testes de enriquecimento começaram com


o acompanhamento das variações de peso, volume de farinha e óleo, respectivamente, além de
variações de tempo (30 minutos – 4 horas) e temperaturas (entre 50 e 90oC). O parâmetro
utilizado para escolha da condição final foi a concentração dos carotenóides totais, comparando
os teores para cada combinação de variáveis. A melhor condição de adsorção do corante foi aquela
com menor tempo de processamento e com a menor temperatura. A comparação quantitativa foi
feita imediatamente após os testes e a escolha do processo final foi baseada no teor de carotenóide
adsorvido.

Enriquecimento da farinha – condições determinadas para o enriquecimento: Para a obtenção da


farinha enriquecida, utilizou-se como melhor condição de adsorção 220mL de azeite de dendê. O
azeite foi aquecido até 600oC e misturou-se 400g de farinha de trigo branca. Após 60 minutos de
adsorção, a mistura foi filtrada durante 24 horas em papel de filtro de poro A140, à temperatura
ambiente, protegida da luz, para posterior utilização.

Formulação do biscoito: Para elaborar o produto desejado, ou seja, um biscoito do tipo “cookie”
com a farinha enriquecida, foi necessário determinar a formulação de um produto chamado
“controle”, sem a farinha enriquecida, somente com os ingredientes de uma formulação tradicional.
Esse produto com características sensoriais desejáveis foi a base comparativa das sucessivas
substituições. Dessa maneira, a substituição proposta para o novo produto teve como base esse
produto-controle, tornando mais fácil aceitar ou negar o uso de um novo ingrediente, como a
farinha enriquecida com azeite de dendê, no produto final. A formulação do produto-controle foi
determinada como segue: Farinha de trigo (100g); açúcar (100g); aveia (50g); margarina (20g);
creme de leite (15g); canela em pó (4g); raspa de limão (q.s.p.); aroma de baunilha (60 gotas).

A partir da formulação final do produto-controle, foram realizados testes para biscoitos tipo
“cookie” com a substituição de 25%, 50% e 75% da farinha de trigo branca pela farinha de trigo
enriquecida com os carotenóides do azeite de dendê. Os procedimentos adotados para a produção
dos biscoitos com a farinha enriquecida foram os mesmos adotados para os biscoitos controle.
Todos os ingredientes secos foram pesados em tigelas e misturados. Após a homogeneização
desses ingredientes, foram adicionadas a margarina, o creme de leite, o aroma de baunilha e a
raspa de limão. A mistura foi então homogeneizada até uma consistência de massa firme. Ao final
do processo, obteve-se uma massa homogênea, consistente e macia. Moldaram-se manualmente
os biscoitos no formato tradicional de biscoito tipo “cookie” (redondo com 2 cm de diâmetro e
com fina espessura) e, em seguida, os biscoitos foram levados ao forno pré-aquecido. Os biscoitos
assaram por cerca de 11 minutos à 180ºC. Ao final desse tempo, os biscoitos foram retirados do
forno, deixados à temperatura ambiente para que esfriassem e, em seguida, foram embalados em
sacos de polietileno.

Análises da matéria-prima: No azeite de dendê, na farinha branca e nas farinhas enriquecidas foram
determinados os teores de carotenóides totais expressos em beta-caroteno, segundo Rodriguez-

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Amaya (2001). Para a realização da determinação de carotenóides dessas frações, foram utilizadas
amostras novas e recém-enriquecidas. Essas análises foram realizadas em triplicata.

Análises dos biscoitos – carotenóides: Foram determinados os teores de carotenóides totais


expressos em beta-caroteno, segundo Rodriguez-Amaya (2001), em triplicata para todos os
produtos produzidos.

Análises dos biscoitos – análises microbiológicas: De acordo com a RDC nº 263 de 2005, as
análises microbiológicas propostas para biscoitos são referentes a bolores e leveduras, coliformes
termotolerantes e totais e Salmonella. Essas análises foram realizadas no Laboratório de
Microbiologia do DTA – UFRRJ, segundo Brasil (2005a).

Análises dos biscoitos – análises sensoriais: Para verificar a aceitação das amostras foi aplicado
teste afetivo com escala hedônica estruturada de nove pontos, cujos extremos correspondiam a
“desgostei muitíssimo” (1) e “gostei muitíssimo” (9) (MEILGARD et al. 1999). As amostras foram
apresentadas aos 107 provadores (entre 18 e 50 anos) e foi solicitado a eles que as analisassem
com relação à escala proposta. As amostras dos biscoitos foram avaliadas inteiras com relação aos
seus atributos: aparência, cor, textura, odor e sabor. Ao final da ficha de avaliação perguntou-se
aos provadores se eles comprariam os produtos. A pergunta foi feita de forma a obter respostas
diretas (sim ou não), sem escala de intenção de compra. Além do teste de aceitação, os provadores
também ordenaram as amostras (Teste afetivo – Ordenação por preferência), possibilitando
verificar a amostra preferida.

As amostras foram entregues aos provadores não treinados em copos de plástico brancos,
codificados com número de três dígitos aleatórios. Em cada teste foram ofertados três biscoitos e
um copo com água. Foi solicitado aos participantes do teste que analisassem os biscoitos oferecidos
na relação da escala hedônica proposta e ordenassem na sequência. Todos os provadores foram
orientados sobre como proceder e preencher a ficha de avaliação antes de iniciarem os testes.

Além das perguntas pessoais (idade, sexo, etc.), foi perguntado aos provadores se eles tinham
hábitos de consumir biscoito do tipo “cookie” e se já tinham consumido ou têm o hábito de
consumir o azeite de dendê ou seus produtos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Brasil, considera-se alimento fortificado/enriquecido ou simplesmente adicionado de


nutrientes, todo alimento ao qual for adicionado um ou mais nutrientes essenciais contidos
naturalmente ou não no alimento, com o objetivo de reforçar o seu valor nutritivo e/ou prevenir
ou corrigir deficiência(s) demonstrada(s) em um ou mais nutrientes, na alimentação da população
ou em grupos específicos da mesma. A Portaria nº31, de 13 de janeiro de 1998, do Ministério da
Saúde (BRASIL, 1998) determina que os valores de nutrientes essenciais adicionados a novas
formulações com alegações como “alto teor ou rico”, “enriquecidos/fortificado”, “fonte”, entre
outras, estejam baseados na Resolução RDC nº269, de 22 de setembro de 2005, do Ministério da
Saúde (BRASIL, 2005b) para as diferentes faixas etárias. Segundo a referida legislação, a Ingestão
Diária Recomendada (IDR) para vitamina A é de 600mg Retinol (ou mcg ER) para adultos. Para
crianças entre 1-3 anos, 4-6 anos e 7-10 anos, os valores são de 400, 450 e 500mg Retinol (ou mcg
ER), respectivamente.

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Perfil de Carotenóides

A farinha obtida após o processo de adsorção apresentou uma coloração amarelo alaranjada
intensa, característica dos carotenóides do azeite de dendê, confirmando visualmente a adsorção
desses compostos. A vantagem desse enriquecimento é o aproveitamento dos carotenóides
presentes no azeite, que seriam perdidos no processamento industrial tradicional do óleo. Assim,
a proposta deste trabalho é que o processo de enriquecimento da farinha por adsorção anteceda a
etapa de fracionamento ou qualquer outro processamento do azeite de dendê, de modo a evitar a
perda dos carotenóides.

Segundo Rodriguez-Amaya (2001), o perfil carotenogênico do azeite de dendê apresenta como


carotenóide majoritário o beta-caroteno. Por isso, os valores foram quantificados em função dos
carotenóides totais e expressos em beta-caroteno.

A Tabela 1 apresenta os resultados dos teores de carotenóides totais das matérias-primas e dos
biscoitos produzidos com o enriquecimento natural expressos em beta-caroteno (mg/g).

Tabela 1 – Teores de carotenóides nas amostras.

*Média de resultados em triplicata; **1μg de betacaroteno equivale a 0,167μg de Retinol.

A partir dos valores apresentados na Tabela 1, pode-se concluir que o enriquecimento da farinha
torna viável o aproveitamento dos carotenóides do azeite de dendê antes do seu processamento
industrial, ou seja, é possível recuperar esses corantes bioativos e adicioná-los em outros produtos.
Para fins de comparação, vegetais como a cenoura (Daucus carota), a abóbora (Cucurbita máxima)
e o tomate (Lycopersicon esculentum), que possuem respectivamente, 35 – 80, 14 – 79 e 4,3 –
11 mg/g de beta-caroteno (Rodriguez-Amaya et al., 2008), apresentam teores desse composto
inferiores aos obtidos na farinha enriquecida desenvolvida neste trabalho.

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De acordo com os resultados das análises, foi possível afirmar que os biscoitos enriquecidos
naturalmente podem ser considerados como um produto rico em pró-vitamina A, sendo de
fácil consumo por crianças e adultos. A principal vantagem dos biscoitos enriquecidos é poder
contribuir para o aporte diário recomendado da vitamina A de maneira mais barata. O baixo custo
do produto também permite indicá-lo para programas de saúde pública envolvidos no combate
à hipovitaminose A. Além disso, processos envolvendo o enriquecimento natural, a exemplo da
adição da cenoura ou abóbora a produtos convencionais (BATISTA, 2008), podem apresentar
vantagens sobre o emprego de micronutrientes sintéticos, pois geralmente envolvem menor risco
de toxicidade, baixo custo e são de fácil formulação doméstica. Há, entretanto, a necessidade do
estudo da estabilidade desses carotenóides durante a vida útil desses produtos desenvolvidos.

Análises microbiológicas

Análise de bolores e leveduras: Nenhum produto apresentou crescimento (todos com valores
<1,0 x 101UFC) em nenhuma das diluições. Portanto, as amostras apresentaram-se dentro dos
padrões estipulados pela legislação vigente e, segundo a ANVISA (BRASIL, 2005a), os resultados
das análises indicaram que o produto estava apto para o consumo e também apresentava boas
condições de processamento e manipulação dos alimentos trabalhados.

Análise de Salmonella: Os resultados de Salmonella caracterizaram ausência para 25g dos biscoitos
tipo “cookie” nas suas três formas (25%, 50% e 75% da farinha enriquecida), estando aprovados
para consumo no teste de Salmonella segundo Brasil (2005a).

Análise de coliformes 35 e 450C : Não foi detectada presença de coliformes 35 e 450C em


nenhuma das amostras analisadas (valores <3,0NMP/g), indicando que as práticas de higiene e
sanificação foram adequadas como recomendado em Brasil (2005a). Vale ressaltar que a presença
de coliformes nos alimentos é de grande importância para a indicação de contaminação durante
o processo de fabricação ou mesmo pós-processamento. É considerada uma indicação útil de
contaminação pós-sanitização ou pós-processo e evidencia práticas de higiene e sanificação aquém
dos padrões requeridos para o processamento de alimentos.

Análises sensoriais

Entre os participantes (n= 120) do teste, 57% eram do sexo feminino e 43% do sexo masculino.
A resposta para a pergunta sobre o consumo do azeite de dendê revelou que 35% dos provadores
já tinham consumido esse óleo ou produtos preparados com ele e 75% nunca o consumiram
diretamente nem alimentos que o contivesse em sua elaboração.

Atributos sensoriais avaliados: As médias dos valores para cada atributo avaliado, em cada
produto, estão apresentadas na Tabela 2. Analisando-se os dados da Tabela 2, nota-se que não
houve diferença significativa registrada no Teste de Tukey (p≤0,05%) para os parâmetros
analisados: aparência, cor, odor e textura. Ou seja, os três biscoitos não apresentaram diferenças
perceptíveis para os provadores. O atributo sabor apresentou diferença para o produto com 25%
de substituição em relação ao com 75%. Entretanto, pode-se verificar a grande aceitação dos novos
produtos propostos pelas médias gerais altas. Vale ressaltar que a cor alaranjada dos biscoitos foi
comentada pelos provadores como agradável ou como um atrativo natural do produto.

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Tabela 2 – Teste de Tukey comparativo dos resultados obtidos para cada amostra/atributo.

Atributos 25%* 50%** 75%***

Aparência 6,851a 7,085a 6,936a

Cor 7, 000a 6,829a 7,085a

Odor 7,319a 7,382a 7,319a

Sabor 7, 064a 7,106a,b 7,297b

Textura 6,652 a 6,468a 6,681a

* Biscoito formulado com 25% de farinha enriquecida; ** Biscoito formulado com 50% de farinha
enriquecida; *** Biscoito formulado com 75% de farinha enriquecida.

Letras iguais na mesma linha indicam que não há diferença significativa entre as amostras ao nível
de p≤0,05% de significância.

Intenção de compra: Ao final do questionário, foi feita uma pergunta aos provadores sobre a
intenção de compra do produto, ou seja, se comprariam ou não os biscoitos elaborados com a
farinha enriquecida com carotenóide. Dentre os provadores, 83% disseram que comprariam e
17% não comprariam.

Teste de ordenação por preferência: O teste afetivo de ordenação por preferência do consumidor
apontou que o biscoito preferido foi o que utilizou 75% de farinha enriquecida com os carotenóides
do azeite de dendê, seguido pelo biscoito com 50% de substituição e depois pelo com 25%.
Entretanto, todos ficaram muito próximos na preferência do consumidor.

CONCLUSÕES

Este trabalho propôs uma alternativa economicamente viável para a produção de um produto
alimentício enriquecido com provitamina A. Para tanto, utilizou-se o processo de adsorção para
impregnar a farinha de trigo com os carotenóides do azeite de dendê, recuperando esses compostos
bioativos que normalmente são perdidos no processamento tradicional de industrialização desse

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óleo. Por apresentar altos teores de carotenóides, o dendê foi capaz de enriquecer a farinha de
trigo, de modo a tornar possível a sua utilização para a produção de biscoitos ricos em provitamina
A, um aporte natural desse composto sem o uso de suplementos sintéticos.

Sendo o biscoito um produto consumido por todas as faixas etárias e sociais da população, a boa
aceitação do produto abre o caminho para uso da adsorção dos carotenóides do azeite de dendê e a
sua utilização em outras formulações de alimentos. A análise dos resultados também demonstrou
que os biscoitos com azeite de dendê foram capazes de fornecer uma quantidade satisfatória de
provitamina A.

As análises microbiológicas foram realizadas de acordo com as exigências da legislação e todos os


produtos encontraram-se adequados para o consumo. Quanto aos aspectos atributos sensoriais,
não foi encontrada diferença significativa entre os biscoitos, porém o biscoito formulado com
maior aceitação foi aquele acrescentado de 75% de farinha enriquecida, ou seja, com mais
provitamina A. De acordo com os resultados, o objetivo deste trabalho foi atingido e a forma de
enriquecimento de alimentos proposta mostrou-se viável.

REFERÊNCIAS

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zinco e carotenóides (alfa caroteno e beta caroteno) com proposta de alimentos enriquecidos
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