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Tieta: gênero e comportamento na história da telenovela brasileira1

SANTOS, Rafael Bertoldi dos (graduando) 2


ALVES, Gabriela Santos (orientadora) 3
Universidade Federal do Espírito Santo/ES

Resumo: O presente artigo busca traçar relações entre a ficção televisiva (telenovelas) e pensamento
social brasileiro ligado a questões de gênero e de mudanças de comportamento feminino. Essa
constatação se deve, principalmente, ao fato das telenovelas serem o carro-chefe da grade de programação
de grande parte das emissoras brasileiras. A televisão, bem como seu principal produto, a telenovela, pode
ser considerado um espaço de construção dos valores sociais, tais como cidadania, solidariedade, os
interesses coletivos e a expressão de minorias excluídas (entende-se por indivíduos sem reconhecida
vontade e desejo próprio, abafados pela sociedade opressora). Desse modo traremos alguns trechos da
telenovela Tieta, exibida em 1989 e reprisada em 1994, que reforçam especificamente o ideal de
independência feminina.

Palavras-chave: Tieta; História; Televisão; Gênero; Comportamento.

Introdução
Nenhuma exploração é tão antiga quanto a exploração sexual das mulheres pelos
homens. Nos primórdios esse domínio se dava pela força bruta, na atualidade via
mecanismos de domesticação feminina. Esse sistema de gêneros é baseado na ideologia
de diferenciação de papéis e personalidade dos dois sexos. Tal sistema é perpetuado na
criação das mulheres desde seu nascimento, a partir da socialização infantil. À elas é
ensinado um conjunto de comportamentos sociais a serem performados na sociedade no
decorrer de suas vidas. São doutrinadas, por exemplo, a buscar o amor romântico.
Tratam isso como uma meta de vida, um caminho a ser obrigatoriamente percorrido.
Não nos esqueçamos que tal ideologia foi suplantada a fim de diminuir o papel
social da mulher em relação homem, colocando-as em segundo plano, como
complemento a eles. A submissão se tornara um efeito de séculos de repressão e

1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 10º Encontro
Nacional de História da Mídia, 2015. Trabalho Concorrente ao "Prêmio José Marques de Melo de
Estímulo à Memória da Mídia", 2015.
2
Graduando em Comunicação Social - Cinema e Audiovisual da UFES e pesquisador do grupo Mídia e
História (Iniciação Científica). E-mail: bertoldirafa@yahoo.com.br
3
Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação e Cultura da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), Professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES). E-mail: gabrielaalves@terra.com.br
enjaulamento feminino. Culminando numa busca pelo amor romantizado e longe de ser
ideal, as mulheres acabam enfrentando um rompante de estereótipos difíceis de serem
superados. Giddens aponta que alguém definiu o amor como “[...] uma conspiração
engendrada pelos homens contra as mulheres para lhes encher a cabeça com sonhos
tontos impossíveis” (GIDDENS, 2001, p.28).
Na busca por esse amor ilusório a mulher aprende ou obriga-se a ser meiga,
submissa, servil, carente e devota. Sua trajetória de vida só tem sentido caso gire em
torno de um homem e consequentemente de sua prole. A vida pública é separada à eles,
enquanto à elas é reservada a vida privada. Logo as atividades que envolvem poder não
dizem respeito à elas, que só devem se preocupar com as atividades domésticas. As
mulheres "entendem" que tais condições são inerentes a elas. Instintivamente são
"programadas" a aceitar tais circunstâncias. São servis porque gostam, porque é de sua
"natureza".
Mantidas de forma alienada por seus salvadores, seu destino seria servir de mão
de obra doméstica e como aparato de descarga sexual de seus donos. Por essa ótica o
matrimônio poderia ser classificado como um negócio com finalidade clara. Caso não
sigam tais preceitos, de que é preciso um homem para caminharem, estão fadadas a
terrível vida de "não-comprometidas" com macho nenhum. As mulheres são
encorajadas a ver o sexo em termos da sua romanticidade, estando os guiões culturais
impregnados com a ideia de que, no que respeito à sua sexualidade, o sexo feminino
deve ser passivo, ao invés de ativo (CRAWFORD e UNGER, 2000).
Socialmente as mulheres são levadas a acreditar que são incompletas, menos
capazes, frágeis, irracionais. Sua sexualidade é reprimida por meio de castidade forçada.
Essa característica é esperada das mulheres. Essa misoginia exercida por elas mesmas,
de que devem se manter guardadas, encerradas, intocadas, as levam a se envergonharem
de sua sexualidade, que só deve despertar, ainda timidamente, ao seu marido. Esses
dogmas socializantes que as mulheres são expostas é revalidado a todo instante. O amor
romântico, especialmente no caso das mulheres adolescentes, parece mesmo servir de
argumento para o retardamento da adesão a atividades sexuais (FRISBIE,
FITZPATRICK, FENG e CRAWFORD, 2000). A mulher não se sente dona de seu
próprio corpo. Socialmente devem ser castas e sem libido. Os desejos reprimidos se
tornam fragmentos perdidos em sua mente.
Segundo alguns autores isso deve-se ao fato de haver uma maior preocupação
por parte dos indivíduos quanto a emissão de comportamentos socialmente definidos
como esperados, desejados e adequados para cada um dos sexos (WINSTEAD,
DERLEGA e ROSE, 1997). Das mulheres espera-se passividade para recepção
masculina. Aos homens espera-se ataque e proatividade na iniciação das relações com a
mulheres. Dessa forma o sexo feminino tende a ficar numa deriva a espera de um
macho que a resgate e a faça "feliz".
Os estados galgam as suas políticas econômicas e sociais de forma a forçar a
vida a dois, a formação da família. As crenças religiosas reforçam ainda mais essa regra
heteronormativa. Mulheres, o lado pobre da sociedade, buscam incessantemente o
matrimônio com a classe dominante para poderem se estabilizarem financeiramente.
Profissionalmente são desmerecidas por um mercado que não permite a isonomia de
gêneros. Mesmo enfrentando jornadas duplas, elas não são reconhecidas por isso e são
forçadas, por muitas vezes, a abdicar de uma carreira profissional em nome da família.
Segundo Goode essa busca pelo matrimônio, e consequentemente do amor, é
parte da ação social, que ajuda a criar novas relações sociais. Essa caracterização de
amor construído tem uma função social reguladora. Frequentemente o amor é
classificado como sentimento feminino (EHRENREICH e ENGLISH; JAMIERSON;
LANGFORD; USHER; citadas por FRASER, 2002). A elas também é dada a
responsabilidade do prolongamento das relações íntimas, ideia essa que corrobora a
questão social de atribuir ao sexo feminino os atributos da emocionalidade e da
prestação de cuidados com vista à preservação dos laços familiares e, mais
concretamente, dos laços afetivos.

A Mulher e as Telenovelas
Desde que se verificou o potencial do consumo feminino, a televisão separou
uma boa parcela da programação para elas. Assim, através de programas e telenovelas,
a televisão vem alimentado uma obsessão com a juventude, riqueza, beleza e glamour.
Historicamente, as mulheres foram vistas como procriadoras e criadoras de filhos,
orientadas para o trabalho doméstico e sem um papel significativo na sociedade.
Os estudos de George Gerbner a respeito da violência da TV na década de 1960
observavam que as mulheres eram sub-representadas e, normalmente, eram
apresentadas em papéis que reforçavam os estereótipos sexistas sobre sua inclinação
natural para as atividades domésticas. Este padrão de sub-representação continuou
durante a década de 1980, sendo que a esta altura, as mulheres já representavam 51% da
população mundial (CASHMORE, 1998, p. 140-141)
Nos anos de 1960, o cenário mundial era de globalização econômica, política e
cultural advindas da liberação da rigidez pós-guerra. A televisão era um símbolo e
veículo perfeito para isto, pois se tornou o símbolo doméstico por conta de seu custo
relativamente baixo e por alcançar todas as classes e faixas etárias. Sendo assim a
televisão entrou em ritmo de popularização.
Esse período foi de redefinição nos hábitos das famílias brasileiras. A televisão -
aparelho e programação - aparece como uma parte indissociável do cenário e da rotina
familiar, ocupando um lugar que antes era do rádio. A televisão foi gradativamente
perdendo a característica de “lazer noturno familiar” para se estender cada vez mais ao
horário vespertino e matutino. Assim, a televisão se firmou como instrumento de lazer e
de informação para todos os membros da família, ajustando seus horários à rotina de
uma casa (RIBEIRO, SACRAMENTO e ROXO, 2010).
Segundo Bourdieu (1997) e Canclini (2002) a televisão tem importante papel
nas mudanças sociais e culturais, pois segundo Esteves (2000), os meios de
comunicação são entendidos como importantes dispositivos não só de socialização,
senão também de reprodução social (COGOY, 2012).
Especificamente a telenovela, programa televisivo inclinado para o público
feminino, ainda atinge grandes índices de audiência e por sua vez desperta grande
interesse entre os pesquisadores sociais, já que apresenta principalmente conteúdos
relacionados a situações e vivências cotidianas, permitindo fazer comparações entre o
que olham na televisão e os que vivem na realidade (ZACAROTTI e COSTA, 2006).
O reconhecimento da mulher começa a tomar formas mais consistentes nas
telenovelas em meados dos anos 1980. Já em 1978 em Dancing Days, é inaugurada esta
fase de reconhecimento social feminino, no qual a submissão da mulher, no cenário
teledramatúrgico começava a se encerrar.
Os primeiros passos nesse sentido se deram com a libertação da mulher, nas
telenovelas, como uma libertação estética derivada da liberdade em se vestir, se pentear
e se maquiar. Em seguida o comportamento feminino entra em ascensão e as relações
amorosas e sociais também começam a mudar. A mulher deixa o âmbito de sofredora
para o de autoafirmação. As mulheres passam a ser retratadas como figuras que dão a
volta por cima e superam obstáculos impostos pela vida, pelos homens e pela sociedade
(JUNQUEIRA, 2009, p. 125).
Ainda na década de 1980, as telenovelas foram palco das grandes protagonistas
que encabeçavam as tramas. Eram personagens ativas no jogo das relações amorosas,
pessoais e sociais. Mulheres se separavam de seus maridos e entravam no mercado de
trabalho (Água Viva, 1980; Sol de Verão, 1982); se tornavam chefes de família (Jogo da
Vida, 1981; Guerra dos Sexos, 1983; Transas e Caretas, 1984); surge a primeira
feminista em Que Rei Sou Eu? de 1989, interpretada por Marieta Severo; mulheres
agora assediavam os homens sem serem taxadas de vilãs (Champagne, 1983); viúvas e
senhoras fogosas são protagonistas em Elas por Elas de 1982, Guerra dos Sexos de
1983, Transas e Caretas de 1984, Roque Santeiro de 1985. Abre-se a possibilidade de
igualdade entre os sexos.
A mulher então passa a mudar o papel que desempenhava na sociedade, sendo
parte deste modelo de indústria, a da televisão, que declarava dar maior espaço à elas,
pois não há telenovela que não mostre conflitos de mulheres que querem se libertar da
opressão masculina (SARQUES, 1981).
Wolton nos explica que a televisão assume um papel social claro e evidente na
sociedade brasileira, sendo seu gênero mais influente a telenovela, que por sua vez
transmite valores e costumes a população, que como já vimos tem acesso fácil a esse
meio de comunicação de massa:

Mesmo que já se tenha dito tudo sobre o fenômeno social do folhetim


brasileiro, é preciso sublinhar ainda a sua importância como espelho da
sociedade, ao mesmo tempo que fator estruturador da identidade brasileira.
Trata-se quase de um caso de escola, ilustrando o papel antropológico
fundamental da televisão (WOLTON, 1996, p. 164).
Num contexto social ampliado notamos que graças ao advento e disseminação
da televisão em todas as classes sociais, o gênero televisivo telenovela se mostra de
grande relevância no que diz respeito a transmissão de novos hábitos. Czizewski traz
uma breve linha histórica de temas sociais abordados pelas telenovelas:

A partir de Beto Rockfeller (1968-9), começa a se delinear um estilo


genuinamente brasileiro de se fazer telenovela, cuja característica mais
proeminente é a crítica social. [...] as telenovelas assumem o tom de denúncia
e questionamento. Dentre as temáticas mais presentes, destacam-se às
relativas aos traços culturais, como [...] a regulamentação
regulamenta do divórcio
(Escalada, 1975) e a emancipação feminina (O Casarão, 1976)
(CZIZEWSKI
CZIZEWSKI, 2010, p. 5).

Tieta – Análise de Personagens Femininas


Tieta foi uma telenovela produzida e exibida pela TV Globo no tradicional
horário das 20 horas (atualmente horário das 21 horas), de 14 de agosto de 1989 a 31 de
março de 1990, substituindo O Salvador da Pátria e posteriormente substituída por
Rainha da Sucata, contanto com 196 capítulos.
A produção da telenovela iniciou com a escalação as pressas de Aguinaldo Silva
para escrever o folhetim. A ideia do autor era transformar Tieta numa metáfora
met sobre a
volta da liberdade de expressão
express à televisão brasileira após vinte anos de ditadura. A
telenovela seria a segunda obra a ir ao ar depois da queda da ditadura.
Essa ânsia por liberdade desde já foi retratada na abertura da telenovela, onde
misturava elementos da natureza com a beleza feminina, representada pela até então
modelo Isadora Ribeiro. Hans Donner e a sua equipe, responsável pelas vinhetas e peças
de abertura de muitos dos programas da Rede Globo, fotografaram o litoral de Mangue
Seco, no norte da Bahia. As fotos eram projetadas ao fundo onde Isadora Ribeiro
aparecia em primeiro plano, nua, e coberta pela sombra. Abaixo imagens que mostram a
abertura:
Seu elenco principal era composto pelos atores: Betty Faria, Reginaldo Faria,
José Mayer, Lídia Brondi, Yoná Magalhães, Sebastião Vasconcelos, Cassio Gabus
Mendes, Marcos Paulo, Arlete Salles, Flávio Galvão, Ary Fontoura, Armando Bógus e
Joana Fomm.
A trama começa quando Ascânio (Reginaldo Faria) retorna a Santana do Agreste
depois de passar alguns anos fora estudando e trabalhando. Após reencontrar seus
velhos amigos todos partem para o bar do Seu Chalita (Renato Consorte). Numa
conversa entre os amigos Ascânio,
Asc Timóteo (Paulo Betti), Amintas (Roberto Bomfim) e
Osnar (José Mayer) é feita uma retrospectiva dos acontecimentos até então.
ent Na rua em
frente passam o asqueroso
squeroso Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos) e sua filha Perpétua
(Joana Fomm - 2ª fase) a qual Ascânio não reconhece devido a sua velhice acentuada.
Timóteo então diz que se casou com a irmã dela. Ascânio surpreso pergunta se havia de
casado com Tieta (Claudia Ohana - 1ª fase) e em seguida emite um berro imitando uma
cabrita se referindo a ela. Timóteo
Tim retruca dizendo que havia se casado com a filha mais
nova de Zé Esteves, que por sua vez era casado pela segunda vez com Tonha (Yoná
Magalhães). Ascânio então
ent diz: "casar com um mulherão daquele é muita
responsabilidade!". Seu Chalita completa: "tão novinha, tão cabrita... ela sabia que
veio pro mundo pra virar a cabeça dos homens, deixar tudo ficar 'maluca' da cabeça".
Então começa uma retrospectiva em forma de flashback.
Vinte anos antes a jovem Tieta (Claudia Ohana) era uma menina que pastoreava
as cabras do pai pelas dunas de Mangue Seco (distrito pertencente a Santana do Agreste,
onde se localizavam as praias). Esperta, ingênua e sem pudores perderia a virgindade
com um mascate nas dunas onde pastoreava os cabritos de seu pai. Na referida cena ela,
literalmente, de forma onomatopeica, emite sons imitando uma cabrita. Talvez por esse
fato ela fosse chamada de cabrita pelos homens da cidade. Abaixo sequência que retrata
a perda de sua virgindade:

Se sentindo desonrado com o comportamento liberal de Tieta, Zéé Esteves decide


esquecer que ela é sua filha. Influenciado pelas intrigas de sua outra filha, Perpétua
(Adriana Canabrava - 1ª fase), ele a expulsa da cidade após dar-lhe uma surra em praça
pública com toda a cidade observando, após flagrá-la saindo da casa do médico da
cidade. Abaixo a sequência
ncia que mostra o ocorrido:
Zé Esteves, homem ignorante, machista e de pouca cultura também
tamb humilhava a
esposa Tonha como mostra a descrição de duas cenas abaixo:

1ª cena. Zé Esteves chama Tonha aos berros na pequena cabana onde


moram. Irritado por ela não ter atendido rapidamente ele pergunta se ela
não o tinha escutado. Ela então responde: "não 'sinhor' seu Zé Esteves".
Ainda mais irritado ele diz, de forma grosseira, para ela não o tratar de
'sinhor', pois ele era o marido dela. Conclui o assunto rispidamente
impedind Tonha de se retratar.
impedindo
***
2ª cena. Zé Esteves chama Tonha para cumprir seu papel sexual de esposa.
Ela então prontamente atende seu marido sem nenhum tipo de
questionamento
questionamento.
Humilhada, Tieta segue para São Paulo, fugindo do conservadorismo da
população de Santana do Agreste, cidade fictícia do nordeste brasileiro. Assim, Tieta
teve que renunciar de sua vida simples e cair na estrada, indo inconscientemente de
encontro ao seu universo. Em São Paulo ela tornara-se uma espéécie de cafetina,
proprietária de uma rede de casas de massagens.
Muitas vezes Zé Esteves se associava a filha Perpétua, para poder tirar mais
dinheiro de Tieta, que enviara uma "pensão" mensalmente durante aproximadamente 10
anos. Abaixo transcrição da cena entre Tonha e Zé Esteves que expressa tais façanhas:

Tonha depois do retorno de Tieta a Santana do Agreste: "Zé 'Esteve', tu já


esqueceu as mentira que vocês inventaram pra Tieta, pra 'rancá' mais
dinheiro dela? [...] ela vai vê que é tudo mentira. Que tu num tá doente coisa
nenhuma.
nhuma. Que tu tá vendendo saúde e andando aí atráás das 'cabra'. Que
Perp
Perpétua num carece de ajuda, que os filho dela estuda de graça. E que
Perp
Perpétua é cheia do ouro."
Vinte anos depois de ser expulsa Tieta (Betty Faria - 2ª fase) reaparece em
Santana do Agreste, rica e exuberante, decidida a se vingar da família e de todos que a
prejudicaram. Se fazendo passar por "doutora" e dona da moral, ainda guardava em sua
alma uma menina machucada. Guardava uma grande ânsia por vingançça. Em trecho da
telenovela ela desabafa:

Tieta: "Aquela pastora de cabras ainda vive dentro de mim, magoada,


sofrida [...]. [...] Por causa dessa gente eu comi o pão que o diabo amassou.
[...] Tudo que eu fizer aqui vai ter um propósito: me vingar!"
No dia em que chegava na cidade natal, estava sendo rezada uma missa em sua
memória. Isso ocorreu devido a situação da família de Zé Esteves se complicar quando
os cheques que Tieta enviava para sustentá-los pára de chegar. Perpétua
tua então convence
a todos de que Tieta morreu e resolveu fazer uma missa de corpo ausente. Na ocasião
Tieta chega de surpresa e interrompe a celebração, desfazendo o mal entendido de
forma bem humorada. Abaixo sequência que retrata seu retorno a Santana do Agreste
vinte anos depois de ter partido:

Tieta agora era uma figura contrastante com os moradores de Santana do


Agreste. Esse destaque, antes de tudo, foi pensado de forma ampla a começar pelo
figurino. Todos os personagens vestiam roupas em algodão e de modelagem muito
simples. A exceção era Tieta, que sempre se vestia de forma exuberante, com cores
fortes e brilhos, abusando de calças compridas justas, bermudas, shorts e saltos bem
altos, usava muitas joias, além de ter unhas grandes, exageradamente pintadas.
Agora, cortejada por todos, Tieta percebe que nada mudou em Santana do
Agreste e que todos continuam hipócritas e que aquela sociedade continua arcaica e
machista. Sua presença acaba mudando a rotina dos moradores da cidade. Para chocar
ainda mais a família, Tieta se envolveu com seu sobrinho, o jovem seminarista Ricardo
(Cássio Gabus Mendes), filho da sua rancorosa irmã Perpétua. O sonho de Perpétua era
que Ricardo se tornasse padre.
Perpétua, a irmã beata de Tieta, sempre andava com um guarda-chuva embaixo
do braço e usava roupas pretas, um eterno luto para demonstrar a paixão pelo falecido
Major, seu marido.
Cinira (Rosane Gofman) e Amorzinho (Lilia Cabral) eram duas beatas cômicas,
dominadas por Perpétua. As duas personagens reprimiam seus mais íntimos desejos em
nome da moral e bons costumes de uma cidade sem identidade.
Imaculada (Luciana Braga) é uma das "rolinhas" do Coronel Artur da Tapitanga.
Ela fora vendida por seus pais com a promessa de que sua filha teria abrigo, estudos e
comida. Mas essa "bondade" só viria em troca de favores sexuais, um retrato mais suave
de pedofilia. Retrato da ingenuidade do sertão vindo de contraste com a coragem e
ousadia de uma moça que sabia para onde ir, Imaculada conseguiu driblar o prefeito,
pois se apaixonara pelo jovem seminarista Ricardo, o qual via como um príncipe. Tal
núcleo enfatizada o poder do homem sobre as jovens mulheres.
Outra personagem marcante foi Carol, amante do perigoso Modesto Pires
(Armando Bogus), um homem capaz de tudo para não perder o seu poder. Modesto era
uma figura importante em Santana do Agreste, mas que escondia seus desejos íntimos
na figura dessa bela mulher. Mantinha sua amante bem longe de sua esposa Aída (Bete
Mendes).
Carmosina (Arlete Salles - 2ª fase), foi mais uma personagem marcante da
telenovela. Ela representou a doçura de uma senhora, quarentona, com desejos de
mulher, e que nunca havia experimentado o gosto do mais profundo amor de um
homem. Isso a fazia se encher de sonhos e ilusões que só foram quebrados depois da
volta de sua melhor amiga Tieta, que lhe apresentou um homem que a despertou pro
amor. Este homem foi o caminhoneiro Gladstone.
Dona Milu (Myrian Pires) era uma senhora sábia e típica do interior nordestino.
Astuta, trabalhava na única agência dos correios de Santana do Agreste. Por conta desse
fato abria as cartas de todos da cidade com a ajuda do vapor que saia do bico da sua
chaleira. Assim ficava sabendo da vida de todos por via das correspondências recebidas
por ela muito antes dos principais interessados. Apesar de suas façanhas, era mulher
digna e justa.
A personagem Tieta pode ser interpretada como um instrumento sugestivo para
construção de uma nova identidade social ou a reformulação dela. As outras
personagens femininas da telenovela servem de contraponto a ela pois retratam, mesmo
que com certa carga pejorativa, um reflexo do comportamento de muitas mulheres na
sociedade.
Podemos destacar alguns pontos de comportamento social que merecem nossa
atenção. A trama se passava numa cidade machista, conservadora e hipócrita. As
mulheres eram sempre mães, esposas e donas-de-casa sempre prontas a atender as
vontades dos maridos, olhando pouco para si mesmas. Abaixo recortamos alguns
diálogos e sequência que mostram esse universo.

Zé Esteves: "namorado de filha minha é vara de marmelo!"


***
Perpétua sobre o progresso: tudo bem desde que "não traga a minissaia, o
palavrão e o amor livre!"
***
Modesto Pires com Carol, após eles terem se cruzado na praça: "Sua
ordinária, vagabunda, vadia... [...] Outra vez que fizer uma dessas, eu lhe
enfio a mão na cara, na frente de quem quer que seja! [...] Lhe mato de
pancada!"
***
Na praia de Mangue Seco Peto fala sobre o maiô de Letícia: "Seu maiô é
engraçado!"
Letícia: "'Painho' não deixa eu usar biquíni não Peto. Me viu de costas, e
achou que fosse [o maiô parecia biquíni se olhado pelo lado das costas]...
Arrumou o maior fuzuê!"
***
Timóteo sobre a roupa de Elisa: "Tira essa roupa já! Tu tá querendo ser
confundida com as 'mulhê' da casa da luz vermelha?"
Elisa: "E seu eu tivesse? Vai vê elas são mais felizes do que eu!"
Timóteo: "Elisa, tire logo essa roupa, lave essa cara! E bote uma roupa de
mulher decente já [ressaltamos que Timóteo era frequentador da Casa da
Luz Vermelha]!"
As mulheres, de um modo geral e a exceção de Tieta, reprimiam seus desejos
íntimos em nome da moral e dos bons costumes, quase sempre ligados a religião.
Podemos ver claramente o retrato de uma sociedade arcaica, retróógrada e ligada
excessivamente a valores religiosos. Na maioria dos cenários utilizados na trama era
possível notar o uso de imagens religiosas conforme mostramos abaixo:

As práticas tradicionais, no que diz respeito à sexualidade, foram retratadas de


forma direta em Tieta. O tabu da sexualidade foi rompido pela protagonista da
telenovela Tieta, que esbanjava sensualidade e chamava atenção de grande parte da
população masculina de Santana do Agreste, deixando as mulheres daquela pequena
cidadezinha patriarcal estarrecidas.
A trama mostra claramente uma acentuada falta de autonomia ligada ao
comportamento na maioria das personagens femininas. Ligadas diretamente ao
patriarcado e consequentemente a um legado machista, se viam acuadas e obrigadas a
viver a sobra deles. Mesmo a esperta Perpétua não media forças com seu pai e até
mesmo o padre da cidade.

Conclusão
Países com economia estável têm a taxa de natalidade baixa porque as mulheres
não estão ouvindo esses instintos femininos e não estão desesperadas por ter um filho.
Ter filho se torna o último plano nessa trajetória. Mas ainda assim, se esse plano existe,
é porque a sociedade se incomoda com o fato das mulheres poderem optar por não
terem filhos.
Destacamos que a telenovela Tieta nos trouxe uma protagonista que fugia aos
padrões de "mulher do lar" no que tange ao papel clássico feminino de manutenção do
cotidiano doméstico resumidos em lavar, cozinhar, limpar, gerar e cuidar de crianças,
papéis esses que eram destacados pelas outras personagens da trama. Do ponto de vista
sexual adicionamos também ao papel clássico da mulher o de satisfazer o marido sendo
passiva e disponível, característica essa menosprezada pela protagonista Tieta.
Apesar dos avanços que as mulheres conquistaram e continuam conquistando
dia após dia, não podemos deixar de destacar que no campo profissional a diferença de
gênero, diga-se entre homem e mulher, ainda beneficia a ala masculina. Dados do IBGE
datados de 2012 mostram que os salários das mulheres subiram mais que os dos homens
naquele ano. A remuneração das mulheres cresceu em média 2,4%, enquanto a deles foi
de 2%. Entretanto os homens continuam ganhando mais que as mulheres: em média, R$
2,126,67, contra R$ 1.697,30 delas, uma diferença de 25,3%.
Dessa forma realçamos ainda mais a relevante importância da televisão, e por
sua vez das telenovelas, como ferramenta educacional e informativa, capaz de provocar
reflexões em vários campos sociais, contribuindo positivamente na formação de uma
sociedade mais igualitária e compreensiva. Esperamos que os interesses comerciais das
emissoras possam sempre andar lado a lado com os interesses do público, assumindo
verdadeiramente sua responsabilidade como meio de comunicação comprometido com a
formação social, cultural e educacional de seus espectadores.

Referências
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Portal Memória Globo:


http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/tieta.htm,
acessado em 02/04/2015.

Site Oficial da TV Digital Brasileira:


http://www.dtv.org.br/, acessado em 02/04/2015.

Obras audiovisuais:

TIETA. Telenovela de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares.


Inspirada no romance de Jorge Amado. Direção Geral de Paulo Ubiratan. Adaptada para
o formato DVD em 11 Volumes. Vídeo: 4x3 Full Screen. Áudio: Português. Colorido.
Duração: 38h50m. Globo Comunicações e Participações S/A: 1989-2012.

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