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Objetivou-se analisar o perfil dos usuários Portadores de Necessidades Especiais (PNE) domiciliados na área de
adscrição de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Utilizou-se como método o estudo de caso, com base em pesquisa
em prontuários e entrevistas individuais. Foram identificados 31 usuários portadores de deficiência, dos quais 7 foram
entrevistados. Entre esses, a maioria eram mulheres idosas, tinham níveis baixos de escolaridade e renda e possuíam
comorbidades. Todos apresentavam dificuldades de locomoção e dependência de terceiros para a realização de
atividades da vida diária e os cuidadores eram predominantemente familiares. Das entrevistadas, duas conseguiam
acessar a UBS para consultas locais e os demais recebiam atendimento de saúde apenas em casos de emergência.
Concluiu-se que a falta de estrutura adequada às limitações dos usuários PNE dificulta, e muitas vezes impossibilita
seu acesso aos serviços de saúde, ferindo assim o princípio constitucional de justiça social nesses serviços.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso aos serviços de saúde. Qualidade. Acesso e avaliação da assistência à saúde. Pessoas
com deficiência. Atenção primária de saúde.
This study is aimed towards analyzing the profile of the users with disabilities domiciled in the area of adscription of
a Basic Health Unit (BHU). The method used was a case study based on researches on patient records and individual
interviews. We identified 31 users with disabilities, of which 7 were interviewed. Among these, the majority was of
elderly women, with low levels of education and income and presented comorbidities. They all had walking difficulties
and dependence on others to perform daily activities and the caregivers were predominantly family members. Only
two respondents were able to access the Basic Health Unit for local consultations and the others received health care
only in emergency cases. One can conclude that the lack of adequate structures for the limitations of the users with
disabilities, hinders, and many times makes accessibility to health services impossible, going against the constitutional
principle of social justice in these services.
KEY WORDS: Health services accessibility. Health care quality, access and evaluation. Disabled persons. Primary
healthcare.
Este estudio tuvo como objetivo analizar el perfil de los usuarios portadores de discapacidad con domicilio en la
zona de adscripción de una Unidad Básica de Salud (UBS). El método utilizado fue un estudio de caso, a partir de
un registro de archivos y entrevistas individuales. Fueron identificados 31 usuarios portadores de discapacidad de
1
Doutora em Sociologia. Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). marta@enf.ufrgs.br
2
Mestra em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela UFRS. jofachi@hotmail.com
3
Enfermeira. Residente em Saúde da Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição. glauciabohusch@gmail.com
los cuales 7 fueron entrevistados. Entre estos, la mayoría eran mujeres de edad avanzada, tenían bajos niveles de
educación e ingresos y comorbilidades. Todos presentaban dificultades de locomoción y dependencia de terceros
para realizar las actividades de la vida diaria y los cuidadores eran predominantemente familiares. Únicamente dos
de los encuestados podían acceder a una UBS para consultas locales y los otros recibían atención de salud solamente
en casos de emergencia. Se concluyó que falta la falta de estructura adecuada a las limitaciones de los usuarios
portadores de discapacidad, dificulta, y muchas veces imposibilita su acceso a los servicios de salud, hiriendo, en
esta manera, el principio constitucional de justicia social en estos servicios.
PALABRAS-CLAVE: Accesibilidad a los servicios de salud. Calidad, acceso y evaluación de la atención de salud.
Personas con discapacidad. Atención primaria de salud..
INTRODUÇÃO
Este artigo enfoca a Rede Básica de Saúde Nas últimas décadas, a área da saúde aumen-
do Sistema Único de Saúde (SUS) na perspectiva tou significativamente a produção de estudos
da universalidade e integralidade da atenção a sobre a deficiência, com alguma mudança no en-
usuários portadores de deficiência. Trata-se de foque dos estudos que antes eram direcionados
um estudo de caso em uma Unidade Básica de apenas para a cura das deficiências. Nesse mes-
Saúde (UBS) da região da Lomba do Pinheiro, mo período, surgiram movimentos sociais articu-
zona Leste do município de Porto Alegre (RS). lados por pessoas portadoras de deficiência que
Dentre as motivações para desenvolver este buscavam mudanças na visão discriminatória so-
estudo está a constatação, por meio de informa- bre a deficiência, dando início a um processo de
ções dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), integração social que contou com o estímulo da
confirmada pelos prontuários de famílias da UBS Organização das Nações Unidas (ONU). Assim,
em questão, de que não existem informações so- a deficiência ganhou visibilidade social no Brasil
bre essa população de usuários, nenhum cadas- e as pessoas portadoras de deficiência conquis-
tro sobre as necessidades especiais apresentadas taram mudanças na legislação e ampliaram seu
e, consequentemente, nenhuma ação específica espaço no mercado de trabalho e na mídia. No
de cuidado e inclusão a eles dirigida. entanto, apesar das notáveis conquistas, ainda
O Censo Demográfico realizado em 2010 pelo persistem barreiras sociais e preconceitos a se-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) rem superados (PEREIRA, 2006).
revela que existem 45,6 milhões de brasileiros Aponta-se que as legislações voltadas para
portadores de algum tipo de deficiência, corres- os direitos da pessoa com deficiência, apesar de
pondendo a 23,9% da população. Em relação à bem elaboradas e abrangentes, ainda precisam
proporção de pessoas com pelo menos uma das ser mais bem implementadas e fiscalizadas, para
deficiências investigadas segundo os grupos de que se possam construir ações facilitadoras da
idade, constatou-se que entre as crianças de acessibilidade, possibilitando a inclusão social
0 a 14 anos de idade a prevalência foi de 7,5%; na dessas pessoas. Particularmente no que se refere
população de 15 a 64 anos de idade, 24,9%; e na ao âmbito da saúde pública, observa-se que a
população de 65 anos ou mais de idade, 67,7%. assistência a essa população ainda apresenta um
O percentual da população feminina com pelo perfil de fragilidade, desarticulação e desconti-
menos uma das deficiências investigadas foi de nuidade de ações, inserindo-se marginalmente
26,5% e o da população masculina foi de 21,2%. no sistema de saúde (GIRONDI; SANTOS, 2011).
Isso se deve ao fato de que o número de mulhe- A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080/90
res com mais de 65 anos é superior ao de ho- (BRASIL, 1990), no artigo 7º, garante constitu-
mens nesta faixa etária (INSTITUTO BRASILEIRO cionalmente o direito à universalidade de aces-
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). so aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência e a igualdade da assistência à saúde,
sem preconceitos ou privilégios de qualquer es- as capacidades de fazer frente às limitações im-
pécie. Assim, com base nesse marco constitu- postas pela condição física e/ou psicológica e
cional, o acesso universal aos serviços de saúde garantir saúde e dignidade às pessoas.
passa a ser uma garantia constitucional conquis- Na Constituição Federal de 1988 foram assegu-
tada pela população brasileira. rados os direitos das pessoas portadoras de defi-
Nessa direção, a universalidade da assistência ciências nos mais diferentes campos e aspectos
no SUS significa que toda e qualquer pessoa, (BRASIL, 1988). Desde então foram criadas várias
sem nenhum tipo de discriminação ou exclusão, políticas que preconizam um conjunto de ações
tem direito a cuidados de saúde, acessíveis na destinadas a esse grupo populacional. Na evolu-
rede de serviços públicos do SUS, proporcionan- ção desse processo, o Decreto n. 3.956, de 8 de
do oportunidades de inclusão e melhoria geral outubro de 2001, que promulgou a “Convenção
na qualidade de vida. Por sua vez, a acessibili- Interamericana para a Eliminação de Todas
dade tem como objetivo permitir ganhos de au- as Formas de Discriminação contra as Pessoas
tonomia e de mobilidade a uma gama maior de Portadoras de Deficiência”, realizada em 1999,
pessoas, incluindo, assim, aquelas que tiveram define deficiência como: “[...] uma restrição físi-
uma redução em sua mobilidade ou apresentam ca, mental ou sensorial, de natureza permanente
dificuldades de comunicação, para que todos ou transitória, que limita a capacidade de exercer
usufruam dos espaços com mais segurança, con- uma ou mais atividades essenciais da vida diária,
fiança e comodidade (BRASIL, 2010). causada ou agravada pelo ambiente econômico
Assim, considerando essas dimensões da sa- e social” (BRASIL, 2001, p. 1).
tisfação das necessidades humanas, trata-se de No entanto, apesar da evolução das políticas
proporcionar uma ampliação de liberdades no para as pessoas com deficiência, o acesso aos
sentido exposto por Amartya Sen (2000), de que serviços de saúde ainda é muito precário para a
proporcionar liberdades para fazer coisas favo- expressividade de brasileiros com algum tipo de
rece a oportunidade das pessoas no que diz res- deficiência. Em relação à acessibilidade, ainda
peito à expansão das capacidades, convertendo há muito por fazer para que as pessoas com de-
recursos em bem-estar. Para esse autor (prêmio ficiência recebam assistência equitativa, igualitá-
Nobel de Economia em 1998), ter mais liberdade ria e universal, conforme preconizado pelo SUS.
melhora o potencial das pessoas para cuidar de No que se refere à relação profissional-pessoas
si mesmas. com deficiência, ainda existem pontos críticos a
Essa ideia de ampliação de liberdades possi- serem trabalhados, como é caso da comunicação
bilita argumentar-se que a ampliação das capa- efetiva e da consciência social sobre a diversida-
cidades de autocuidado configura-se em efetiva de humana (FRANÇA; PAGLIUCA, 2008).
responsabilidade dos serviços de saúde, que A Atenção Básica configura-se em uma reor-
devem estimulá-las. Garantir que a oferta de ganização do modelo assistencial. Nesse sentido
cuidados (acesso) se dê sem discriminações de tem o potencial de incorporar novas demandas
qualquer ordem, de forma acessível e, portanto, que acolham necessidades não enquadráveis nos
considerando as singularidades das necessidades limites da clínica médica e biologicista. Assim, os
de quem demanda, torna-se um imperativo. Não serviços são desafiados a pensar saúde na di-
se trata, portanto, de “trabalho extra” ou de one- mensão de direito humano e produzirem ações
rar o sistema de cuidados, mas de proporcionar que contemplem as limitações expressas nas de-
a cada pessoa o que tem direito no pleno exer- ficiências em suas dimensões individuais e cole-
cício da cidadania. A “diferença”, nesse caso, tivas. Essa reorganização passa a constituir uma
constitui-se em necessidade de aperfeiçoamen- multiplicidade de serviços de atenção, abrindo
to do sistema, para transformar “incapacidades” a perspectiva na direção de que cuidar vai além
em potencial de cuidado. Para os serviços de de assistir, e que a assistência, na sua dimen-
saúde, produzir inclusão consiste em aumentar são técnica, é apenas um dos elementos a serem
precisa estar inserida nesse processo, buscando Considerando o expressivo crescimento des-
contribuir para que as pessoas com deficiências se segmento populacional no país é de funda-
tenham garantidas as condições necessárias à mental importância criar políticas de acesso a
sua participação como sujeitos sociais. Esse de- esses usuários, tendo em conta as peculiaridades
sejado engajamento na adesão à causa da pessoa de cada região e o perfil socioeconômico des-
com deficiência fortalece o desenvolvimento do sas pessoas. Essas políticas devem contemplar
papel social da enfermagem enquanto categoria ações que permitam que esses usuários sejam
profissional da área da saúde (ARAGÃO et al., atendidos por um profissional da saúde, no seu
2010). domicílio ou em um serviço de saúde, tendo
Embora pessoas portadoras de deficiência como alternativa de acesso um meio transporte
física estejam sempre presentes na comunida- adaptado oferecido pelo Estado. Além de garan-
de, isto não garante sensibilização e reflexão tir o acesso à saúde, o Estado deve promover o
dos profissionais da saúde sobre as dificuldades acesso ao lazer e à cultura. Com a mudança das
encontradas por elas no dia a dia. Aponta-se a características da população é necessário tam-
necessidade de mais esclarecimentos e cons- bém a formação continuada dos profissionais de
cientização quanto à inclusão de todas as pes- saúde, para que saibam manejar as novas situa-
soas, independentemente da sua condição física ções do cotidiano, além do fomento de pesqui-
(PAGLIUCA; ARAGÃO; ALMEIDA, 2007). sas na resolução dos problemas referentes a esse
Pagliuca e Maia (2012) afirmam que a inclu- grupo social.
são da pessoa com deficiência exige adaptação Vale ressaltar que a maioria dos itens da vida
e apoio das instituições e espaços públicos e prática identificados neste estudo pode ser mo-
privados para as diferentes necessidades indi- dificada por meio de pequenas ações no domicí-
viduais dessas pessoas. As autoras consideram lio, possibilitando ao usuário ter mais autonomia
também que o desenvolvimento insuficiente de dentro de sua casa, como também evitar aciden-
competências profissionais pode ser o principal tes. No entanto, a sensibilização das equipes de
limite à prestação do cuidado inclusivo. saúde, a responsabilização e o comprometimento
Destaca-se também a necessidade de refle- como um cuidado inclusivo depende de aceitar
xão sobre o papel do Gestor Público na imple- o desafio de capacitar olhares que reconheçam
mentação das políticas contra a discriminação a dimensão ampliada da atuação em saúde e as-
das Pessoas Portadoras de Deficiência, visto que sumam elementos outros, para além do técnico,
não basta garantir somente a oferta do serviço de como componentes da atenção integral.
saúde aos deficientes, mas também deve existir a
preocupação de proporcionar e facilitar o acesso REFERÊNCIAS
das pessoas aos serviços de saúde quando de-
les necessitam (MISHIMA et al., 2010). A gestão ARAGÃO, Antonia Eliana A. et al. Perfil das pessoas
com deficiência de uma paróquia da Diocese de
pública precisa proporcionar a adequada distri-
Sobral-Ceará: um estudo quantitativo. Online braz.
buição geográfica desses serviços, bem como dis-
J. nurs., Niterói (RJ), v. 9, n.1, jun. 2010. Disponível
ponibilidade e qualidade de recursos humanos e em: <http://www.objnursing.uff.br/index.php/
tecnológicos (TRAVASSOS; MARTINS, 2004). nursing/article/view/j.1676-4285.2010.2834/647>.
Acesso em: 10 abr. 2014.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS.
NBR 9050: Acessibilidade: Acessibilidade de pessoas
A falta de estrutura adequada às limitações portadoras de deficiência e edificações, espaço,
dos usuários portadores de deficiência, dificulta, mobiliário e equipamento urbano. Rio de Janeiro,
e muitas vezes impossibilita, seu acesso aos ser- 2004.
viços de saúde, ferindo assim o princípio consti- BARROS, Cybele F. Casa segura: uma arquitetura
tucional de justiça social nesses serviços. para a maturidade. Rio de Janeiro: PoD, 2000.