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Departamento de Química Orgânica (IQ/UFRRJ)

Disciplina: Química Orgânica II (IC-663) # Turma: 02 # 1º Período de 2021

Prof.: Silas Varella Fraiz Júnior

Aula do dia 24 de setembro de 2021 (aula 2)

4) Estrutura do benzeno

4.1) A proposta de Kekulé

Durante a segunda metade do séc. XIX já se sabia que o benzeno:

a) Tinha a fórmula molecular C6H6 (muito insaturado);


b) Que reagia lentamente com a molécula do bromo (Br 2), na presença de ferro, para dar um
produto de substituição;
c) Que esse comportamento diferia dos alcenos, que dão reação de adição, muito facilmente,
com Br2;
d) Que se formava apenas um único produto de substituição monobromado (ou seja, não se
formava nenhum outro isômero com fórmula molecular C6H5Br);
e) A reação desse único produto monobromado, com fórmula molecular C 6H5Br, com outra
molécula de Br2 fornecia 3 (três) compostos dissubstituídos, isômeros de fórmula molecular
C6H4Br2.
Fe
C6H6 Br2 C6H5Br H Br Uma reação de substituição
Benzeno (lento) com a formação de produto e
sub-produto

C6H6
Benzeno
Br2
X C6H4Br2 A reação de adição de adição não ocorre,
que é comum em alcenos, ocorrendo com
bastante facilidade.
Br Br
C C Br2 C C A reação de adição de Bromo (Br2)
em alceno ocorre com facilidade.
(rápido)
um alceno

De posse desses resultados, August Kekulé propôs, em 1865, que a estrutura era de um anel
com 6 átomos de carbono que corresponderia à fórmula estrutural do “1,3,5-ciclo-hexatrieno” e
que tanto os 6 átomos de carbono, bem como os 6 átomos de hidrogênio, fossem equivalentes (o
que justificaria a formação de um único derivado monobromado).

H Br

H H Br
5 1
= =
H 3 H Br
H
É possível apenas um único produto de
"1,3,5-ciclo-hexatrieno" substituição monobromado
Entretanto, como explicar formação de apenas 3 produtos dibromados?

Br Br Br
Br Br

Br Br
1,3-dibromo-ciclo-hexatrieno
Br
1,4-dibromo-ciclo-hexatrieno
dois 1,2-dibromo-ciclo-hexatrienos

Kekulé, para explicar a formação de apenas um derivado-1,2 (e não dois, um com ligação simples
entre os átomos de bromo e outro com ligação dupla entre esses átomos), propôs que as ligações
duplas “oscilavam” rapidamente entre as duas posições, sendo impossível separá-los, porque se
interconvertiam muito rapidamente.

ligação simpes 1,54 oA


Br Br
(rápido)

Br Br
ligação dupla 1,33 oA

Uma questão permanecia sem ser resolvida: as ligações duplas são mais curtas que as ligações
simples. A estrutura não poderia ter um anel de 6 átomos de carbono com seis lados que fossem
iguais, envolvendo 3 ligações simples que se alternavam com 3 ligações duplas!

Curiosidade: outras propostas, à época, para a estrutura do benzeno.

Benzeno de Dewar Benzeno de Ladenburg

4.2) Estabilidade do Benzeno

A estabilidade incomum do benzeno “intrigava” os químicos da época. Apesar de ter que


apresentar ligações múltiplas, dada a insuficiência de átomos de hidrogênio em relação aos
átomos de carbono, ele não apresentava o mesmo comportamento de alcenos e alcinos,
apresentando uma reatividade muito diferente (ou seria “ausência” de reatividade?).

COOH
KMnO 4 KMnO4 não reage
H2O COOH H2O

H3O + H3O +
não reage
OH benzeno
ciclo-hexeno HCl
Éter HCl
Éter

Cl não reage
Uma maneira de estabelecer quantitativamente a maior estabilidade do benzeno frente um
hipotético “1,3,5-ciclo-hexatrieno” é através da reação de hidrogenação dos compostos
envolvidos.

Calores de hidrogenação (Ho)


observado esperado

H2 -28,6 Kcal/mol X

ciclo-hexeno

2H2 -55,0 Kcal/mol -57,2 Kcal,mol

1,3-ciclo-hexadieno (2X)

3 H2 X -85,8 Kcal/mol

(3X)
"1,3,5-ciiclo-hexatrieno"

Experimentalmente sabe-se que:


diferença
igual a 36 Kcal/mol
3 H2 -49,8 Kcal/mol

be nzen o

Como 36 Kcal/mol de calor menos do que se espera é liberado na hidrogenação do benzeno, o


benzeno deve ter menos 36 Kcal/mol de energia, isto é, ele tem 36 Kcal/mol de estabilidade
adicional.

Outra evidência dessa natureza incomum do benzeno é que todas as ligações entre os átomos de
carbono tem o mesmo comprimento, um valor intermediário entre as ligações simples e duplas,
de valor igual a 1,39 oA de comprimento.

4.3) Representando o Benzeno: o método da ressonância

O benzeno é, na verdade, um híbrido de ressonância das duas estruturas de Kekulé, e suas


ligações entre átomos de carbono é de comprimento intermediário entre a simples e dupla, Isto é,
“uma ligação e meia”.

"hibrido" de ressonância

formas canônicas de ressonância

As formas de ressonância são imaginárias, não reais. As formas de ressonância se diferem


apenas na posição de seus elétrons. Nem a posição e nem a hibridação dos seus átomos muda
de uma estrutura de ressonância para outra. Os elétrons  são compartilhados igualmente por
todos os núcleos dos átomos de carbono. Quanto maior for o número de estruturas de
ressonância mais estável é o híbrido de ressonância.
4.4) A descrição do benzeno por orbitais moleculares

"hibrido" de ressonância

formas canônicas de ressonância

2
* 6 carbonos com hibridação sp
* apresentam seis orbitais p "puros"
*são coplanares porque se situam em
um sistema cíclico, formando um hexágono
regular (seis lados iguais de mesmo comprimento)

São formados seis orbitais moleculares , três situados no plano ligante, tendo 2 elétrons  cada
um. Os outros três orbitais moleculares, estão vazios, no estado fundamental, e são anti-ligantes,
4.5) Aromaticidade e a regra (4n+2) elétrons  de Hückel

Sobre o benzeno, visto até aqui:

a) É uma molécula cíclica conjugada;


b) É muito estável, com calor de hidrogenação 36 Kcal/mol menos negativo do que o
esperado para um trieno cíclico;
c) É plano e tem a geometria de um hexágono regular. Os ângulos de ligação são de 120 o,
que corresponde ao ângulo interno de um hexágono regular;
d) As seis ligações entre os átomos de carbono são iguais e apresentam o mesmo
comprimento de 1,39 oA ;
e) Sofre reações de substituição que mantém a conjugação do anel e não apresentam
reações de adição eletrofílica, que destruiriam a conjugação;
f) O benzeno é um híbrido de ressonância de duas formas canônicas de ressonância
(estruturas de Kekulé).
Mas, segundo a teoria desenvolvida por um físico alemão chamado Erich Hückel, em 1931, uma
molécula será considerada aromática:
a) Somente se for planar e cíclica;
b) Com orbital p em cada átomo;
c) Somente se o sistema de orbitais p contiver (4n+2) elétrons , onde n é um número inteiro
(n= 1,2,3, etc.).Ou seja, apenas se tiverem 2,6,10,14,18.....elétrons serão aromáticas.

As moléculas que tem 4n elétrons não podem ser aromáticas, ainda que sejam
cíclicas e aparentemente conjugadas e são ditas anti-aromáticas, porque sua deslocalização de
elétrons leva a um aumento de energia.
Vejamos alguns exemplos da importância da regra (4n+2) elétrons  de Hückel.
1) O ciclobutadieno tem 4 elétrons  e é anti-aromático.

duas ligações duplas


quatro elétrons 
ciclo-butadieno
É uma substância muito reativa. Mas não apresenta a reatividade esperada para um composto
aromático (dar reações de substituição, eletrofílica ou nucleofílica, por ex., como se verá mais
adiante). Várias tentativas de sua síntese aconteceram, ao longo de mais de vinte anos, mas não
foi atingida. Em 1965, foi obtido a temperaturas muito baixas, mas foi impossível isolá-lo. Mesmo
a -78ºC, ele se dimeriza, através da reação de adição de Diels-Alder.
RELEMBRANDO!

DIENO "DIENÓFILO"
estado de transição
cíclico
EXEMPLO:
O 

benzeno


dieno "dienófilo" 3-ciclo-hexenil--metil-cetona
1,3-butadieno 3-buteno-2- ona
-no caso do ciclo-butadieno:

-78oC

estado de transição
dieno " dienófilo"
cíclico

2) O benzeno tem 6 elétrons  (4n + 2 = 6, sendo n=1) e é aromático.

três ligações duplas


seis elétrons 
benzeno

3) O ciclo-octatetraeno tem 8 elétrons  e não é aromático (é anti-aromático).

quatro ligações duplas


oito elétrons 

ciclo-octatetraeno

Foi obtido pela primeira vez em 1911 e se acreditava, nessa época, que a única exigência para
que uma substância tivesse aromaticidade fosse a presença de um sistema cíclico
conjugado.Mas descobriu-se que sua reatividade era semelhante a dos polienos (alcenos de
cadeia aberta com muitas duplas, conjugadas ou não). Dava reações de adição com Br 2 e
também com HCl, bem como reação de oxidação com KMnO 4. Sabe-se agora que ele sequer é
conjugado, nem planar. Para ser conjugado é necessário que os orbitais p vizinhos sejam
coplanares, não tendo o alinhamento necessário para a superposição, não podendo haver
deslocalização dos elétrons , como no benzeno. Tem a geometria molecular parecida com uma
“banheira” ou com uma conformação “bote”. Estudos posteriores, através de uma técnica se
utilizando de raios-X, mostraram que as ligações simples tem 1,47 oA de comprimento e as
ligações duplas 1,34 oA.

os orbitais p das ligações duplas


separadas por uma ligação simples
não estão no mesmo plano

- não ocorre a superposição dos


lobos dos orbitais p, logo, não ocorre
a deslocalização de elétrons como no
- a molécula não é planar! benzeno
(um modelo molecular)

Exercícios

1) Quantos derivados tribromados do benzeno são possíveis de acordo com a teoria de


Kekulé?
2) Se substituirmos hidrogênio por bromo, quantos derivados monobromados são possíveis
nas propostas não-comprovadas para a molécula do benzeno, feitas por Landenburg e por
Dewar? E quantos derivados dibromados?
3) A piridina, de fórmula molecular C6H5N, é uma molécula plana, hexagonal, com ângulos
internos de 120º. Ela sofre reações de substituição (tanto eletrofílica como nucleofílica) e
não de adição. Escreva fórmula estrutural da piridina. Explique as propriedades da piridina
usando orbitais moleculares. Você a considera aromática ou anti-aromática?
4) Para ser aromática, uma molécula deve ser plana, de modo a permitir a superposição de
orbitais p, e deve ter 4n + 2 elétrons  ( ou seja, seguir a Regra de Hückel). O ciclo-
decapentaeno obedece apenas um desses requisitos e, portanto, não é aromático.
Explique o porquê desse comportamento.

ciclo-decapentaeno

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