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Emergências Psiquiátricas

Alexander Moreira-Almeida

Isaac Levenstein

1)Conceito

Botega (1995) define uma emergência psiquiátrica (EP) como uma súbita

desorganização do indivíduo quanto a seu comportamento, humor ou pensamento, levando

à incapacidade, mesmo que momentânea, de controlar ou desempenhar suas atividades

pessoais, laboriais e sociais. Emergências psiquiátricas estão freqüentemente associadas a

situações de crise, dependendo não só da personalidade do indivíduo, como também do

meio social e familiar de onde ele provém. O caráter emergencial pode ser identificado pelo

próprio paciente, em decorrência de seu sofrimento psíquico, ou pelos familiares, amigos e

profissionais de saúde, em virtude da gravidade dos sinais ou sintomas apresentados pelo

paciente.

Hillard (1994) define uma EP como qualquer comportamento que não pode ser

manejado com a rapidez e eficiência necessárias pelo sistema de saúde mental da

comunidade. Esta definição sugere que a EP não é uma função exclusiva de uma

determinada alteração psicopatológica, mas também do sistema de serviços oferecidos por

uma determinada região na qual o indivíduo está inserido. Esta definição aponta para a

questão de como se organiza um serviço de saúde mental numa determinada cidade. Em

grande parte do Brasil e em muitos outros países, observamos uma rede ambulatorial

deficiente o que acarreta muitas vezes uma sobrecarga dos serviços de emergência.

2)Histórico
O serviço de emergência psiquiátrica (SEP) surge com o movimento de

desinstitucionalização, que tem como princípio buscar a reintegração dos pacientes

psiquiátricos à sociedade. Também surge com a crescente inclusão da psiquiatria como

uma especialidade médica e desta forma a psiquiatria passa a estar dentro do hospital

geral. Assim como os SEP, também surgiram as enfermarias de psiquiatria dentro do

hospital que são um dos pilares deste novo modelo assistencial aos pacientes psiquiátricos.

Desta forma, o SEP permite atendimento de situações agudas em curto espaço de

tempo, possibilita a racionalização dos critérios de internação já que via de regra o paciente

é avaliado neste tipo de serviço antes de ser encaminhado para uma internação e, com isto,

se evitam muitas internações desnecessárias. Além disto, é dentro de um hospital geral que

é possível a interlocução entre diferentes especialidades médicas, de modo que o psiquiatra

do setor de emergência pode prestar auxílio para situações de urgência em outros setores

do hospital, como nas enfermarias e também fica mais fácil a adequada investigação e

tratamento de causas orgânicas de alterações comportamentais, além de comorbidades

clinicas. Cada vez tem sido mais reconhecida a importância dos médicos não psiquiatras

adquirirem algumas habilidades básicas nesta especialidade. Tal necessidade se deve não

somente pela grande prevalência de quadros psiquiátricos que se apresentam ao não

psiquiatra, como pela imperiosa conveniência de uma correta identificação e manejo das

diversas EP que se apresentam na prática clínica.

3) Epidemiologia

Diversos estudos populacionais têm evidenciado uma alta prevalência de transtornos

mentais. Um recente levantamento levado a efeito na cidade de São Paulo detectou uma

prevalência de transtornos mentais (excluindo dependência à nicotina) de 33% ao longo da

vida e de 15,4% no último mês (Andrade, 2002). Neste contexto, demanda por SEP vai

depender em grande parte da estrutura do serviço de saúde mental da região em questão.

Com a política de ressocialização e conseqüente desospitalização de muitos pacientes, há um


maior contingente de portadores de transtornos mentais graves na comunidade, potenciais

usuários dos serviços de emergência (Del-Ben, 1999; Santos, 2000). Tal demanda se

acentuará muito caso não haja, como geralmente não há, serviços extra-hospitalares

adequados para darem suporte e tratamento a esta população. Em Ribeirão Preto (SP) a

utilização da EP dobrou entre 1988 e 1995 (Del-Ben, 1999). Uma alta taxa de utilização destes

serviços de emergência denuncia uma qualidade insatisfatória do sistema de saúde (Spurrel,

2003).

No SEP de Ribeirão Preto (Santos, 2000) foi encontrada a seguinte distribuição de

diagnósticos entre os 600 atendimentos feitos durante 2 meses: transtorno do uso de

substância psicoativa (26,3%), esquizofrenias (15,5%), episódio maníaco (11,8%), depressão

maior (10,9%) e outros transtornos não psicóticos (10,9%). Destes atendimentos, 20%

resultaram em internação. O tempo médio de permanência no PS foi de 10,9 horas.

As urgências psiquiátricas têm se mostrado freqüentes em estudos investigando os

atendimentos pré-hospitalares, como os serviços de resgate disponibilizados no Brasil. Os

quadros psiquiátricos ocupam o terceiro lugar entre os motivos de utilização dos serviços

médicos pré-hospitalares de emergência na Alemanha. Os quadros psicóticos, por uso de

substâncias e tentativas de suicídio respondem pela grande maioria de tais chamados. Apesar

desta freqüência, os médicos revelaram-se despreparados para lidarem com tais urgências

psiquiátricas (Pajonk, 2001; Kardels, 2003)

Um outro aspecto que merece destaque é a subutilização dos serviços de saúde mental e

a grande procura dos serviços médicos gerais pelos portadores de transtornos mentais. Ou

seja, os quadros psiquiátricos freqüentemente se apresentam aos não especialistas (Andrade,

2002). Apesar de ser freqüente tais pacientes se apresentarem aos prontos-socorros clínicos,

muitas vezes com queixas vagas e inespecíficas, o transtorno mental subjacente raramente é

identificado e muito menos encaminhado adequadamente (Schriger, 2001).

Os pacientes que procuram um SEP, em geral adulto jovens, podem ser divididos em dois

grupos:
- Já fazem tratamento prévio: tendem a ser casos mais graves (freqüentemente

psicóticos) em recaídas devido ao abandono do tratamento

- Primeiro contato com um serviço de saúde mental: distúrbios do comportamento (auto e

heteroagressividade), crises de pânico e transtornos decorrentes do uso de

substâncias, usualmente com um estressor agudo (Spurrel, 2003).

A chegada de um paciente com uma urgência psiquiátrica usualmente se dá de uma das

três seguintes formas: acompanhado de familiares, trazido por policiais ou desacompanhado.

Nestas duas últimas situações geralmente encontramos os quadros mais graves e com menor

suporte social. Freqüentemente são homens envolvidos em quadros de agressão, muitas

vezes psicóticos e/ou com transtornos por uso de substâncias (Dhossche, 1998).

4) Quadro Clínico e Diagnósticos Diferenciais

É importante ressaltar que pacientes que se apresentam com alterações do comportamento

tendem a ser subavaliados clinicamente, havendo o sério risco de uma grave condição clínica

geral passar despercebida. Tais situações ocorrem mais freqüentemente com intoxicações por

substâncias ou síndromes de abstinência graves. As falhas mais freqüentes são a falta de um

exame físico e psíquico satisfatórios, bem como de uma história clínica e exames laboratoriais

adequados (Reeves, 2000).

4.1) Suicídio e Tentativa de Suicídio

Enquanto suicídio é a morte decorrente de uma conduta voluntária e intencional que visa

o auto-extermínio, a tentativa de suicídio é a falha do ato suicida. Suicídios e tentativas de

suicídio são uma causa comum de procura de um serviço de emergência e, muitas vezes, a

avaliação inicial é feita por um clínico geral ou um cirurgião, dependendo do método utilizado

pelo paciente para tentar se matar. O primeiro cuidado consiste na avaliação e estabilização

clínica do paciente de acordo com cada caso.


Na avaliação destes quadros é importante colher uma anamnese com o paciente,

quando possível, e também com os familiares, visando à identificação do método utilizado para

o suicídio e do diagnóstico psiquiátrico. Ainda é importante um diagnóstico clínico e colher uma

história de uso de medicações que possam interagir com medicações usadas em casos de

intoxicação exógena. Por fim, se fará uma avaliação do risco para nova tentativa de auto-

extermínio.

Diversos trabalhos indicam que cerca de 90% das pessoas mortas por suicídio

apresentavam alguma forma de transtorno mental. Os transtornos depressivos estão presentes

em 45 a 70% dos suicídios. A seguir, tem-se o abuso ou dependência de álcool (20- 25% dos

casos), esquizofrenia (5-10%), transtornos de personalidade (9%) e transtornos cérebro-

orgânicos (4%). A noção de comorbidade psiquiátrica é fundamental na avaliação destes

casos, uma vez que os transtornos psiquiátricos se sobrepondo, somam-se os riscos Além

disto, doenças crônicas relacionam-se com maior risco de suicídio, como câncer, HIV, doença

renal crônica, doenças desfigurantes ou incapacitantes etc.. (Kapczinski, 2001)

Quanto ao método de suicídio utilizado, no Brasil o principal meio é o enforcamento,

tanto para homens como para mulheres. A seguir, homens usam mais armas de fogo e

envenenamento e as mulheres, envenenamento. Se forem incluídas também as tentativas de

suicídio, envenenamento e intoxicação por remédios são responsáveis por 90% dos casos.

(Kapczinski, 2001)

Na avaliação do risco de suicídio, considerar os seguintes fatores:

- Sexo: mulheres tentam se matar 3 vezes mais que os homens, mas estes se matam de

fato 3 vezes mais.

- Idade: as taxas de suicídio aumentam com a idade, sendo mais prevalente após 45

anos, no entanto tem aumentado o número de adolescentes e adultos jovens suicidas. Embora

mais raro, crianças também podem se matar.

- Situação conjugal: a prevalência de suicídio é maior entre os divorciados, seguido por

solteiros e viúvos. Os casados são os menos afetados. A ausência de filhos é um fator levado
em conta na decisão de morte. Boa parte dos suicídios ocorre após a morte do cônjuge. O

isolamento social, ausência de amigos e morar só são fatores de risco também.

- Situação profissional e social: o trabalho é considerado um fator protetor para suicídio.

Já pessoas com altas posições sociais, assim como queda do nível social e maior nível de

pobreza são fatores de risco. Algumas categorias profissionais são mais propensas ao suicídio,

como médicos, artistas, dentistas e agentes da lei. Imigrantes também têm risco maior.

- Outros fatores: observa-se entre jovens que tentam suicídio um elevado número de

lares desfeitos, com perda de um ambos os pais por morte ou separações. É comum história

familiar de suicídio ou sua tentativa em pessoas que tentam se matar. Outro dado observado

nos casos é a presença de fatores estressantes no último ano (problemas financeiros,

amorosos, familiares ou judiciais), sobretudo no último mês. Em relação às tentativas de

suicídio, na maioria das vezes houve um evento desencadeante, como um desentendimento ou

perda de alguém importante, ou ainda gravidez indesejada ou aborto recente.

A avaliação do risco de suicídio é muito difícil e a decisão do médico pode acarretar a

vida ou morte do paciente. É comum que o médico esteja vendo aquele doente pela primeira

vez. Na avaliação, é prudente não deixar o paciente sozinho na sala e remover quaisquer

objetos perigosos do local, deve-se ter uma postura de não julgamento e permitir ao paciente

que este fale abertamente sobre o assunto questionando-lhe sobre o desejo de morrer e suas

motivações, se este desejo ainda está presente e quais planos o paciente tem em mente para

concretizá-lo e se deve avaliar se ele tem condições de fazê-lo. O contato com a família é

fundamental, devendo o médico avaliar a possibilidade dos familiares cuidarem deste paciente

em casa (por exemplo,terá um adulto sempre em casa? A família se mostra empenhada e

preocupada com o cuidado desta pessoa?)

A desesperança é o sentimento mais prevalente em pacientes que tentaram ou tiveram

ideação suicida grave. Quanto maior o grau de desesperança, maior o risco de êxito fatal.

Outro aspecto a ser observado é a ambivalência: grande parte dos pacientes suicidas

apresentam algum grau de ambivalência em relação à concretização do seu ato, ora desejando
mais intensamente, ora pondo a idéia de lado. 80% dos pacientes avisaram antes de suas

intenções e 40% procuraram médicos na semana anterior ao suicídio. Quanto mais convicto o

paciente estiver do suicídio como uma “solução”, maior o risco.

Ao mesmo tempo estão presentes na tentativa de suicídio um pedido de ajuda, o desejo

de morrer e agressividade. A morte pode ser fantasiada como uma vingança contra pessoas

próximas, alívio de sofrimento, fazer com que sintam sua falta, etc..

O risco é menor se o paciente garantiu a existência de socorro antes, se ele está

aliviado por ter sobrevivido, se com esta tentativa ele visava “resolver” algum tipo de conflito e

se o paciente não expressa planos de novas tentativas futuras. Mesmo assim, nestes casos a

abordagem deve ser cuidadosa, ainda que se tenha a impressão que foi “só para chamar a

atenção”. Muitos pacientes (freqüentemente com transtornos de personalidade) podem usar a

tentativa de suicídio como forma de ter algum tipo de ganho ou como solução de um conflito

interno ou interpessoal, mas devemos lembrar que a forma usada pelo paciente para tal é em

si mesma grave já que existem outras formas de chamar a atenção ou manipular. Além disto,

alguns pacientes que “não queriam morrer de fato” às vezes “erram a mão” e acabam

chegando a óbito.

40% dos indivíduos que tentam suicídio já fizeram tentativas prévias. 15 a 35% tentarão

novamente num prazo de 2 anos.

4.2) Ansiedade, Crises de Pânico e Conversões

Estes quadros são outro motivo comum de procura de um serviço de pronto-socorro.

As três situações envolvem sintomas físicos e, portanto, a primeira preocupação será

descartar um quadro orgânico através de uma boa anamnese, exame físico e exames

complementares (se necessários).

A ansiedade pode ser normal ou patológica, dependendo do contexto, fatores

precipitantes do quadro, devendo-se ainda avaliar sua intensidade, duração, compatibilidade

com o fator desencadeante e presença de outros sintomas associados. Apenas na ansiedade


patológica se indica um tratamento. A ansiedade é caracterizada por preocupação excessiva e

sentimentos de apreensão, nervosismo ou um mal-estar indefinido. Ainda pode haver

despersonalização (sensações de estranhamento de si mesmo ou de partes do corpo) ou

desrealização (sensações de estranheza em relação ao ambiente). Associados aos sintomas

psíquicos, sintomas físicos estão presentes, como taquicardia, sudorese, tremores, ondas de

calor e frio, náuseas, aumento do peristaltismo, midríase, dores e contraturas musculares,

parestesias, tonturas e a pressão arterial pode subir.

A ansiedade é um sintoma presente em diversos quadros psiquiátricos e cabe aqui sua

diferenciação:

- Ansiedade Generalizada: aqui a ansiedade é persistente, constante e sem estar

relacionada a uma situação específica.

- Transtornos Fóbicos: a ansiedade é desencadeada por uma situação nitidamente

determinada que não apresenta perigo real e esta situação é evitada ou suportada com muita

dificuldade. Entre os transtornos fóbicos, agorafobia se refere ao medo de estar em qualquer

local ou situação onde seja difícil sair ou obter ajuda em caso de necessidade. Podendo se

manifestar com o receio de deixar sua casa, medo de lojas, multidões, locais públicos, espaços

fechados ou veículos fechados, preferindo o paciente sair acompanhado. A agorafobia está

comumente associada à síndrome do pânico.

- Transtorno misto ansioso e depressivo: quando o indivíduo tem ao mesmo tempo

sintomas depressivos e ansiosos sem predominância nítida de uns ou outros e sem que a

intensidade de um seja suficiente para justificar um diagnóstico isolado.

- Reação Aguda ao Estresse: quadro transitório que ocorre em alguém que não vinha

tendo um outro transtorno mental, em seguida a um estresse físico ou psíquico excepcional e

que desaparece em algumas horas até alguns dias.

- Síndrome do estresse pós-traumático: quadro que ocorre após um estresse emocional

que seria traumático para praticamente qualquer pessoa, como guerras, catástrofes naturais,

agressão física, estupros e acidentes sérios. Consiste em reviver o trauma através de sonhos
ou pesadelos, pensamentos e lembranças durante a vigília, há evitação persistente de coisas

que lembram o trauma e comumente há sintomas ansiosos e depressivos.

- Transtorno de Pânico: crises de pânico são crises súbitas e de curta duração (em geral

até 30 minutos) caracterizados por intensa ansiedade, medo de morrer ou enlouquecer (ou

perder o controle) associados a alguns sintomas físicos como dor ou desconforto torácico,

palpitações, sudorese, tremores, sensação de falta de ar, tonturas e parestesias. Ainda pode

haver desrealização e despersonalização, como sentir o corpo flutuando. As crises podem

ocorrer em qualquer local e horário, inclusive durante o sono. Crises de pânico podem ocorrer

dentro de quadros depressivos, quadros fóbicos diante do estímulo fóbico, induzidos por

drogas ou até mesmo em condições médicas como problemas de tireóide ou paratireóide.

Nestes casos, não se faz o diagnóstico de transtorno de pânico. Neste, as crises de pânico são

recorrentes e inesperadas, entre as crises é comum se desenvolver uma ansiedade

antecipatória em relação a um novo ataque. Agorafobia pode aparecer na evolução do quadro.

- Transtornos conversivos: quando uma súbita alteração ou perda da função sensitivo-

motora ou de outra função corpórea é sugestiva de doença física, mas fatores psicológicos

estão associados à etiologia. São exemplos as pseudo-crises epilépticas, cegueiras, paralisias

e parestesias. O transtorno conversivo pode ser diagnosticado na presença de uma doença

física se esta não explicar completamente os sintomas.

4.3) Transtornos de Ajustamento

Nestes casos se exige um cuidadoso diagnóstico diferencial com outros quadros,

sobretudo depressão, quadros ansiosos e a reação normal de luto.

O diagnóstico se dá quando após um evento estressor se desenvolvem sintomas que

sejam clinicamente significativos até 3 meses depois e que implicam um sofrimento acentuado

que exceda o esperado para aquele estressor e com comprometimento significativo no

funcionamento social, ocupacional ou acadêmico. É uma reação mal adaptativa. Os sintomas

não são suficientes para outro diagnóstico, por exemplo depressão. São comuns sintomas
depressivos e ansiosos. É bastante comum em pacientes hospitalizados (chega a 10% destes

pacientes). Outros fatores estressores são problemas conjugais, financeiros e mudanças de

ambiente. No diagnóstico diferencial, descartar causas orgânicas. O luto normal, apesar de

poder ter prejuízo social ou ocupacional, é transitório e compatível com a perda, não sendo

considerado um transtorno de ajustamento. Se o paciente apresenta critérios diagnósticos

para depressão, psicose, ansiedade generalizada, entre outros, estes são hierarquicamente

superiores e devem ser o diagnóstico principal, ainda que haja estressores identificáveis.

4.4) Depressão

A procura de um serviço de urgências pode se dar por ideação suicida, prejuízos

ocupacionais ou sociais ou por sintomas específicos como insônia ou perda de apetite. Muitas

vezes um paciente com depressão procura um clínico geral com queixas físicas inespecíficas e

a depressão com freqüência ainda é subdiagnosticada, sendo fundamental a investigação de

sintomas depressivos nestas situações. Um rastreio rápido pode ser realizado perguntando-se

sobre a presença constante de desânimo, tristeza ou anedonia (perda do interesse ou prazer

nas atividades diárias) nas últimas semanas.

O quadro clássico envolve humor deprimido ou desânimo, diminuição da energia,

anedonia, diminuição da libido, diminuição de apetite (às vezes aumento), insônia (às vezes

hipersônia), lentificação motora (mas às vezes, nas depressões ansiosas ou psicóticas, pode

ter inquietação e até mesmo agitação psicomotora), a fala pode ser em baixo volume e

lentificada, ansiedade é um sintoma comum. Ainda pode ter diminuição de atenção e de

memória (sobretudo pela desatenção) e há idéias freqüentes de culpa, auto-recriminação e

menos-valia. A desesperança é um sintoma com freqüência associado à ideação suicida.

A depressão psicótica é aquela que ainda apresenta sintomas caracterizando

rompimento com a realidade, como delírios (que costumam ser de culpa, hipocondríacos,

niilistas e às vezes persecutórios e de auto-referência) e alucinações auditivas com vozes

condenatórias.
Pouco menos de 10% dos portadores de depressões graves cometem suicídio ao longo

da vida (Bostwick, 2000). O episódio depressivo pode ser leve, moderado e grave, de acordo

com a presença de mais ou menos sintomas e de sua intensidade. Uma crise depressiva dura

ao menos, pelo CID 10, 2 semanas, nas quais os sintomas são freqüentes a maior parte do

tempo. Quando há história de mais de uma crise, o diagnóstico deve ser de Transtorno

Depressivo Recorrente. Se houver história de episódio maníaco ou hipomaníaco, o diagnóstico

muda para Transtorno Afetivo Bipolar, Episódio atual depressivo.

4.5) Delirium (Estado Confusional Agudo ou Síndrome Mental Orgânica Aguda)

São alterações do estado mental de um paciente secundárias a um quadro orgânico,

cursando com rebaixamento do nível de consciência, diminuição de atenção, desorientação

têmporo-espacial e muitas vezes com hiperatividade motora ou prostração. Outras

características possíveis são pensamento incoerente e idéias persecutórias frouxas, assim

como ilusões e alucinações visuais, táteis ou auditivas. Ainda podem aparecer alterações de

sono, sintomas ansiosos, depressivos ou labilidade de humor. O paciente, após sair do quadro,

muitas vezes não se recorda do mesmo.

São fatores que predispõem o paciente ao Delirium: idade maior que 60 anos, uso de

álcool ou drogas, patologias cerebrais, utilização de diversas medicações simultaneamente e

história anterior de delirium.

Entre as causas comuns, se encontram: intoxicação por drogas, abstinência de álcool

(Delirium Tremens) ou outras drogas, hipóxia cerebral, quadros infecciosos, distúrbios

metabólicos como hipoglicemia, uremia, encefalopatia hepática, distúrbios hidro-eletrolíticos,

distúrbios endócrinos, TCE, estados pós-ictais, doenças cerebrais, deficiências nutricionais

como de tiamina,B 12, ácido nicotínico, folato, quadros alérgicos e doenças auto-imunes como

lúpus eritematoso.

Estes quadros apontam para a necessidade de uma boa anamnese clínica e um bom

exame físico, evitando-se que tais casos sejam tomados como puramente “psiquiátricos”.
4.6) Agitação Psicomotora

Constitui-se numa das principais causas de consulta ao SEP, porém cabe lembrar que a

maior parte dos pacientes psiquiátricos não agressivos.

Nestes casos, muitas vezes, é necessário controlar o sintoma antes de se fazer uma

avaliação diagnóstica. Aqui também é importante lembrar que problemas orgânicos podem

estar associados a quadros de agitação psicomotora, como intoxicação por álcool e outras

drogas psicoativas, como cocaína ou anfetaminas, abstinência de álcool ou drogas

depressoras do SNC como opiáceos e barbitúricos, reação paradoxal ao uso de

benzodiazepínicos, embriaguez patológica, além de outras causas orgânicas: doenças do SNC

(TCE, demências, esclerose múltipla, infecções), doenças sistêmicas com repercussões

cerebrais como hipoglicemias, distúrbios hidro-eletrolíticos, infecções sistêmicas etc. Os

quadros de Delirium também podem cursar com agitação psicomotora.

Alguns sinais sugestivos de quadros orgânicos são febre, toxemia, lesões de pele,

marcas de picadas de agulhas (drogas), alterações pupilares nas intoxicações por drogas,

alteração de nível de consciência, diminuição de atenção, tremores, odores como hálito

cetônico ou alcoólico, quadros psiquiátricos atípicos ou em idade atípica, presença de

alucinações visuais etc..

Entre os quadros psiquiátricos associados à agitação psicomotora, estão:

- Esquizofrenia: geralmente o paciente fica agitado durante os períodos de crise, nas

quais são comuns alucinações auditivas, delírios (idéias irreais persistentes que não cedem à

argumentação) persecutórios (“querem me matar”) ou de auto-referência (“pessoas na sala de

espera do PS riem de mim”), entre outros. Também é comum pensamento desagregado (sem

nexo, frases sem sentido), o afeto pode ser distanciado (pouca expressão afetiva dos

sentimentos) e desorganização geral. A ação agressiva geralmente é decorrente do delírio (por

se sentir ameaçado, zombado ou perseguido) ou de alucinações imperativas (ordenando que o

paciente agrida alguém).


- Surtos Psicóticos Agudos: também podem ocorrer delírios, alucinações,

desorganização e desagregação do pensamento porém a história é de curta duração, não

sendo uma doença crônica como na esquizofrenia.

- Fase Maníaca de Transtorno Afetivo Bipolar: cursa com humor eufórico ou irritável,

com fala acelerada (às vezes perdendo o nexo) e comumente com uma hipervalorização de si

mesmo e idéias de grandeza como acreditar que tenha poderes ou dons ou que tenha muito

dinheiro ou sucesso.

- Transtornos de personalidade: também cursam com períodos de agitação, entre eles

personalidade anti-social (indiferença por sentimentos alheios, desrespeito por normas, baixa

tolerância à frustração, incapacidade de experimentar culpa), personalidade emocionalmente

instável tipo borderline (instabilidade emocional, sentimentos crônicos de vazio,

relacionamentos intensos e instáveis, ameaças de suicídio ou autolesão) ou tipo impulsivo

(instabilidade emocional, grande impulsividade com acessos de violência ou se torna

ameaçador) e personalidades histriônicas (teatralidade, sedução inapropriada, afetividade

superficial ou lábil, sugestionabilidade, busca de atenção constante). Nestes casos, a não ser

que haja comorbidade (ex: paciente borderline que faz um surto psicótico), estes pacientes não

têm sintomas psicóticos (delírios, alucinações).

- Outros quadros: alguns pacientes com depressão psicótica podem ficar inquietos ou

mesmo agitados. Pacientes com quadros ansiosos e crises de pânico podem ter exacerbações

do quadro a ponto de ficarem agitados. Pacientes com retardo mental também podem ficar

agressivos.

5) Terapêutica/ Conduta

Infelizmente, ainda existem poucas condutas bem definidas a partir da medicina

baseada em evidências. Como em toda a medicina, as terapêuticas empregadas ainda derivam

em grande parte da experiência clínica acumulada ao longo dos anos e de ensaios clínicos
nem sempre impecáveis metodologicamente. Será explicitado no texto quando as diretrizes

apresentadas resultarem de revisões sistemáticas ou de reuniões de consenso.

4.1) Suicidio

Pacientes com tentativa de suicídio devem ter como primeira medida a estabilização dos

parâmetros clínicos. Após obtida, tanto estes pacientes como aqueles que referem apenas

ideação suicida devem passar por uma avaliação focada principalmente no estressor

desencadeante, no risco atual de suicídio e na identificação de transtornos mentais

subjacentes. Se o paciente encontra-se intoxicado devido à tentativa de suicídio, uma

avaliação psiquiátrica adequada muitas vezes só pode ser feita após a desintoxicação. A

informação obtida com os acompanhantes é fundamental. Tentativas anteriores, desesperança,

falta de planos futuros, perdas recentes, ausência de suporte social e de religião são

indicadores de alto risco de suicídio. Os diagnósticos mais freqüentemente associados são a

depressão (uni ou bipolar), uso de substâncias e esquizofrenia.

Ao contrário do senso comum, o ato do profissional perguntar sobre ideação ou

tentativas prévias de suicídio não induz o paciente ao ato, pelo contrário, a chance de

compartilhar tais angústias pode ser fonte de intenso alívio. É fundamental que o médico

pergunte a pacientes com tentativa de suicídio se está arrependido ou se continua desejando

morrer, entretanto deve evitar posturas moralistas ou críticas. Também vale frisar a

necessidade de se investigar desesperança, pensamentos de morte, ideação e planejamento

suicida nos pacientes com transtornos mentais no PS, principalmente aos portadores de

depressão e problemas por uso de substâncias. O questionamento pode ser feito diretamente:

”já pensou em fazer alguma ‘besteira’ com você mesmo?”; ”você deseja morrer?”; “a idéia de

morrer vem à sua cabeça?”; “você já tentou suicídio?”.

Mesmo as tentativas de suicídio de pouca gravidade e com caráter manipulativo não

devem ser desconsideradas, pois indicam um real sofrimento do paciente e se constituem


muitas vezes num pedido desesperado e inadequado de socorro que, se não respondido

adequadamente pode resultar em tentativas futuras mais graves.

Caso se opte por liberar o paciente, deve-se assegurar o apoio de acompanhantes, a

retirada de armas de fogo ou medicações do alcance do paciente e um acompanhamento

intensivo por profissionais de saúde mental. Grande vigilância faz-se necessária no início do

tratamento com antidepressivos, pois: eles demoram alguns dias para alcançarem efeito

terapêutico, os tricíclicos são perigosos em superdosagem e, como os antidepressivos

geralmente melhoram a apatia antes do humor depressivo, pacientes que estavam fadigados e

inertes demais para cometerem suicídio, podem estar sobre maior risco neste ínterim (Meleiro,

1995).

Nos casos em que a internação está indicada, pode ser realizada até involuntariamente,

para a proteção do paciente (Roy, 2000).

4.2) Ansiedade, Crises de Pânico e Conversões

Apesar destes pacientes usualmente estarem muito preocupados com a possibilidade de

ter uma doença clínica grave, após se ter certeza do diagnóstico de ansiedade, deve-se evitar

a realização desnecessária e dispendiosa de exames. Deve-se dizer que se entende a

preocupação e o sofrimento do paciente, mas que o problema dele não é grave, não o levará à

morte. A explicação sobre o efeito da hiperventilação sobre seu quadro e a solicitação para que

o paciente respire dentro de uma sacola é geralmente suficiente para o controle dos sintomas.

Como a crise de pânico habitualmente remite espontaneamente em menos de 1 hora, ela já se

abateu até o final da avaliação médica. Nestes casos, devem-se evitar medicações de urgência

(que apenas reforçam a crença distorcida do paciente de que seu problema é grave e que teria

morrido se não tivesse sido medicado). Uma breve explicação sobre o que é uma crise de

pânico, sua melhora espontânea e um encaminhamento para tratamento ambulatorial são

suficientes. Devido ao fato de muitos pacientes realizarem um uso abusivo de ansiolíticos e


conseguirem receitas em serviços de urgência, deve-se evitar fornecer prescrição de tais

fármacos no PS (Fauman, 2000).

Importante que a equipe compreenda que os sintomas conversivos não são voluntários,

portanto, não estão sob controle do paciente. Deve-se procurar levar o paciente para um local

tranqüilo, preferencialmente separado dos acompanhantes, e procurar identificar com o

paciente o evento estressor desencadeante do quadro. Após a exclusão de causas orgânicas,

tranqüilizar o paciente dizendo que o sintoma apresentado é a forma com que seu corpo reage

ao estresse sofrido, mas que não é algo perigoso. De um modo geral tal abordagem é

suficiente, caso necessário, pode-se ministrar um benzodiazepínico VO.

4.3) Reação de Ajustamento

Geralmente não requerem intervenção medicamentosa. Um atendimento acolhedor,

demonstrando empatia pelo sofrimento do indivíduo é muitas vezes útil. Estimular o paciente a

procurar o apoio que pode obter de diversas fontes de suporte social como a família, amigos ou

religião. Se necessário, pode-se encaminhar para uma psicoterapia breve (Fauman, 2000).

4.4) Depressão

O paciente portador de depressão muitas vezes se apresenta ao serviço de emergência

com múltiplas e queixas somáticas vagas. Uma conduta inadequada, mas muito freqüente, é

dispensar o paciente simplesmente dizendo-lhe que “não tem nada”. A melhor postura nestes

casos é dizer ao paciente que suas queixas são oriundas de um problema chamado

depressão. Só o fato de ter o seu problema identificado e não desqualificado pelo médico já é

um alívio para o paciente que muitas vezes já peregrinou por inúmeros profissionais. Após

certificar-se que o paciente não apresenta ideação suicida ou outra situação ameaçadora, o

mesmo deve ser encaminhado para tratamento ambulatorial. Como a depressão é uma

enfermidade crônica, geralmente não é conveniente iniciar seu tratamento no pronto-socorro

(Fauman, 2000).
4.5) Delirium

Naturalmente, as primeiras medidas devem visar à estabilização clínica do paciente

(equilíbrio eletrolítico, glicemia, oxigenação, combate à infecção, melhora da função cardíaca

etc.) e corrigir a causa do delirium.

O paciente deve ficar num ambiente tranqüilo, com iluminação suave. É necessário que,

constantemente, sejam oferecidos dados de orientação ao paciente sobre o local onde se

encontra e o motivo de sua internação. Caso esteja muito agitado, pode-se utilizar medicações,

preferencialmente antipsicóticos típicos de alta potência, também podendo-se lançar mão da

risperidona (outros atípicos com efeitos sedativos e anticolinérgicos, como a olanzapina, devem

ser evitados). O uso de medicações deve ser comedido pois pode agravar o estado

confusional. O fármaco mais empregado mundialmente é o haloperidol, podendo ser

administrado VO, IM e IV, iniciando com 1 a 2mg a cada 2-4 horas, aumentando a dose

conforme necessário. Deve-se monitorar o ECG, atentando para o risco de prolongamento

intervalo QT. Apesar de controverso, a princípio devem ser evitadas medicações que possam

alterar o nível de consciência como os benzodiazepínicos. São primeira opção apenas nas

síndromes de abstinência por álcool ou sedativos. A contenção física muitas vezes é

necessária. (APA, 1999; Allen et al, 2001)

4.6) Agitação/Agressividade

Este tópico envolve pacientes agressivos que coloquem a si ou outros em risco e a maior

parte destas diretrizes são oriundas de um consenso entre especialista publicado recentemente

(Allen et al, 2001). Frente a um paciente agressivo, temos o desafio de controlar o

comportamento perigoso sem comprometer a relação médico-paciente. Existem algumas

regras para o atendimento do paciente potencialmente agressivo: ambiente calmo e sem

objetos potencialmente perigosos, o examinador deve ficar próximo à porta de saída do

consultório, não tocar no paciente, não fazer movimentos bruscos e ter uma postura firme mas
não confrontadora (Manley, 2000). A abordagem inicial deve ser verbal, buscando entender as

razões do comportamento do paciente, explicando-lhe estar num ambiente seguro e a

inadequação de seu comportamento.

Pela possibilidade de se tratar de um quadro orgânico, a contenção física é preferível à

sedação medicamentosa até poder ser feita uma investigação diagnóstica criteriosa e se iniciar

o tratamento da causa de base.

Caso seja necessária a administração de medicação, deve-se tentar persuadi-lo a ingeri-la

voluntariamente. Caso não se obtenha sucesso, deve-se explicar com firmeza, mas sem uma

postura de confrontação que o tratamento será ministrado, para benefício do paciente, mesmo

sem sua colaboração. Muitas vezes, ao se perceber sem outra alternativa, o paciente aceita

colaborar. Tal abordagem muitas vezes evita o uso compulsório da medicação e a contenção

física.

Apesar da escassez de evidências oriundas de ensaios clínicos bem controlados, os casos

agudos de agressividade e agitação são usualmente manejados com benzodiazepínicos e

antipsicóticos, principalmente os de alta potência como o haloperidol e atípicos como

risperidona e olanzapina. Sempre que possível, utilizar-se-á a via oral, preferencialmente

através de soluções orais ou comprimidos dissolvidos em água (Currier, 2001)). Os

comprimidos inteiros devem ser evitados por terem absorção um pouco mais lenta e por ser

mais difícil verificar a ingestão apropriada da medicação. Quando é necessário um efeito

imediato, ou o paciente se recusa a aceitar o tratamento, pode-se lançar mão da via parenteral.

Apesar da via intravenosa ter um início de ação mais rápido, a intramuscular é geralmente

preferida por ser mais segura nas condições de uma EP. Em todo o mundo, é freqüente a

associação do antipsicótico com uma outra medicação para acelerar o início do efeito e

diminuir a dose final daquele. No Brasil, o haloperidol é tradicionalmente associado de modo

seguro e eficiente a 50mg de prometazina (Huf, 2002) e, mais recentemente, ao midazolan (7,5

ou 15mg). Pela absorção errática por via IM, o diazepam não é recomendado por esta via. A

medicação, aplicada IM, pode ser repetida a cada 30-60minutos até o controle da
agitação/agressividade. Naturalmente, durante este período, o paciente deve ser avaliado

quando às suas funções respiratórias, cardiovasculares e presença de efeitos colaterais como

distonia aguda. A dose inicial do haloperidol, tanto VO quanto IM, é de 5 a 10mg, podendo-se

chegar em 24horas a uma dose total entre 45 e 100mg. (Castel, 2001; Currier, 2002)

Quando o paciente coloca em risco iminente a segurança dos outros pacientes, dele

mesmo e da equipe, pode ser realizada a contenção física se não for possível uma intervenção

menos restritiva. Eventualmente, pode estar indicada para evitar a evasão do paciente do setor

de emergência antes de uma avaliação e tratamento adequados. A contenção física deve ser

realizada por uma equipe treinada, utilizando-se de faixas de contenção especialmente

desenhadas para tal fim e o paciente, enquanto contido, deve ser constantemente monitorado

pela equipe. Durante o procedimento de contenção e enquanto o paciente permanecer contido,

deve ser explicado ao mesmo que a medida empregada visa à sua própria proteção e que será

retirada assim que o paciente se tranqüilizar. Muitas vezes, a própria contenção é capaz de

tranqüilizar o paciente, podendo dispensar o uso de medicações ou permitir o seu uso VO.

Caso se mantenha a agitação, deve-se iniciar a medicação parenteral. A restrição física deve

ser mantida pelo menor tempo possível, usualmente até que as medicações administradas

antes ou durante a contenção surtam efeito. Usualmente, o médico deve reavaliar o paciente

pelo menos a cada hora e determinar o momento em que o paciente pode ser liberado da

contenção (Allen et al, 2001).

As orientações acima se aplicam aos quadros de agitação/agressividade em geral,

principalmente quando decorrentes primariamente de um transtorno mental primário. Em

pacientes com DPOC e idosos debilitados, os benzodiazepínicos tendem a ser evitados. Nos

casos de arritmia cardíaca ou defeitos de condução, os benzodiazepínicos são preferidos sobre

os antipsicóticos. Abaixo, são abordadas as especificidades de algumas situações particulares.

4.6.1) Uso de Substâncias


Se o quadro for devido a substância estimulante ou alucinógena, a preferência recai sobre

uso de benzodiazepínicos, associados ou não a antipsicóticos de alta potência. A preferência

pelos benzodiazepínicos se deve ao maior risco de sintomas extrapiramidais (van Harten,

1998) e convulsões em usuários de estimulantes como a cocaína.

Há controvérsias no caso de agitação decorrente de intoxicação alcoólica. Alguns

preferem antipsicóticos, enquanto outros (preocupados com o início da síndrome de

abstinência e com o risco de convulsões) recomendam benzodiazepínicos. Apesar de ser

comum a preocupação teórica de que a utilização de benzodiazepínicos em pacientes com

intoxicação etílica gere depressão respiratória, não há evidências de que esta complicação seja

freqüente (Allen et al, 2001).

4.6.2) Demência

Pacientes portadores de demência, habitualmente têm outras enfermidades clínicas que

podem ser responsáveis por quadros de agitação, portanto, deve-se, sempre, investir neste

diagnóstico diferencial. As diretrizes a seguir descritas são fruto de um consenso entre

especialistas (Alexopoulos). Em casos mais brandos de agitação, pode ser suficiente a

orientação aos cuidadores, reasseguramento e estabelecimento de rotinas estruturadas para o

paciente. Em muitos casos será necessário emprego de medicações para o controle agudo da

inquietação. Nos casos de agitação por delirium não medicamentoso ou psicose, os mais

empregados são os antipsicóticos de alta potência como o haloperidol (dose inicial: 1.5 a 2mg;

meta: 5 a 7mg) ou a risperidona (início: 0.5 a 1mg; meta: 2 a 3 mg). Os benzodiazepínicos

devem ser evitados, podem ser utilizados apenas nos quadros predominantemente ansiosos,

preferencialmente os de meia vida curta como o lorazepan (início: 1.5 a 2.5mg; meta: 3 a 5mg).

Devido a uma potencial maior sensibilidade a efeitos colaterais, as doses iniciais devem ser

pequenas com aumentos graduais, conforme tolerado e necessário. O prazo para se avaliar a

resposta terapêutica é de 2 a 7 dias. Se for necessário um efeito mais imediato, pode-se utilizar

de haloperidol IM.
4.6.3) Decorrente de Traumatismo Cerebral

Num episódio agudo de agitação, usualmente são empregados antipsicóticos de alta

potência. Quanto ao tratamento continuado e profilático, uma revisão sistemática feita por

Fleminger et al. (2003) encontrou poucos estudos de qualidade, mas os beta-bloqueadores

(propranolol e pindolol) em altas doses se mostraram úteis no manejo da agressão/agitação

após lesão cerebral. Apesar de serem muito utilizados, não foram identificados estudos

investigando a eficácia da cabamazepina e do valproato de sódio nestes casos. Se uma

medicação não se mostrar útil após 2 a 6 semanas de uso, deve ser substituída pois o efeito,

quando ocorre, surge já nas primeiras semanas.

4.6.4) Associada a Retardo Mental

Os episódios agudos geralmente são manejados com sedativos, principalmente

antipsicóticos de alta potência. Por outro lado, não há clara definição quanto ao tratamento de

manutenção. Apesar de ser a terapêutica mais utilizada mundialmente, numa recente revisão

sistemática, os antipsicóticos não mostraram qualquer efeito benéfico a longo prazo (Brylewski

& Duggan, 2002).

4.6.5)Gestante

A preferência recai sobre antipsicóticos típicos de alta potência devido à ausência de

relatos de teratogenicidade associada a estes fármacos. Se necessário, pode-se utilizar

também os benzodiazepínicos. O antipsicóticos atípicos tendem a ser evitados pela ausência

de dados sobre seu risco em gestantes.

6) Controle (recidivas, cronificação, prevenção)

Após a abordagem imediata da EP, coloca-se o problema do encaminhamento do paciente.

A primeira decisão a se tomar diz respeito à conveniência ou não de uma internação. Os


principais critérios de internação dizem respeito ao risco que o paciente possa representar para

si mesmo (risco de suicídio) ou para os demais (heteroagressividade). Além destes dois

fatores, deve-se levar em conta a capacidade de autocuidados do paciente, inclusive a de

seguir adequadamente a terapêutica indicada. Nesta avaliação, a disponibilidade de suporte

social e acesso fácil a unidades de saúde mental são de crucial importância. Entre os fatores

epidemiológicos associados à internação após um atendimento de emergência temos: psicose

ativa, depressão grave, descontrole dos impulsos, internações prévias e ser trazido ao PS pela

polícia ou encaminhado por profissionais (ao invés da procura espontânea ou trazido por

familiares). Por outro lado, a existência de apoio social e de um evento estressor precipitante

facilmente reconhecível estão associados à possibilidade de seguimento ambulatorial

(Schnyder, 1999; Way & Banks, 2001; George, 2002)).

O atendimento de urgência é uma excelente oportunidade para motivar o paciente e

acompanhantes da necessidade de tratamento e de um seguimento adequado. Tal paciente,

caso não tenha seu problema psiquiátrico adequadamente diagnosticado e encaminhado,

muito freqüentemente não segue um tratamento adequado, o que está associado a uma

importante deterioração de seu quadro nas semanas seguintes e à possibilidade de tornar-se

um usuário habitual dos serviços médicos de urgência (Cremniter, 2001). Isto é especialmente

verdadeiro para os transtornos mentais associados ao uso de substâncias. Tais pacientes

usualmente não têm seu uso abusivo de substâncias identificado no serviço de urgência, o que

está associado a um aumento de 3 a 5 vezes na freqüência do uso de tais serviços (Curran,

2003; Currier, 2003).

Em um estudo prospectivo de 14 anos, 6.7% dos pacientes atendidos por tentativa de

suicídio num serviço de emergência faleceram por suicídio durante o período de seguimento,

principalmente os homens e aqueles com tentativa prévia (Soukas, 2001). Também deve-se

levar em conta a incumbência que os médicos não psiquiatras têm de identificar os pacientes

com risco de suicídio entre aqueles que se apresentam para uma consulta clínica. Em uma

ampla revisão da literatura, identificou-se que 45% dos indivíduos que faleceram de suicídio
procuraram algum atendimento clínico no mês que antecedeu o suicídio, sendo mais freqüente

em idosos (Luoma, 2002).

Diversas estratégias têm sido estudadas para se evitar tais problemas. O primeiro passo é

o diagnóstico e conduta inicial adequados, o segundo, e muito importante, é a referência para o

seguimento ambulatorial posterior. Apesar de, usualmente, menos de 1/3 dos pacientes

aderirem ao encaminhamento feito pelo profissional na urgência, estratégias para melhorarem

estes índices têm se mostrado eficazes. Faz-se mister uma maior atenção ao encaminhamento

do paciente após o atendimento de urgência, sendo que uma das medidas mais simples e

eficazes é o paciente já sair do Pronto-socorro com a consulta ambulatorial agendada para

breve. Outras estratégias úteis são o esclarecimento do paciente, envolvimento da família e

contato direto do profissional que fará o seguimento com o paciente (Spooren, 1998).

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