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A reforma do Ensino Médio no Brasil e seu impacto no

ensino da sociologia

Bárbara Nassif Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar se a Lei 13.415/2017 exerce impacto sobre a permanência da Socio-
Machala logia no Ensino Médio. Para tanto, foram analisados: o percurso legal da recente reintrodução obrigatória da
Licenciada em Sociologia no Ensino Médio; os problemas em relação à proposição de uma reforma educacional via medida
Ciências Sociais provisória; as contradições entre os textos legais que propõem a Reforma e as propagandas governamentais
pela Universidade a favor da mesma; e os impactos dessa Reforma no Ensino Médio, em especial, na Sociologia. Conclui-se
Federal de Minas que os documentos disponíveis para análise não permitem a afirmação de que a Sociologia será excluída do
Gerais – UFMG Ensino Médio.

Contato: Abstract: This article will evaluate if Law 13.415/2017 has an impact on the permanence of Sociology in High
barbaranmacha- School. For that, we analyzed: the legal course of the compulsory reintroduction of Sociology in High School;
la@gmail.com the problems with regard to proposing an educational reform through a provisional measure; the contradic-
tions between the legal texts that propose the Reformation and the governmental advertisements in favor of
Palavras-chaves: it; and the impacts of this Reform in High School, especially in Sociology. The documents available for analysis
Lei 13.415/2017; do not allow the assertion that Sociology will be excluded from High School.
Sociologia; Ensino
Médio; Reforma;
Educação. Introdução poder, participação popular na política, eleições etc.),
da Antropologia e sua abordagem relativista (capaz
Keywords: A presença da Sociologia nos currículos oficiais de contrastar de forma linear diferentes modelos
Law 13.415/2017; das instituições brasileiras de ensino acontece de de organização social), além dos conceitos e teorias
Sociology; High forma interrupta quando se considera a história da fundamentais da Sociologia, que contribuem para a
School; Reform; educação no Brasil. Desde 1870 – quando Rui Bar- compreensão das relações sociais (tais como desi-
Education. bosa sugere, sem obter sucesso, a substituição da gualdades, gênero, cor/raça, mobilidade social, famí-
disciplina Direito Natural por Sociologia, alegando lia, religião etc.). Desse modo, é inegável que, se não
que o Direito tem muito mais a ver com a socie- é a única disciplina capaz de incutir nos estudantes
dade que com a natureza – até a promulgação da um espírito que os leve a atuar de forma cidadã, a
Lei 11.684/2008 – que impõe, pela última vez na Sociologia conta com ferramentas adequadas a pro-
história da educação brasileira, a obrigatoriedade da piciar uma formação reflexiva, que parte da teoria
Sociologia no ensino médio – a inclusão do ensino fundamentada para a apreensão do real e do coti-
da Sociologia nas matrizes curriculares passa por diano (BRASIL, 2006a).
períodos de avanços e retrocessos (MORAES, 2003; Ademais, as afirmações sociológicas baseiam-se
BRASIL, 2006a). em técnicas e pesquisas qualitativas e quantitati-
Considerar a ausência ou a presença dessa dis- vas, que têm como princípio o estranhamento e a
ciplina como algo que decorre imediata e exclusi- desnaturalização da realidade (GIDDENS, 2012). Os
vamente de questões ideológicas seria equivocado jovens que contam com uma formação básica que
(BRASIL, 2006a). A falta de legitimidade dessa dis- contenha a Sociologia perceberão o contraste en-
ciplina na educação básica e no ensino superior (no tre conhecimento científico e senso comum, tema
que toca a formação de docentes para atuarem no caro a essa disciplina. Em um cenário global, onde
6 ensino médio) tem a ver com questões relativas à as pessoas em geral são expostas a um ritmo ele-
institucionalização dessa disciplina do ponto de vista vado de informações e notícias, saber discernir fa-
jurídico e científico e com relações de força no inte- tos devidamente comprovados de opiniões é uma
rior do espaço acadêmico e científico (CARVALHO competência rara e desejável, capaz de qualificar
FILHO, 2014). os jovens a atuarem de forma diferenciada e cons-
A presença da Sociologia no ensino médio é de ciente no âmbito pessoal, educacional e profissio-
grande relevância para os jovens brasileiros. Primei- nal. Nesse sentido, a Sociologia cumpre o papel de
ramente, porque é capaz de cumprir com a proposta oferecer aos jovens recursos para que entendam o
expressa pela Lei 9.394/96 (LDB/96) de associar funcionamento complexo e dinâmico da sociedade
conhecimentos de sociologia ao exercício da cida- e, consequentemente, prepará-los para atuarem de
dania. Mesmo que a disciplina Sociologia não seja forma autônoma frente a um cenário de sucessivas
a única capaz de fomentar nos alunos a propen- mudanças. Seu caráter crítico e questionador possi-
são a discorrer sobre assuntos ligados à cidadania, bilita aos jovens a compreensão ampla dos dilemas
seu conteúdo programático contém preceitos dire- humanos próprios de um contexto democrático e
tamente relacionados a esse conceito. Um curso pós-industrial (COSTA, 2011).
de Sociologia pressupõe a apreensão de temas e Atualmente, a permanência da Sociologia é colo-
autores oriundos da Ciência Política (o que engloba cada mais uma vez em debate devido à proposição
da Medida Provisória (MP) 746/2016 e sua pos-
17 noções de sistemas políticos, formas de exercício do
terior ratificação através da Lei 13.415/2017. Essa
proposta do atual ministro da Educação do gover- cidadania.”
no de Michel Temer, Mendonça Filho, fez com que (BRASIL, 1996)
educadores, sociólogos, estudantes de licenciatura
em Sociologia, alunos secundaristas e seus pais, Contudo, naquele momento, essa determinação
deputados e senadores levantassem dúvidas sobre não surtiu efeito prático para que esses conheci-
a permanência da Sociologia enquanto componen- mentos fossem efetivamente ministrados em sala
te curricular obrigatório do ensino médio. Visando a de aula, especialmente de forma autônoma. A partir
implementar uma reforma educacional via medida de uma interpretação equivocada do artigo exposto
provisória, o governo federal propõe a alteração ra- acima, a Sociologia não assumiu, em âmbito nacio-
dical da estrutura curricular do ensino médio e lança nal, seu status de disciplina obrigatória. A interpre-
dúvidas sobre a continuidade dessa disciplina, já tão tação argumentava que seus conteúdos deveriam
assolada pela intermitência. ser abordados de maneira interdisciplinar pela área
Com o objetivo de averiguar se a MP 746/2016 de Ciências Humanas ou mesmo por outras discipli-
e a Lei 13.415/2017 exercerão impacto sobre a per- nas. Enquanto alguns estados, independente da im-
manência da Sociologia nas matrizes curriculares posição desse artigo ou em decorrência do mesmo,
da última etapa da educação básica brasileira, este estabeleceram a obrigatoriedade da Sociologia no
ensaio propõe um estudo sobre os documentos que currículo do ensino médio, outros não seguiram esse
formalizaram a mais recente Reforma do Ensino caminho, tornando-a optativa no currículo (BRASIL,
Médio. A primeira seção apresenta o trâmite legal 2006a).
para que a Sociologia seja efetivada como disciplina Por essa razão, o Parecer do Conselho Nacional
obrigatória do ensino médio desde a promulgação da de Educação n° 38/2006 foi elaborado com o obje-
LDB/96 até a proposição da MP 746/2016. A seção tivo de fazer com que os conhecimentos relativos à
seguinte apresentará uma análise sobre a adequa- Sociologia integrassem o currículo do ensino médio
ção do instrumento utilizado pelo governo federal sempre, inclusive, na forma de disciplina específica
para a proposição de uma reforma de tão grande quando a escola adotar, no todo ou em parte, a or-
importância quanto uma reforma educacional. Em ganização curricular por disciplinas. O Parecer suge-
seguida, a MP 746/2016 e suas emendas serão re, ainda, a alteração de partes do artigo 10 da Re-
descritas, de modo geral, contrastando as carac- solução do Conselho Nacional de Educação (CNE/
terísticas da Reforma do Ensino Médio divulgadas CEB) nº 3/98, que instituiu as Diretrizes Curricula-
por propagandas veiculadas pelo governo federal e a res Nacionais do Ensino Médio. Com essa alteração,
proposta apresentada pelos textos legais que sus- posteriormente acatada pela Resolução do CNE/
tentam essa mesma Reforma. Por fim, apresenta- CEB n° 4/2006, ficou definido que:
-se uma análise sobre os efeitos da MP 746/2016
e da Lei 13.415/2017 em relação à permanência da “Art. 1º e § 2º do artigo 10 da Resolução
Sociologia no ensino médio. CNE/CEB nº 3/98 passa a ter a seguinte
redação:
O percurso legal da recente reintrodução § 2º As propostas pedagógicas de escolas
obrigatória da Sociologia no ensino médio que adotarem organização curricular flexí-
vel, não estruturada por disciplinas, deverão
É recente o último período em que a Sociolo- assegurar tratamento interdisciplinar e con-
gia tornou-se obrigatória nos currículos do ensino textualizado, visando ao domínio de conheci-
médio da educação básica brasileira. A garantia da mentos de Filosofia e Sociologia necessários
presença dessa disciplina foi o resultado de longos ao exercício da cidadania.
debates envolvendo membros da sociedade civil Art. 2º (...)
(como estudantes, professores de Sociologia e Filo- § 3º No caso de escolas que adotarem, no
sofia, sociólogos, parlamentares) e instituições (Câ- todo ou em parte, organização curricular es-
mara de Educação Básica e Congresso Nacional, por truturada por disciplinas, deverão ser incluí-
exemplo) (BRASIL, 2006b). A intensificação desses das as de Filosofia e Sociologia.”
18
debates iniciou-se quando a LDB/96 estabeleceu (BRASIL, 2006b, p. 9)
a necessidade dos conhecimentos de Sociologia no
ensino médio: Possíveis resistências às mudanças nas cita-
das Diretrizes Curriculares, propostas pelo Parecer
“Art. 36. O currículo do ensino médio CNE/CEB nº 38/2006, passam para plano secun-
observará o disposto na Seção I des- dário ou deixam de existir, quando, por força da Lei
te Capítulo e as seguintes diretrizes: nº 11.684/2008, a LDB/96 incorpora a inclusão
(...) obrigatória da disciplina Sociologia no ensino médio:

§ 1º Os conteúdos, as metodologias e “Art. 1° O art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de


as formas de avaliação serão organi- dezembro de 1996, passa a vigorar com as
zados de tal forma que ao final do en- seguintes alterações:
sino médio o educando demonstre: Art. 36. (...)
(...) IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociolo-
gia como disciplinas obrigatórias em todas as
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia séries do ensino médio.
e de Sociologia necessários ao exercício da § 1º (...) 18
1 No mesmo ano, a III – (revogado).” efeito dela sobre a Sociologia serão assuntos trata-
Associação Brasileira (BRASIL, 2008) dos nas seções seguintes. Por ora, importa avaliar a
de Ensino em Ciên-
cias Sociais (ABECS)
escolha do instrumento utilizado pelo governo para
encaminhou à Câma- O Parecer do CNE/CEB n° 22/2008 lida com efetuar tamanha mudança na estrutura do ensino
ra dos Deputados, por questionamentos quanto à aplicação dessa lei. Trata médio.
meio do presidente de questões relativas a um possível conflito entre a
nacional do mesmo
partido, ofício, petição
denominação “disciplina” e a flexibilização da estru- Os problemas em torno da Medida Provisó-
pública e abaixo-as- tura de cursos conferida pela LDB/96 aos sistemas ria 746/2016
sinado em defesa da de ensino, bem como de questões referentes aos
permanência, em ca- prazos de implantação da obrigatoriedade dessas Medida provisória é um instrumento com for-
ráter obrigatório, da
Sociologia no Ensino
disciplinas nos currículos do ensino médio. Esse Pa- ça de lei, aprovado pelo presidente da República em
Médio. Ver <http:// recer foi aprovado pela Resolução do CNE/CEB n° casos de relevância e urgência. É uma decisão to-
www.abecs.com.br/ 1/2009, que determina: mada em caráter de exceção, cujo trâmite legislativo
abecs-encaminha-o- se dá por via alternativa à usual. Tem um prazo de
ficio-peticao-publica-
-e-abaixo-assinado-
“Art. 1º Os componentes curriculares Filo- vigência de 60 dias úteis, prorrogável uma vez por
-a-camara-dos-de- sofia e Sociologia são obrigatórios ao longo igual período. Possui efeitos imediatos, dependendo
putados/> de todos os anos do Ensino Médio, qualquer de aprovação do Congresso Nacional para transfor-
que seja a denominação e a organização do mação definitiva em lei (BRASIL, 1998).
currículo, estruturado este por sequência de Por ser um dispositivo legal empregado em con-
séries ou não, composto por disciplinas ou dições excepcionais e, consequentemente, desone-
por outras formas flexíveis. rado da participação popular em sua formulação, a
Art. 2º Os sistemas de ensino deverão esta- adoção de uma medida provisória para dedicar-se à
belecer normas complementares e medidas Reforma do Ensino Médio brasileiro foi criticada por
concretas visando à inclusão dos compo- especialistas da educação e alvo de ações judiciais
nentes curriculares Filosofia e Sociologia em questionando sua constitucionalidade.
todas as escolas, públicas e privadas, obede- Convocadas pelo Departamento Intersindical de
cendo aos seguintes prazos de implantação: Assessoria Parlamentar (DIAP), entidades represen-
I - início em 2009, com a inclusão obrigató- tativas de professores de todo o Brasil reuniram-se
ria dos componentes curriculares Filosofia e em Brasília com o objetivo de consolidarem uma po-
Sociologia em, pelo menos, um dos anos do sição a respeito da MP 746/2016. Concluíram por
Ensino Médio, preferentemente a partir do sua rejeição, considerando-a inapropriada para a
primeiro ano do curso; proposição do tema, que deveria abarcar o parecer
II - prosseguimento dessa inclusão ano a de instituições do Estado e da sociedade civil. Aten-
ano, até 2011, para os cursos de Ensino Mé- tam, ainda, para o fato de existirem propostas em
dio com 3 (três) anos de duração, e até 2012, debate no Congresso e que uma medida provisória
para os cursos com duração de 4 (quatro) invalidaria esse processo em tramitação.
anos.” O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) proto-
(BRASIL, 2009a) colou o Pedido de Ação Direta de Inconstitucionali-
dade (ADIN) n° 5.599/2016 contra a MP 746/2016
1
Constata-se, assim, que, desde o sancionamen- alegando presença de vícios formais e materiais . De
to da LDB/96 – que reconhece a importância dos acordo com o artigo 62 da Constituição da Repú-
conhecimentos de Sociologia para os educandos que blica, para que uma medida provisória seja válida, é
cursam o ensino médio – até a obrigatoriedade des- preciso haver a cumulação dos requisitos relevância
ses conhecimentos através de disciplina específica, e urgência. A definição dos termos relevante e ur-
foram gastos quinze anos, se se consideram ape- gente cabe ao Presidente da República e ao Con-
nas os cursos com duração de três anos. A inclusão gresso Nacional. São, portanto, termos definidos por
dessa disciplina nas matrizes curriculares, mudança critérios políticos, e não técnicos. Todavia, indepen-
8 pontual na legislação referente à educação básica, dente do que se define como relevante ou urgente,
permitiu a participação pública via os pareceres e a inobservância de um desses requisitos caracteriza
resoluções mencionados acima (elaborados pela Se- inconstitucionalidade formal da medida provisória
cretaria de Educação Básica com a participação de (BRASIL, 2016a).
representantes de várias entidades e interessados) Citando artigos da MP 746/2016, a ADIN
(BRASIL, 2006b). 5.599/2016 busca demonstrar que é notória a au-
Em 2016, apenas cinco anos após a data estipu- sência de urgência da reformulação do ensino médio
lada pela Resolução CNE/CEB n° 1/2009 para que brasileiro, apesar de, inegavelmente, relevante.
as instituições de ensino adotassem a disciplina So-
ciologia em todos os anos do ensino médio, o minis- “Esse fato fica evidente no art. 1º da medida
tro da Educação do atual governo Temer, Mendonça provisória atacada, na redação proposta para
Filho, propôs a MP 746/2016. Essa medida provisó- o parágrafo único do art. 24 da Lei nº 9.394,
ria teve como objetivo reformular o ensino médio, de 1996. In verbis:
estabelecendo, dentre outras providências, altera- “Art.24.
ções na LDB/96 que podem afetar diretamente a Parágrafo único. A carga horária mínima
permanência da Sociologia enquanto componente anual de que trata o inciso I do caput de-
curricular obrigatório dessa etapa educacional. As verá ser progressivamente ampliada, no en-
19 mudanças propostas por essa medida provisória e o sino médio, para mil e quatrocentas horas,
observadas as normas do respectivo sistema procuradora dos Direitos do Cidadão do Ministério
de ensino e de acordo com as diretrizes, os Público Federal, Deborah Duprat, encaminhou ao
objetivos, as metas e as estratégias de im- procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um
plementação estabelecidos no Plano Nacio- conjunto de argumentos em defesa da inconstitu-
nal de Educação.” cionalidade formal da MP 746/2016. Nesse docu-
Houvesse urgência que reclamasse edição da mento, a procuradora ratifica o conteúdo apresen-
medida provisória, o Presidente da Repúbli- tado pela ADIN 5.599/2016 no que diz respeito à
ca não se valeria de referências temporais ausência do pressuposto constitucional da urgência
vagas, como no trecho acima destacado da da Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2016b).
medida provisória, mas sim de marcos tem- Em 19 de dezembro de 2016, Janot assina pela
porais precisos – e de curto prazo.” procedência do pedido de ação direta de inconstitu-
(BRASIL, 2016a, p. 15) cionalidade da MP 746/2016, reconhecendo vícios
formais e materiais. Dentre vários fatores aponta-
A ADIN 5.599/2016 apresenta, ainda, decisões dos pelo texto que comprometeriam a constitucio-
pregressas do Supremo Tribunal Federal, em que se nalidade da medida provisória em questão, destaca-
coloca favorável à inconstitucionalidade de medidas -se aqui: a falta de urgência para a edição da norma
provisórias em razão do não cumprimento do requi- e a necessidade de amadurecimento, estabilidade,
sito constitucional da urgência. segurança jurídica e ampla participação popular na
implementação de mudanças tão profundas no sis-
“É o que ocorreu na da Ação Direta de In- tema de ensino da União (BRASIL, 2016c). O Portal
constitucionalidade nº 2.348/DF, relatada eletrônico EBC – Agência Brasil divulgou em 20 de
pelo ilustre Ministro Marco Aurélio Mello. No dezembro de 2016 que, por meio de nota à impren-
bojo da referida ação, pela primeira vez, foi sa, o Ministério da Educação contestou o parecer
fulminada medida provisória em razão do de Janot, mantendo o entendimento de que a MP
não cumprimento do requisito constitucional 746/2016 obedece ao requisito constitucional de
da urgência. Igualmente, na Ação Direta de relevância e urgência. A ADIN 5.599/2016 ainda
Inconstitucionalidade nº 4.048/DF, relatada aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal.
pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, a Considerando-se o período que vai da promul-
Corte Suprema suspendeu medida provisória gação da LDB/96 até a Resolução CNE/CEB n°
que abrira créditos extraordinários após con- 1/2009, que estabelece a consolidação da Socio-
cluir que as rubricas de gastos eram não im- logia como componente obrigatório do ensino mé-
previsíveis e urgentes.” (BRASIL, 2016a, p. 16) dio, diversos trâmites formais e legais ocorreram: a
confecção de pareceres, a aprovação dos mesmos
Essa mesma ADIN aponta para o fato de que por meio de resoluções, a proposição de projetos
há vários projetos de lei tramitando no Congresso de leis, seu acatamento pelo Congresso, debates
abordando – senão o mesmo tema – temas corre- envolvendo instituições do Estado e sociedade civil.
latos ou conexos ao tratado pela MP 746/2016. Tais Tratava-se, entretanto, de apenas um aspecto da
projetos recebem a atenção de diversos setores da educação básica: a introdução de uma disciplina no
sociedade e de Comissões Especiais e de Educação ensino médio. A MP 746/2016, ao contrário, visa à
com o intuito de refletirem os interesses do povo a reformulação de toda a estrutura do ensino médio.
que representam. Sob o ponto de vista sociológico, essa reformulação
revoluciona a etapa final da educação básica, na pró-
“Dispor por medida provisória sobre tema tão pria acepção do termo revolução: indica justamente
complexo, que claramente não reclama ur- uma ruptura abrupta à ordem estabelecida. Contu-
gência, é temerário e pouco democrático, por do, revoluções pressupõem construções coletivas
impor prazo extremamente exíguo para de- atreladas a processos históricos de diálogo e luta.
bate que já está ocorrendo nos meios educa- Entende-se que uma medida provisória diminui
cionais e, sobretudo, no Congresso Nacional. o potencial democrático que o trâmite tradicional é
20
O abuso na edição de medidas provisórias, capaz de oferecer à reformulação do ensino médio.
especialmente quando ausente o pressu- Além disso, considera-se que a imposição deste
posto constitucional da urgência, usurpa a instrumento desloca a discussão do conteúdo da
competência do Poder Legislativo para pro- educação brasileira para sua forma. Como conce-
duzir normas gerais e abstratas, violando a ber uma revolução imposta pelo Poder Executivo,
separação de Poderes (art. 2o, CF), cláusula a despeito do que vem sendo trabalhado há anos
pétrea (art. 60, §4, III, CF) no ordenamento por diversos setores da sociedade? Em princípio,
jurídico brasileiro. (...) A medida certamente reconhece-se que a educação no Brasil carece de
não é a maneira mais adequada para resol- mudanças. Mas é impossível ignorar que a escolha
ver os problemas de nosso modelo educacio- do instrumento para materializar essas mudanças
nal e tampouco pode-se dizer que a pauta é, no mínimo, controvertida e, muito possivelmente,
educacional exige uma necessária atuação equivocada.
do Executivo neste exato momento, além de Com o intuito de identificar quais são os impac-
gerar muito mais ônus que bônus.” (BRASIL, tos provocados pela aprovação da MP 746/2016 no
2016a, p. 18-19) ensino médio, de modo geral, e no prevalecimento
da Sociologia enquanto componente curricular obri-
Em consonância com a ADIN 5.599/2016, a gatório dessa etapa da educação básica, as próximas 20
2 Resultado da pes- seções dedicam-se a descrever e analisar conteúdos do Sul, França, Inglaterra, Portugal e Austrália. Os
quisa consultado no dessa medida provisória relacionados aos temas em alunos teriam a liberdade de escolher as áreas de
dia 10/12/2016 em:
<http://www12.sena-
questão. conhecimento de acordo com sua vocação e proje-
do.leg.br/ecidadania/ to de vida, no sentido de continuar os estudos, ou,
v i s u a l i z a c a o m ate - Contradições entre a MP 746/2016 e a ainda, optar pela formação técnica, com o intuito
ria?id=126992> propaganda governamental da Reforma do de ir direto para o mercado de trabalho. Por fim, os
Ensino Médio telespectadores são convidados a participarem das
3 As propagandas do
discussões acerca do assunto acessando o site do
“Novo Ensino Médio”
veiculadas pelo Mi- Mendonça Filho assumiu o Ministério da Edu- Ministério da Educação (MEC). Contudo, verifica-se
nistério da Educação cação em 2016, disposto a realizar a reforma edu- que o conteúdo da MP 746/2016 não condiz com o
do governo federal cacional que propôs. De acordo com o ministro, a que é veiculado pelos comerciais do governo.
podem ser aces-
sadas através dos
importância da MP 746/2016 encontra-se, segundo Como exposto acima, os comerciais convidam
endereços eletrôni- pesquisas, em alterar fatores como, por exemplo: os a comunidade interessada a participar da discussão
cos: <https://www. jovens de baixa renda não enxergarem sentido no proposta acessando o site do Ministério da Educa-
youtube.com/wat- 4
que é ensinado pela escola; um elevado número de ção. O endereço oferecido pelos comerciais remete
ch?v=M6KkuZPZeCs;
https://www.youtube.
jovens encontrar-se fora da escola e os demais não quem o acessa à página principal do MEC, onde uma
com/watch?v=P_1i- possuírem bom desempenho educacional; a falta de das janelas expostas – “Portal do Ministério da Edu-
PX6Ui54; https:// escolaridade refletir-se nos resultados socioeconô- cação” – dá acesso a uma página repleta de notícias
www.youtube.com/ micos do país; observar-se uma decadência na qua- gerais sobre o tema educação. Na parte superior da
watch?v=kdERkLO-
3eTs>.
lidade do ensino após a democratização da oferta da página, um ícone expõe quatro portais. O primeiro
educação; e existir excesso de disciplinas curricula- deles, “Novo Ensino Médio – Dúvidas”, refere-se a
4 <www.mec.gov.br> res obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do perguntas frequentes sobre o novo ensino médio.
trabalho (BRASIL, 2016d). Caso queira enviar qualquer outra pergunta, é for-
5 <novoensinome- Por essas razões, a MP 746/2016 foi adotada necido um endereço de e-email5 para esse fim. O
dio@mec.gov.br>
pela presidência da República e apresentada ao Con- segundo contém dúvidas e dicas sobre o Exame Na-
gresso Nacional que teve o prazo de 60 dias para cional do Ensino Médio (Enem) e o terceiro remete o
aprová-la ou rejeitá-la, prorrogado por igual período. leitor à página destinada à descrição da Base Nacio-
Em consulta pública realizada pelo portal eletrônico nal do Currículo Comum. O quarto e último, “Novo
E-Cidadania e divulgada pelo endereço eletrônico do Ensino Médio – Opinião”, sugere a possibilidade de
Senado Federal, constata-se que menos de 6% dos participação dos interessados em opinarem sobre a
que acessaram essa pesquisa aprovam a Reforma Reforma, mas nada oferece além de artigos selecio-
2
do Ensino Médio proposta pelo governo brasileiro . nados de jornais, revistas, blogs, sites etc., contendo
A despeito da opinião pública, a MP 746/2016 foi pareceres favoráveis à mudança.
ratificada na Lei 13.415/2017. Pelo que foi possível observar ao conferir o
Todavia, não é possível afirmar que o texto da conteúdo disponível pelo endereço indicado pelos
medida provisória em análise foi aceito na íntegra, comerciais, a participação dos interessados não é
sem que ponderações e ressalvas tenham sido fei- viabilizada, a não ser pelo envio de um e-mail ao
tas ao mesmo. Deputados e senadores propuseram MEC. Independente dessa possibilidade, qual seria
568 emendas à MP 746/2016. Desse total, 148 fo- o impacto dessas discussões populares, se o ins-
ram acatadas, integral ou parcialmente. Os temas trumento escolhido pelo governo para proceder à
mais recorrentes abordados pelas emendas rela- reformulação da etapa final da educação básica, por
cionam-se, não necessariamente nessa ordem, a: sua natureza, prescinde justamente dessa participa-
supressão total da medida provisória ou de alguns ção? Seria possível inferir que esses comerciais têm
artigos específicos; notório saber; educação física; como um de seus objetivos a legitimação da Refor-
sociologia e filosofia; artes; línguas estrangeiras; for- ma, dando aos telespectadores a impressão de que
mação de professores ou profissionais da educação; lhes é facultada a participação em tão importante
formação técnica e profissional do ensino médio; mudança, quando, de fato, ela lhes é imposta?
0 Base Nacional Comum Curricular; ensino noturno; Outro ponto levantado pelos comerciais diz res-
temas transversais; FUNDEB e recursos da edu- peito à importação de modelos educacionais estran-
cação; Programa Escola Sem Partido e concepções geiros a serem reproduzidos pelas escolas brasilei-
conservadoras; escola em tempo integral; e outros ras. Se o modelo educacional proposto pelo governo
contextos diferentes dos elencados acima (BRASIL, é adotado por países reconhecidos pela educação
2016e). de excelência que promovem, não é cabível que seja
Em meio ao desapreço público em relação às al- esse o motivo para tal importação. Em geral, não se
terações traçadas pelo Ministério da Educação via considera adequado implantar um modelo estran-
medida provisória, o governo federal passou a di- geiro em um país cuja estrutura é distinta daquela
vulgar propagandas favoráveis à Reforma do Ensino onde o modelo funciona eficazmente. Em um artigo
Médio no Brasil3. Com o slogan “Quem conhece o sobre a implantação do movimento Ciência, Tecno-
novo Ensino Médio aprova”, os comerciais, com du- logia e Sociedade no contexto educacional brasileiro,
ração de cerca de um minuto cada, trazem profes- Auler e Bazzo (2001) observam que a adoção de
sora e alunos animados com as mudanças em curso. ações educacionais bem sucedidas no exterior pe-
A ideia transmitida pelas chamadas televisivas é a los sistemas de ensino brasileiros não é garantia de
de que o modelo educacional a ser adotado pelas sucesso. Os autores ponderam que é preciso consi-
instituições de ensino brasileiras é inspirado naque- derar o contexto histórico dos países importadores
21 les adotados por países estrangeiros, como Coreia e exportadores de modelos, bem como a participa-
ção e o envolvimento da sociedade em questões Segundo o §1° do artigo 36 da MP 746/2016,
nacionais. Ademais, o Brasil possui exemplos de inalterado pelas emendas propostas, cada institui-
programas destinados ao aprimoramento do ensino ção de ensino poderá ofertar mais de um itinerário
médio desenvolvidos por profissionais brasileiros da formativo, evidenciando-se que não há a obrigação
educação e que consideram a realidade das escolas, da instituição em ofertar todos os itinerários for-
professores e jovens brasileiros. O programa Ensi- mativos (BRASIL, 2016d). Também inalterado, o §9°
no Médio Inovador (BRASIL, 2009b), por exemplo, do artigo 36 da MP 746/2016 coloca que apenas
implantado em algumas escolas a partir de 2010, língua portuguesa e matemática estarão presentes
demonstrou resultados positivos, como: em todos os anos do ensino médio. Desse modo,
à instituição de ensino será permitida organizar as
“maior integração entre alunos, entre pro- 1.800 horas destinadas aos itinerários formativos,
fessores e entre alunos e professores; maior utilizando-se de todos ou alguns deles; de apenas
participação e curiosidade por parte dos es- um itinerário além dos conteúdos obrigatórios língua
tudantes; maior interesse dos alunos pela portuguesa e matemática; ou, ainda, manter apenas
pesquisa; fascinação dos jovens estudantes os dois conteúdos obrigatórios, já que contemplam,
com o aprendizado do uso de tecnologias di- se incluída a língua inglesa, os itinerários relativos
gitais; retorno à escola de alunos que haviam à linguagem e à matemática. Nesse sentido, com-
desistido; maior interesse pelos conteúdos preende-se que é incorreto afirmar que os alunos
trabalhados em sala de aula, o que gerou terão a liberdade de escolher a área do conhecimen-
maior vínculo entre alunos e professores.” to em que desejam aprofundar seus estudos. Isso
(SILVA, 2016, p. 105) porque as escolas não serão obrigadas a ofertarem
todos os itinerários para permitir tal escolha.
Por fim, os comerciais divulgam aquilo que é Do total de emendas propostas, algumas se re-
apontado pelo governo como o grande trunfo dessa ferem àquilo que tem sido colocado como ponto alto
Reforma: os alunos teriam a liberdade de escolher da reforma proposta pelo governo federal: a pos-
um itinerário formativo baseado na área de conhe- sibilidade de os próprios alunos escolherem quais
cimento sobre a qual desejam se aprofundar. Para as disciplinas irão cursar. A emenda de número 417,
entender a oposição entre esse aspecto divulgado de autoria do senador José Pimentel, por exemplo
pelo governo e o que a MP 746/2016 de fato pro- – que, assim como outras que tratam do mesmo
põe, é preciso ter atenção aos apontamentos dos assunto, não foi acatada – sugere a supressão das
textos legais. alterações no §1° do artigo 36 da LDB/96, alegando:
O texto original da MP 746/2016 estende a car-
ga horária mínima anual do ensino médio de 800 “O parágrafo §1° viola o direito dos estudan-
para 1.400 horas, o que resultaria num total de tes, pois não obriga os sistemas de ensino
4.200 horas para os três anos relativos ao ensino a ofertarem todas as áreas do currículo de
médio (BRASIL, 2016b, artigo 24, parágrafo único). aprofundamento. E será muito provável que
O tempo destinado ao cumprimento do conteúdo os estudantes de várias regiões com interes-
estipulado pela Base Nacional Comum Curricular se em se aprofundar em ciências humanas
(BNCC) seria de, no máximo, 1.200 horas durante ou da natureza, ou ainda na formação técnica
todos os três anos de curso, sendo as 3.000 horas profissional tenham somente como opção as
restantes destinadas ao itinerário formativo esco- áreas de linguagem e matemática – aliás, es-
lhido pelo aluno (BRASIL, 2016d, artigo 36, §6°). As sas são as únicas disciplinas obrigatórias nos
opções apontadas pelo texto original do artigo 36 da três anos do ensino médio.” (BRASIL, 2016e)
MP 746/2016 são: I – linguagens; II – matemática;
III – ciências da natureza; IV – ciências humanas; e Em consonância com o entendimento de que
V – formação técnica e profissional. aquilo que tem sido divulgado a favor da Reforma
Posteriormente, a MP 746/2016 seria aprovada do Ensino Médio conduz o povo ao equívoco, um
e transformada na Lei 13.415/2017, que manteve a grupo de professores da Faculdade de Educação da
22
ampliação da carga horária anual letiva de 800 para Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG),
1.400 horas, com a ressalva de que, no prazo máxi- elaborou um material contendo uma síntese sobre a
mo de cinco anos, as escolas deveriam oferecer, pelo Reforma do Ensino Médio, pontuando que:
menos, 1.000 horas anuais. Segundo o §5° do artigo
3° dessa lei, a carga horária destinada ao cumpri- “a flexibilização [curricular por meio de itine-
mento da BNCC não poderá ser superior a 1.800 rários diversos em torno de cinco eixos for-
horas do total de 4.200 horas do ensino médio, mativos] referida é da oferta a ser definida
restando, assim, no mínimo, 2.400 horas a serem pelas escolas e sistemas educativos e não de
dedicadas aos itinerários formativos. construção de itinerários de formação das/
Bem entendido o cálculo de horas que envol- os estudantes, a partir dos seus interesses
ve a expansão do ensino médio e a divisão impos- e aspirações em suas escolas e municípios,
ta à matriz curricular – que dedicará uma parte à como o governo quer fazer crer. Pelo que
contemplação dos conteúdos previstos na BNCC e rege a MP, quem efetivamente escolhe e de-
outra parte, aos itinerários formativos – passa-se fine os itinerários são os sistemas de ensino,
para a averiguação dos informes do governo sobre a não são as/os jovens. Essa oferta de itinerá-
questão da autonomia dos estudantes em escolhe- rios formativos estará condicionada, por sua
rem os conteúdos que lhe aprouverem. vez, às condições econômicas, logísticas e 22
estruturais dos sistemas de ensino.” (UFMG, forma
2016, p. 3) Alguns autores consideram que a permanên-
cia da Sociologia no ensino médio está sempre
Na prática, escolas que contam com recursos sob suspeita. Essa situação poderia ser revertida,
parcos terão menor possibilidade de oferecerem não apenas pela imposição de sua obrigatoriedade,
uma matriz curricular rica em itinerários formativos, mas através de sua legitimação por parte de todos
se comparadas a escolas mais abastadas. Encon- aqueles interessados, em especial, pelos cientistas
tra-se aí um risco de fazer crescer a desigualdade sociais. (MIGLIEVICH-RIBEIRO & SARANDY, 2012)
de acesso à educação de qualidade provocada, jus- Visando a conferir essa legitimidade à Sociolo-
tamente, pela implantação de uma ferramenta que gia, em 2015, a Associação Brasileira de Ensino em
pretende contorná-la? Em entrevista concedida ao Ciências Sociais (ABECS) apresentou um manifesto
El País em 25 de setembro de 2016, Maria Alice Se- em defesa da presença obrigatória dessa disciplina
tubal, presidente do Conselho do Centro de Estudos em todos os anos do ensino médio, devendo ser mi-
e Pesquisas em Educação (CEPEC), coloca: nistrada por professores especializados na área em,
no mínimo, duas aulas consecutivas por semana.
“Se o Estado não tiver condições de imple- Refletindo sobre um cenário de reforma educacional
mentar a infraestrutura necessária para esta que afirme, casuisticamente, que o desinteresse dos
reforma em todas as escolas, a maioria delas alunos pelo ensino médio reside, entre outros fato-
não vai conseguir. Então você criará maio- res, no excesso de disciplinas ofertadas pela matriz
res desigualdades. Escolas já têm categorias curricular (razão pela qual disciplinas não conven-
diferentes. A escola integral é boa, mas não cionais, como Sociologia, seriam desnecessárias), o
são todas. Você corre o risco de criar outras manifesto estabelece:
categorias, caso algumas escolas implemen-
tem os cinco percursos propostos e outras “Há algo muito mais grave em curso, que im-
não. Pode ser que algumas escolas preci- pede que a escola média seja também um
sem reforçar algumas matérias, implemen- lugar social de construção de identidades, de
tar laboratórios, etc. Mas com qual hipótese sociabilidade e reconhecimento de jovens es-
se trabalha? Todo mundo igual, e nem todo tudantes, a nosso ver, muito mais relaciona-
mundo ter o mesmo interesse? Se alunos da ao vazio gerado entre sua orientação ao
têm mais afinidade numa escola numa área mercado de trabalho e seu papel transitório
de Ciência, por exemplo, e não tenho profes- para o ingresso nos cursos superiores, que
sores suficientes de biologia e física, como ao formato de seu currículo.” (ABECS, 2015,
vou aprofundar? Tudo que a escola quer é p. 16)
que a reforma vá ao encontro de alguns de-
sejos dos jovens. Isso será respeitado?” (EL Em razão desse cenário de incerteza, assim que
PAÍS) foi proposta, a MP 746/2016 levantou dúvidas sobre
se afetaria a permanência da disciplina Sociologia
Apesar de o relatório legislativo destinado à análi- nos currículos do ensino médio. A análise do texto
se da MP 746/2016, elaborado pelo senador Pedro original da MP 746/2016 não permitia essa afirma-
Chaves do Partido Social Cristão do Mato Grosso ção. O texto era claro sobre a extinção de Artes e
do Sul (PSC/MS), não ter acatado nenhuma emenda Educação Física na etapa final da educação bási-
que modificasse o previsto pela medida provisória ca (artigo 26, §§ 2° e 3° da MP 746/2016), mas o
em relação à oferta de itinerários formativos, a Lei mesmo não ocorria em relação à Sociologia. Essa
13.415/2017 substitui o conteúdo do §1° do artigo 36 lacuna textual gerava dúvidas naqueles interessa-
da MP 746/2016, omitindo a controvérsia exposta dos na manutenção da Sociologia como componente
anteriormente. obrigatório do ensino médio.
A versão original da MP 746/2016 omitia o con-
2 “Art. 4o  O art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de teúdo do inciso IV do artigo 36 da LDB/96, que
dezembro de 1996, passa a vigorar com as assegurava a Sociologia como disciplina obrigatória
seguintes alterações:  dos últimos três anos da educação básica, subs-
§ 1º  A organização das áreas de que trata tituindo-o por um dos itinerários formativos pro-
o caput e das respectivas competências e postos pela Reforma. Assim, de modo a elucidar o
habilidades será feita de acordo com crité- que está se afirmando, enquanto o texto da LDB/96
rios estabelecidos e cada sistema de ensino.” dispunha:
(BRASIL, 2017b)
“Art. 36. O currículo do ensino médio obser-
Após a descrição geral da Reforma do Ensino vará o disposto na Seção I deste Capítulo e
Médio, tendo como base os documentos que a com- as seguintes diretrizes:
põem e os trâmites legais que a implantaram em ...
contraposição com a forma como tem sido veiculada IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia
pelas propagandas governamentais, será realizada, a como disciplinas obrigatórias de todas as sé-
seguir, a análise de seu impacto no ensino da So- ries do Ensino Médio.” (BRASIL, 1996)
ciologia.
O texto original da MP 746/2016 coloca em seu
23 A situação da Sociologia sob o contexto da Re- lugar:
“Art. 36. O currículo do ensino médio será “Com o acatamento da emenda n° 24 de autoria do 1 Izalci Lucas é pre-
composto pela Base Nacional Comum Curri- Deputado André Figueiredo, definimos que a BNCC sidente da comissão
mista que avaliou a
cular e por itinerários formativos específicos, referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente MP 746/2016 e autor
a serem definidos pelos sistemas de ensino, estudos e práticas de educação física, arte, sociolo- do polêmico projeto
com ênfase nas seguintes áreas de conheci- gia e filosofia.” (BRASIL, 2017a, p. 7) Escola sem Partido.
mento ou de atuação profissional: Com a aprovação das emendas e a publicação
... da lei 13.415/2017, que oficializa o teor definitivo do 2 Disponível em
<http://www2.cama-
documento que propõe a Reforma do Ensino Mé- ra.leg.br/camarano-
IV - ciências humanas;” (BRASIL, 2016d) dio, pode-se afirmar que as instituições de ensino ticias/tv/materias/
deverão manter a obrigatoriedade da Sociologia sob PALAVRA-ABERTA/
Entretanto, a omissão desse inciso por si só não forma de estudos e práticas. Entretanto, as seguin- 521014-PRESIDEN-
TE-DA-COMISSAO-
acarretaria a exclusão da Sociologia de fato. Para tes questões surgem: é cabível fazer a diferenciação -QUE-AVALIOU-M-
isso, seria necessário que a BNCC – que tem a So- entre inclusão obrigatória de estudos e práticas de P-DO-ENSINO-ME-
ciologia como componente curricular obrigatório do Sociologia e a inclusão obrigatória do componente DIO-FALA-SOBRE-
ensino médio em sua primeira e segunda versões curricular Sociologia? É pertinente supor que essa lei -ASSUNTO.html>
– fosse modificada. Como, até a presente data, a possibilita a abordagem da Sociologia no ensino mé-
BNCC não tem sua versão final relativa ao ensi- dio de forma interdisciplinar, conforme interpretação
1
no médio definida, as análises sobre a permanência do deputado Izalci Lucas do PSDB/DF , em entre-
da Sociologia tiveram de ser feitas, em um primeiro vista concedida ao programa Palavra Aberta da TV
momento, baseadas em conjecturas, e não em da- Câmara no dia 09/12/20162? É possível que essas
dos concretos que permitam uma afirmação asser- questões só tenham resposta quando a versão final
tiva. Com a aprovação da MP 746/2016 e sua con- da BNCC for aprovada.
versão na lei 13.415/2017, a situação da Sociologia se
revela. A partir da leitura do artigo 3°, §2° dessa lei, Conclusão
conclui-se que “a Base Nacional Comum Curricular
referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente A proposição da MP 746/2016 trouxe a suspeita
estudos e práticas de educação física, arte, sociolo- de que, mais uma vez, a Sociologia pudesse deixar
gia e filosofia” (BRASIL, 2017b).  de ser um componente curricular obrigatório do en-
Durante o processo de tramitação da MP sino médio. A Lei 13.415/2017, que é a MP 746/2016
746/2016 no Congresso até sua configuração em convertida em lei ordinária, torna obrigatória a pre-
lei ordinária, muitas emendas foram propostas para sença de estudos e práticas de Sociologia na BNCC.
sanar as lacunas ou dúvidas deixadas pela mesma Todavia, como a versão final da BNCC para o en-
quanto à manutenção da Sociologia no ensino mé- sino médio não está concluída, nem disponível para
dio. Provavelmente amparados, ou mesmo pressio- análise, não se pode afirmar que os termos estu-
nados, pelos debates apresentados pela sociedade, dos e práticas reduzem a presença da Sociologia,
parlamentares previram uma possível exclusão da em oposição à condição de disciplina ou componente
Sociologia dos currículos e propuseram um total de curricular, status obtido desde a aprovação da Re-
17 emendas à MP 746/2016 dedicadas a evitar que solução CNE/CEB n° 1/2009. Assim, o estudo dos
isso ocorresse. Parte das emendas pretendia garan- documentos que embasaram a Reforma do Ensino
tir a presença obrigatória dessa disciplina nos três Médio não permite a conclusão de que a Sociologia
anos finais da educação básica; a outra parte visava será excluída das matrizes curriculares das institui-
apenas a manter o ensino dos conteúdos previstos ções de ensino.
pela Sociologia no ensino médio. A análise da MP 746/2016 e da Lei 13.415/2017
Desse modo, o Parecer aprovado pela Comissão sob o prisma de seu impacto no ensino da Sociologia
Mista da MP 746/2016 declara o acatamento inte- possibilitou a observação de consequências nega-
gral ou parcial de quatro das emendas que tratavam tivas em relação ao ensino médio de forma geral.
da situação da Sociologia. A emenda n° 11, de auto- Primeiramente, o instrumento escolhido – medida
ria de Paulo Bauer do Partido da Social Democracia provisória – pelo governo para promover a reforma
24
Brasileira (PSDB/SC), e a emenda n° 24, de An- da educação desconsiderou pesquisas e propos-
dré Figueiredo do Partido Democrático Trabalhista tas realizadas por profissionais da educação sobre
(PDT/CE), defendem a inclusão de práticas e ensino a matéria e foi majoritariamente desaprovado pela
de Sociologia, bem como Filosofia, Educação Físi- sociedade por abreviar os ritos democráticos. Em
ca e Artes pela BNCC. A emenda n° 283, também segundo lugar, as propagandas veiculadas pela mídia
de autoria do deputado André Figueiredo, demanda, apresentaram informações falsas aos telespectado-
entre outros assuntos, a obrigatoriedade do estudo res, na medida em que: (1) propunham a possibili-
de Sociologia no ensino médio. A emenda n° 488, de dade de participação popular através de discussões
Stefano Aguiar do Partido Social Democrático (PSD/ que não foram viabilizadas na prática e (2) promo-
MG), interpela pela obrigatoriedade do ensino da So- veram o pensamento de que os estudantes esco-
ciologia, da Filosofia, da Educação Física e das Ar- lherão o itinerário formativo que quiserem, quando,
tes apenas nas etapas da educação infantil e ensino através de análise dos documentos que embasam
fundamental, sendo facultativos no ensino médio. a Reforma, descobriu-se que são os sistemas de
Em resumo, o relatório do senador Chaves, texto ensino que escolherão os itinerários que fornecerão
que elenca as modificações trazidas pelas emendas aos estudantes.
aprovadas à MP 746/2016, aponta o que foi defini-
do sobre a situação da Sociologia no ensino médio: 24
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Recebido em 15/03/2017 Aprovado em 01/09/2017

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