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Do jornalismo online ao webjornalismo: formação

para a mudança
João Manuel Messias Canavilhas
Universidade da Beira Interior

Índice Cabrera Gonzalez (2000) identifica quatro


modelos de jornal online que correspondem
1 Formação actual dos jornalistas 2 a outras tantas fases de evolução.
2 Formar webjornalistas 3 Uma primeira denominada Fac-simile,
3 Conclusão 5 correspondente à reprodução simples de pá-
4 Bibliografia 6 ginas da versão impressa de um jornal, quer
através da sua digitalização, quer através de
Introdução um PDF.
Uma segunda fase - modelo adaptado –
Em 2005 cumpre-se uma década de jorna- em que os conteúdos ainda são os mesmos
lismo online em Portugal. Ao longo deste das versões escritas dos jornais, mas a in-
período, jornais, rádios e televisões entra- formação é apresentada num layout próprio.
ram em força na Internet, mas muitos deles Nesta fase começam a ser integrados links
utilizam-na apenas como suporte. Registou- nos textos.
se ainda o aparecimento de publicações ex- Na terceira fase - modelo Digital – os jor-
clusivamente online, como Diário Digital ou nais têm um layout pensado e criado para o
o Portugal Diário mas, no essencial, estas meio online. A utilização do hipertexto e a
publicações mantêm as características de um possibilidade de comentar são presença obri-
jornal tradicional. gatória e as notícias de última hora passam a
As publicações online portuguesas têm al- ser um factor de diferenciação em relação às
gumas marcas de uma nova linguagem, mas versões em papel.
ficam bastante aquém das potencialidades Por fim, o modelo Multimédia, uma fase
oferecidas pela web. A dificuldade em en- em que as publicações tiram aproveitamento
contrar um modelo de negócio que viabilize máximo das características do meio, nome-
estas projectos é o grande entrave ao seu de- adamente a interactividade e a possibilidade
senvolvimento, com repercussões na dificul- de integrar de som, vídeo e animações nas
dade em contratar profissionais qualificados, notícias.
por exemplo, o que impede o rápido desen- A categorização proposta por Cabrera
volvimento de um modelo mais consentâneo González parece resultar da observação de
com as características da web.
2 João Canavilhas

publicações online nascidas em grupos de meios tradicionais têm características muito


comunicação proprietários de jornais em pa- semelhantes às das suas versões tradicionais,
pel, a situação mais vulgar no meio. Se tirando partido de algumas características da
quisermos alargar esta sistematização a to- web mas, ainda assim, muito longe de explo-
dos os meios de comunicação, podemos rarem as potencialidades do meio.
restringir o processo a duas fases funda-
mentais: jornalismo online e webjorna-
1 Formação actual dos
lismo/ciberjornalismo
No primeiro caso, as publicações man- jornalistas
têm as características essenciais dos meios Os resultados do estudo “Os jornalistas on-
que lhes deram origem. No caso dos jor- line em Portugal“ (Canavilhas, 2005) reve-
nais, as versões online acrescentam a ac- lam que a formação na empresa é a situação
tualização constante, o hipertexto para li- mais habitual entre os profissionais que tra-
gações a notícias relacionadas e a possibi- balham no online, com 53,7% dos inquiri-
lidade de comentar as notícias. No caso dos a referir este tipo de formação. Destes,
das rádios, a emissão está disponível online, 77,3% teve formação em actividade, con-
são acrescentadas algumas notícias escritas tra apenas 22,7% que adquiriu competên-
e disponibilizam-se a programação e os con- cias nesta área em cursos organizados pela
tactos. As televisões têm também informa- empresa. Os restantes inquiridos recebe-
ção escrita, à qual são acrescentadas notícias ram formação específica no Ensino Superior
em vídeo, a programação do canal e os con- (16,7%) ou no Cenjor (9,3%), registando-
tactos. se ainda 33,3% que dizem não ter recebido
Como se pode verificar, trata-se de uma qualquer tipo de formação.
simples transposição do modelo existente no A baixa percentagem de jornalistas que re-
seu ambiente tradicional para um novo su- cebeu formação no Ensino Superior, em con-
porte. junto com a constatação de que a formação
Na fase a que chamamos webjorna- é importante, levam 94,4% dos inquiridos a
lismo/ciberjornalismo, as notícias passam a considerar que a opção de jornalismo online
ser produzidas com recurso a uma linguagem deve ser introduzida no curriculum das esco-
constituída por palavras, sons, vídeos, info- las.
grafias e hiperligações, tudo combinado para Actualmente, uma disciplina de jorna-
que o utilizador possa escolher o seu próprio lismo online é ministrada em 6 escolas, em-
percurso de leitura. bora com denominações diferentes: ciberjor-
O jornalismo na web que actualmente se nalismo, jornalismo online, jornalismo em
faz em Portugal encontra-se ainda na pri- linha, oficina de jornalismo digital ou ate-
meira fase de desenvolvimento. As publi- lier de jornalismo online são alguns exem-
cações existentes funcionam como uma es- plos de disciplinas oferecidas pelas escolas
pécie de jornalismo de agência, ao qual se portuguesas. Noutros casos, o jornalismo
juntam hipertexto, arquivo, artigos de opi- online é estudado em disciplinas que abor-
nião e a possibilidade de contactar os jorna- dam a temática digital.
listas. Noutros casos, as versões online de

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Do jornalismo online ao webjornalismo 3

Inquiridos acerca dos programas informá- 2 Formar webjornalistas


ticos que utilizam, os jornalistas referem os
A esmagadora maioria dos jornalistas que
processadores de texto (96,3%), seguindo-se
trabalha na área do online (90,7%) considera
os programas de tratamento digital de foto-
que a web é um novo meio de comunicação
grafias (87%), as folhas de cálculo (31,5%),
social. Quando questionados se o jornalismo
animação vectorial (16,6%), edição de som
online será apenas uma moda, os números
(14,8%), edição de HTML (12,9%), edição
são ainda mais expressivos, com 98,1% a
de vídeo (7,4%) e edição electrónica (5,6%).
discordarem.
Apesar da utilização de ferramentas de autor
E se do lado da emissão os números são
se restringir a um pequeno grupo, 88,9% dos
interessantes, do lado da recepção o pano-
inquiridos que considera importante o domí-
rama também é animador. Os dados preli-
nio deste tipo de aplicações.
minares de um estudo em curso na Univer-
Por opção da empresa ou por falta de for-
sidade da Beira Interior revelam que 17,9%
mação, os hipermedia ainda são pouco utili-
dos estudantes referem a Internet com fonte
zados nas publicações portuguesas. Apenas
de 25 a 50% das notícias que consomem di-
68,5% dos jornalistas integra hipertexto nos
ariamente, e 10,7% diz que mais de metade
seus artigos, embora 74,1% considere que se
das notícias é originária da Internet.
trata de um bom auxiliar na hora de construir
Havendo um mercado potencial, a evolu-
a notícia.
ção do jornalismo na web depende do tal mo-
A inclusão de vídeo ou som na notícia é
delo económico que permitirá financiar as
mais rara, com 44,4% a referirem a sua utili-
publicações. No estudo A Internet e a Im-
zação.
prensa em Portugal, publicado em 2003, são
As percentagens referidas num e noutro
identificadas, algumas razões que levariam
caso são interessantes, porém a realidade pa-
os consumidores a pagar informação online
rece ser algo diferente. A análise das publi-
e, entre elas, destacam-se a personalização
cações onde trabalham estes jornalistas per-
da informação, o desejo de aceder a informa-
mite observar que raramente o som e o ví-
ção com suporte multimédia, a actualização
deo fazem parte da notícia. Normalmente
permanente da informação e a possibilidade
são oferecidos como complemento da notí-
de trocar informações com os jornalistas.
cia e quase exclusivamente pelas edições on-
line dos meios que, na sua versão tradicio-
nal, oferecem este tipo de formato. A TSF 2.1 1 Constrangimentos
Online, por exemplo, disponibiliza sons, tal 2.1.1 Recepção: Um dos entraves ao jorna-
como a SIC Online disponibiliza vídeos. lismo na web é o tipo de acesso. O recurso
Já o hipertexto é mais vulgar nas publica- aos hipermédia vai exigir acesso mais rápi-
ções portuguesas. Apesar disso, a sua utili- dos e sabe-se que, apesar do rápido cresci-
zação fica-se pela referência a notícias ante- mento dos últimos anos, o número de lares
riores relacionadas com o assunto. Mais do com ligações ADSL ainda é pouco significa-
que uma contextualização, serve para sinali- tivo.
zar o percurso de um acontecimento.

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Um outro problema está relacionado com significativa, falta passar à fase experimen-
as competências que o leitor deverá ter para tal. Só assim será possível desenvolver mo-
conseguir descodificar conteúdos multimé- delos de notícia multimédia que responda às
dia. A introdução de uma nova linguagem expectativas dos utilizadores.
implica o domínio de novas competências
narrativas, linguísticas, iconográficas e 2.2 Desafios
estéticas o que, provavelmente, vai levar
algum tempo. Num estudo em curso na Uni- Há um conjunto de desafios que não depen-
versidade da Beira Interior detectou-se que o dem da formação, pelo que nos cingiremos
facto das palavras linkadas não aparecerem à questão da formação. Até porque, natural-
sublinhadas, por exemplo, faz com que os mente, alguns desses desafios estão relacio-
utilizadores não sigam esses mesmos links. nados com o grau de desenvolvimento tecno-
Detectou-se igualmente que a transformação lógico do país.
do cursor do rato numa mão ainda não é Ao nível da formação, o grande desafio é
associado a uma zona interactiva. Estes são dotar os jornalistas comunicação de conheci-
apenas dois exemplos do trabalho que ainda mentos teóricos e práticos directamente liga-
terá de ser feito ao nível das competências dos aquelas que são as características funda-
dos utilizadores. mentais do jornalismo na web. Neste campo,
o Ensino Superior tem um papel importante,
2.1.2 Emissão: As maiores dificuldades já que é deste grau de ensino que saem a mai-
neste campo estão relacionadas com ques- oria 77,8% dos profissionais que trabalham
tões financeiras. Passado todo este tempo, no online.
ainda não foi possível encontrar um modelo Por isso propõe-se a criação de uma
de negócio que viabilize as publicações on- especialização em ciberjornalismo / web-
line. Até agora foram testados três mode- jornalismo, com a integração de disciplinas
los: o pagamento do acesso à informação, o ligadas àquelas que são as características
acesso gratuito às últimas edições mas com fundamentais do jornalismo na web.
necessidade de registo (financiamento atra-
vés de publicidade dirigida) e o acesso sem Multimédia – Ao integrar infografias, ví-
restrições, onde o financiamento depende da deos e sons, o webjornalismo implica conhe-
publicidade e da venda de conteúdos. cimentos técnicos nos campos do tratamento
Esta dificuldade em encontrar fontes de fi- de imagem, animação vectorial, edição de
nanciamento levou as empresas a reduzirem vídeo/som e html.
o investimento em recursos humanos, com a O objectivo é fazer com que o jornalista
consequente subvalorização do potencial do possa produzir alguns dos conteúdos mas,
meio. sobretudo, dotá-lo de uma linguagem técnica
capaz de lhe permitir desenhar o produto fi-
2.1.3 Investigação: Um outro nível de nal e coordenar a equipa de produção de con-
constrangimentos está relacionado com a in- teúdos.
vestigação desenvolvida no Ensino Superior. Neste campo, parte da formação técnica
Apesar de existir já uma produção científica pode ser semelhante aquela que é ministrada

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Do jornalismo online ao webjornalismo 5

no jornalismo radiofónico ou no jornalismo ção e memória – serão o resultado da inte-


televisivo, pois as ferramentas para edição gração do sistema de edição numa base de
de vídeo e som acabam por ser as mesmas. dados. Um e outro caso remetem para a ne-
Para além destas duas áreas comuns, a for- cessidade de classificar as notícias, enquanto
mação deve ainda incluir um módulo de edi- unidades de significação jornalística.
ção de HTML e outro de animação vectorial. A personalização é conseguida através do
Nesse sentido, propõe-se a inclusão de um registo do utilizador numa determinada pu-
disciplina denominada Ferramentas de Au- blicação ou através da instalação de cookies
tor Multimédia. no seu browser. Neste caso, trata-se de um
Para além da produção dos conteúdos processo meramente informático no qual o
multimédia, é necessário saber onde, quando jornalista não tem intervenção.
e como devem ser integrados estes ele- Já a memória representa muito mais do
mentos pelo que se justifica uma disciplina que o simples arquivo e é uma questão fun-
denominada Gramática Multimédia. damental num jornalismo onde o espaço que
a notícia ocupa não é um bem escasso. A
Hipertextual e Interactivo – A redacção possibilidade de ligar uma nova notícia aos
de notícias com hipertexto requer todo um seus antecedentes permite o enriquecimento
novo sistema de construção. A tradicional do jornalismo graças à contextualização dos
técnica “pirâmide invertida” dá lugar a uma fenómenos. Este jornalismo mais informado
arquitectura noticiosa mais aberta, com blo- contraria a tendência actual de um jorna-
cos de informação organizados em diferentes lismo de estados de alma e poderá contri-
modelos, sejam eles lineares ou complexos. buir de forma decisiva para a recuperação do
O elemento base da notícia, um primeiro prestígio que a actividade tem vindo a perder.
nível onde todos os utilizadores iniciam Estas questões de cariz mais abrangente
o seu percurso de leitura, deve ser um poderão ser abordadas numa disciplina mais
parágrafo ou uma infografia que responda genérica como as que já existem – Ciberjor-
de forma simplificada ao Quem, Onde, O nalismo ou webjornalismo – mas a autono-
quê, e Quando. A partir deste elemento, mização de algumas matérias permitirá que
que deverá incluir links, a notícia evolui de o fenómeno do online tenha uma abordagem
forma livre para o Como e o Porquê, com teórica mais aprofundada.
o utilizador a escolher o seu percurso de
leitura. No fundo, a produção da notícia
3 Conclusão
deverá ter como base um guião muito
semelhante ao de um jogo, prevendo todas É sabido que os meios de comunicação tive-
as possibilidades de leitura, pelo que se ram diferentes períodos de maturação, sendo
justifica a introdução de uma disciplina que o mais recente – a televisão - evoluiu
denominada Técnicas de Redacção com mais rapidamente que a rádio, e este mais
Hipertexto. rapidamente que a imprensa. Nesta pers-
pectiva, a Internet terá estádios de evolução
Outras duas características habitualmente ainda mais rápidos. Aliás, basta olhar para
ligadas ao jornalismo na web – personaliza- o que aconteceu na última década para se

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6 João Canavilhas

perceberem mudanças que há dez anos atrás TRAQUINA, Nelson, Jornalismo. Lisboa,
eram impensáveis. Quimera, 2002
O Ensino Superior tem um papel prepon-
derante no desenvolvimento de uma lingua- VALCARCE, David P. y M ARCOS, José
gem jornalística própria para a web, podendo A. Ciberperiodismo. Madrid, Sintesis,
oferecer o seu contributo a dois níveis: 2004
Por um lado, promovendo a investigação WARD, Mike, Journalism Online, Oxford,
no sentido de se encontrar uma linguagem FocalPress, 2002
para este novo meio. Por outro, desenvol-
vendo modelos económicos que permitam
viabilizar a informação na web. Só desta Textos OnLine
forma as empresas deixarão de ver o sector BARBOSA, Suzana [2004] Identificando
do online como uma segunda linha do jorna- Remediações e Rupturas no Uso de
lismo, uma espécie de montra de baixo custo Bancos de Dados no Jornalismo Digi-
cujo único objectivo é promover o jornal, a tal em http://webjornalismo.com/secti
rádio ou a televisão que suporta o meio on- ons.php?op=viewarticle&artid=96,
line. consultado em 25 de Maio de 2005
A viabilização dos projectos online e a ne-
cessidade de desenvolver novos produtos le- CANAVILHAS, João [2003] Webjorna-
vará as empresas às escolas, fechando-se as- lismo: Novo Media, Nova Linguagem.
sim o ciclo formação/economia. Em http://www.webjornalismo.com/sec
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