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A discussão da pedofilia no campo da Educação

O que precisamos saber sobre pedofilia


e pedofilização: aspectos médicos,
jurídicos e culturais

Lúcio Izidro
Jane Felipe

Introdução
Quando se fala em pedofilia na contemporaneidade, a pri-
meira ideia é que se trata de algo errado do ponto de vista social e,
sobretudo, numa perspectiva jurídica. O senso comum indica, a
partir dos agentes atípicos da moral, que o predicativo/adjetivo é
pejorativo. Todavia, nos seus primórdios, a expressão não tinha
tal significado social; portanto, pode-se dizer que ser pedófilo nem
sempre foi um ponto fora da curva dos comportamentos que de-
mandavam alguma acuidade num juízo maniqueísta.
Ainda há uma enorme confusão em descrever pedofilia
como crime, o que na verdade não é. Aliás, esta categoria científi-
ca é típica da psiquiatria, chegando ao universo jurídico como
comportamento que pode gerar alguns crimes previstos no capí-
tulo dos crimes contra a liberdade sexual, no Código Penal brasi-
leiro e, bem assim, na legislação penal especial (a exemplo do
Estatuto da Criança e do Adolescente1), como será detalhado mais
adiante.
O presente trabalho visa lançar algumas questões para uma
compreensão sobre a problemática que orbita o tema, na qual se
verificam controvertidas discussões nas mais variadas esferas do
conhecimento. Daí a importância de entendermos os conceitos

1
Lei Federal 8.069/90, comumente denominada de ECA.

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IZIDRO, L.; FELIPE, J. • O que precisamos saber sobre pedofilia e pedofilização:
aspectos médicos, jurídicos e culturais

nas suas origens e nos seus desdobramentos, assim como em seus


diversos atravessamentos. Para tanto, segue-se uma taxonomia,
ou seja, descreve-se, identifica-se, classifica-se e, ademais, apre-
senta-se alguma eventual casuística, o que facilitará o desafio de
abordar o tema de forma simples e didática, estabelecendo as di-
ferenças entre o conceito de pedofilia e o de pedofilização como
prática social contemporânea (FELIPE, 2003; 2006). Em relação
ao primeiro, cabe considerar que se trata, na atualidade, de um
conceito médico-psiquiátrico, embora na sua origem o conceito
de pedofilia tenha se vinculado à ideia de amor às crianças.
Em primeiro lugar, é preciso resgatar a etimologia da pala-
vra pedofilia, para entendermos seu significado. Na sua origem
grega, phaidóphilos significa aquele que gosta de crianças (paidós =
criança). Dessa mesma origem resulta a pediatria, uma especiali-
dade da medicina que estuda as doenças infantis. Puericultura
(do latim, puer, pueris = criança), por sua vez, consiste num “con-
junto de técnicas que objetiva assegurar o perfeito desenvolvimento
da crianças, desde a gestação2”. Portanto, é possível observar que
o radical etimológico também serve de base para outras expres-
sões, quando traz as definições de pediatria e puericultura.
Doutra banda, com uma variação conceitual que foi se cons-
tituindo ao longo do tempo pela área médica, a pedofilia passou
então a ser caracterizada como “atração sexual de um adulto por
crianças”3, acrescentando ao conceito originário um sentimento
libidinoso (atração sexual).
No mesmo mote, diante da pluralidade vernacular, resta de-
finir podofilia (ou podolatria), expressão que, em certa medida, con-
funde-se com pedofilia, dado serem vocábulos parônimos. Neste dia-
pasão, o podólatra seria aquele indivíduo que sente atração sexual
por pés4, também reclamando espaço neste contexto explicativo.

2
Disponível em: <http://.estacio.br/instituto da palavra/palavras.asp#PPP>.
Acesso em: 4 nov. 2017.
3
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. Disponível em:
<https://dicionariodoaurelio.com/pedofilia>. Acesso em: 4 nov. 2017.
4
Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/podólatra>. Acesso em: 4 nov. 2017.

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A discussão da pedofilia no campo da Educação

A podofilia, como qualquer outro comportamento, pode


ser diagnosticada a partir de uma tênue linha divisória entre o
aceitável e o inaceitável, ou seja, não é anormal gostar de pés,
assim como não é um problema gostar de crianças. No entanto, o
exagero, a obsessão e o desejo incontido ultrapassam o marco
divisório entre o que se considera normal e/ou patológico em
uma determinada cultura, em um dado tempo histórico.
Ainda que o foco do presente artigo seja dissecar o tema da
pedofilia, estabelecendo ainda as diferenças conceituais entre pe-
dofilia e pedofilização como prática social contemporânea, cabe
pontuar que existem outros tantos comportamentos considerados
perversões, transtornos sexuais ou parafilias (expressões sinônimas)
que são estudadas pela Medicina Legal, no capítulo mais conhecido
como Sexologia Forense5.
Quando se debruça sobre o histórico dos conceitos e do
que, em cada cultura, foi/é considerado aceitável ou não, ver-se-
ão interessantes transformações. É preciso analisar como se de-
ram tais mudanças, pois determinados comportamentos, antes
vistos como corriqueiros e normais, a partir de um dado momen-
to podem ser entendidos como danosos e passíveis de sanções,
como no caso da pedofilia.
As palavras – e os conceitos – apresentam-se de forma di-
nâmica. O contrário também acontece. Comportamentos antes
tidos como doentios podem ser aceitos com o passar do tempo,
como foi o caso da homossexualidade, do sexo anal, entre outros.
Os conceitos sempre escapam e não dão conta da complexidade
dos sujeitos. No entanto, é preciso considerar que, em se tratando
de crianças, a relação entre elas e os adultos será sempre uma
relação de poder, e, não raro, os adultos se aproveitam da situa-
ção de fragilidade e inocência infantil para dela tirar proveito.
5
Com o intuito de despertar a curiosidade no leitor, citam-se os mais comuns
entre tantos comportamentos, taxiologicamente classificados assim, segundo
os manuais de Medicina Legal: anafrodisia; frigidez; erotismo; autoerotismo;
anorgasmia; erotomania; frotteurismo; exibicionismo; narcisismo; gerontofilia
ou cronoinversão; dolismo; donjuanismo; pedofilia; riparofilia; necrofilia; mi-
xoscopia ou voyeurismo; lubricidade senil; fetichismo; vampirismo; bestialis-
mo; sadismo; masoquismo, etc.

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Pedofilização como base para a cultura do estupro


O conceito de pedofilização como prática social contem-
porânea começou a ser utilizado por Jane Felipe em 2002, a par-
tir de dois desdobramentos. O primeiro deles chamava atenção
para o fato de termos leis de proteção à infância e adolescência
(ECA, 1990) e por outro lado convivermos com o estímulo cons-
tante à erotização dos corpos infantis e juvenis, como se dissésse-
mos: desejem esses corpos, vejam como eles podem ser desejá-
veis. Dentro de uma sociedade de espetacularização do corpo e
da sexualidade, em que a lógica do consumo se faz presente em
todas as esferas, nada como visibilizar também os corpos infanto-
juvenis. Portanto, o conceito de pedofilização surge não como
sinônimo de doença, mas procura analisar e entender a dinâmica
dessas contradições sociais em torno da erotização dos corpos
infantis em sua complexidade.
No campo da cultura, essa exposição dos corpos infantis,
em especial os corpos femininos, são colocados como objetos de
desejo e consumo. Através da mídia, da moda, da publicidade, da
TV, é possível observarmos tal movimento, interferindo, assim,
nas formas de se vestir, de se maquiar, de andar e de se comportar
das meninas. Por outro lado, o segundo aspecto do conceito de
pedofilização se refere à exploração do universo “infantil” como
potencialmente erótico, em que a infância tem sido usada como
fetiche para a temática de sedução. Dessa forma, objetos caracte-
rísticos do mundo infantil são acionados como cenários erotiza-
dos (ensaios fotográficos sensuais de modelos usando bichinhos
de pelúcia, uniformes colegiais, brinquedos, etc.).
Mais recentemente, a partir das discussões sobre o primei-
ro assédio, o conceito de pedofilização pode ser entendido em
seu terceiro desdobramento, a saber: a pedofilização pode funcio-
nar como preparação, uma espécie de preâmbulo para o assédio e
o abuso/violência e exploração sexual. Ou seja, uma vez que a
pedofilização está calcada na erotização dos corpos infantis, po-
demos dizer que ela alimenta e alicerça esse processo, banalizan-
do e naturalizando o assédio sexual.

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A discussão da pedofilia no campo da Educação

De acordo com o código penal brasileiro, a violência sexual


é definida como uma ação na qual uma pessoa, em situação de
poder, obriga uma outra à realização de práticas sexuais, contra a
vontade, por meio de força física, influência psicológica, uso de
armas ou drogas. Ex.: jogos sexuais, práticas eróticas impostas a
outros/as, estupro, atentado violento ao pudor, sexo forçado no
casamento, assédio sexual, pornografia infantil, voyeurismo, etc.
As estatísticas trazem dados alarmantes, mostrando que em
2011, por exemplo, 10.425 crianças e adolescentes foram vítimas
de violência sexual e que de todas elas cerca de 83,2% eram do
sexo feminino. A maior incidência ocorreu na faixa etária dos 10
aos 14 anos (23,8 notificações/100 mil crianças e adolescentes),
segundo o Sistema de Informações de Agravos de Notificação
(SINAN/MS). Entre a faixa etária dos 15 aos 19 anos, 93,8%.
Foram 16,4 atendimentos para cada 100 mil casos (WAISELFISZ,
2012, p. 70). Tais comportamentos de abuso e violência contra
crianças e adolescentes precisam ser entendidos a partir de uma
construção histórica, social e cultural, promotora de desigualda-
des por conta de uma cultura machista que acaba por naturalizar
tais comportamentos. Portanto, é necessário discutir e entender
essas nuances entre o que se compreende como pedofilia e pedo-
filização (MACEDO; FELIPE, 2016; FELIPE, 2003).

Pedofilia versus crime: breve histórico


Retomando o assunto polêmico pedofilia versus crime, no
Brasil a questão toma especial dimensão a partir de uma altera-
ção ocorrida no Código Penal de 1940, que cria o tipo penal de-
nominado estupro de vulnerável6, ou seja, aquele que mantiver
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de

6
Cf. Lei Federal 12.015 de 2009: Art. 3º O Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, Códi-
go Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 217-A, 218-A, 218-B,
234-A, 234-B, e 234-C: “Estupro de vulnerável – Art. 217-A. Ter conjunção
carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. […]”.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2-10/2009/
Lei/L12015.htm#art3>. Acesso em: 5 nov. 2017.

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14 anos7 responderá judicialmente pelo crime acima referido. No


entanto, antes da vigência da atual alteração no supracitado códi-
go, aquele que mantivesse relações sexuais com uma criança “não
maior de 14 anos”8, presumia-se pela violência e, via de conse-
quência, a conduta havida, ainda que consentida, era considera-
da criminosa. Dito de outra forma, todos aqueles que mantives-
sem relações sexuais com um/uma “não maior de 14 anos” en-
quadravam-se na violência presumida em razão da imaturidade
da vítima, que seria incapaz de entender o caráter do ato de libe-
ralidade praticado, não podendo, portanto, assumir a responsabi-
lidade de sua decisão, salvo se esta imaturidade fosse provada-
mente desconsiderada em razão de dados sociais que indicassem
ser a vítima de vida considerada como desregrada e aparentasse
fisicamente uma idade superior àquela protegida pela norma9, com
isso levando a engano o parceiro.
A hermenêutica jurídica funcionava conjugando os elemen-
tos definidores de dois dispositivos penais. De um lado, o crime
de estupro, que à época se definia como “ter conjunção carnal
mediante violência ou grave ameaça”, e, do outro lado, a regra da
violência presumida, ou seja, manter relações sexuais com um/
uma “não maior de 14 anos”. Ao cotejar as duas normas penais,
chegava-se ao crime de estupro ou atentado violento ao pudor,
ambos por violência presumida. Caso não ocorresse este artifício
legal, a criança que consentisse na prática do ato sexual corrobo-

7
A expressão “menor de 14 anos” é adotada pelo Código Penal brasileiro. Opor-
tuno salientar que o Estatuto da Criança e Adolescente define criança a partir
do nascimento até os 12 anos. Portanto, a partir dos 12 anos e 1 dia até os 18
anos o destinatário da norma é definido como adolescente.
8
A expressão jurídica era utilizada para definir a idade em que se considerava o
menor protegido, ou seja, do nascimento até o dia do aniversário. Dito de outra
forma, caso o ato sexual fosse mantido no dia seguinte ao aniversário, o menor
já não se enquadrava na proteção legal.
9
A jurisprudência à época solidificou o seguinte entendimento: se a vítima, ain-
da que menor de 14 ano, tivesse uma prática sexual considerada “desregrada”,
aparentando uma idade superior à protegida pela norma, poderia levar o agres-
sor ao engano (por considerar a vítima mais velha). Desse modo os juízes pode-
riam não condenar o agressor.

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A discussão da pedofilia no campo da Educação

raria o fato lícito e, portanto, crime algum ocorreria.


À época da vigência do referido dispositivo era possível,
também por autorização legal, que ocorresse extinção da punibi-
lidade se a vítima casasse com o autor do crime. Atualmente esta
exegese jurídica não mais existe, pois, como já referido acima,
ocorreu uma alteração no Código Penal Brasileiro que criou a
figura do estupro de vulnerável. Para além desta novidade legal,
também foi revogado o crime de atentado violento ao pudor (AVP),
sigla que usarei em substituição à expressão jurídica que antes era
uma figura típica autônoma e se definia como “qualquer ato libi-
dinoso diverso da conjunção carnal”, passando a compor os ele-
mentos nucleares do crime de estupro.
Assim, na anterior estrutura, no capítulo dos crimes contra
a liberdade sexual, existiam dois crimes autônomos, estupro e AVP,
que atualmente foram agrupados em única figura típica legal, a
saber, no crime de estupro. Neste diapasão, define-se atualmente
o crime de estupro como constranger alguém a ter conjunção
carnal ou qualquer ato libidinoso mediante violência ou grave
ameaça à pessoa10.
Em apego à boa informação, cabe esclarecer a alteração no
elemento nuclear do tipo penal estupro, portanto, acrescentando
em sua estrutura os elementos que configuravam o crime de AVP,
com o escopo de consertar uma grave anomalia entre as duas fi-
guras típicas (estupro e AVP), o que ocorria quando a vítima, em
razão da ação sexual, restava grávida e tinha o consentimento
legal (portanto, exclusão da ilicitude) para a prática do aborto
(numa melhor terminologia: abortamento).
A teratologia legal ocorria, pois a vítima de estupro podia
obter um consentimento legal para o abortamento, mas a vítima
de AVP não gozava de tal beneplácito jurídico. Com a junção dos

10
Cf. Lei Federal 12.015, de 2009: “Estupro. Art. 213. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou
permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. [...]”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.
Acesso em: 5 nov. 2017.

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elementos nucleares dos tipos penais em apenas um, conserta-se


tal escatologia legal que antes lançava mão de uma técnica de
integração da norma penal denominada “analogia in bonam par-
tem”, ou seja, onde há a mesma razão, há o mesmo direito; logo,
se a vítima do estupro tinha autorização legal para a manobra
abortiva, a vítima do AVP também deveria ser beneficiada, ainda
que não existisse norma para o segundo caso. Não fazia sentido
que uma vítima de estupro pudesse ter acesso à autorização legal
para o abortamento e a vítima de AVP não gozasse do benefício,
porquanto assim seria duplamente violentada: uma vez pelo cri-
minoso e outra vez pela legislação leniente.

Pedofilia: uma categoria médica


É preciso retomar o assunto sensível já iniciado nos pará-
grafos anteriores de que o pedófilo não é necessariamente um cri-
minoso. Parte-se da ideia de que pedofilia é uma categoria de aná-
lise psiquiátrica e que seu diagnóstico demanda a avaliação de
um profissional especialista, que atestará a patologia. Isso não
implica necessariamente que, ao ser diagnosticado como tal, ime-
diatamente já passe à categoria jurídica de criminoso.
O sujeito pode viver toda sua vida sendo pedófilo, isto é,
desejando sexualmente crianças, e nunca praticar quaisquer das
condutas descritas no Código Penal Brasileiro, assim como no
ECA. Portanto, não necessariamente o pedófilo será um crimino-
so, uma vez que nem todos praticam o abuso sexual contra crian-
ças. Relembrando que a definição de pedofilia se refere ao “adul-
to que sente atração sexual por uma criança”.
A partir deste gatilho conceitual, é possível afirmar que o
sujeito pode sentir atração sexual por crianças durante toda sua
vida e nunca ter com elas qualquer atividade sexual que configure
os tipos penais definidores em nossa legislação. Também o con-
trário é verdadeiro: o sujeito pode não ser diagnosticado como
pedófilo e ter contato sexual com crianças, incidindo nas figuras
típicas penais previstas no sistema jurídico brasileiro. Em síntese,
a pedofilia está tipificada no campo médico como um transtorno

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A discussão da pedofilia no campo da Educação

mental, uma parafilia, em que o sujeito sente atração sexual por


crianças, mas que não implica necessariamente praticar ações ti-
das e havidas como crime.
Em muitos casos, tais indivíduos assim o fazem por uma ques-
tão de oportunidade e machismo, entendendo que o corpo infantil,
em especial o corpo feminino, pode ser utilizado a seus serviços.
São sujeitos que se relacionam sexualmente com pessoas adultas,
mas também se aproveitam da fragilidade infantil para obter favo-
res sexuais. Cabe lembrar que a maioria dos abusos sexuais contra
crianças ocorre dentro de casa, ou por pessoas próximas à família.
Segundo dados estatísticos divulgados pelo Disque 100 em
maio de 2016, quase 18 mil crianças podem ter sido vítimas de
abuso sexual em 2015, o que daria uma média de mais de 50
crianças por dia. Foram registradas, ao longo de 2015, 80.437 de-
núncias sobre abuso sexual, negligência e violência psicológica. As
maiores vítimas eram meninas, em torno de 54%, na faixa etária de
4 a 11 anos (40%), crianças negras/pardas (57,5%).
De acordo com o Centro de Estudos das Relações de Tra-
balho e desigualdades, trata-se de um problema mundial, pois,
segundo os dados do Conselho da Europa, “uma em cada cinco
crianças é vítima de algum tipo de violência sexual (abuso na pró-
pria família, pornografia e prostituição infantil, solicitação pela
internet), sendo que, em 70% a 85% dos casos, a criança conhece
e confia na pessoa que pratica esse abuso11”.
No sentido de reforçar o argumento acima explanado, é
preciso lembrar que, para se configurar um crime12 no sistema
jurídico penal brasileiro (legal, doutrinário e jurisprudencial), três

11
<https://www.ceert.org.br/noticias/crianca-adolescente/12347/50-criancas-
por-dia-sofreram-violencia-sexual-em-2015-no-brasil>.
12
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro
conceitual do método entimemático. Coimbra: Almedina. 2012, p. 26-27, in
verbis: “A dogmática penal é sustentada através de três grandes pilares: a teoria
da pena, a teoria do crime e a teoria da lei penal. A teoria do crime, entretanto,
é a que mais se desenvolveu com vistas a conferir cientificidade ao direito
penal. [...] A teoria do crime confere cientificidade para o direito penal porque
ela representa um método. Com efeito, caberá à teoria do crime construir um
arcabouço conceitual para que a ação seja convertida em delito; portanto, ao

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elementos são exigidos13 14: primeiro, que seja o fato típico; se-
gundo, que seja ilícito; terceiro, que haja culpabilidade15.
Para fins de esclarecer com maior propriedade o argumen-

estabelecer esquemas conceituais necessários para a qualificação do compor-


tamento (como um crime) ela é um método. Porém, o método da teoria do
crime não esgota o direito penal. É que a consequência (pena), que necessita
logicamente de uma causa (crime), é conceitualmente distinta da sua causa.
Assim, é necessário um método diverso para a aplicação da pena, que será o
método limitador da violência aplicada a um sujeito por este ramo do direito.
Este segundo método traduzirá a aplicação concreta do tipo penal, o qual traz
a descrição do comportamento proibido associado a uma pena, em uma sen-
tença” [Grifo nosso].
13
Parte da doutrina se controverte quanto aos elementos estruturantes do crime,
ou seja, parte da doutrina adota o critério tripartite e outra parte adota o crité-
rio bipartite (cf. MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado
Parte geral. v. l, 4. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2011, p. 175-177).
14
Conforme se verifica na doutrina, sem entrar na discussão de qual critério é
mais correto, eis como se define: “Aspecto analítico: é aquele que busca, sob
um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalida-
de deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração
penal e seu autor, fazendo com que o julgador e intérprete desenvolva seu
raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa
maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em
caso positivo, e só neste caso, verifica-se se ela é lícita ou não. Sendo o fato
típico e ilícito, surge a infração penal. A partir daí é só verificar se o autor foi
culpado ou não pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de
reprovação pelo crime que cometeu. (Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Direi-
to Penal parte geral, vol. I (arts. 1º a 120). 7. ed. rev. e atual. de acordo com as
leis 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) 10.763/2003 e 10.826/2003. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 106.).
15
Welzel “dizia que a metodologia sequencial consistia em três estágios. Um
sequenciado pelo outro conduz a um alto grau de racionalidade e segurança
jurídica, porque o elemento antecedente será pressuposto necessário do ele-
mento subsequente: (1º) tipicidade; (2º) antijuridicidade e (3º) culpabilidade.”
(WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Ser-
gio Yáñez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica do Chile, 1970, p. 79); BRANDÃO,
Cláudio. Introdução ao direito penal: análise do sistema penal à luz do prin-
cípio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 134; BRANDÃO, Cláu-
dio. Tipicidade penal: dos elementos…, op. cit., 2012, p. 46-48; CAPEZ, Fer-
nando. Curso..., op. cit., 2004, p. 106; MASSON, Cleber Rogério. Direito...,
op. cit., 2011, p. 177; IZIDRO, Lúcio. Direito Penal Econômico: crime na
relação de consumo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 59-60; IZIDRO,
Lúcio. Do Direito Penal Clássico ao Direito Penal Econômico: perspecti-
vas de um giro epistemológico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 16-18.

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A discussão da pedofilia no campo da Educação

to, cabe considerar a definição de fato típico16: todo fato material


que se amolda com perfeição aos elementos conduta, resultado,
nexo causal e tipicidade (cf. art. 13 e seguintes do CP/40)17. Des-
taca-se desta definição o elemento conduta, que se configura a
partir de uma hermenêutica legal como sendo “toda ação ou
omissão humana, consciente, voluntária, exteriorizável, dirigida
a uma finalidade”18.
Ora, se uma conduta criminosa exige exteriorização, ou
seja, se é preciso desenclausurar seus desejos do universo das ideias
para o mundo fático, cabe então perguntar: é possível um sujeito
diagnosticado como pedófilo, mas que nunca pôs em prática seus
desejos e atrações sexuais, ser considerado um criminoso? A res-
posta é negativa, pois para que um pedófilo seja considerado crimi-
noso é exigência do Código Penal brasileiro que preencha os ele-
mentos estruturantes do fato típico (para além de não ser ilícito e
de que não haja culpabilidade), mais precisamente: que exteriorize
seus desejos em atos tipificados. Aliás, não só o diagnosticado pe-
dófilo, mas todos, transtornados ou não, devem preencher os ele-
mentos edificantes do crime para serem responsabilizados.
A seguir, apresenta-se mais uma definição e um questiona-
mento. O terceiro elemento do crime19 é a culpabilidade e uma de
suas definições é ser “pressuposto para aplicação da pena”20, sen-
do seus elementos edificantes: 1. imputabilidade; 2. potencial cons-

16
CAPEZ, Fernando. Curso..., op. cit., 2004, p. 108; MASSON, Cleber Rogé-
rio. Direito..., op. cit., 2011, p. 209.
17
BRASIL. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal, e dá outras providências. Presidência da República:
Art. 13: O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputá-
vel a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017.
18
CAPEZ, Fernando. Curso..., op. cit., 2004, p. 108; MASSON, Cleber Rogé-
rio. Direito..., op. cit., 2011, p. 213.
19
Filia-se, neste trabalho, a doutrina que entende ser a culpabilidade um dos
elementos do crime, adotando assim o critério tripartite.
20
Implica dizer que só há punibilidade se presente estiver a culpabilidade. Cf.
CAPEZ, Fernando. Curso…, op. cit., p. 280.

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ciência da ilicitude; 3. exigibilidade de conduta diversa. Destaca-


se o elemento imputabilidade que, segundo preceitua o art. 26 do
Código Penal brasileiro21, é definido como “capacidade de enten-
der uma conduta e determinar-se conforme esse entendimento”.
Sendo a pedofilia um transtorno mental de possível diagnóstico
psiquiátrico, que pode ter eliminada sua imputabilidade, ou seja,
capacidade de entendimento e de se determinar conforme esse
entendimento, é dirigida a ele punição ou tratamento? Se a res-
posta for positiva para tratamento, o pedófilo que provar, através
de perícia, que agiu sem entendimento ou autodeterminação, não
restará punido, pois, como já comentado anteriormente, a falta
do elemento imputabilidade22 faz cessar a culpabilidade, sendo
esta última um pressuposto de aplicação da pena; inexistindo a
culpabilidade, restará, por silogismo dialético, a não punibilida-
de, ou seja, a aplicação de sanção penal, mas sim de uma medida
de segurança23.
Feitas algumas considerações no sentido de demonstrar o
quão intrincado é o universo jurídico, sobretudo no tocante à
ciência penal, o certo é que no Brasil, desde 2008, vêm se imple-
mentando na legislação formas de combate ao comportamento
pedófilo. Tal combate se estabelece com as redações alteradas em
alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim

21
Cf. Código Penal brasileiro de 1940: Inimputáveis. Art. 26 É isento de pena o
agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retar-
dado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Disponível em: <https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso
em: 5 nov. 2017.
22
Cf. CAPEZ, Fernando. Curso…, op. cit., p. 289ss.
23
Cf. Código Penal brasileiro de 1940: Das Medidas de segurança. Art. 97 Se o
agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, toda-
via, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz sub-
metê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017; CAPEZ, Fernando.
Curso..., op. cit., 2004, p. 400ss.

34
A discussão da pedofilia no campo da Educação

como, em 2009, no Código Penal brasileiro, fruto de Tratados e


Convenções que o Brasil subscreveu. A Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança prevê, em seu artigo 19, a obrigação
dos Estados quanto à adoção de medidas que protejam a infância
e a adolescência do abuso, ameaça ou lesão à sua integridade se-
xual. O Brasil aprovou a convenção pelo Decreto 99.710, de 11/
12/199024.
No sistema jurídico brasileiro, a pedofilia não configura um
tipo penal; na verdade, como já dito acima, esta é uma categoria
ou um termo médico. Trata-se de uma parafilia, doença cataloga-
da pela Organização Mundial de Saúde25.
Considerando que no Brasil não há um tipo penal específi-
co que defina a pedofila como crime, ao se verificar comporta-
mentos tidos como tais, caberá ao operador do direito cotejar a

24
BRASIL. DEC 99.710/1990 (Decreto do Executivo) de 11/21/1990. Presi-
dência da República: Art. 17. Os Estados Partes reconhecem a função impor-
tante desempenhada pelos meios de comunicação e zelarão para que a criança
tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacio-
nais e internacionais, especialmente informações e materiais que visem a pro-
mover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental. Para
tanto, os Estados Partes:
a) incentivarão os meios de comunicação a difundir informações e materiais de
interesse social e cultural para a criança, de acordo com o espírito do artigo 29;
b) promoverão a cooperação internacional na produção, no intercâmbio e na
divulgação dessas informações e desses materiais procedentes de diversas fon-
tes culturais, nacionais e internacionais;
c) incentivarão a produção e a difusão de livros para crianças;
d) incentivarão os meios de comunicação no sentido de, particularmente, con-
siderar as necessidades linguísticas da criança que pertença a um grupo mino-
ritário ou que seja indígena;
e) promoverão a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a
criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar,
tendo em conta as disposições dos artigos 13 e 18.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/
D99710.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017.
25
Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização
Mundial de Saúde (OMS), o item F65.4 define a pedofilia como: o foco para-
fílico da Pedofilia envolve atividade sexual com uma criança pré-púbere. Dis-
ponível em: <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f654/pedofilia>.
Acesso em: 5 nov. 2017.

35
IZIDRO, L.; FELIPE, J. • O que precisamos saber sobre pedofilia e pedofilização:
aspectos médicos, jurídicos e culturais

legislação vigente e, existindo algum correspondente penal, en-


quadrar o fato na norma penal, ou dito de outra forma, estabele-
cer a subsunção do suporte fático ao suporte jurídico e conse-
quentes repercussões legais.
Os crimes que podem ser enquadrados nesta parafilia são os
previstos no Título VI (Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual) do
Capítulo II (Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável) do Código
Penal brasileiro, respectivamente, Estupro de vulnerável (incluí-
do pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 217-A; Corrupção de meno-
res Art. 218; Satisfação de lascívia mediante presença de criança
ou adolescente (incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 218-A;
e favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração
sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (Redação dada
pela Lei nº 12.978, de 2014) Art. 218-B26.
Outra significativa alteração ocorreu no Estatuto da Crian-
ça e Adolescente (ECA), com a promulgação da Lei Federal 8.069,
de 1990, ocasião em que o Brasil aprovou o Decreto da Conven-
ção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Não se pode olvidar o enorme avanço ocorrido nos dispo-
sitivos do ECA, em especial nos arts. 240 e 241. O ponto de cul-
minância para esta ação foi a “CPI da Pedofilia”; a partir de tais
discussões, o Plenário da Câmara aprovou, no dia 11 de novem-
bro de 2008, o projeto de lei 3.773/08, tornando fato típico con-
dutas relacionadas à pedofilia na internet, sancionado pelo presi-
dente Luiz Inácio Lula da Silva27.
Conforme se depreende da lei federal 11.829/08, há um
esforço legislativo imenso na direção de combater a pedofilia de
forma aparentemente direta, todavia operando transversalmente
na parafilia, ou seja, alterando os artigos 240 e 241 do ECA, re-

26
BRASIL. Código Penal e suas alterações legislativas. Presidência da Repúbli-
ca. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/
Del2848compilado.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017.
27
BRASIL. Decreto 3.773, de 2008. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/projeto_lei_3773_08.pdf>.
Acesso em: 5 nov. 2017.

36
A discussão da pedofilia no campo da Educação

crudescendo o combate à produção, venda e distribuição de por-


nografia infantil, passando a configurar crime a aquisição e a posse
de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na in-
ternet.
O aumento de condutas recém-configuradas como crime e,
bem assim, a ampliação dos preceitos secundários (sanção penal)
demonstram de forma cristalina a tentativa de combate a esta pa-
rafilia, todavia, não é de boa técnica combater um transtorno se-
xual tentando aplicar pena. Visa-se ao combate de comportamen-
tos contra as crianças, o que não necessariamente é praticado por
um transtornado sexual, com diagnosticada parafilia, o que pode
até mesmo levar à extinção da punibilidade, desde que comprova-
da a imputabilidade, tornando-se portanto o acusado merecedor
de medida de segurança28.
Em se tratando de legislação ao combate da pornografia
infantil na internet, pode-se asseverar que é uma das leis mais
avançadas. Todavia, o que chama atenção é como se efetivará tal
legislação no plano da eficácia, pois, quando algo é veiculado na
rede mundial de computadores, o estrago produzido extrapola a
fronteira do controlável, gerando dificuldades no que muito recen-
temente no Brasil, via Judiciário, se vem discutindo, modulando e
amadurecendo, que é o “direito ao esquecimento”, signatário lógi-
co do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e, de forma mais
precisa, do princípio da intimidade, privacidade e segredo.
Apenas para despertar atenção, no caso da criança que teve
suas imagens expostas, sendo obrigada a conviver com tal fato e a
reviver as conversas e postagens lançadas na rede mundial de com-
putadores, como se deve agir? Haverá formas de controle para
garantir o direito ao esquecimento, ainda que se combatam tais
ações com a aplicação de severas sanções penais?
Para tanto, será sumamente importante uma legislação que

28
BRASIL. Lei Federal 11. 829 de 2008. Presidência da República. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/
L11829.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017.

37
IZIDRO, L.; FELIPE, J. • O que precisamos saber sobre pedofilia e pedofilização:
aspectos médicos, jurídicos e culturais

regule as atividades dos provedores de serviços de internet, pois


tais provedores disporão de dupla obrigação: primeira, remover o
acesso ao conteúdo pornográfico, decorrente das denúncias; e se-
gunda, deverão preservar tais conteúdos com o intuito de identi-
ficar o(s) autor(es) e/ou partícipe(s) do crime. O desprovimento
de uma legislação efetivamente regulatória quanto às atividades
dos provedores geraria uma inefetividade da lei no combate à pe-
dofilia na internet.
De todo o exposto, considerando a complexidade do tema,
para além da legislação que inicialmente, nesta primeira dimen-
são, propõe combater a parafilia (pedofilia) com o uso de uma
legislação penal que não determina ser conduta típica, ilícita e
culpável, mas tenta, através de outros tipos penais generalizantes,
resolver a violência por que passam as crianças, conclui-se que as
ações estão em pleno curso e, em que pese serem tidas e havidas
como avançadas, ainda demandam variadas modulações para to-
das as idiossincrasias que envolvem o assunto, requerendo dis-
cussões mais aprofundadas dos setores de expertise.
Enfim, o Brasil e o restante do mundo precisam continuar
avançando nos mecanismos de combate, tornando-se cada vez
mais especializados, com legislações mais efetivas e eficazes na
proteção às crianças, que naturalmente são vulneráveis a ações
tão sutilmente elaboradas neste sentido. Sem descuidar de sepa-
rar criminosos, merecedores da severidade da lei, dos transtorna-
dos sexuais, que se categorizam em doenças psiquiátricas e são
dignos de tratamento. Cabe ainda refletir a importância de enten-
dermos a complexidade deste tema a partir de inúmeras transfor-
mações históricas, sociais e culturais, que através de seus múlti-
plos discursos e instituições, têm afetados as concepções que en-
volvem as infâncias, as relações de gênero, a sexualidade, os cor-
pos e seus desejos.

38
A discussão da pedofilia no campo da Educação

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