Você está na página 1de 119

Perversão

“A falta só é apreensível por intermédio do simbólico.”

LACAN, Seminário 10, p.156


A Estrutura Perversa
● A perversão permanece como um desafio teórico e clínico.
Talvez não seja apenas pelos interesses comerciais em
explorar a veia mórbida do público consumidor que o tema da
perversão esteja em voga na mídia contemporânea, excitando o
imaginário social.

● Esse foco na perversão também responde a novos desafios


que se colocam em uma sociedade não mais regulada por
regras religiosas, ritos e usos universais, mas que se apóia em
uma ciência e em um corpo jurídico que pouco avançaram a
respeito desse fenômeno.

● O significado da palavra perversão articula-se com a palavra


que lhe deu origem: perversidade. Este sentido é, antes de mais
nada, moral e religioso.
A Estrutura Perversa
● Há no ser humano uma duplicidade: ele quer o bem, crê nele,
mas faz o mal. Ele tende a perverter, a desviar, o bem em mal.

● As instituições religiosas preocuparam-se em delimitar as


fronteiras morais que não deveriam ser ultrapassadas e em
punir os transgressores. No entanto, não detinham sozinhas
este poder e precisaram aliar-se à sociedade política,
especialmente com o poder judiciário e o poder médico.

● Essa união entre as instituições da sociedade política deu


origem, no século XIX, à integração das perversões no campo
das competências médica e jurídica a fim de precisar a
incidência médico-legal dos atos delituosos e apreciar sua
relação com a nosografia psiquiátrica.
A Estrutura Perversa
▪ Inicialmente, representando a sociedade política, o poder
judiciário se propôs a intervir exercendo uma tríplice função:
enunciar as fronteiras, punir o transgressor, e proteger a
sociedade, evitando a recidiva do ato.

▪ No século XIX, o judiciário fez um apelo ao discurso médico


para que este se pronunciasse sobre a responsabilidade do
sujeito sobre os atos por ele praticados.
▪ Então, a questão tornou-se: tratava-se de uma perversidade
moral, ou de uma perversão patológica?
▪ O médico e o jurista encontravam-se diante do fenômeno
humano desumano, do excesso, da desmedida, e da violência
de uma força interior que se impõe ao sujeito sem que ele
possa se conter.
A Estrutura Perversa
▪A principal pergunta do juiz ao médico era: se essa força
que leva ao ato de transgressão, dito “perverso”, é tão
irresistível e poderosa, não é porque o sujeito é doente e,
portanto, não podendo ser responsabilizado por seus atos?

▪As respostas médicas vão no sentido de classificar as


diversas condutas tidas como perversas, sem se
preocuparem em fazer avançar o conhecimento sobre as
causas desses atos: de onde viria essa anormalidade
qualificada como patológica?

▪ Embora chamados freqüentemente para fazer perícia, os


médicos não dispunham de uma clínica que pudesse
fundamentar a construção desse saber.
A Estrutura Perversa
▪ A ausência de demanda clínica cria uma ausência de pesquisa
psiquiátrica. O perverso não se considera um doente e, portanto, fica
longe dos consultórios médicos.
▪ Na maior parte do tempo, são homens e mulheres respeitáveis em
sua vida social, profissional e familiar, embora tenham, por outro
lado, secretamente, discretamente, uma vida paralela que não é vista
pelos guardiões da ordem médico-legal.

▪ No entanto, a partir de 1885, passos significativos foram dados por


alguns médicos que começaram a situar a causa da perversão na
sexualidade, uma vez que é uma das característica do prazer sexual
no ser humano poder sempre levar à anormalidade. Krafft-Ebing
declarava perversa toda exteriorização do instinto sexual que não
respondesse ao objetivo da natureza, isto é, a reprodução, quando a
ocasião de uma satisfação sexual natural fosse dada.
A Estrutura Perversa
▪ Ficava, assim, definido o padrão moral da normalidade: é a natureza
que dá a finalidade consciente e não violenta da sexualidade. Desviar
esse bem em mal é subverter-lhe o objeto e o objetivo. Segundo a
natureza, estava admitido que o objeto é a união genital heterossexual
entre dois adultos; e o objetivo, a satisfação sexual de um e do outro em
conseqüência dessa conjunção, visando à reprodução.

▪ Krafft-Ebing pôde, então, classificar as perversões em dois grupos:


1. Aquelas em que o objetivo da ação é perverso: o sadismo, o
masoquismo, o fetichismo e o exibicionismo.
2. Aquelas em que o objeto é perverso: o grupo da
homossexualidade, da pedofilia, da gerontofilia, da zoofilia e do
auto-erotismo (masturbação)
A Estrutura Perversa
▪ Foi este o avanço possível ao saber psiquiátrico no
cumprimento de sua função de salvaguardar o essencial: definir
o punível, proteger o futuro da sociedade.

▪ Esse tipo de apreciação não considera a dimensão do desejo


sexual que, por ser submetida às leis da linguagem, escapa a
qualquer finalidade que possa ser diretamente apreendida
através dos instrumentos utilizados por essas ciências.

▪ Não há em Freud uma teoria sobre a perversão, mas pode ser


encontrado um conjunto de teorias freudianas sobre o tema. O
escândalo da novidade freudiana foi suprimir a fronteira entre
perversão e normalidade. Assim, podemos ver em suas frases:
A Estrutura Perversa
▪ “Mesmo no processo mais normal reconhecem-se os rudimentos
daquilo que, se desenvolvido, levaria às aberrações descritas como
perversões” (Freud, 1905).

▪ “Nenhuma pessoa sadia, ao que parece, pode deixar de adicionar


alguma coisa capaz de ser chamada de perversa ao objetivo sexual
normal, e a universalidade desta conclusão é em si suficiente para
mostrar quão inadequado é usar a palavra perversão como um
termo de censura.” (Freud, 1905)

▪ Nos “Três Ensaios sobre a Sexualidade” (1905), Freud propõe a


existência de uma sexualidade infantil ainda não genital, que
denomina de disposição perversa polimorfa. Ela seria intrínseca a
todo ser humano, constitutiva da futura sexualidade adulta e
composta por pulsões parciais que buscam exclusivamente o prazer
do órgão.
A Estrutura Perversão
▪Um dos primeiros fundamentos do processo perverso pode ser
localizado na noção freudiana de pulsão sexual. Esta noção é
central na economia característica das perversões.

▪ Refere-se a sensações que podem ser ativas ou passivas, como


lamber e ser lambido, tocar e ser tocado, olhar e ser olhado, etc.
Esta sexualidade comum a todas as crianças é a matriz sobre a qual
se assentará a perversão adulta.

▪ Não foi sem motivo que Freud escolheu iniciar o seu artigo, “Três
Ensaios sobre a Sexualidade”, que introduziu, na realidade, a
problemática da sexualidade infantil, pelas aberrações sexuais.
A CONCEPÇÃO
DE PERVERSÃO
EM FREUD
A concepção da perversão em Freud
● O tema era de relevância nos meios científicos da época e, portanto,
mais tolerado pelos cientistas do que suas teses sobre o sexual
presente na vida sexual das crianças que implicava uma mudança na
concepção da infância prevalente naquele momento histórico.

● A partir das formulações freudianas, a perversão se inscreve na


própria norma, tirando, definitivamente, o processo perverso do
campo das discriminações que o inscreviam como desvio em relação
às normas. Ao enfatizar o pulsional, ele se afasta das concepções
tradicionais da perversão.

● Ao conceituar a sexualidade infantil como perversa polimorfa quanto


ao seu objetivo e quanto ao seu objeto, a perspectiva freudiana
ressalta que a sexualidade infantil tem origem nas pulsões parciais
com objetos pré-genitais (oral, anal, vocal, escópica).
A concepção da perversão em Freud
▪ Desvios quanto ao objeto sexual escolhido, por exemplo, a
homossexualidade, a pedofilia, e a zoofilia, entre outros.

▪ Freud afirma que a bissexualidade é inata aos seres humanos.


A definição por uma sexualidade adulta homo, bi, ou hetero
dependerá da combinação dos fatores constitucionais e
adquiridos (identificações).

▪ Quanto à homossexualidade, apesar de implicar uma escolha


de objeto do mesmo sexo e, portanto, se configurar como um
desvio quanto ao objeto sexual, Freud não a inclui na categoria
de perversão, necessariamente. Trata-se de algo que pode
surgir em qualquer uma das estruturas clínicas: na neurose, na
psicose e também na perversão.
A concepção da perversão em Freud
▪ Desvios quanto à finalidade pulsional, referem-se a todo fator
externo, ou interno que dificulta ou adia a realização do
objetivo sexual “normal” que favorecerá a tendência a
demorar-se nas atividades preparatórias e transformá-las em
novos objetivos sexuais.

▪ A escopofilia, o voyeurismo, o exibicionismo, o sadismo, o


masoquismo, e o fetichismo são exemplos de desvios da
finalidade pulsional. As escopofilias, o olhar e ser olhado,
tornam-se perversões ao se restringirem exclusivamente aos
órgãos genitais; se estiverem associadas à anulação da
repugnância, como no caso dos voyeurs ou pessoas que
olham para funções excretórias; ou se, ao invés de ser
preparatório para o fim sexual normal, o suplanta, tornando-se
uma finalidade em si.
A concepção da perversão em Freud
● Nestas perversões, o fim sexual ocorre sob as formas ativa ou
passiva.
Desvios quanto à finalidade pulsional

▪ O desejo de infligir dor no objeto sexual e seu inverso, o sadismo e o


masoquismo, são formas ativas e passivas, respectivamente, da
perversão quanto à finalidade pulsional. Na sexualidade da maioria
dos seres humanos, principalmente masculinos, há um elemento de
agressividade, um desejo de subjugar.

▪ O sadismo corresponderia a um componente agressivo da pulsão


sexual que se tornou independente e exagerado e, por deslocamento,
assume uma posição predominante. Em outras palavras, há a
predominância da pulsão de morte.
A concepção da perversão em Freud
▪A evolução do desenvolvimento das funções sexuais no ser humano se
prolonga por mais tempo do que o das funções ligadas à auto-preservação
(fome, sede, sono) e, nesse longo período de desenvolvimento, as pulsões
sexuais se acham sujeitas a três processos: a fixação, a regressão e a
inibição.

▪ A educação e a cultura impõem ao sujeito restrições à livre manifestação


dessas tendências da infância. Essas tendências primitivas são
submetidas às ações da repressão e do recalque. Em função da existência
de barreiras externas, geralmente decorrentes do ambiente familiar, pode
ocorrer ambas, a fixação e a regressão, podem predispor o sujeito à
perversão, na medida em que mantêm o funcionamento psíquico num
patamar onde prevalece o prazer, o primitivismo e as pulsões sexuais
parciais.
A concepção da perversão em Freud
▪ A fixação é um processo de aderência da libido a certas atividades ou
zonas erógenas especialmente propícias a gratificar o sujeito nos
primeiros anos de vida, levando-o a desenvolver preferências e estilos
libidinais.

▪ A regressão pode levar o sujeito a pontos de fixação mais salientes


nos primeiros anos de vida, no qual o funcionamento era percebido
como mais satisfatório, ou muito insatisfatório. Há assim, um reforço
da fixação em lugares arcaicos de funcionamento.

▪ Sem o recalque, o sujeito se tornaria perverso. Por outro lado, o


recalque é um mecanismo ligado à frustração e à neurose: fenômenos
constitutivos da vida em cultura.
A concepção da perversão em Freud
▪Enquanto a neurose mantém o sujeito inibido e contido a partir de
valores morais e éticos, a perversão se caracteriza pela ausência da
repressão ou do recalque. O sujeito perverso só se contém pelo medo de
punições externas.

▪ A função ética, para Freud, nasce paulatinamente como resultado da


vivência edipiana e da castração. A castração implica deixar para trás um
gênero de relação e de lógica, que pode ser designado de fálico, no qual
a onipotência, a arbitrariedade e os afetos imperam.

▪ O período no qual a criança se defronta com as angústias da castração


marca um ponto nodal no desenvolvimento humano e surgem deste
momento os ideais, o superego edipiano, enfim, as leis éticas impostas
pela cultura.
A concepção da perversão em Freud
▪Trata-se de entrar em uma nova lógica de amor ou, pelo contrário,
de regredir e se fixar em antigos modos nos quais prevalecem o
narcisismo, as pulsões parciais, a arbitrariedade e a violência.

▪ A tendência à perversão é mais do que a tentativa da criança de


manter relação de exclusividade com os objetos incestuosos; é a
busca para apagar os indícios e as diferenças que lhe apontam a
necessidade de se submeter às leis e às regras. O perverso
permanece a meio caminho da resolução do complexo de Édipo. Ele
não leva em conta o desejo de seu objeto de amor, nem as leis
éticas; reivindica para si a total exclusividade do gozo, impondo aos
seus objetos um modo de relação primitivo e violento.
A concepção da perversão em Freud
▪ Assim, alguns dos elementos que contribuem para a estrutura
perversa:
⮚o percurso edipiano,
⮚a temática da castração,
⮚ o mecanismo de defesa: o desmentido ou renegação
⮚a recusa da castração feminina,
⮚a fixação, a regressão e
⮚ as pulsões primitivas.

▪ Freud opera a conjunção entre a descoberta feita em 1905, sobre o


fetichismo como uma aberração sexual e, por outro lado, a
descoberta, em 1908, de que entre as teorias sexuais infantis
existiam aquelas que consistiam em atribuir um falo às mulheres. É
em seu texto sobre Leonardo da Vinci que ele introduz esta questão
(1911).
A concepção da perversão em Freud
▪ Lacan diz que “a pulsão, uma vez que representa a sexualidade no
inconsciente, nunca é senão pulsão parcial”.

▪ Essa perspectiva lacaniana é uma negação da finalidade totalizante


da pulsão genital e da tentativa freudiana de ver no amor a
expressão da pulsão sexual total, sob o primado do genital a serviço
da reprodução.

▪ Para Lacan, amor e sexualidade não se confundem. Esta questão


atravessa o tema da perversão: se amar é ser amado em seu eu total
e unificado, o mesmo acontece com o pulsional? Amor e desejo
sexual coincidem?

▪ Freud não se limita a definir a perversão como a negação do


instinto cuja finalidade é a reprodução biológica. Ele avança
gradualmente, incluindo suas novas descobertas.
A concepção da perversão em Freud
● Freud é, então, conduzido a uma nova definição da perversão. Esta
não é vista como pré-edipiana, mas como decorrente do complexo
de castração incompleto.

● Em 1927, no texto sobre “O fetichismo”, a perversão é nomeada


com seu verdadeiro nome através da definição do seu mecanismo:
nem recalque, nem foraclusão, mas um desmentido, isto é, uma
dupla posição do ego.

● Ao mesmo tempo, o ego assume duas posições contrárias, o


reconhecimento de que a mãe não tem falo e a negação desse
reconhecimento. Por um lado a castração é aceita , por outro, é
recusada, operando uma clivagem no ego.

● A perversão é a recusa da diferença sexual, portanto da castração.


Para o perverso, todas as mulheres têm o falo. Sustentar essa
crença o protege da ameaça da castração.
A concepção da perversão em Freud
▪ A perversão não é, portanto, uma simples aberração sexual em
relação aos critérios sociais estabelecidos. Ela coloca em ação o
primado do falo, realizando uma fixação do gozo em um objeto
imaginário, em lugar da função fálica simbólica que organiza o
desejo por intermédio da castração e da falta. O fetiche seria um
falo materno deslocado.

▪ O termo perversão designa fixações infantis da sexualidade em


objetos e atividades que se cronificam no adulto. Estas fixações
manifestam-se como condutas repetitivas e estereotipadas em que o
parceiro é um mero figurante em ritos sexuais.

▪ O termo é também utilizado para designar comportamentos


narcisistas, malignos, em que o sujeito sente prazer em maltratar o
outro.
A Estrutura Perversão
● O que faz com que as fantasias sexuais e desejos agressivos
inerentes a todos os humanos não transformem as pessoas em
molestadores ou em serial killers, é sutil: é preciso que o
sujeito consiga inserir os seus desejos no mundo sem se fixar
na perversão.

● No centro das várias formas de perversão, sempre estão em


jogo o prazer e o medo. Assim, quando o psicanalista enfoca o
inconsciente e seus conteúdos latentes, são os conflitos mais
arcaicos do entrelaçamento entre o medo e o prazer que lhe
interessa revelar.

● O primeiro encontro da criança do sexo masculino com aquilo


que visualmente deveria conduzi-la à diferença dos sexos,
provoca uma recusa de sua parte, ela prefere uma fantasia:
todos os seres humanos têm um falo, a mulher também.
A Estrutura Perversa
▪ A criança afasta-se do mistério que ela comporta, da proibição
do incesto ligada à função paterna e da dinâmica fálica. A
recusa concerne a vários níveis: a recusa da castração, da
diferença dos sexos e de uma parte da realidade.

▪ Na recusa, duas formas propostas por Freud opõem-se


simultaneamente: a mulher tem um pênis, logo não foi castrada
e a mulher foi castrada pelo pai, logo ela não tem pênis. Essa
recusa primeira sofreu um recalque diante do horror da
castração comprovado pelo nojo do sexo feminino, e por uma
reativação do falo através de deslocamentos que resultam no
objeto-fetiche.

▪ A operação comporta uma primeira recusa (da idéia), e um


recalque, o horror da castração (do afeto que lhe
corresponde).
O mecanismo da perversão: o desmentido
(Verleugnung)
▪ No plano lógico, cotidiano, o perverso não negará a diferença dos sexos,
mas ao mesmo tempo, estará consciente de um certo nojo pelo sexo da
mulher.
▪ O desmentido consiste num funcionamento no psiquismo de duas
correntes paralelas, causando uma cisão no ego: o sujeito sabe que a
castração existe, mas funciona como se ela não existisse, por recusá-la.
Daí a célebre frase de Octave Mannoni: “Eu sei, mas mesmo assim...”.
▪ O desmentido é o mecanismo de defesa dos fenômenos perversos, uma
vez que, a perversão é uma recusa em tomar conhecimento das
evidências da realidade que lhe apontam para a falta e para a
possibilidade de se inserir em um cenário onde todos os homens e
mulheres são castrados/seres de falta e que tem que levar em conta os
desejos uns dos outros.
A concepção da perversão em Freud
▪Diante da recusa dessa realidade, o fetichista responde por uma
formação de compromisso: como a mulher não tem pênis na
realidade, ele encarna o objeto que supostamente falta a ela,
substituindo-o por um outro objeto da realidade, o objeto-fetiche.

▪ A escolha desse objeto lhe permite não renunciar ao falo na mulher


e a angústia de castração é neutralizada, evitando ao fetichista o
engajamento libidinal na via da homossexualidade.

▪ O sadismo é uma forma de manifestação da pulsão sexual que visa


fazer outra pessoa sofrer uma dor física, ou psíquica, como, por
exemplo, uma humilhação. Na opinião de Freud, o masoquismo, por
consistir em buscar dor junto a um outro, revela-se como simétrico
ao sadismo.
A concepção da perversão em Freud
● O masoquismo implica um estranho desejo de sofrer, o que põe em
cheque a tendência profunda da vida pulsional à obtenção do prazer,
da satisfação. Se a dor e o desprazer podem ser fins em si mesmos, e
não meros sinais de advertência, o princípio de prazer fica paralisado,
e o gozo decorre da predominância da pulsão de morte.

● Freud assumiu posições diferentes em relação ao sado-masoquismo.


Inicialmente, considera o sadismo como primário, (seria apenas o
controle sobre o outro, passando da passividade para a atividade) e
rever essa posição em seu artigo de 1924, “O Problema Econômico do
Masoquismo”, afirmando a anterioridade do masoquismo erógeno.
A concepção da perversão em Freud
❏ Defende que o masoquismo erógeno é uma condição imposta à
excitação sexual que suscita necessariamente um grau ao mesmo
tempo de dor e de prazer. O entrelaçamento das pulsões de vida e das
pulsões de morte, podendo voltar-se contra si mesmo ou contra o
outro.

❏ Esse tipo de prazer no sofrimento está na base dos outros dois


tipos de masoquismo:
❏ o masoquismo feminino (que coloca o indivíduo numa posição
passiva, de modo a obter prazer em se fazer objeto do outro)
❏o masoquismo moral (no qual o sujeito toma para si um
sentimento inconsciente de culpa e manifesta uma necessidade
de punição, aqui é o próprio sofrimento que importa).
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
▪ A homossexualidade não tem nem o mesmo estatuto, nem a
mesma significação, nas neuroses, nas psicoses, e nas
perversões, portanto, é preciso distinguir os vários tipos de
homossexualidades conforme a estrutura clínica em que se
coloca o sujeito, como ele organiza sua relação com o gozo e
com a castração.
▪ A homossexualidade é um fato de discurso. Um fato de
discurso significa uma fala que, ao ser pronunciada dentro e a
partir do contexto de um conjunto de falas em que todos os
sujeitos se reconhecem em seus lugares, tem por função criar
ou confirmar a existência, entre esses sujeitos, de um vínculo
social.
▪ Quem denomina esses sujeitos de homossexuais é o Outro, o
discurso social predominante.
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
• É no Outro como sede da linguagem, e também enquanto lugar
do discurso familiar, ou cultural, que eles tiveram que encontrar
seu lugar de sujeitos e se depararem com o rótulo, que a eles se
aplicam. O discurso dominante, compartilhado por “todo
mundo”, cumpre essa função.

• O lugar central da sexualidade no inconsciente provém de que a


sexualidade do ser humano não passa de uma sucessão de
anomalias que delimitam a impossibilidade de estabelecer, no
humano, a existência de um verdadeiro instinto sexual que una
automaticamente o macho à fêmea.
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
▪ A representação fálica ri da anatomia. De fato, é a própria noção
de uma complementaridade entre macho e fêmea que deve ser
questionada.

▪ A linguagem de que o ser humano é dependente cria uma


sexualidade distante da animal. Homem e mulher são significantes
cujos efeitos permanecem imprecisos: eles ultrapassam de longe
a delimitação de dois sexos opostos e, ao mesmo tempo, não
bastam para expressar a diferença sexual.

▪ “Homo”, ou “hetero”, é do falo de que se trata, desse significante


único de um sexo que deve diferenciar-se pelas vias mais
obscuras, e também do objeto causa do desejo, impossível de
apontar, mas Real, e cuja natureza é assexuada. (objeto a, que
aponta para o objeto perdido, constituinte da falta inerente ao ser
humano).
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
▪ A sexualidade humana é, na realidade, uma sexualidade
estranhamente psíquica, em função da linguagem e de seus
efeitos, mais do que do corpo e de suas pressões.

▪ Desvinculada da função reprodutora, a estrutura do desejo


passa entre o apelo do amor e a necessidade de gozo e só se
religa finalmente à diferença entre os sexos por intermédio de
complexos: o Édipo e a castração.

▪ O instinto sexual único está ausente do humano: nem todo


macho é atraído por fêmeas, e vice-versa. A psicanálise enfatiza
as fantasias e as pulsões parciais, articuladas com um objeto
que não tem por si só, nenhuma relação com o sexo, e estão
montadas em circuitos auto-eróticos.
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
▪ A sexualidade humana aos olhos da psicanálise é um enigma para
o qual cada um tem que elaborar sua resposta.

▪ O complexo de Édipo e o complexo de castração remetem a outras


questões: em que se prestam os conceitos de “pai” e “mãe” para
serem assimilados pelo sujeito feminino e masculino? Como é que
o triângulo pai-mãe-filho garante uma identificação sexuada e uma
escolha de objetos conformes ao indicado pela anatomia da
criança?

▪ É na instauração do Édipo e do significante fálico como pólo do


complexo de castração que se pode produzir um fracasso. Esse
fracasso pode sobrevir segundo duas modalidades, que permite
distinguir dois tipos de homossexualidades masculinas.
A concepção da perversão em Freud e a
a homossexualidade
▪ Há um fracasso por falta de realização da castração que
estrutura a homossexualidade perversa; e há um fracasso por
excesso de imaginarização da castração que constitui a
homossexualidade neurótica.

A homossexualidade feminina

▪ Comentando o artigo de Freud de 1920, “Psicogênese de um


caso de homossexualidade feminina”, Lacan diz: “o que a
jovem mulher deseja na cortesã está para além da mulher
amada; é o que lhe falta, o falo simbólico. A perversão
homossexual consiste em encobrir essa falta com um
substituto, um filho, como imagem fálica.”
A concepção da perversão em Freud
● Para compreender como Freud, a partir de 1910, pôde fundar a
perversão sobre a recusa da diferença sexual, é necessário
decifrar em seu texto as três funções: o simbólico, o imaginário
e o real.
● Granoff interpreta dizendo que não se trata do pênis real mas
do falo no simbólico: o fetiche deve ser tomado como elemento
de uma atividade simbólica, sem confusão entre a palavra e o
seu referente, pois a palavra torna presente o que está ausente.
● Embora o sapato, ou o pé, possam ser tomados como imagens
fálicas, esses elementos imaginários só são decifráveis se
forem postos em símbolo porque o elemento imaginário tem
valor simbólico.
O conceito de
perversão em
Lacan
A concepção lacaniana das perversões
▪Lacan sustenta que o processo perverso pode ser entendido à luz
da dialética do desejo na criança, do ponto de ancoragem da
escolha perversa no contexto da lógica fálica no terreno da
dinâmica edipiana.

▪ A origem desse ponto de ancoragem deve ser buscada no nível da


identificação pré-genital da criança, que é, antes de tudo,
identificação fálica: a criança se institui como único objeto de
desejo da mãe.

▪ A mãe ocupa um duplo papel em relação à criança: é aquela que


lhe satisfaz todas as necessidades e também a que lhe assegura um
capital de gozo, mais além da satisfação dessa necessidade.
Portanto, ela é investida como onipotente. Ao se fazer objeto do
desejo materno, a criança tende a transformar o Outro onipotente
em um Outro faltoso.
A concepção lacaniana das perversões
▪O fundamento da identificação pré-edipiana reside na insígnia
da falta no Outro, porque a criança está identificada com o
objeto fálico capaz de preencher essa falta. É o que marca a
alienação do bebê.

▪ Essa identificação é fálica, e assim permanecerá, enquanto um


terceiro não vier intervir nessa dialética imaginária do desejo.
Enquanto a criança aderir à idéia dessa auto-suficiência materna
como única dimensão responsável pela lei, a ordem do desejo, a
questão da diferença dos sexos é recusada.

▪ Essa certeza imaginária da identificação fálica é


inevitavelmente confrontada com uma ordem da realidade que a
colocará em questão.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Essa interrogação é induzida pela introdução da figura paterna
com a qual se abre a dinâmica edipiana e que supõe investimentos
mobilizados em torno da diferença dos sexos e da castração. A
função paterna só é operatória sobre a condição de ser investida
como uma instância simbólica, e introduzida no discurso pela mãe.

• A introdução paterna, através da figura do pai imaginário, só pode


induzir a uma vacilação, uma interrogação sobre a identificação
fálica da criança, na medida em que ela pressente, no discurso
materno, que a mãe se significa como um objeto potencial do desejo
do pai.

• O pai imaginário, fantasiado pela criança, lhe parece como um rival


dela própria junto à mãe, porque ele representa o pai que priva o
gozo incestuoso.
A concepção lacaniana das perversões
▪ A criança apreende duas ordens de realidade que interrogam o
curso do seu desejo: por um lado, ela se dá conta de que o objeto
do desejo materno não depende exclusivamente dela própria; por
outro, descobre que a mãe é castrada, e que ela própria não é
suficiente para preencher a falta materna. Existe um rival: o pai, com
quem ela goza.
▪ Por trás da figura paterna se perfila um universo de gozo novo, ao
mesmo tempo, que favorece a vacilação de sua certeza originária
em relação à sua identificação fálica, é para a criança um ponto de
partida para um novo saber sobre o desejo do Outro, de um novo
saber sobre o seu.
▪A criança é introduzida nas operações mobilizadas pela diferença
dos sexos e do registro da castração. Toda a questão edipiana
desenvolve-se em torno dessa diferença da figura paterna que
intervém como mediadora do desejo.
A concepção lacaniana das perversões
▪Face ao enigma da diferença dos sexos, a criança atribui o falo à mãe,
iniciando o processo constitutivo das perversões. A atribuição fálica
resulta da concepção de que alguma coisa que deveria estar lá, falta. A
criança não consegue renunciar facilmente a representação da mãe
fálica pois, renunciar a essa representação, seria ser confrontada com o
real da diferença dos sexos.

▪ A criança não tem nenhum interesse em acolher esse real, que lhe
impõe aceitar uma conseqüência insuportável: libertar-se ela mesma de
sua identificação fálica, imaginária, e renunciar a seu estatuto de único
objeto de desejo da mãe. Se a mãe é um ser castrado, a própria criança
se sente também ameaçada pela castração. A emergência da angústia
de castração favorece na criança reações defensivas destinadas a
neutralizá-la.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Essas construções defensivas recusam em aceitar a diferença
dos sexos e apontam para um trabalho psíquico que visa
contornar a incidência da castração.

▪ O perverso encerra-se na impossibilidade de assumir


simbolicamente a falta, mantendo a coexistência simultânea de
uma atitude que leva em consideração a diferença dos sexos e de
uma outra que a recusa. Tais processos defensivos se persistem,
predeterminam o curso da economia psíquica em vias de uma
realização estereotipada estruturalmente.

▪ O perverso é levado a alimentar a convicção de que a mãe não


tem falo porque foi castrada pelo pai. Neste sentido, o pai é
responsável pelo horror de uma castração supostamente real,
logo, uma mutilação no real do corpo.
A concepção lacaniana das perversões
▪O pai é investido como o agente responsável, que obrigou a mãe a se
comprometer na falta do desejo, impondo-lhe esta lei que faz com que o
desejo de um esteja sempre submetido à lei do desejo do outro.

▪ Alguns fatores indutores são decisivos no decorrer da constituição da


perversão pois interrogam a certeza da identificação fálica da criança: a
ambiguidade materna captura a criança na fronteira da dialética do ser e
do ter.

▪ De um lado, trata-se da cumplicidade libidinal da mãe, que se desenvolve


no terreno da sedução, mantida autenticamente pela mãe; por outro, da
complacência silenciosa do pai. O lugar do pai é perturbador e enigmático.
A suspensão do esclarecimento da questão do desejo da mãe contribui
para sustentar a ambigüidade que atiça a atividade libidinal da criança.
A concepção lacaniana das perversões
▪Esse apelo sedutor da mãe, que se organiza nos registros do dar
a ver e do dar a entender e a tocar, traduz-se nesse momento
crucial do Édipo em um verdadeiro convite ao tormento para a
criança. Por mais que a criança perceba a incitação ao gozo, a
mãe se cala sobre o sentido da intrusão paterna e da questão do
desejo que ela supõe.

▪ Na cumplicidade erótica que a mãe partilha com a criança, ela


pode iludir-se sobre a ausência de mediação paterna face ao
desejo da mãe. O lugar do pai é perturbador e enigmático. A
suspensão do esclarecimento da questão do desejo da mãe
contribui para sustentar a ambigüidade que atiça a atividade
libidinal da criança.
A concepção lacaniana das perversões
▪ A criança se esforçará para seduzir cada vez mais o objeto de seu
gozo na esperança de dissipar qualquer dúvida sobre o sentido da
instância paterna, confiando nessa sedução materna que a convida
a menosprezá-la (a função paterna).

▪ O desafio e a transgressão serão encorajados pelo apelo materno


ao menosprezo da instância paterna. Essa ambigüidade materna
encontra eco num reforço da complacência tácita de um pai em se
deixar facilmente desprover de suas prerrogativas simbólicas,
delegando sua própria fala à fala da mãe com todo o equívoco que
essa delegação supõe.

▪ A mãe do perverso não manda no pai, não pode ser inscrita como
as mães psicotizantes, fora da lei. A criança permanece
confrontada à dimensão de um desejo referido a lei do pai
imaginário.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Trata-se apenas de mostrar que a significação não é
essencialmente trazida pela palavra do pai. O discurso materno
se faz embaixador da interdição, mas é também por causa dessa
delegação que a criança é, apesar de tudo, remetida a uma
interdição reportada a lei do pai.

▪ Esse pai é o pai imaginário. O princípio complacente dessa


delegação tem por efeito confundir a criança no seio de uma
ambigüidade que a captura nas redes de uma alternativa
intratável: entre a mãe ameaçadora e interditora, intermediária
da fala simbólica do pai e uma mãe sedutora, encorajando a
criança a fazê-la gozar, menosprezando a significação
estruturante da lei do pai.
A criança recebe assim uma dupla mensagem da mãe.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Tornar-se homem para o menino passa pela simbolização na
qual o pênis é elevado à categoria de representante da posse
do falo. Isso pressupõe que duas mensagens sejam expressas
ao menino na configuração edipiana.

▪ A primeira é que sua mãe é desprovida do falo, logo ela


deseja. A segunda é que ele não é o falo que falta à mãe. A
criança deve identificar-se com aquele que o tem, ou seja, com
o pai.

▪ Esse mecanismo pressupõe que a mãe comece por


reconhecer aquilo que lhe falta e não negue sistematicamente
a posse disso àquele que se supõe ocupar o lugar do homem
na família.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Essencialmente, a leitura de Lacan consiste em colocar a
distinção entre simbólico, imaginário e real. Freud fala da
percepção visual da ausência de um órgão real na mulher.
Lacan desloca Freud: trata-se não do real, mas do falo
imaginário e simbólico. A sua argumentação se ordena em três
tempos.

1. A mãe não tem o falo


Para a criança que não é psicótica, a significação do desejo da
mãe não está foracluída, ela designa o que lhe falta, isto é, o
significado do falo como significante do seu desejo. Esse
simbólico tem efeito sobre o imaginário. Se a criança recebeu
da mãe a significação fálica de sua falta, então ela pode fazer-
se objeto fálico para a mãe como imagem: o sujeito, menino,
ou menina, é, pela imagem do seu eu, o que falta à mãe. Isto é
o que está em jogo para o não psicótico. A mãe não tem o falo,
logo eu o sou ...para ela.
A concepção lacaniana das perversões
2. A Angústia

● A posição de ser o falo que falta à mãe não é evidente. Lacan


lembra que trata-se da questão de saber como a criança dará à
mãe esse objeto que lhe falta. Como estar à altura do desejo da
mãe?

● Por ser impossível responder a essa questão nasce a angústia


da castração: ser o objeto fálico imaginário para preencher o
desejo da mãe é a angústia mesma de ser devorado, engolido,
por ela.

● Se Freud falava do horror da castração da mulher a respeito do


fetichismo, Lacan diz que a perversão nasce daí como
conseqüência da angústia.
A concepção lacaniana das perversões
3. A mãe tem o falo

● Este é o desmentido da castração: recusa da 1ª posição


segundo a qual a mãe não tem o falo. Ali onde na mãe
falta o falo simbólico, o sujeito coloca no lugar, o falo
imaginário, um fetiche.

● “A mulher tem, portanto, o falo sobre o fundo daquilo


que ela não tem”, dizia Lacan. É a um só tempo um e
outro: há clivagem, divisão. O fetichismo torna-se o
paradigma de toda a perversão.

● A divisão do lado da mãe tem efeito de divisão do lado


do sujeito: ele é o falo e não o é, já que a mãe não tem o
falo enquanto desejante.
A concepção lacaniana das perversões
▪ O fetiche é uma defesa contra a angústia do desejo da
mãe. É por isso que o fetiche tem a mesma função que o
objeto fóbico: defender-se do desejo insaciável da mãe.

▪ A partir do fetichismo, Lacan vai poder apresentar a


estrutura de toda perversão no capítulo IX de seu
Seminário A relação de objeto, ao mostrar a dupla função
do véu: o véu é, a um só tempo, o que esconde e o que
revela a falta do falo.

▪ Na perversão, trata-se, para o sujeito, de esconder a falta


fálica da mãe, embora aponte, com a ajuda do véu, a
figura daquilo que lhe falta. O véu esconde o Nada que
está para além do objeto enquanto desejo do Outro: a mãe
não tem o falo. Mas, ao mesmo tempo e mesmo assim, o
véu é o lugar onde se projeta a imagem fixa do falo
simbólico: a mãe tem o falo.
A concepção lacaniana das perversões
▪ Segundo essa estrutura da projeção da imagem fálica,
que o sujeito coloca diante dele, que esconde e designa o
Nada, Lacan situa as seguintes perversões:

▪ O fetichismo coloca um véu sobre a falta fálica da mãe. O


véu é o substituto do falo deslocado para o pé, o sapato, o
chinelo, a trança, a cabeleira, etc.

▪ O masoquismo não deve ser definido como uma relação


de complementaridade com o sadismo, ou inversamente.
Neste sentido, não há sado-masoquismo.

▪ Mesmo Freud, em seu artigo de 1919, “Espanca-se uma


criança”, afirma que é preciso que o Outro tenha o chicote
como potência fálica.
A concepção lacaniana das perversões
▪ O voyeurismo também não é o complemento do exibicionismo,
mas é paralelo a ele. Lacan introduz a noção de fenda para
esclarecer esta perversão. O voyeur entra no desejo do Outro
pela fenda. Ele visa o desejo do Outro, surpreendendo-o em seu
pudor e sua intimidade; introduz-se no seu mundo privado
através da fenda.

▪ Na fantasia, o sujeito é a fenda, de modo que o Outro fique


interessado, cúmplice, aberto a esse espetáculo e partícipe dessa
demonstração. O sujeito é fenda, fissura do véu que separa o
escondido do mostrado, o privado do público do espaço do
Outro.

▪ O que o Outro dar a ver à sua revelia, é o que permite recusar a


falta fálica, de acordo com a crença perversa: todos os seres
humanos têm falo.
Lacan e o desmentido do Real
● Dois anos depois, no Seminário De um Outro ao outro (1968-
1969), Lacan faz um seminário sobre a neurose e a perversão.
Questionando a posição do sujeito na perversão, ele afirma que
o sujeito se faz objeto a serviço do gozo do Outro.

● Ao defender essa posição teórica, Lacan se ergue contra o


julgamento habitual segundo o qual o perverso só pensa no
próprio gozo sem levar em conta o Outro. Ele afirma que se
trata do inverso: “ Longe de estar fundada sobre algum
desprezo pelo Outro, a função do perverso é algo que deve ser
avaliado de modo diferentemente rico... Ele é aquele que se
dedica a tapar o furo no Outro.” Ele se vota e se devota ao gozo
do Outro, para que o Outro exista não barrado, não incompleto,
sem falta e sem ser castrado.
A perversão na mulher
▪ Além da homossexualidade em que pode se engajar a sexualidade
feminina, é possível afirmar que as mulheres podem também
manter um certo modo de relação com a perversão.

▪ No que se refere à homossexualidade feminina, há a dinâmica do


empreendimento fálico e a função da referência ao terceiro
masculino, testemunha incontornável do desafio que a
homossexual lança a todo homem enquanto castrado.

▪ É através dessa mediação masculina terceira que vem


indiretamente se colocar a questão referente à própria essência da
feminilidade que percorre fundamentalmente toda a problemática
enigmática da perversão feminina.
A perversão na mulher
● Piera Aulagnier sustenta que somente o outro pode trazer a uma
mulher alguma segurança sobre a questão de sua feminilidade. Uma
mulher jamais recebe a investidura de sua feminilidade senão
através do consentimento de um homem, cujo único desejo basta
para lhe expressar se ela a possui ou não.

● A feminilidade partilha com o pênis o privilégio de ser por excelência


objeto de inveja da mulher. O modo de assumir essa feminilidade é
objeto de uma invariável rivalidade de toda mulher face a uma outra.

● Com o registro da inveja, retornamos, pelo viés da feminilidade à


problemática da homossexualidade feminina e da perversão. A inveja
do pênis traduzida através da reivindicação fálica, não deixa de ser,
para a homossexual, a expressão paradoxal de sua inveja da
feminilidade que venera junto a sua parceira.
A perversão na mulher
● A mulher homossexual parece, inicialmente, ter amado demais seu
pai. Porém, tinha anteriormente, amado demais sua mãe e não
suportou a frustração desse amor. Por ocasião da mudança de
objeto de amor pre-edipiano, o pai herda a transferência de amor e
torna-se o suporte de uma identificação masculina possível. O
objeto de amor paterno não desaparece: a criança o introjeta,
apropriando-se de suas insígnias fálicas.

● Emblemas fálicos menosprezados pelo discurso materno que não


deixa de destilar que o pai nunca soube explorar seus privilégios
junto a ela. Expressando-se como faltante junto à filha, a mãe revela
a dimensão de impostura do pai que supostamente não soube fazer
a lei. Esta ambigüidade materna revela-se suficiente para que a
menina identifique-se com o objeto dessa falta.
A perversão na mulher
● Com a mulher homossexual acontece exatamente isto: propondo-se
como objeto capaz de preencher a falta da outra, ela reata de certo
modo com seus primeiros amores, reencontrando,
inconscientemente, na outra, a mãe faltante. Esta é a proeza que a
homossexual se esforça para realizar em relação ao que nenhum
homem (nenhum pai) poderia fazer. Ela própria representa o objeto
dessa falta, que ela não tem, mas que pode, contudo, dar ao outro
feminino.
● Por mais que a homossexualidade se apresente como uma via
sexual em que a mulher se engaja, trata-se efetivamente de
perversão? Existe perversão, enquanto estrutura na mulher?
● Tudo se passa como se a mulher atualizasse seu investimento
libidinal do modo perverso sem jamais ter nada para perverter.
A perversão na mulher
● Se considerarmos a recusa da castração como o traço mais
fundamental da dinâmica da estrutura perversa, é preciso
admitir que esse traço é recessivo na economia do desejo da
mulher.
● O que parece acontecer com as mulheres é uma aptidão para
perverter sua libido, sem perverter-se ela própria. Ela pode
perverter sua libido em três modos: o modo do narcisismo, o
da maternagem ou o da paixão.
● Do ponto de vista do narcisismo, a mulher pode tornar-se para
ela mesma seu próprio fetiche oferecendo seu corpo ao gozo
sexual do homem. A erotização do corpo fetiche só é
satisfatória na condição de ser entregue a um homem,
destituído de sua atribuição fálica e da referência à lei que ela
supõe, isto é, reduzido a uma mera função instrumental.
A perversão na mulher e a maternagem
▪ Pode haver uma tendência das mães a perverter a relação com o filho.
Devido a relação naturalmente privilegiada que a mãe mantém com a
criança, a relação mãe/filho subentendida pelo amor materno, engaja-
se por vezes em uma tendência perversa, se não encontra matéria para
sublimar.

▪ Lacan afirma que: “É o que os autores exprimiram dizendo que, se há


menos perversão entre as mulheres que entre os homens, é que elas
satisfazem sua grandeza perversa em relação com seus filhos”.

▪ A criança não deixa de encontrar, nesta disposição perversa materna, o


eco mais favorável à dinâmica do seu desejo que a leva a se constituir,
ela mesma, como objeto que preenche a falta do Outro.
A perversão na mulher - a Paixão
▪ A mulher alimenta, freqüentemente, o fantasma de se tornar para o outro
amado, objeto de sua paixão. Esta atração particular que a paixão exerce
sobre a mulher, é o que pode lhe servir de porta de entrada no registro da
perversão. É em nome deste objetivo ideal através do qual a mulher quer
se supor a única a ser desejada, ou seja a única a tornar-se exigência vital
para o desejo do outro, que se perverteria a dinâmica feminina do desejo.

▪ O fantasma da prostituição é um exemplo do masoquismo feminino. O


fascínio exercido pela prostituição deve-se à interação recíproca da
transgressão e da submissão. Quanto mais o objeto feminino é maltratado
e rejeitado, mais é investido como objeto distribuidor de gozo.
A relação do perverso com as mulheres
● A mulher pode representar para o perverso a mãe fálica,
completamente idealizada, que o protege contra a mãe como
objeto de desejo. Encarnando o ideal feminino, a mulher é, ao
mesmo tempo, investida como um ser onipotente e virgem de
todo desejo, objeto puro e perfeito.

● Por outro lado, a mulher pode representar a mãe repulsiva e


abjeta porque sexuada. Nesse caso, ela é ainda mais repugnante
porque é desejante e desejável em face do pai.

● Para o perverso, essa mulher/mãe é relegada à categoria de puta,


oferecida ao desejo de todos já que não está exclusivamente
reservada ao próprio desejo. Esta representação remete o
perverso ao horror da castração e à repulsa em relação ao sexo
feminino.
PSICOSE E PERVERSÃO
▪ O engajamento perverso é tributário das mensagens significantes
através das quais a mãe e o pai transmitem ao sujeito algo sobre a
posição dos seus desejos.

▪A criança não é apenas vítima nesse processo, ela é um ser desejante,


ela é agente de uma força de inércia que deseja. Existe, portanto, uma
disposição do desejo da criança que intervém na dinâmica desejante dos
pais.

▪ É o significante da lei, a metáfora paterna, que permite


simultaneamente compreender a proximidade dessas estruturas e
estabelecer a linha divisória, separando uma da outra.

▪ É necessário recorrer ao significante da lei como agente discriminador


na instituição dos processos perversos e psicóticos a fim de determinar
o lugar a partir do qual esse significante fará significação para o sujeito.
PSICOSE E PERVERSÃO
▪O caráter estruturante da metáfora paterna, operação simbólica por
excelência, produz significação. O significante Nome do Pai só tem
eficiência porque não permanece como puro significante ao ser
associado ao significado do desejo da mãe, logo da falta da mãe.

▪ No psicótico, a confusão entre o significante da lei e o significante


fálico é completa. Por essa razão, predomina a identificação fálica, a
não diferenciação entre o bebê e sua mãe. Há uma abolição da função
paterna simbólica.

▪ A foraclusão do Nome do Pai traduz a impossibilidade para esse


significante de ter podido entrar em um processo de significação,
portanto, há uma impossibilidade de associar um significado para
simbolizar a atribuição fálica paterna. Em outras palavras, há uma
abolição simbólica da função paterna, do Nome-do-Pai.
PSICOSE E PERVERSÃO
▪Existe uma diferença entre o significante da lei e a sua significação.

▪ No perverso, essa diferença é mantida, mesmo que seja de modo


radicalmente marginal. O significante da lei permanece relacionado à
instância paterna, embora essa instância seja imaginária.

▪ A atribuição do falo à mãe coexiste com a atribuição paterna. A estrutura


cede ao processo de simbolização da lei: o elemento Nome do Pai vem
como elemento de substituição ao significante do desejo da mãe. Só que
essa lei é uma lei imaginária.

▪ A foraclusão é neutralizada na perversão em benefício do recalque


original.
Foraclusão vs Castração
▪Com a foraclusão, é o próprio simbólico que não surge como tal, já
que é a referência paterna que o faz existir para o sujeito. Se o símbolo
não existe para o sujeito, é todo o conhecimento que lhe falta, portanto,
ele não tem conhecimento da castração.

▪ Como pode o psicótico compreender que ele evita ou foraclui algo


que não tem conhecimento?

▪ Evidentemente, o Nome do Pai está foracluído por causa do que


significa: o psicótico teria uma certa experiência da castração, mesmo
se esta castração não tem, para ele, nenhuma inserção simbólica no
sentido de que ele não a simboliza. Lacan sustenta que a foraclusão
refere-se a alguma coisa que já tomou o sentido da castração.
PROXIMIDADE ESTRUTURAL ENTRE A PSICOSE E
A PERVERSÃO
▪No perverso, o significante fálico se presta à substituição metafórica,
embora que com alguma reserva: se o significante fálico é referido em
lugar de uma atribuição paterna, esta atribuição permanece num estado
de suposição, considerando que o pai não foi capaz de dar provas disso.

▪ Apesar do significante fálico estar relacionado ao pai no discurso da


mãe, esse significante retorna à instância materna, que se torna
depositária da atribuição fálica delegada pela complacência paterna. Por
faltar uma referência paterna estável, o significante vai se manter no
entremeio simbólico, que é responsável pelo desmentido (dinâmica
contraditória em relação à castração).
PROXIMIDADE ESTRUTURAL ENTRE A PSICOSE E
A PERVERSÃO
▪A mãe fálica, na perversão, encarna a lei junto à criança na medida em
que é sua embaixatriz. Ela representa esta lei junto à criança, na medida
em que se operou uma transferência de lugar simbólico do pai para a
mãe.

▪ A função paterna existe enquanto função simbólica, embora tenha sido


delegada à mãe, resultando disso, um equívoco para o perverso.
Intermediada deste modo, pelo viés da instância materna, a lei tem a
marca de uma certa desnaturação na sua ressonância simbólica. A lei
não se inscreve para o perverso como uma lei que submete o desejo de
um à lei do desejo do outro por ser uma lei imaginária, perversa.
PROXIMIDADE ESTRUTURAL ENTRE A PSICOSE E
A PERVERSÃO
▪ Esta lei ordena ao perverso transgredi-la para sustentá-la a seu modo. A lei à
qual obedece o perverso, é a lei do gozo, ele se faz então, instrumento do
gozo do Outro, propondo-se como o lugar da transgressão. Essa
transgressão tem como objetivo encarnar, na realidade, o significante fálico,
visando desviar o alcance da castração e da falta.

Fenômenos Elementares
▪ Lacan aborda a noção de fenômenos elementares, procurando mostrar que
não se trata apenas de um fato, ou acontecimento, mas de um motivo que se
repete, muitas vezes de formas disfarçadas, encontrado tanto no delírio
psicótico quanto no roteiro perverso, e que revela como o sujeito se relaciona
com o objeto
Fenômenos elementares
▪ Os fenômenos elementares podem aparecer mesmo que ainda não
tenha se produzido um surto psicótico delirante ou uma atuação
perversa. São fenômenos sutis que antecedem o desencadeamento do
delírio ou das alucinações, como um sentimento de estranheza,
impressões diversas, etc.

▪ Uma questão que fica diante deste fato é se, nestes casos, a
perversão poderia ser uma proteção defensiva contra o
desencadeamento de uma psicose.

▪ No perverso, é possível encontrar o fenômeno elementar de


dessubjetivação na paixão que ele demonstra ter por objetos
inanimados, como na necrofilia.
PROXIMIDADE ESTRUTURAL ENTRE A PSICOSE E
A PERVERSÃO
▪ A proximidade estrutural entre a perversão e a psicose pode,
ainda, se manifestar no caso de certos perversos que, ao serem
presos em função de crimes cometidos, apresentam fenômenos
psicóticos intensos como delírios e alucinações..

▪ Melman propõe a noção de neoperversão que se caracteriza por


um fascínio pelo inanimado e em que, também, se faz presente a
dimensão do anonimato. Surge, na crescente disseminação das
formas de anonimato na contemporaneidade. O sujeito se coloca em
situações em que seu nome não aparece, o que não se limita apenas
à clandestinidade

▪ É possível encontrar sujeitos neoperversos nas toxicomanias.


Qual o lugar da psicopatia?
▪Muitos autores consideram que a psicopatia pode ser vista como
um defeito moral, na medida em ela designa um transtorno psíquico
que se manifesta no plano de uma conduta anti-social. São sujeitos
incapazes de criar laços sociais, com diminuição da capacidade de
empatia e baixo controle de suas condutas; são pessoas com
atitudes de dominância desmedida.

▪ Em geral, são pessoas ligadas a comportamentos delinquentes, a


crimes cometidos sem nenhum remorso, são manipuladoras,
mentirosas, extremamente egoístas mas podem estar relacionadas à
competência social e à liderança.
A psicopatia
▪A estruturação psicopática se manifesta por meio de três características
básicas: a impulsividade, a repetição compulsiva e o uso prevalente de
acting out, de passagens ao ato, de natureza maligna, acompanhados por
uma irresponsabilidade e aparente ausência de culpa pelo que fazem.

▪ Essas três características enfatizadas vão além de um uso eventual,


tornando-se um fim em si mesmas e, além disso, são egossintônicas,
muitas vezes idealizadas pelo indivíduo, e acompanhadas por uma total
falta de consideração pelas pessoas que se tornam alvo e cúmplices de
seu jogo psicopático. Têm pouca tolerância à frustração, podendo
tornarem-se extremamente violentos.
A psicopatia
Parece que estes indivíduos se fixam numa determinada posição em
que prevalecem elementos narcisistas, impregnados de elementos
sádico-destrutivos (freqüentemente encobertos por uma erotização da
pulsão agressiva).

▪ Muitos psicanalistas acreditam que as manifestações psicopáticas não


estão dirigidas primariamente contra a culpa e a angústia, mas que
parecem ter o propósito de manter a idealização e o sentimento de
poder superior do narcisismo destrutivo.

▪ É possível que a atuação psicopática se caracterize mais pela


perversidade manifesta do que a que aparece no caso das perversões
ou da atuação perversa.
A psicopatia
• “A psicopatia, segundo Joel Birman, não é uma loucura no
sentido clássico, mas uma insanidade moral, um desvio de
caráter de quem não tem como se retificar porque não sentem
culpa ou remorso”. São auto-centrados agem com frieza e
método, não têm empatia em relação ao outro, o que lhes
interessa é o que lhes convém.

• Os psicopatas não têm censura, são manipuladores e


calculistas. A psicopatia é uma forma muito mais grave do que a
sociopatia. É possível afirmar que todos os psicopatas são
sociopatas, mas que nem todos sociopatas são psicopatas.

• Socialmente o sociopatas são irresponsáveis, apresentando


desrespeito pelos outros, falsidade e manipulação.
A sociopatia
▪ Os sociopatas são mais impulsivos, mas podem ser mais empáticos
com pessoas próximas, podendo se sentirem culpadas por ferir essas
pessoas.

▪ Apesar de cometerem crimes, são mais espontâneos, menos


calculistas, e acabam deixando evidências desses seus atos
impulsivos.

▪ Os indivíduos que possuem esse distúrbio começam a dar indícios de


sociopatia no início da adolescência ou no início da idade adulta. Os
sintomas podem variar em gravidade e frequência. Em geral, ocorrem
por muito tempo, trazendo sofrimento paras as pessoas ao seu redor
e para si próprio.
Perversão: uma clínica possível?
▪Na prática analítica, os psicopatas raramente entram espontaneamente
em análise, e quando o fazem, mostram uma forte propensão para
atuações e para o abandono do tratamento quando percebem a
seriedade do analista.

▪ Esta dificuldade de dar continuidade ao trabalho analítico se deve a


uma arraigada predominância da pulsão de morte e de seus derivados
que impõem, ao indivíduo, uma conduta hetero e auto-destrutiva.

▪ Há muitos pontos comuns entre perversões e psicopatias porém


existem diferenças entre elas, às vezes muito sutis, não sendo raro que
elas se interponham entre si. No entanto, a predominância nítida de
cada uma delas pode requerer uma abordagem psicanalítica específica.
É preciso distinguir na perversão: os antissociais, os atos perversos
impulsivos e a perversão sexual.
Perversão: uma clínica possível?
▪ A clínica da perversão apresenta inúmeras dificuldades à psicanálise,
seja pelas características próprias da estrutura perversa, fundada no
mecanismo da recusa da castração, do desmentido, seja pela
ineficácia da neutralidade e associação livre neste trabalho.

▪ Sabemos que a presença do ato perverso na vida sexual não implica a


existência de uma estrutura perversa. O sujeito neurótico pode
apresentar uma montagem perversa para solucionar seu problema
edipiano, ou como forma de evitar a castração simbólica.

▪ O trabalho analítico com esses tipos de estrutura perversa difere


radicalmente do trabalho realizado com pacientes de estrutura
neurótica.
▪ No trabalho clínico com pacientes perversos, o analista depara-se
com manifestações hostis e depreciativas que dificultam a função
da escuta psicanalítica, pois, repetidamente o analista se encontra
enlaçado como objeto real do gozo. (Lua de Fel)

▪ O verdadeiro perverso dificilmente procura a análise, mesmo


porque a prática perversa lhe garante o acesso ao gozo. O objeto
fetiche, além de assegurar o prazer sexual, ainda é considerado
salutar e propício ao fetichista. (Veludo Azul)

▪ Quando acontece dele procurar um analista, não é em função de


sua prática sexual. Se na neurose o sujeito se questiona a respeito
do seu desejo: “que queres?”, “ o que quero?”, na perversão, não
existe uma questão, mas uma resposta sobre o desejo.
● Na perversão, o desejo aparece como vontade de gozo e o ato
é vivenciado como um triunfo isento de qualquer sentimento de
culpa. O perverso sabe o que quer e esta é a base de sua
arrogância, já que está convencido de saber a verdade sobre o
gozo.

● Desta forma, ele não está à mercê das apreensões, inibições,


recriminações, auto-acusações e frustrações que angustiam o
sujeito neurótico. Ao contrário, o perverso não se penaliza e
ainda vê o sofrimento do neurótico com desprezo. Para ele, o
neurótico é um sujeito que não sabe o que quer, que não sabe
gozar.

● O perverso se coloca como aquele que está sempre a postos


para o gozo, agindo sempre na hora certa. Já o neurótico mede
o tempo e seleciona criteriosamente sua hora de agir, pois ele é
um sujeito de falta, de desejo; a ele são impostos os intervalos
do véu da alienação.
Perversão: uma clínica possível?
● O que está em jogo é o gozo, e não demanda de análise. O
sujeito perverso sabe o que fazer, não se interroga, realiza seu
ato e o repete reiteradamente.

● Quando a relação com o gozar é perturbada (como, por


exemplo, ocorre um rompimento no contrato estabelecido por
parte do parceiro ou ainda quando se deu o advento da Aids e
suas conseqüências mortais) a ruptura da montagem perversa
desestabiliza o sujeito, possibilitando o surgimento da
angústia, da loucura e da depressão.

● Nesses momentos, o perverso pode buscar um analista. Mas


como será sua relação com ele? Como se manifesta a
transferência no sujeito perverso?
O que o perverso quer de um analista?
▪ Aliviar-se de algum mal estar momentâneo, sem que esteja
disposto a abrir mão de seu gozo mortífero?

▪ Utilizar-se da análise como um álibi contra possíveis implicações


médico-legais de seus atos eventualmente criminosos, deles
fazendo o analista um cúmplice?

▪ Apropriar-se do discurso analítico para refinar sua tarefa


inesgotável de desafiar a lei, através da busca do gozo a
qualquer custo?

▪ Formar um par perverso com o analista, deslocando-o da escuta


e reduzindo-o a um mero ouvinte e voyeur de seu monólogo
exibicionista?
O que o perverso quer de um analista?
● Em qualquer destas demandas, a transferência é minada em sua
função de suporte para a interpretação, dando lugar a uma relação
estéril com o analista, na qual o perverso busca sempre conseguir
algum lucro que atenda a seu propósito de manter o controle.

● As regras da associação livre e da neutralidade revelam-se inúteis


para o trabalho analítico.

● A primeira, por ser sistematicamente desrespeitada pelo analisando


e substituída pelo relato compulsivo e inflexível de suas
encenações reais;

● A segunda, por instalar o analista no lugar de ouvinte passivo e de


cúmplice que o perverso lhe aponta e manobra para mantê-lo.
● O mecanismo da perversão, é sustentado à custa de um imenso e
desgastante investimento psíquico que se defronta com uma realidade
da qual o perverso percebe que, mesmo ele, não pode dela escapar: a
inexorabilidade do tempo. (O retrato de Dorian Gray)

● A decadência física e a falibilidade do corpo, do qual se utiliza


impiedosamente na repetição de suas encenações na busca
compulsiva pelo gozo, acabam por confrontá-lo com o horror
inconsciente de não poder depender delas indefinidamente para
escapar da angústia, da loucura e da melancolia, que a perversão
manteve afastadas.

● Esse ponto limite, que ocasionalmente pode levar o perverso a


procurar um analista, é exatamente a possível fenda que abala toda a
sua estrutura defensiva e através da qual pode-se entrever alguma
possibilidade de subjetivação e de uma verdadeira demanda de
trabalho analítico.
Perversão: uma clínica possível?
▪ Esse trabalho pode ser intolerável para o perverso por implicar
um sofrimento psíquico sempre por ele negado através do
mecanismo da recusa.

▪ Quando sua crença ilusória é posta à prova pela realidade,


surge uma angústia imensa pois é preciso lembrar que não foi
só sua vida sexual que foi construída sobre o alicerce da
clivagem, mas toda sua superfície identificatória.

▪ O trabalho de subjetivação o obrigará a abandonar, pelo menos


parcialmente, o gozo proveniente do seu ato impostor. O sexo
explícito e o horror inerentes ao discurso perverso, fascinam e
ameaçam quem o ouve, colocando “o desejo de analista” à
prova, fazendo com que o analista se sinta questionado em seu
saber.
Perversão: uma clínica possível?
● Na relação analítica é comum o perverso utilizar a linguagem
psicanalítica, sem, no entanto, ter a intenção de estabelecer uma
interlocução. Sua fala permanece inarticulável, podendo ser vista
como um desafio, uma manobra de redução do outro, ou uma
mera sedução.

● O discurso do perverso é uma fala vazia de sentido que exclui a


angústia e condena o desejo a circular fora da cadeia discursiva.
Ele sustenta seu desejo pelo gozo, sustenta sua vontade de gozo
pelo ato.

● No confronto entre a palavra e o ato prevalece o ato pois este


permite que ele alcance o próprio gozo, ao mesmo tempo em que
sustenta o gozo do Outro.
Perversão: uma clínica possível?
▪ O perverso desafia o analista em sua prática e em sua ética,
reeditando no real de suas encenações a recusa à castração que
a análise ameaça impor-lhe pela via do simbólico. A
transferência por ele montada é de ordem narcísica, ele nega ao
analista o lugar de “sujeito- suposto- saber”.

▪ As intervenções do analista que revelam a clivagem do perverso


são declinadas visto que, para ele, é primordial se manter fora
do campo do Outro, pois é lá que reside a angústia – portão de
entrada do desejo.

▪ O perverso se faz objeto a serviço do gozo do Outro, dedicando-


se a tamponar a falta, o furo do Outro, para que ele exista como
sujeito não barrado. O gozo do perverso depende do não
consentimento do outro e advém da dor provocada no parceiro.
Perversão: uma clínica possível?
● O perverso reedita na cena analítica o mesmo modo de agir com
os seus parceiros. Por privilegiar uma Lei recusada que o
persegue, uma cultura narcisista que o determina, ele procura
definir as regras do jogo e manter o controle do setting analítico.

● A conjunção de elementos que caracterizam a relação


transferencial na análise do perverso acabam por encurralar o
analista entre duas posições possíveis polarizadas, ambas
dissonantes com a ética psicanalítica: a de moralista e regulador
ou a de cúmplice e voyeur.
Perversão: uma clínica possível?
● A transgressão e o desafio à lei por parte do perverso, o
sistemático desrespeito à regra fundamental da associação
livre e sua substituição pela confissão repetitiva de sua
encenações, seu desprezo pelo “sujeito- suposto- saber”
dificultam, ou mesmo, impossibilitam, o analista de ocupar a
sua posição.

● Em vez de “semblant” de objeto, o analista é tomado pelo


perverso como mais um objeto real de gozo, ao ser colocado na
posição de masoquista, ouvinte passivo, cúmplice e voyeur do
seu discurso exibicionista.

● Oscilando entre essas duas posições, o analista é destituído de


seu lugar e de sua função, havendo o risco de estabelecer uma
relação dual com o perverso na qual desaparece o desejo de
analista que é o de analisar.
Perversão: uma clínica possível?
● É exatamente neste ponto que ele desmonta o dispositivo
analítico e questiona seu arcabouço teórico.

● Na tentativa de escapar dessa posição paralisante e diante da


pobreza simbólica e fantasmática do discurso perverso, o
analista pode flagrar-se na posição sádica de moralista e
regulador, o que estimula o desafio e a transgressão perversa e
alimenta a perpetuação do gozo.

● O grande desafio que se coloca para os analistas no trabalho


com o perverso é o de achar uma posição que lhe permita
aproveitar aquilo que o sujeito traz além do relato de suas
encenações. Desafio que passa necessariamente por um
posicionamento teórico e técnico diverso daquele consagrado
ao trabalho analítico com os neuróticos.
Perversão: uma clínica possível?
● Lacan sustentou que a direção do tratamento psicanalítico, em
analogia às guerras, comporta os níveis da política, da estratégia e da
tática. Neste sentido, ética, manejo da transferência e interpretação
são, respectivamente, os princípios que devem nortear o analista na
luta que ele trava, no setting analítico, entre o “desejo de analista” e
as resistências do cliente na análise de neuróticos.
● Se na análise com os neuróticos, há uma eficácia clínica, no trabalho
com os perversos, as questões técnicas são questionadas pela
posição ocupada pelo cliente e por aquela na qual ele busca manter o
analista.
● Para o neurótico, a estratégia analítica se baseia na instalação de uma
neurose de transferência que permita a interpretação ao longo do
deslizamento da cadeia significante ou da construção que permita o
acesso à fantasia fundamental.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
● Na análise do perverso, a estratégia é outra. No lugar de
material simbólico (sintomas, sonhos, associações), ele oferece
ao analista o real de suas encenações que carecem do duplo
sentido que propicia a intervenção interpretativa pela palavra.

● Intitulando-se mestre do gozo e lutando para manter a angústia


no campo do Outro, o perverso recusa ao analista o lugar de
sujeito suposto saber. O perverso não busca uma cura para o
seu sintoma, tampouco um saber sobre o seu desejo, a ele só
interessa fazer o outro gozar.

● Por estas razões, a moeda de troca com os perversos não pode


se situar no plano simbólico como na análise com os
neuróticos.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
● O analista, ao confrontar as estruturas clínicas com o gozo, percebe
que o psicótico tem uma relação de certeza quanto ao gozo do Outro;
o neurótico mantém uma posição de suposição sobre esse gozo; já o
perverso testemunha um saber fazer sobre o gozo em sua interação
com o outro.

● A estratégia defendida para a clínica do perverso é a de buscar a


instalação do “Sujeito-suposto-saber-fazer”. A atribuição de um
“saber fazer” propiciaria ao analista intervir do lugar de detentor de
um saber sobre o que o perverso deseja: gozar. Tal atribuição
possibilitaria a emergência de uma relação transferencial que, se
configurada, permitiria ao perverso supor que há um sujeito para
além do seu saber fazer. Conseqüentemente, haveria uma
transformação da posição do sujeito com seu saber fazer, até então
absoluto.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
▪ Um efeito da instalação da transferência seria a de levantar a
suspeição sobre o ato perverso, deslocando-o para o que há de
verdade no sujeito: a falta e, desta maneira, possibilitando-lhe o
ingresso no campo do Outro.

▪ As situações difíceis impostas ao trabalho analítico com o perverso


exigem recursos táticos, diferentes da interpretação, que visem
instalar o “sujeito-suposto-saber-fazer” na posição do analista.

▪ Embora a psicanálise seja a clínica do singular, a experiência


adquirida com a clínica da perversão permite prever uma gama de
desafios endereçados ao analista pelo paciente, aos quais é preciso
responder de forma a sustentar a posição estratégica proposta.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
● Entre os recursos táticos utilizados para o manejo da transferência
com os perversos destacam-se: a banalização, a ironia, o
paradoxo, o humor, o ato analítico, o desvelamento da angústia, a
atribuição de sentido e a restauração histórica.

● Estes recursos são utilizados para atestar o caráter “prosaico” de


suas encenações, levando o perverso a se questionar sobre este
saber rígido e implacável que o escuda da desilusão, da angústia
e, ainda lhe garante fazer o Outro gozar. As respostas do analista
ao perverso dependem da posição que este ocupa em relação ao
Outro.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
● A mensagem transmitida pelo analista ao perverso ao remeter o seu
discurso de horror à trivialidade, é a de que seus atos não possuem a
originalidade que ele lhes atribui, seja por sua repetição denunciada
pelo analista, seja porque este lhe escuta com o aparente
desinteresse de quem “já sabe”sobre o que é relatado.

● Quando o perverso se posiciona enquanto encarnação do saber fazer


gozar, é necessário que o analista suporte o jogo perverso no qual ele
é chamado como parceiro, acolhendo o relato de suas encenações
sexualizadas e violentas, confrontando o horror do gozo a partir do
que podemos chamar de trivialização da transferência.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?
● Para que se vença o impasse analítico entre uma escuta acolhedora
e conivente e a atitude moralista de denúncia de uma prática, a
proposta é que o analista opere com um paradoxo: quando
localizado pelo perverso na posição de cumplicidade, o analista deve
fazer semblant do grande Outro, assim representando um saber
fazer, porém com um poder que não subjugue o perverso e nem goze
dele.

● Por outro lado, quando o perverso localizar o analista como


moralista, detentor da lei, estrategicamente, este faria semblant de
objeto, causa do desejo. Da posição de objeto, o analista apontaria
para Outra cena, buscando a instalação do duplo sentido da
dimensão simbólica: “o que quer com isso?”

● O analista busca com os vários recursos mencionados a


subjetivação da posição perversa, ao preço da eclosão da angústia e
da sua fragmentação, pois o risco de desmontar sua recusa sinaliza
o perigo iminente de ter que se haver com o desamparo vivenciado
diante do não saber.
Qual estratégia adequada à clínica da
perversão?
▪ A ironia pode constituir, para o analista, um valioso instrumento
para lidar com o discurso paralisante do perverso. A palavra
ironia consiste em dizer o contrário daquilo em que se está
pensando, ou sentindo, ou por pudor em relação a si próprio, ou
com intenção depreciativa em relação ao outro.

▪ O sentido proposto para o uso da ironia pelo analista se


encontra na expressão ironia socrática, definida como um modo
de interrogar pelo qual Sócrates levava o interlocutor ao
reconhecimento de sua ignorância. A sugestão é que o analista,
na perversão, escute e construa suas intervenções, utilizando-se
deste tipo de ironia, em relação ao ato perverso, visando
deslocar o discurso perverso da repetição de suas encenações,
abrindo espaço para um saber além do fazer gozar e para a
verdade do sujeito.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?
▪ É a lei que regula o desejo; naturalmente, ela barra o acesso do
sujeito ao gozo, pois é o prazer como ligação à vida que barra o
gozo.

▪ O ato analítico é outro recurso indispensável à análise do perverso:


por se situar praticamente fora do simbólico, no registro do real, o
perverso, manifesta em atos (suas encenações) aquilo que teria
que ser dito em palavras.

▪ Considerando a primazia da clínica do Real na perversão, pode ser


útil o trabalho com o tempo lógico e o corte das sessões a fim de
deslocar o controle, privando o perverso do domínio da relação, tão
essencial a ele.

▪ Um outro recurso tático proposto foi o humor. Como apontou


Freud, o humor utiliza o mecanismo da recusa para propiciar um
deslocamento da dor.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?
▪ Intervir com humor, além de desarmar o confronto analítico,
interpela a relação imaginária de cumplicidade do perverso,
introduzindo uma relação de parceria.

▪ Ao compartilharem da jocosidade inerente ao humor, ocorre um


reposicionamento do par e, conseqüentemente, um certo
redimensionamento da angústia que se transfere em parte ao
campo do paciente por não ser mais exclusiva do campo do
outro.

▪ O humor demonstra que a interdição do gozo não é a decorrência


de qualquer tipo de proibição por parte do analista; ela está
articulada à função de regulação da lei na própria dimensão
discursiva.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?
▪ É conveniente o estabelecimento de um contrato flexível, com o uso
opcional e/ou alternado do divã, procedimento que visa retificar a presença
ou ausência do olhar do analista enquanto objeto fetichizado.

▪ Quando o perverso se posiciona, enquanto objeto que instrumentaliza o


gozo do analista e o convoca como sujeito barrado para garantir – com a
presença do seu olhar – o gozo perverso, é preciso produzir um corte com
o ato analítico, criando um espaço vazio de qualquer significação,
sustentando uma posição ética para fazer emergir algo da verdade
encoberta por seu saber fazer.

▪ Para a instalação da transferência na sua dimensão Real, cabe ao analista


emprestar palavras, boca e corpo - distintos do conjunto de órgãos com os
quais o perverso costuma gozar – para delinear uma borda de contenção ao
gozo mortal.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?

▪ Nesta clínica, é necessário que o analista registre e testemunhe o


trabalho que o paciente realiza para além da narrativa de suas
encenações, resgatando a função da escuta.

▪ Compete ao analista religar os cacos da história relatada, construir


juntamente com o sujeito e acompanhá-lo nesta construção para
atribuição de um sentido.

▪ Para sustentar o desejo do analista, é imprescindível que se ofereça a


via discursiva e um laço social que permita circunscrever o gozo do
perverso, possibilitando um trabalho com o inconsciente.

▪ Isso pode levá-lo a construções que regulem, de certa forma, seu dilema
com o gozo, o que não significa trocar o modo de gozar.
Qual estratégia adequada à clínica da perversão?
▪ A estratégia do analista visa, além de desfazer a assimetria da relação,
devolver ao perverso uma certa autonomia ao libertar o sujeito de sua
certeza quanto ao Outro que goza de pleno poder sobre ele.

▪ Diante do perverso que vem à análise contabilizar seu gozo, cabe ao


analista administrar, em doses pequenas e suportáveis, o sentido de suas
encenações, costurando em sua história, algo da sua verdade.

▪ Se o analista conseguir acenar-lhe com a possibilidade do desejo, que é


uma articulação entre o gozo e o amor, pode ser que ele faça valer o
“desejo de analista”. O trabalho com o perverso deve propiciar uma saída
pela vertente do amor: uma mudança na posição subjetiva que acarrete
um movimento do pólo de gozo em direção ao pólo do amor.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
Uma Inversão de Prevalências

▪ Atualmente, predomina uma perspectiva orientada para o indivíduo


em detrimento do coletivo. Freud já identificava, em seus escritos,
que o “ impulso de liberdade (...) também pode ser o efeito da
persistência de um resto de individualismo indomado e formar então
a base de tendências hostis à civilização.”

▪ Essa tendência presente no nosso mundo não pode ser considerada


uma conseqüência de uma estratégia individualista, uma escolha
deliberada de um sujeito em particular. Trata-se da maneira geral de
lidar com o destino do sujeito a partir da mudança de regime de
funcionamento da sociedade.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Marcel Gauchet coloca que: “todas as sociedades humanas que
conhecemos funcionaram com base na identificação, assegurada
conforme modalidades diversas, do indivíduo com o coletivo, de uma
maneira ou de outra.

▪ Pela primeira vez, estamos numa sociedade em que está rompido


esse laço entre o indivíduo e o coletivo; a identidade dos indivíduos
não é mais feita de uma relação com o coletivo”.

▪ O autor coloca que trata-se de um salto no desconhecido, uma


inversão de precedência, que traz consigo diversas conseqüências
que o leva a falar de uma verdadeira virada antropológica.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ A mudança que ocorreu é radicalmente subversiva. A primeira de suas
conseqüências é não poder mais considerar como evidente a
existência de um lugar de exceção, lugar ocupado preferencialmente
pelo pai.

▪ Retiraram desse lugar a um só tempo a legitimidade e a visibilidade, a


tal ponto que somos todos convidados a renegar sua existência.

▪ Essa mutação social conduziu à promoção do mecanismo psíquico do


desmentido no sujeito moderno. Um exemplo desta situação são as
experiências de adolescentes que lidam com pais que não ocupam seu
lugar. São levados a apreender o mundo dos adultos a partir de uma
posição igualitária.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Estão privados de um confronto com um pai que estaria num lugar
diferenciado que permitiria que tivessem uma orientação, ainda que
arriscando dela se distanciar depois.

▪ Outra conseqüência é a evolução da relação com o gozo sexual. A


mutação social teve por efeito tirar do gozo sexual seu caráter de
exceção. Este agora tornou-se um direito de cada um, um produto
consumível, sem nenhum caráter excepcional: deve poder ser
atingido sempre e por toda parte, estar ao alcance da mão ou do
sexo.

▪ Parece evidente que estamos diante de uma nova economia


psíquica regulada pela exigência sem limites de gozo, onde a perda
e o limite que permitem inscrever a falta não existe, logo não
havendo lugar para o desejo.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Nesse novo regime do laço social, tudo se passa como se não
houvesse mais transcendência, como se não houvesse limite
nem a necessidade de menos gozar.

▪ Traços essenciais da estrutura dos seres falantes não são mais


representados no Imaginário social o que vai repercutir nos
sujeitos. Essa ausência de representação da perda e do limite
em nosso social induz a renegação de sua existência e constitui
uma ruptura ao suprimir a necessidade de sua transmissão
através das gerações.

▪ A mutação do laço social e a grande confusão que se seguiu


deslegitimou aqueles que eram responsáveis por fazer a criança
crescer, deixando o sujeito totalmente abandonado a si mesmo,
com a possibilidade de não ter que crescer.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Essa mutação antropológica é equivalente a uma interiorização do
modelo do mercado: sujeitos porosos, sem uma verdadeira coluna
vertebral, flutuantes, inteiramente tributários do ambiente, muito
influenciáveis.

▪ As características de base dessa economia centrada no gozo se liga a


um funcionamento de sujeitos que persistem em viver numa
economia unicamente materna. Uma economia desejante implica a
consideração dos dois lados: a materna e a paterna, combinando a
contribuição dos dois. Evidencia-se os efeitos de um duplo
desmentido, pois tanto os pais, confortados pelo discurso social
atual, quanto a criança, sabem bem que sempre há uma perda a ser
inscrita mas mesmo assim fazem como se não fosse nada.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Tudo se passa como se este sujeito não estivesse mais obrigado a
renúncias pelos seus primeiros outros e fosse naturalmente
convidado a manter seu funcionamento auto-erótico e a poder assim
recusar fazer de um indivíduo orientado só pela lei de seu poder
imaginário um sujeito de desejo correlato à Lei.

▪ A primeira pessoa a ocupar a cena do Outro para o filho é a mãe. Um


“outro mesmo”, já que ela é ao mesmo tempo, outro como ele e a
carne da qual ele emanou. A economia psíquica de cada um tem, pelo
menos na sua origem, um caráter duplo, em razão do emaranhamento
de dois modos de funcionamento diferentes mas solidários. Trata-se
da articulação de duas economias: uma ligada à mãe e outra ligada ao
pai que operam no trabalho de subjetivação.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ O corpo e a sensação desempenham um papel predominante na relação
mãe-filho, ainda que a linguagem e a palavra estejam em jogo na
conversa.

▪ É num segundo tempo que vem a relação com o pai, com aquele que
pode ser considerado “um outro Outro”. A maneira como se inscrevem
no aparelho psíquico da criança essas primeiras relações determinará
sua capacidade posterior de dar lugar à alteridade.

▪ A estruturação edipiana pode ser entendida como a mudança da marcha


lenta da relação mãe-filho para a marcha acelerada da relação pai-mãe-
filho. É graças a assunção dessa relação, e ao que ela implica, que o
filho poderá ter em si os meios de apreender e enfrentar a vida social.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Não é para si mesmo que o pai deve ser, num determinado momento,
preferido à mãe, é porque cabe a ele permitir essa iniciação a uma outra
apreensão, a da realidade. Cabe ao pai ajudar o filho a ficar sem a mãe e
também levar o filho a ficar sem ele, em outras palavras, levá-lo a poder se
sustentar só, no vazio.

▪ Essas mudanças antropológicas colocam em questão o patriarcado,


dominante até pouco tempo.

▪ Freud, em “Moisés e o Monoteísmo”, afirma que “A passagem da mãe para


o pai caracteriza uma vitória da vida do espírito sobre a vida sensorial;
logo, um progresso da civilização, pois a maternidade é atestada pelo
testemunho dos sentidos ao passo que a paternidade é uma conjectura, é
edificada sobre uma dedução e sobre um postulado.”
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ As estruturas sociais sempre contribuíram para favorecer essa
passagem necessária de um regime ao outro. Não para trocar um pelo
outro, nem para que o pai suplante a mãe, mas para que o regime da
relação com a mãe possa ser reorganizado pelo regime da relação com o
pai, de tal modo que se torne possíveis a instalação do real e o acesso à
alteridade.

▪ Trata-se, afinal, de instalar o que vai permitir que o sujeito se separe


tanto do pai quanto da mãe, através da articulação dos dois regimes.

▪ O mundo da relação com a mãe , o regime do mesmo , é necessário à


criança bem jovem, na medida em que sua prematuridade é tal que ela é
incapaz por um tempo de confrontar-se por si mesma com a realidade.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Esse mundo da relação com a mãe deixa supor que há uma
correspondência termo a termo entre a palavra e a coisa, como se a
linguagem de um sistema simbólico recobrisse ponto por ponto o real
e, por isso, não permitiria emancipar-se completamente do
imediatismo. A verdade seria entendida como adequação entre a coisa
e sua representação.

▪ É necessário a introdução de um segundo regime, o da relação com o


pai, que vem perturbar a reciprocidade, a relação em espelho, impondo
ceder lugar ao vazio. É graças à inscrição da perda como ponto zero,
como origem, que o simbólico poderá assumir sua autonomia, que não
será mais um recobrimento do real. As palavras podem, então, separar-
se das coisas que elas designam, os significantes não valendo mais
senão pelas diferenças entre si. Assim, o real se posiciona como o que
escapa ao simbólico.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ É o impossível que se encontra inscrito por efeito traumatizante do pai.
É preciso passar por esse segundo regime para que a falha, o vazio
encontre o seu lugar e tenha a sua legitimidade.

▪ No entanto, é preciso considerar que o regime paterno não é o único


suporte da ordem simbólica. As premissas da simbolização são
asseguradas pela mediação materna. A mãe empresta ao filho seu
aparelho de pensar. A receptividade pela mãe das mensagens motoras,
sensoriais, afetivas do filho; a colocação em sentido dessas mensagens
numa comunicação empática, e a modulação de uma certa distância,
tempo ótimo da ausência e da frustração, deixam ao filho um espaço
para elaborar a falta.
▪ Se o pai não tem o monopólio do Simbólico, ele pode, no
entanto, abusar de sua função para trocar o caráter mortífero do
atolamento no materno pelo caráter mortífero do próprio
simbólico. Por ser a morte da coisa, a palavra também é em si
mortífera.

▪ Não devemos nos deixar levar por uma primazia a ser concedida
ao regime paterno sem considerar que esta só é justificada por
estar a serviço da inscrição na cultura e na vida social. É neste
ponto preciso que se situa o deslocamento do traumatismo.

▪ Se perdermos de vista que a sexualidade humana é traumática


porque só é humana por estar inscrita nas palavras e, portanto,
por perder a possibilidade de estabelecer relação entre os dois
sexos, o traumatismo pode ser visto na irrupção daquilo que
vem romper o encanto da mãe.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ No entanto, o verdadeiro trauma, o que é efetivamente destruidor, é
quando um real é sem pai, sem palavras para delimitá-lo. O trauma se
deslocou: ali onde a descoberta freudiana designava a natureza
traumática da sexualidade humana, de hoje em diante, é a
impossibilidade de permanecer apenas no funcionamento materno que
se torna trauma.

▪ A inversão de prevalência entre os dois regimes induz o fim da neurose


como era conhecida ontem em razão da primazia da relação com o pai.

▪ É preciso notar que a prevalência da relação com a mãe que disso se


deduz é, portanto, a conseqüência daquilo, que não acontece mais, a
renúncia habitual à mãe doravante ausente.
Os neo-sujeitos: perversão comum?
▪ Perverter é virar e até virar totalmente. É irredutível a necessidade de
uma renúncia para instalar a cultura e a lei. Ao contrário, é a inversão, a
desnaturação desse interdito fundador, e não apenas a desmedida que o
perverso sustenta suas forças.

▪ Quando as estruturas sociais não põem mais em seu programa a


necessidade de renunciar, pode-se supor que se está dispensado desta
renúncia.

▪ O quadro clínico desses neo-sujeitos será o de um sujeito que


permaneceu filho apenas da mãe. É essa virada que aproxima essa
posição da estrutura perversa.

▪ Esta estrutura cabe inteira numa virada: um fetiche ali onde


efetivamente há uma falta, uma presença onde reina a ausência.

Você também pode gostar