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Democrático de Direito
Sumário
1. Introdução. 2. A Modernidade sob a ótica
de Boaventura. 3. Os paradigmas constitucio-
nais: o Estado Democrático de Direito. 4. Con-
clusões.
1. Introdução
O presente artigo tem o intuito de forne-
cer uma análise de algumas das relações
existentes entre o paradigma da Moderni-
dade e sua crise e o Estado Democrático de
Direito. Propõe-se que as características
apontadas pela teoria constitucional hodi-
erna sobre o Estado Democrático de Direito
respondem a várias das tensões que consti-
tuem a crise do paradigma da Modernidade.
Entre os vários relatos possíveis e váli-
dos para a Modernidade Ocidental, a pro-
posta teórica de Boaventura de Sousa Santos
é útil para se compreender as relações entre
a crise do paradigma moderno e o direito e a
teoria jurídica do século XX. Não se tratan-
do de uma visão única, ou superior a outras
possibilidades de compreensão do paradig-
ma da Modernidade, o pensamento do filó-
sofo português, ao tratar diretamente das
relações entre direito, ciência e sociedade,
serve de esteio para uma análise do papel
exercido pelo Estado Democrático de Direi-
to em fornecer respostas adequadas aos ele-
mentos que constituem a crise do paradig-
Wilson Roberto Theodoro Filho é Advoga- ma moderno.
do, Mestrando em Direito Constitucional pela Do mesmo modo, a teoria dos paradig-
Universidade de Brasília. mas constitucionais posta por Menelick de
Brasília a. 42 n. 165 jan./mar. 2005 231
Carvalho Netto é de fundamental importân- de bens; o Estado detém a função de regular
cia para a compreensão da teoria constitu- a atividade e participação políticas no seio
cional desenvolvida ao longo do século XX, da sociedade; e a comunidade é a instância
além de fornecer um relato coerente das prin- na qual se realizam efetivamente as trocas
cipais características do Estado Democráti- sociais, a vida privada e pública em seus
co de Direito nos dias atuais. A contraposi- aspectos propriamente comunitários e par-
ção entre o relato acerca dos paradigmas ticipativos.
constitucionais e a crise da Modernidade O pilar da emancipação volta-se para a
possibilitará um melhor entendimento so- possibilidade de desenvolvimento intelec-
bre o papel do paradigma constitucional do tual, social e espiritual humanos, vinculan-
Estado Democrático de Direito e suas possi- do-se diretamente ao conceito de liberdade,
bilidades de estabelecer um novo equilíbrio caro à proposta da Modernidade. Nessa
entre o direito e a participação comunitária medida, Boaventura compreende que todas
tanto no processo jurídico decisional quan- as três formas de racionalidade que caracte-
to na atividade política – fornecendo, desse rizam a Modernidade guardam, ao menos
modo, algumas respostas para as tensões em suas origens, o potencial e a intenção
inerentes ao paradigma da Modernidade. emancipatórios, voltados para a libertação
progressiva do homem em todos os aspec-
2. A Modernidade sob a ótica tos de sua atividade social.
de Boaventura A racionalidade estético-expressiva liga-
se às artes, à literatura, à produção humana
Boaventura de Sousa Santos define a mo- propriamente estética, ou seja, à produção
dernidade ocidental como o paradigma só- de conhecimento cuja finalidade primeira é
cio-cultural dominante do pensamento filo- interior à própria criação. Procura estabele-
sófico e científico a partir do século XVI1. A cer padrões de beleza e de prazer, tendo em
Modernidade, assentada em uma ideologia vista a participação criativa e lúdica do ho-
de base iluminista (racional, individualista mem no ambiente e na comunidade à sua
e humanista, caracterizada pela prevalên- volta.
cia do conhecimento científico sobre as ou- A racionalidade moral-prática, que pres-
tras formas de cognição humana), atuou creve condutas, refere-se diretamente à éti-
sobre toda a atividade intelectual e social ca, à religião, ao direito. Tenciona estabele-
ocidental. Boaventura estabelece seu racio- cer formas, procedimentos e conteúdos para
cínio crítico sobre a modernidade a partir a atuação social e os relacionamentos co-
da distinção e tensão entre a regulação soci- munitários, influindo diretamente na orga-
al e a emancipação social. Três princípios nização dos três pilares: mercado, Estado e
caracterizam o pilar da regulação: merca- comunidade.
do, Estado e comunidade. Três racionalida- E a racionalidade cognitivo-instrumen-
des caracterizam o pilar da emancipação: a tal caracteriza as ciências e a filosofia: trata-
racionalidade estético-expressiva, a racio- se de uma racionalidade que busca delimi-
nalidade cognitivo-instrumental e a racio- tar critérios objetivos para a construção do
nalidade moral-prática. conhecimento e para a busca da “verdade”
O pilar da regulação volta-se para o con- – estabelece padrões de reconhecimento
trole, para o estabelecimento de regras de para o que é cientificamente válido, ou seja,
conduta que possibilitem o desenvolvimen- para qual conhecimento possui “valor”.
to das sociedades modernas tendo em vista O projeto da Modernidade, se levado a
o projeto do paradigma da Modernidade. cabo idealmente, promoveria a maximiza-
Nessa medida, o mercado funciona como o ção do mercado, do Estado e da comunida-
mecanismo de controle da produção e troca de, e a máxima emancipação das racionali-