Você está na página 1de 8

NO INSTANTE EM QUE VENHAS A MIM

(e antes das chuvas o teu prazer


e pelos jardins teu ventre tenhas abandonado)
me dirás de tuas raízes pelas coisas elementais
te direi: em lima garoa
apenas

e no instante em que venhas a mim


(e antes da ternura tuas palavras tolas
e teu sexo como uma flor aberta seja prévio aos sensabores)
te cobrirei com bastante espuma
uma valsa arrependida dirás dançar

2 dez. 78
ÀS DOZE DA NOITE DE 31/12/78 foi que caí no
torpor do universo se expandindo
(foi como estar em sua epiglote enquanto tossia)

e quando dei por mim no ano novo em que todos riam


me afastei de vera para pôr uma mão sobre a terra nua e
outra no coração

(entoaria
cedo ou tarde o coração
entoaria)

6 fev. 79
PORQUE TU CANTOU FORTE quando o vinho era forte
e o swing das maracas vagabundo
por ter falado o que falou aos maltrapilhos
tanta safadeza para que se abrisse a calça
porque ao fugirmos tua boca enchia d'água
e enchia d'água o teu sexo
e água o clamor da água até fazermos coro
com nossa própria desnudez
e nossa voz não articulada senão à chuva
sobre as covas da candura

por isso

10 jun. 79
SE VENS A MINHA CASA
em torno dela encontrarás muitas imagens tuas usurpando o lugar
que é da neblina
claro que mais densas e provavelmente mais frias

e se passas pelo jardim abaixa a cabeça segurando teus cabelos


sob o loureiro
talvez te espante a grama ainda marcada por teus passos

mas ainda mais


não desdenhe a ideia de olhar direto ao sol
inclusive está ali como o penduraste no fundo de meu armário
e no fundo dos copos e de alguns beijos calmos
(quando cada manhã me submerjo em ti para caminhar o resto do dia
para emergir de ti)

tudo está pronto como quando partiste tudo está em seu lugar
inclusive teu pão sobre a mesa e ainda as migalhas brancas

também creio que minha família ainda te põe lugar à mesa e que
a cachorra lambe o ar sem questionar
e que as páginas abertas dos livros continuam com as marcas
de tuas unhas tão profundas como sempre

como sempre mulher como sempre

por que amor


querida por que
por que hei de abrir as portas para rir fora
atravessar as paredes para poder cantar
por que hei de dar pensão para minha sombra
querida e pobre sombra
não sabes como a levo lambendo tristemente a tua
como apressa o passo como tem às vezes que esperar
oh e eu sou um aleijado que separa uma porção de cada coisa como um
dízimo a ti

agora tenho (ela é mais sábia) que deixá-la fora dos mercados
(perfeitamente lúcida) farejando o vento

agora tenho que desdenhar das mais belas frutas porque ela
as roubaria para ti

ela corta o cordão de prata com os preciosos dedos de prata que a


legaste (mais inteligente que eu)
e corre e grita e corre (tristemente

tristemente corre)

agosto 80
MINA, ESTA MANHÃ AMANHECI
com uma linda ereção acho
que não tens que me deixar
e que teu mundo é mais puro e mais limpo
e que se não está ruim o suficiente não importa é melhor
que andar torcendo o cérebro para ser lábil
e inteligentíssimo

que os garotos ferozes enfiem no cu sua política


e no cu sua poesia
e que o mundo em vez disso os emudeça para que parem de gritar
que são imunes

que acariciem uma pedra


que escrevam uma carta
pela primeira vez

7 jul. 83
MINHA MULHER CANTA
canções aos pedaços
aqui
e ali
para de cantar quando entro
onde ela está
sempre me dá
toda a atenção
olha sempre onde estou
tão logo acorda

por isso
paro de escrever
quando ela entra
cantando
e já nem volto a fazê-lo
porque me esqueço
e a inspiração não passa
do dois ao quatro
(mas nós seguimos
os dois ao quarto)

pelo mesmo motivo


faço poemas aos pedaços
aqui
e ali
não importa
se a escuto cantar
chegando em casa

23 jan. 87
viagem ao coração

rosi
vou dormir
apaga a luz do 2 de março de 56 quando eu vim
te conhecer

porque
quem é mais leve?: tu
quem ama mais?: tu
quem tem o rosto de minha morte? tu tu turútu
tutu

19 jan. 92
um homem tem filhos para se obrigar a não morrer

um homem tem filhos para se obrigar a não morrer

25 ag. 92

Você também pode gostar