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Folia de Reis, Sambas do Povo

Alberto T. Ikeda

Coleção Cadernos de Folclore


21º Volume
2011
Coleção Cadernos de Folclore

Realização: Prefeitura Municipal de São José dos Campos


Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Diretoria de Patrimônio Histórico

Idealização: Fundação Cultural Cassiano Ricardo


Mario Domingos de Moraes
Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP
Ângela Savastano

Coordenação Geral: Maria da Fátima Ramia Manfredini - CECP/UNIVAP

Revisão Ortográfica: Teruka Minamissawa

Arte da capa: Roberto Munholi

Fotos: Folia de Reis - Alberto T. Ikeda

Digitação dos textos: Avelino Israel, Fátima Manfredini, Marieti Turco, Odete
Pereira Batista, Paulo Fabiano Pontes de Amorim

Designer Gráfico: Nilson Ferreira/André L. Fernandes

Digitalização das Pautas Musicais: César Petená

Impressão: JAC Gráfica e Editora Ltda - S.J.Campos-SP

ISBN: 000-00-00000-00-00

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Especializada do


Museu do Folclore/CECP “Maria Amália Giffoni”

Ikeda, Alberto T.
Folia de reis, sambas do povo / Alberto T. Ikeda - - São José dos Campos/SP:
CECP; FCCR, 2011.

p. 156; 16cm x 23cm; (Cadernos de Folclore; v.21)

1. Antropologia da Música 2. Música Popular 3. Cultura Popular 4. Arte Popular


I. Título. II. Série

CDD: 390

Copyright © Alberto T. Ikeda - 2011 - Todos os direitos reservados

Fundação Cultural Cassiano Ricardo


Av. Olivo Gomes, 100 - Santana - 12211-115
São José dos Campos - SP - Brasil
www.fccr.org.br
Dedicatória

Para
Maria Meron, por todos esses anos, na parceria da vida.
Meus pais e irmãos: Ushimatsu Ikeda (pai, in memoriam) e Yachiro
Ikeda (mãe), e os(as) manos(as) Helena (in memoriam), Celso, Olga,
Miguel e Miriam, e também Regina (cunhada).
Os mestres e mestras e todos os(as) guardiões(ãs) dos saberes
populares, tantos, com quem aprendi muito desde a década de 1970.
Fundação Cultural Cassiano Ricardo

O que teriam em comum as figuras de Baltazar, Gaspar e Belchior, os


três reis magos, da Folia de Reis, com o samba? Essa é uma pergunta que
aguça a curiosidade e que, de uma forma criativa e com muita pesquisa,
vai sendo respondida ao longo da 21ª edição da série Cadernos de
Folclore, publicada pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de São José
dos Campos.
O autor da obra, Alberto T. Ikeda, imprime um ritmo em sua narrativa,
marcado por "marchinhas", além de textos de diferentes publicações desde
revistas acadêmicas até jornais.
Enfim, trata-se de uma publicação que vai enriquecer, ainda mais, a
série Cadernos de Folclore que já conta com 20 publicações.
Para a Fundação Cultural Cassiano Ricardo fica a sensação de mais
um dever cumprido, não só pela publicação em si, mas principalmente, por
estar colaborando na valorização da cultura popular brasileira e fazendo
despertar o interesse de pessoas que, até então, sequer tinham
conhecimento de como dois símbolos tão distintos podem ser tão
próximos: "Folias de Reis, Sambas do Povo".

Mario Domingos de Moraes


Presidente da Fundação Cultural
Cassiano Ricardo - 2011
Apresentação

Quando, há 25 anos, propusemos publicar na forma de cadernos as


pesquisas sobre Folclore, onde o estudo da cultura popular é tratado como
“objeto de área científica” (Julieta de Andrade), tínhamos como objetivo
levar informações e subsídios aos professores e estudiosos dessa área. Não
imaginávamos, entretanto, quão valioso era o assunto, quão diversos eram
os temas que podiam ser abordados, quão extensa era a área de estudiosos
com interesse pelo assunto e quão importantes eram essas pessoas, os
pesquisadores, que iriam colaborar com esses Cadernos. Hoje, olhando
esse longo caminhar vemos que o esforço não foi em vão. Muito tem sido o
interesse de alunos, professores e pesquisadores de São José dos Campos,
São Paulo e de outros Estados brasileiros que buscam nesses cadernos
informações sobre o tema solicitando-os com frequência. O Professor e
Mestre Alberto Ikeda, didático por excelência, consegue que seus leitores e
ouvintes, através de suas falas e escritas, alcancem com facilidade os
conceitos transmitidos. Etnomusicólogo, com vasto e reconhecido saber
na área, transita por diversos caminhos da cultura popular, levantando
importantes pontos para reflexões. Sua presença é sempre aguardada com
grande expectativa pelos seus discípulos e por nós, seus eternos
aprendizes. A Fundação Cultural Cassiano Ricardo e o Centro de Estudos
da Cultura Popular – CECP, sentem-se honrados em ter na 21ª edição da
série Cadernos de Folclore, o nome do ilustre Professor Doutor Alberto
Ikeda.
Angela Savastano
Presidente do CECP
Centro de Estudos da Cultura Popular
Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

A coleção Cadernos de Folclore, publicada pela Fundação Cultural


Cassiano Ricardo de São José dos Campos, é a maneira que seus
idealizadores encontraram para a instituição trazer à luz um dos principais
objetivos de sua criação.
Nestes 25 anos de existência, foram abordados os mais diversos
assuntos, que consistem num acervo valioso disponibilizado à população,
governantes e, principalmente, estudiosos. É um conjunto de informações
da mais alta importância para o resgate, preservação e disseminação da
cultura popular brasileira.
Poucas comunidades conseguem disponibilizar de forma
sistematizada um conjunto de informações especializadas, como acontece
na Biblioteca Maria Amália Corrêa Giffoni, do Museu do Folclore, fruto
de uma política pública de parceria com a sociedade organizada, na busca
da humanização das relações entre o desenvolvimento desenfreado e a
valorização da cultura popular.
O trabalho ora publicado, 'Folia de Reis, Samba do Povo', com
conteúdos de expressões da cultura popular que envolve música, dança e
dramatizações, é importante documento, que irá enriquecer, sobremaneira,
o acervo das realizações da FCCR e do CECP.
Produzido pelo pesquisador Alberto T. Ikeda, a partir de seus estudos
na década de 70 e registrados ao longo de mais de 40 anos em publicações
de artigos para jornais e revistas, ganhou notoriedade com a publicação do
relatório, intermediado pelo National Museum of Ethnology, de Osaka,
com o apoio do Ministério da Educação, Ciência e Cultura do Japão.
A leitura da obra é como uma “Viagem no Tempo e no Espaço”; e nos
remete aos primórdios de nossa socialização, contemplando uma
verdadeira reflexão de escopo sociológico, antropológico e político.

Cristovão Cursino
Vice-Presidente
Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP
Sumário

Prefácio .......................................................................................................... 15

Do lundu ao mangue-beat ........................................................................ 19

São João no Brasil ...................................................................................... 27

Cururu: resistência e adaptação de uma modalidade


musical da cultura tradicional paulista ................................................ 33

Manifestações tradicionais: rituais, artes, ancestralidades... ....... 55

Folia de Reis, Sambas do Povo; Ciclo de Reis


em Goiânia: Tradição e Modernidade .................................................. 71

Forró: dança e música do povo ............................................................... 121

Sobre o autor ................................................................................................ 145

Fundação Cultural Cassiano Ricardo .................................................... 149


Cultura sem limites

Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP .................................. 151

Coleção Cadernos de Folclore ................................................................. 153

Anexo - Fotos ............................................................................................... 155


Prefácio

Este livro reúne alguns artigos publicados em anos anteriores, em


veículos diversos, juntados agora sob o título parcial de um trabalho de
pesquisa cuja edição ocorreu no Japão, em português, em 1994, intitulado:
Folia de Reis, Sambas do Povo; Ciclo de Reis em Goiânia: tradição e
modernidade. Tratava-se de um relatório de pesquisa etnográfica realizada
na cidade de Goiânia, Goiás, com apoio do Ministério da Educação,
Ciência e Cultura do Japão, por intermédio do National Museum of
Ethnology, de Osaka, publicado em coletânea com trabalhos de outros
pesquisadores, no livro: Possessão e Procissão: religiosidade popular no
Brasil, organizado por Hirochika Nakamaki e Américo Pellegrini Filho.
Cada pesquisador se ocupou do estudo de expressão cultural de alguma
região do Brasil, enquanto estive em Goiânia com o propósito de pesquisar
manifestações ritual-musicais do ciclo católico-popular natalino, mais
especificamente os grupos devocionais identificados como Folias de Reis,
que cultuam os Três Reis Magos (Gaspar, Belchior e Baltazar). Um dos
grupos que acompanhei, na periferia da cidade, era composto por
migrantes do interior da Bahia. Estes, além da integrativa atividade
devocional-religiosa, do âmbito do sagrado, também praticavam em
alguns momentos o samba, característico do interior baiano de onde
provinham, em determinados momentos do seu “giro” (percurso),
sobretudo após as refeições, que, centrado nesta atividade cuja aparência
primeira era somente o entretenimento, igualmente propiciava uma
importante interação, identificação e distinção social na comunidade,
sobretudo entre membros migrantes da mesma região. Assim, duas
expressões comumente compreendidas como antagônicas, uma
profundamente religiosa e outra profana, se complementavam no grupo,

15
no mesmos espaços dos cultos, aproximando, por sua vez,
simbolicamente, os reis (magos, nesse caso) e o povo, daí o título
escolhido. Afinal, nas culturas tradicionais também os deuses estão
comumente bem mais próximos dos homens.
Todos os artigos têm Nota com os dados da publicação inicial. Foram
mantidos no formato original, inclusive no que se refere às referências
bibliográficas, apenas realizando-se a atualização ortográfica e incluindo-
se um ou outro esclarecimento, com Notas.
Não há nos artigos uma unidade temática, a não ser o fato de tratarem
de manifestações culturais populares, que é o assunto fundamental desta
coleção Caderno de Folclore. Mas, embora não exclusivas, predominam
temas de música, que é o campo de maior atuação em meus estudos, em
aproximação com as ciências sociais, sobretudo a antropologia.
Evidentemente, todo escrito revela e reflete a sua época de redação,
perdendo, muitas vezes, a sua atualidade, mas nos casos aqui elencados
acredito que poderão ter ainda algum interesse, pelo registro etnográfico,
e, talvez, por algumas reflexões de escopo sociológico-antropológico e
político em torno das expressões estudadas, que, acredito, podem ser
projetadas para outros fatos das culturas populares. Pode-se notar também
que não há nos escritos unidade no nível de tratamento, de
aprofundamento, nos enfoques, pois pertencem a diferentes tipos de
publicação, incluindo revista acadêmica, caderno de cultura e arte de jornal
diário, revista paradidática e outras. A nova publicação desses trabalhos se
faz na esperança de que ainda tenham alguma serventia. Mas isto somente
poderá ser avaliado pelo leitor.
Um segundo aspecto que merece comentário refere-se ao fato de que o
título Folia de Reis, Sambas do Povo com conteúdos de expressões da
cultura popular que envolvem música, dança e dramatizações, pode levar
o leitor a corroborar subliminarmente o senso comum de que estas são
apenas expressões de entretenimento, de lazer, de alegria
descomprometida, e de arte, ou, ainda, como manifestações “do folclore”,
o que limita bastante as possibilidades de compreensão dessas práticas
16
culturais, conforme procuro demonstrar nos artigos, sobretudo no ensaio
aqui incluído, intitulado: Manifestações tradicionais: rituais, artes,
ancestralidades ... .

Para finalizar, é importante ressaltar que esta publicação se deve a um


convite que me foi feito pela socióloga Ângela Savastano, idealizadora e
coordenadora do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP) e do
Museu de Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) de
São José dos Campos, SP, que de longa data dedica-se ao estudo e
promoção das culturas populares de tradição oral, sobretudo do Vale do
Paraíba, onde sua liderança nesse campo é destacada. A ela registro os
meus agradecimentos, extensivos à professora Maria da Fátima Ramia
Manfredini, Flávia Diamante Munholi, Francine Maia Freitas, envolvidas
nesta edição e especialmente a Mario Domingos de Moraes, Diretor-
Presidente da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR).

S. Paulo, novembro de 2011

Alberto T. Ikeda
(Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista
– UNESP – campus de S. Paulo)

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Do lundu ao mangue-beat*

Do ancestral bamboleio africano, passando por toques de capoeira,


jongo, maxixe, ijexá, maracatu e samba, os ritmos negros são alimento e o
tempero da canção popular brasileira.

O Brasil é a terra do samba! Tal afirmação não terá, provavelmente,


muitos questionamentos, apesar de sermos um país de grande variedade de
ritmos populares. Inclusive, sob a mesma designação, samba, temos
distintos ritmos no país, sempre vinculados às comunidades negras. Os
estilos mais reconhecidos do gênero são os que se desenvolveram na
cidade do Rio de Janeiro, disseminados a partir da década de 20, tendo em
sua formação a importante presença de migrantes negros da Bahia,
constituindo a vertente do samba que podemos identificar como baiano-
carioca. Tal divulgação se deu pelos discos, rádios e apresentações
artísticas, pois o Rio era então a referência maior de urbanidade e
modernidade da nação, sendo ainda sua capital. Por outro lado, políticas
governamentais de cunho nacionalista e populista contribuíram para a
fixação desses estilos de samba como modelo de brasilidade, estendido a
todo o país.
Com o samba, estamos na vertente negra da cultura brasileira, que tem
ainda, entre outros, gêneros musicais como o antigo lundu, o maxixe, os
toques da capoeira (sobretudo de angola), o jongo, o ijexá da Bahia. Mais
recentemente, desde o início dos anos 90, verificamos a consagração de
ritmos dos cortejos negros de maracatu, por meio do movimento
19
identificado como mangue-beat, em Pernambuco, cujos nomes mais
consagrados são os de Chico Science & Nação Zumbi.
Essa incorporação dos diversos ritmos originalmente negros se deu ao
longo da história, desde o lundu, cujas notícias mais antigas remontam ao
século XVIII, passando pelo maxixe, que teve maior consagração entre
1880 e 1930, e outros. Para exemplificar casos também atuais, podemos
mencionar a música Domingo no parque, de Gilberto Gil, que se baseia no
toque de angola, da capoeira, e Beleza Pura, de Caetano Veloso, que tem o
ritmo ijexá, originalmente praticado em rituais de terreiros de candomblé.
Outro exemplo bem conhecido de ijexá é a canção Sina, do compositor
Djavan. Já o compositor e pesquisador carioca Nei Lopes tem jongos entre
as suas criações. Assim, ao longo da história, compositores populares
foram adotando padrões rítmicos surgidos nos grupos negros como base
para suas criações, constituindo-se o variado e internacionalmente
reconhecido cancioneiro popular brasileiro.
Essa constante e histórica incorporação de manifestações
coreográfico-musicais negras na música popular, algumas transformadas
em referências máximas de nossa musicalidade, como é o caso do samba,
faz pressupor processos políticos participativos e de inclusão social
étnico-racial no Brasil.
No entanto, não é isto que acontece. Conforme tantas vezes revelado
por estudiosos do tema, a inclusão sonora não tem equivalência na
inserção social desses segmentos na sociedade brasileira. A verdade é que,
em todos os gêneros exemplificados, temos um mesmo histórico: um
período inicial de forte rejeição, opressão e proibição; passando depois por
certa tolerância, seguida de aceitação; e , posteriormente, a incorporação e,
muitas vezes, a apropriação e até a expropriação de muitas formas, já então
re-significadas como produtos artístico-culturais de grande valor
simbólico agregado.
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Para confirmar as discriminações, basta recorrer aos tantos
depoimentos de antigos líderes negros, tornados públicos ao longo da
nossa história. Podemos verificar o quanto foram rejeitados e oprimidos,
inclusive policialmente. Isso se deu com sambistas, jongueiros, capoeiras,
religiosos e tantos outros. Claro, não devemos esquecer que a permanência
de tais práticas se deu por forte resistência da parte dos negros, na medida
em que estas nunca foram para eles somente exercícios artísticos e de
diversão, mas também instrumentos de identidade grupal e de
socialização, de crítica social e de preservação de saberes e visões de
mundo.

Pequena história da exclusão

Apesar dos vários exemplos citados, enfocamos aqui apenas o caso do


samba e das suas correspondentes agremiações, as escolas de samba, que
constituem hoje as referências mais reconhecidas da musicalidade popular
brasileira. Na verdade, nos dias atuais, diante da sua consagração em todas
as camadas sociais e em todo o país, muitas pessoas, principalmente os
mais jovens e também os estrangeiros, desconhecem o fato de o samba ter
sido na origem manifestação dos grupos negros. Afinal, já de alguns anos
pra cá, quando assistimos aos desfiles das escolas de samba pela televisão,
em particular do grupo especial do Rio de janeiro, notamos que, em boa
parte delas, os negros são minoria. Essa observação pode ser constatada,
ainda, por meio das fotografias de jornais e revistas que fazem a cobertura
dos desfiles.
Embora cortejos carnavalescos com pessoas fantasiadas e carros
alegóricos fossem praticados pelas classes médias e pelas elites, o tipo de
desfile que acabou se consagrando no Brasil com base no samba, resultou
de adaptações das populações negras da capital carioca, inicialmente na
21
forma de blocos e cordões, e, depois, de escolas de samba. Do ponto de
vista histórico, sabemos que estas últimas surgiram nas comunidades do
Rio de janeiro pelo final da década de 20 e início da década de 30, sendo,
então, motivos de fortes desqualificações pelos grupos mais abastados,
que praticavam outras modalidades de desfile, as chamadas grandes
sociedades e os ranchos.
Mas, diante da presença efervescente das agremiações negras, com o
tempo os políticos perceberam nelas potencialidades para o fomento
turístico e o entretenimento das massas. A partir dos meados da década de
30, os desfiles das escolas de samba passaram a ser oficializados, inclusive
como forma de controle social, pois, para obterem autorização para
desfilar, as escolas tinham de se registrar na polícia como agremiações
cultural-recreativas. Tudo passava a ser controlado, desde os seus nomes,
trajetos, e horários dos desfiles até os enredos, sugerindo-se que estes se
voltassem para os temas nacionais, como ocorria com os ranchos
carnavalescos. Vivia-se então, no país, a era Vargas, marcada por forte
nacionalismo e tendências políticas autoritárias. A instituição dos enredos
evitava um aspecto politicamente problemático na prática do samba
tradicional: o hábito de improvisar, tendo apenas um refrão fixo na música,
o que dava ensejo a cantos de forte teor crítico contra políticos,
autoridades, repressões policiais, carestias de vida e outros aspectos da
realidade dos pobres e negros.
Na década seguinte, os temas nacionais tornaram-se a tônica em todas
as agremiações carnavalescas, por sugestão e até mesmo imposição
oficial. No entanto, mesmo oficializado, o samba continuou durante muito
tempo a ser alvo de fortes preconceitos. Isso durou pelo menos até a
década de 60, quando os desfiles das escolas começaram a servir de
suporte para as programações turísticas e comerciais, tanto que, em 1962,
teve início a cobrança de ingresso para assistir aos desfiles "na avenida" e,
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a partir da década seguinte, as apresentações passaram a ser transmitidas
via televisão.
Então, na medida em que as agremiações foram se agigantando e se
sofisticando, em apresentações cada vez mais luxuosas na ânsia de vencer
a disputa, os desfiles foram se tornando atividades impossíveis para as
pessoas de menor poder aquisitivo, diante do aumento ano a ano do custo
das fantasias. Dessa forma, justo quando as escolas se tornaram altamente
prestigiadas até em âmbito internacional, despertando o interesse de
participantes estrangeiros e de todo o país, os membros das comunidades
de onde essas agremiações surgiram passaram a ser excluídos devido a
fatores econômicos.

Um enredo que se repete ?

O que se pode concluir deste breve histórico não é nada promissor.


Conta-se aqui uma história de contradições: a de um país que construiu
parte do seu imaginário musical calcado nos traços e vivências de grupos
negros, que se tornaram referência mundial de brasilidade, e, por outro
lado, continuou segregando socialmente essas populações e, em muitos
casos, até mesmo as manifestações criadas outrora por seus antepassados.
Ou seja, estamos diante de uma história clara de apropriação e
expropriação cultural.
Nesse sentido, pode estar em curso a repetição desse mesmo histórico
na recente onda musical neofolclórica ou etnicista que se verifica por todo
o Brasil desde os anos 90, na qual jovens, principalmente de formação mais
intelectualizada, têm-se interessado por músicas “de raiz”, danças, rituais e
folguedos tradicionais, muitos deles gestados nas comunidades negras.
Esses interessados estão formando conjuntos de música e dança de
projeção folclórica ou étnica, ou até se integrando aos grupos tradicionais,
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conforme se nota em alguns cortejos de maracatu em Pernambuco, em
bandas de congo no Espírito Santo, no samba-de-bumbo de São Paulo e em
outras manifestações por todo o Brasil. No desejo de “valorizar” tais
expressões, muitos interessados (músicos, antropólogos, historiadores
etc., alguns até movidos por princípios sinceramente honestos) passaram a
atuar como agenciadores, verdadeiros “atravessadores”, desses grupos
tradicionais, promovendo festivais e espetáculos de “música étnica” em
casas de cultura, teatros, escolas e outros espaços, e também produzindo
videodocumentários ou CDs com verbas públicas ou obtidas na iniciativa
privada, por meio das leis de incentivo cultural, sem que, na maioria das
vezes, os benefícios ou os produtos desses empreendimentos retornem
para os grupos focados.
Repete-se assim o procedimento da suposta valorização das “artes
populares”, em geral de domínio coletivo, que não têm o amparo de
nenhuma legislação de salvaguarda ou de preservação de direitos autorais.
Contemporaneamente, diante da onda etnicista, as formas tradicionais
enfrentam o processo de suas inserções em um mercado de consumo ao
mesmo tempo massificado e altamente segmentado. Assim como temos
sambódromos em algumas cidades brasileiras, para o concurso das escolas
de samba, que representam o coroamento do processo de inclusão (e/ou
exclusão) de uma prática cultural popular, também já existe o
bumbódromo, em Parintins (AM), para o concurso de boi-bumbás, e o
congódromo, para apresentações de congadas ou congos, em São
Sebastião do Paraíso (MG). No futuro, surgirão com certeza outros
“ódromos”.
Esperamos que sejam contados outros “enredos” mais promissores a
respeito da presença negra na cultura brasileira, pois os que foram
relatados aqui revelam facetas perversas e preocupantes dessa realidade.
Facetas que não podem ser esquecidas, sob pena de que, em mais alguns
24
anos, tenhamos também que estabelecer cotas para garantir a presença de
negros nos desfiles de escolas de samba. Evidente que não se pretende aqui
defender uma segregação às avessas, reinvindicando-se o direito de
exclusividade dos negros às suas práticas culturais ancestrais, mas, sim,
repor aspectos dessa história para o direcionamento de princípios sociais
mais éticos na continuidade desse “enredo”, que inegavelmente foi mal
desenvolvido até o momento na história do Brasil.

* “Do lundu ao mangue-beat”, original em: Revista História Viva: temas brasileiros – Presença Negra
(edição especial temática n. 3). S. Paulo: Ediouro/Duetto Editorial, março 2006 – ISSN 1808-6446, pp.
72-75.
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A festa caipira e os santos

No Brasil, principalmente nas cidades, as comemorações juninas se


cristalizaram simbolicamente como festas rurais, daí a generalização da
nomenclatura, festa caipira, e das caricaturas das roupas, do falar, do
andar, enfim do modo de ser do homem do campo, do chamado roceiro.
Embora a figura do homem rural seja enfocada no cenário da vida urbana,
tanto positiva quanto negativamente, pelo menos desde as peças de
Martins Pena (1815-1848), como no exemplo da comédia O Juiz de paz na
Roça, de 1838, podemos dizer que a sua imagem depreciada, conforme
ocorre nas festas juninas, tem um forte marco no início do século, mais a
partir da segunda década, quando das preocupações da modernização e
industrialização no País, principalmente partindo de São Paulo. Nessa
vertente, o camponês passou a ser visto de modo negativo, identificado
como rústico, indolente e ingênuo, um entrave mesmo ao “progresso”.
Embora resultado de uma visão centrista citadina, infundada e
preconceituosa, esses imaginários acabam se consagrando e se
generalizando por todo o País, inclusive nas próprias regiões interioranas.
A disseminação dessas caricaturas se deu pela divulgação de imagens de
um personagem – O Jeca Tatuzinho, um homem”da roça”, do escritor
Monteiro Lobato (1882-1948), através de milhares de livretos ilustrados,
de propaganda de um Biotônico do laboratório farmacêutico Fontoura.

27
No que se refere aos santos desse ciclo: Santo Antonio (dia 13 ), São
João (dia 24) e São Pedro (dia 29) é, no geral, São João Batista aquele que
concentra em si, de maneira cabal e pelo lado mais profano, o espírito
festivo da época. O Santo se relaciona ao fogo, cujos cultos foram
praticados na maioria dos grupos humanos, desde os tempos antigos,
anteriores ao cristianismo. Por terem sido rituais de forte penetração nos
grupos praticantes, em geral acompanhados de comida, bebida, música,
dança e outras formas dionisíacas, ditas pagãs, a igreja cristã procurou
adaptá-las aos moldes mais comedidos das cerimônias cristãs. Assim,
adotou-se a crença de que a ligação do Santo com o fogo se deu porquanto
foi através do levantamento de um mastro sinalizador e de uma grande
fogueira para iluminá-lo que Santa Isabel avisou sua prima Maria
Santíssima quando do nascimento do seu filho João, no dia 24 de junho.
Mas o batizador está também relacionando a outro elemento essencial
– a água, pois São João teria batizado Jesus Cristo nas águas do Rio Jordão.
Por outro lado, pratica-se entre nós o “batismo” do Santo (lavagem da
imagem) nas águas de algum rio ou córrego. Estas passam, então, a ter
naqueles momentos rituais, poderes milagrosos, principalmente na cura de
enfermidades.
Ao Santo relacionam-se ainda, as crenças ligadas ao destino das
pessoas, ao futuro, notadamente as adivinhações relativas às questões
amorosas, à vida e à morte.
São inúmeras as formas de sorte praticadas na véspera ou na noite de
São João, para se conhecer o nome do futuro namorado ou marido, ou
saber se a pessoa estará viva até os festejos do ano seguinte. Também,
praticam-se nas regiões agrícolas os ritos propiciatórios de boas colheitas,
por exemplo, fixando se ao mastro do Santo espigas de milho e outros
produtos da terra. Em muitas localidades, às cinzas da fogueira de São João

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se atribuem poderes de combate às pragas e de proteção contra os “maus
espíritos”. São João é tido como protetor das colheitas.
Embora adaptada para as normas religiosas cristãs, nas festas juninas,
houve com o tempo, o predomínio dos aspectos profanos, inclusive com
conotações sexuais, conforme se percebe no casamento caipira, no geral
com a noiva já grávida, embora o santo casamenteiro no Brasil seja Santo
Antônio. Isso pode estar ligado aos rituais “pagãos” antigos, de fertilidade,
tanto no sentido agrícola, da necessidade de boas colheitas, quanto no da
geração das crias dos animais e a procriação das famílias.
Juntamente com o carnaval, e, talvez, até mais que este, as festas
juninas são comemorações das mais disseminadas no Brasil, promovidas
no âmbito das instituições (escolas, clubes, igrejas, indústrias, associações
de classe, etc.), ou nos sítios, fazendas, ruas e nas residências particulares,
nos milhares de arraiás por todo o País. Evidentemente nas regiões
interioranas, os aspectos religiosos ainda são bem mais presentes do que
nos grandes centros urbanos.
Mas, independente dos aspectos da possível permanência das antigas
crenças e rituais, as festas juninas se mantêm como momentos em que as
comunidades se juntam para a prática de ações que confirmam,
identificam, e até conformam os indivíduos como partes da coletividade.
Principalmente nas grandes cidades, onde a vivência cotidiana se dá de
maneira bastante individualizada, as festas permitem, periodicamente,
além da diversão grupal, as práticas socializadoras, significativas,
importantes distintas do dia a dia.

Em muitas localidades, às cinzas da fogueira de São João se


atribuem poderes de combate às pragas e de proteção com tratos “maus
espíritos”. São João é tido como protetor das colheitas.

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Quadrilhas, Folguedos e outras Danças

As festas joaninas no Brasil apresentam vários elementos constantes e


generalizados como a quadrilha, alguns tipos de alimento e bebida, a
fogueira, o mastro do Santo, os fogos de artifício e o casamento caipira ou
matuto. Além desses elementos comuns, em regiões distintas do País
ocorrem folguedos e danças específicas, próprias de cada localidade.
A quadrilha, nos chegou da França (quadrille), através dos
portugueses, no início do século XIX. Sua forma original, porém, não é a
que se conhece hoje, a nossa popular quadrilha caipira. Inicialmente, foi
dança palaciana, praticada pelas elites, em qualquer tipo de festividade,
inclusive no carnaval, com coreografia marcada e dividida em cinco
partes. No século XIX, e ainda atualmente em algumas regiões, a
quadrilha é também conhecida como contradança, derivada dos termos
quadrilha de contradanças. No geral, eram dançadas por quatro pares ou
mais, em fileiras opostas, daí os nomes quadrilha e ou contradança.
Embora trazida da França, há indicações de que a quadrille francesa
se originou da adaptação do country dance (dança do campo ou dance
campestre) dos ingleses, bastante difundida nos séculos XVII e XVIII,
resultando na contredanse francesa e na contradança no Brasil.
Entre nós, já no século XX, e talvez mesmo no final do século XIX , a
quadrilha acabou se consagrando e permanecendo principalmente como
característica da época junina; embora bastante modificada em relação ao
rigor coreográfico da dança de salão, das elites.
Nesse sentido, há entre nós modificações e recriações constantes, de
grande dinamismo, nos vários pontos do País, podendo-se encontrar até
quadrilhas rap, atualmente.
Outro fator interessante é que, após as décadas de 70/80, em função
das migrações de nordestinos para vários pontos do Brasil, e pelo trabalho
30
da mídia, muitas músicas juninas daquela região, bem como a formação
instrumental à base de sanfona, zabumba e triângulo ( o Trio Nordestino),
se difundiram largamente nas festas juninas, confundindo-as com o
próprio forró nordestino. Assim, em São Paulo, para algumas crianças e
jovens, essas festas são atualmente identificadas como “festa de baiano”
(maneira pela qual muitos paulistas identificam as pessoas provenientes
do Nordeste) e menos como “festa caipira”.
Conforme já indicado anteriormente, há diferenças regionais nessas
festas.
No Norte do País, por exemplo, esta é a época de grande dinamismo
no que se refere à realização de folguedos folclóricos como o Bumba-
meu-boi, o Cordão de Pássaros, ou danças como o Lundu, a Desfeiteira, o
Carimbó, o Xodó, o Xote, o Siriá, o Coco ou Tambor de Crioula, além de
outras. Por sua vez, em Pernambuco, na região de Caruaru, é comum a
apresentação, nessa época, do chamado “Batalhão de Bacamarte”ou
“Bataião de São João”, constituído de grupo de homens uniformizados,
portando bacamartes (arma de fogo; espécie de trabuco), que se
apresentam com uma banda de pífanos, fazendo demonstrações dos
disparos de suas armas.
Em outras regiões, como em Mato Grosso (ambos), pode ocorrer a
dança do Siriri ou dança do Cururu, assim como no Vale do Paraíba, no
Estado de São Paulo, pode-se encontrar nas festa dos santos de junho
grupo de Congada ou de Moçambique, que, no entanto, são devotados a
outros santos.
Ainda em São Paulo, é comum em alguns locais, a realização de
danças como o Jongo e o Batuque ou Tambu, por elementos das
comunidades negras.
Da mesma forma, outras localidades incorporam suas danças e
folguedos nos festejos juninos, como exemplo da “Guerra de espadas”,
31
em Cruz das Almas, na Bahia, ou a “Folia de São João”, no interior do
mesmo Estado, em Barreiras, próxima da divisa com o Estado de
Tocantins, assim como no Sul o Fandango de Botas e de Tamancos.
Importante de ser ressaltado, ainda, é que o ciclo de festividades
juninas tem sido aproveitado nos últimos anos, em algumas cidades,
principalmente do norte/nordeste, como atrativo para o fomento de um
fluxo turístico regional, nacional e até internacional, quase tão
significativo quanto o período carnavalesco. Exemplos disso ocorrem com
as festas juninas de Caruaru, em Pernambuco, e com o Festival de Boi-
Bumbá, na Ilha de Parintins, em plena floresta, noAmazonas.
Promovidas por organismos oficiais, estas festas têm conseguido
atrair anualmente imenso número de turistas, sendo que em Parintins
construiu-se, inclusive, um bumbódromo, à imitação do sambódromo do
Rio de Janeiro.

* “São João no Brasil: quadrilha, folguedos e outras danças”, original em: Catálogo-programação São João no
Brasil: a cultura popular em festa, S. Paulo: SESC Pompéia, junho 1996.

32
Resumo: um enfoque sobre a cultura popular diante da chamada
modernização e os meios de comunicação de massa, tomando como
referencial o Cururu: uma modalidade de cantoria de improviso da
cultura tradicional paulista. Durante muito tempo, folcloristas têm
argumentado que a modernização é fator de destruição da cultura popular
tradicional - o folclore -, criando a expectativa da necessidade de adoção
de políticas governamentais no sentido da sua preservação.
O ensaio resgata o tema, mostrando que em muitos casos a
continuidade dessas manifestações se dá pelas condições implícitas
destas e não pela adoção de políticas preservacionistas. Traçando uma
retrospectiva do cururu, de suas origens à atualidade, o ensaio mostra o
processo dinâmico de sua preservação.

Tem sido comum entre os folcloristas o vaticínio de que a


modernização, principalmente a influência dos meios de comunicação de
massa, implica a destruição da "cultura tradicional” - o folclore. De fato,
temos assistido a um processo de desagregação de várias das nossas
tradições culturais, porém, muitas dessas manifestações têm resistido ou
se adaptado de forma dinâmica no processo da chamada modernização.
Um exemplo ilustrativo é o caso do cururu - uma modalidade de
cantoria de improviso da "região do Médio Tietê", no Estado de São Paulo
- que é bastante praticado também na região de Cuiabá, no Mato Grosso,
(2)
embora com forma diferente da sua atual ocorrência no interior paulista .

33
Verifica-se ainda em outras regiões onde se deu a "expansão paulista",
(3)
segundo explicaAntônio Cândido .
Ocupo-me apenas do cururu em São Paulo, onde se pode verificar de
forma clara as suas transformações através do tempo. O folclorista Hugo
Pedro Carradore aponta várias cidades do interior do Estado paulista como
principais centros cururueiros: Piracicaba, Ibitiruna, Salgado, Pirambóia,
Botucatu, Laras, Maristela, Laranjal Paulista, Conchas, Pereiras, Sofete ,
Porangaba, Cesário Lange, Tatuí, Boituva, Alambari, ltapetininga e
Sorocaba (4).
O trabalho enfoca apenas aspectos que mostram a adaptabilidade
dessa manifestação à vida contemporânea e estão baseados em pesquisas
realizadas entre maio e junho de 1983, em cidades de forte tradição
cururueira, como: Piracicaba, Sorocaba,Tatuí e Tietê.
Da provável adaptação de danças cerimoniais indígenas, conforme
aponta Mário de Andrade e reafirma Antônio Cândido(5), originando o
cururu religioso, chegando ao atual cururu cantoria-de-improviso e o
cururu-canção, dos discos de música sertaneja, há todo um processo de
modificações e adaptações observáveis no confronto entre as diversas
pesquisas sobre o assunto e a sua prática na atualidade.

Revendo algumas definições

Confrontando-se as conceituações de épocas diferentes, pode-se


verificar as mutações ocorridas com o cururu:
A. Maynard Araujo: "O cururu é uma dança de fundo religioso,
geralmente realizada à noite, na qual são cantados desafios dentro de um
certo cânone que se chama 'carreira' ou 'linha' e que é determinado pelo
pedestre" (6).
34
L.C. Cascudo: "Dança, canto em desafios relacionados com as festas
(7)
religiosas no pIano da louvação popular" .
Antônio Cândido: "Cururu é dança praticada pelos caboc1os de São
(8)
Paulo, Goiás e Mato Grosso" .
(9)
João Chiarini: “Cururu é disputa, combate poético" .
Hélio Damante: "Na verdade trata-se mais de um desafio entre
violeiros, de uma forma caipira de repentismo, do que propriamente de
uma dança, pelo menos nas variantes que remanescem. Ocorre, porém,
contar sempre com platéia atuante, a intervir com seus motes, a incentivar
ou vaiar os cantadores, acompanhando-lhes o ritmo.
Adquire assim um colorido de espetáculo e como espetáculo,
inclusive com cartazes, é apresentada nos teatros e circos, nas festas
(10)
cívicas e religiosas" .
Das considerações expostas, a mais compatível com o cururu na
atualidade, no Estado de São Paulo, é a de Hélio Damante, embora o
desafio não seja necessariamente "entre violeiros". Os cururueiros hoje em
dia dificilmente se acompanham à viola, apenas cantam, ficando a função
de acompanhante a cargo de outros violeiros.
A afirmação de que se trata de "desafio entre violeiros" se apropria
mais aos repentistas de viola nordestinos,cada qual empunhando sua viola,
embora a maioria dos cururueiros conheçam pelo menos os rudimentos
dos toques de viola. Bastante oportuna é a observação de que o cururu
adquiriu caráter de espetáculo, pois esse é um dos aspectos que prevalece
atualmente. Tal transformação se deu em virtude do cururu passar a ser
apresentado nos palcos de teatros, cinemas, rádios, praças públicas etc.,
exigindo que os cantadores permanecessem de frente para o público, na
maioria das vezes imóveis diante de um microfone, para que todos
pudessern ouvir com clareza. Observe-se que, assim como no cururu,
muitos folguedos e danças passam a sofrer modificações estruturais
35
quando apresentados em palcos.
O cururu, pelo visto, sempre conteve este caráter de espetáculo
cantado, já que grande ênfase se dava à capacidade de improvisação do
cantador. Com a apresentação dessa modalidade nos palcos, fora das
festividades religiosas onde normalmente era apresentada, esta passou a
ser sua tônica. Aí está, portanto, o aspecto principal da sua nova função:
espetáculo artístico baseado na cantoria de improviso. Ressalte-se, no
entanto, que o cururu não deixou de se fazer presente nas atuais
festividades religiosas, porém não mais ligado à parte religiosa e sim ao
aspecto profano festivo. Ainda, a questão da intervenção da platéia "com
seus motes" apontada par H. Damante não se verifica atualmente, pelo
menos de forma sistemática.
Podemos sintetizar as transformações ocorridas com o cururu,
conforme a seguinte sequência:
1) Danças cerimoniais indígenas;
2) reinterpretação das danças cerimoniais indígenas;
3) cururu-dança: dançando em roda, diante de altares, com temática
predominantemente religiosa e com canto improvisado (desafio
implícito). Comum no ambiente rural;
4) cururu cantoria-de-improviso: adaptado ao ambiente urbano como
espetáculo, sem dança, com temática profana (desafio explícito);
5) cururu-canção: gênero de canção sertaneja, com permanência
apenas do ritmo tradicional.
As três últimas modalidades subsistiram ao mesmo tempo durante
certo período e atualmente permanecem apenas as duas últimas formas, no
Estado de São Paulo. Um exemplo bastante conhecido do cururu-canção é
a música o Menino da Porteira, de Luizinho e Teddy Vieira, lançada
inicialmente em 1955 e com diversas regravações posteriores, sendo
atualmente um dos "clássicos da música sertaneja”.
36
O exemplo a seguir, de cururu cantoria-de-improviso, é do cantador
Sílvio Paes, de Sorocaba:

"CURURU”
(gravação em fita, 12/6/1983)

"Eu quero cantar um verso


Prá esse Alberto escutá
Você veio lá de São Paulo
É a nossa capitá
Veio na casa desse Sílvio
E veio me procurá
É prá fazer uma entrevista
Pra esse Si1vio Paes falá
Do tempo que eu era mocinho
Quando eu comecei cantá
Tão eu tinha quatorze ano
Eu cantava na frente do altá
E ali eu cantava louvando
Pra depois eu desafiá
E eu contei tudo bem certinho
Daquela data pra cá
Hoje eu já tô com quase sessenta
Aos setenta eu quero chegá
Mas a gente vai ficando velho
Começa a se arrecordá
Daquele tempo que era mocinho
Adivertia pra daná
Cantava até de madrugada
37
E a gente não cobrava nada
Do dono que ia chamá
Hoje em dia o cururu
Muito modificado ele está
Porque o festero chega lá em casa
E quando ele vão contratá
Ele já tem que pagar dinheiro
Pra ver a gente cantá
Em outro tempo eu ganhava nada
Eu só cantava é por brincá
Hoje cobrar-se tem razão
Porque no rádio e televisão
Tarnbém cobram pa passá
Quando a gente vai num rádio
Você já sabendo tá
E eles fazem a propaganda
Comerciante é que vai pagá
Por isso os cantadô
Quando no rádio ele foi
Também tenham que cobrar
E aqueles festero antigo
Que mandavam nóis chamá
Ele tratavam do povo
Todos que tavam lá
Dava café e pão
Não cobrava nem um tostão
Nói também não podia cobrar
Agora eu já cantei pro Roberto (Alberto)

38
Que ele pediu pra mim cantá
Quero que você descurpe
Se acaso bão não tá
Você aqui na minha casa
Hora que quiser chegar
De São Paulo a Sorocaba
Meu prazer nunca se acaba
Quando você vir pra cá

Note-se, neste exemplo, que o cururueiro tomou a própria entrevista


como temário do improviso e praticamente traçou um panorama da relação
entre o cururu tradicional socializado e as modificações diante da sua
transformação em espetáculo.
Nas apresentações do improviso e desafio, normalmente, a contenda
ocorre entre quatro cururueiros, sendo a ordem de apresentação decidida
através de sorteio. Inicialmente os cantadores fazem saudações ao público
presente, aos promotores do encontro, às autoridades, à cidade, etc.,
partindo daí para o "ataque aos adversários".
Conforme explica Nhô Serra, de Piracicaba: "O povo qué mesmo é
que quebre o pau!"

O desafio: cururu ou cana-verde?

Tomando-se as palavras de Luís da Câmara CASCUDO quando diz


que desafio e "disputa poética, cantada, parte de improviso e parte
decorada, entre cantadores" (11), e também diversas das conceituações sobre
o cururu expostas anteriormente, onde se menciona a disputa poética,
podemos considerá-lo como uma modalidade de desafio.

39
Há, no entanto, um aspecto importante a ser considerado: por diversas
vezes, em entrevista com cururueiros, pude perceber que ao se referirem ao
desafio estavam na verdade tratando da cana-verde (uma dança de roda) e
não do cururu. Solicitados a fazer demonstração de desafio cantavam a
cana-verde. A esse respeito Sílvio Paes, de Sorocaba, explica que cana-
verde é "desafio de cana-verde". "Na cana-verde um canta uma quadrinha e
outro responde", e no cururu "um vai cantando inteiro quantos versos quisé
e outro vai escutando, depois outro entra para responder". Ainda pode-se
observar no disco CURURU -Nhô Serra e Pedro Chiquito.(Continental-
LP, 1976) que a única faixa em que se anuncia o desafio é a que corresponde
à cana-verde.
Vê-se, então, que os cantadores entendem o cururu como uma
modalidade de cantoria de improviso, que pode ou não ter o desafio. Talvez
isso se dê pelo fato de o cururueiro cantar livremente quantos versos queira
ou enquanto a platéia demonstrar interesse em sua cantoria; somente
depois ocorrendo a resposta.

Quanto à relação do desafio com a cana-verde, ou caninha-verde -


comum em diversas regiões do Brasil -, o estranhável é que esta dança de
roda nem sempre ocorre, mesmo na região cururueira, com versos
improvisados, assim como não ocorre necessariamente o desafio entre
cantadores. Na maioria das vezes em que se realiza a dança, lança-se mão
de versos tradicionais, embora seja do gosto dos caboclos a improvisação.
A cana-verde se inicia geralmente com um refrão tradicional, que se
intercala a cada intervenção do cantador.

40
Cana-Verde
(desafio entre Nhô Serra e Pedro Chiquito - LP Continental 1976)

Ai, Moreninha
(Refrão) Moreninha meu amor (bis)
Refrão Nas ondas dos teus cabelo
Corre água e nasce flor

Pedro Chiquito:

Aviola tá tocando
Vai tocá Pedro Chiquito
Pra você ficá sabendo
Pras coisa ficá bonito
Adonde o menino chega
Eu faço sentá mosquito

(Refrão)

Nhô Serra:

E agora eu vou cantá


Com o negrão Pedro Chiquito
Ai! Meu Deus! Que negro feio
Ele pensa que é bonito
Negro feio e muito feio
Parece chouriço preto

(Refrão)

Pedro Chiquito:

Pra cantar o desafio

41
Eu nunca tive receio
o meu amigo Nhô Serra
Eu não sei dadonde veio
o negrão é negrão enxuto
E você é gordo só no meio
(Refrão)

Nhô Serra:

Me chamô eu de feio
Tudo sim mas isso não.
Ai! Meu Deus! Fiquei com raiva
Ói! que preto sem ação
Venha aqui Pedro Chiquito
Vô chamá sua atenção.
Vô avisá Pedro Chiquito
Se esse preto fô bonito
Não existe sombração

(Refrão)
(continua)

Os versos normalmente são em redondilha maior, sendo que na dança


se cantam quadras, diferentemente das sextilhas do exemplo anterior.
Assim, apesar dos depoimentos dos cururueiros, não se pode
generalizar a conc1usão de que a cana-verde é uma modalidade de desafio
cantado, porquanto o que prevalece ainda é a dança em forma de roda,
podendo ou não ocorrer a cantoria-de-improviso. Quanto ao cururu, sim, é
atualmente uma modalidade em que o "desafio" tem prevalecido, centrado
na capacidade improvisativa dos cantadores.

42
O Ritmo e a Melodia no Cururu

Tanto o cururu cantoria-de-improviso quanto o cururu-canção


apresentam na melodia células rítmicas simples, predominantemente à
base de colcheias: podendo ocorrer variantes com semínimas ou
semicolcheias e colcheias: ; ; ou até mesmo
a tradicional célula rítmica: adaptadas às necessidades
prosódicas do texto cantado. Os motivos rítmicos sincopados, como do
último exemplo, são mais raros, predominando mesmo um certo
quadradismo rítmico.
Na cantoria-de-improviso há uma tendência mais discursiva e livre na
melodia, porém possível de enquadramento dentro das fórmulas já
descritas. A condução melódica geralmente segue padrões tonais
tradicionais da chamada música caipira, embora cada cururueiro utilize-se
de melodias próprias e de sua preferência.
No cururu-canção o acompanhamento rítmico instrumental se faz
comumente com a fórmula ou enquanto na cantoria
improvisada, em função da linha melódica mais discursiva, ocorrem
também acompanhamentos como ; .
No improviso, a viola costuma realizar acompanhamento em forma
de solo ou simplesmente o acompanhamento rítmico-harmônico. É
interessante perceber que o acompanhamento rítmico aparece
também em outras modalidades da música rural paulista, entre as quais o
cateretê e a toada, sendo praticamente o mesmo do baião nordestino.

Espetáculos de Palco - Gravações em Disco -As Rádios

O escritor regionalista e folclorista Cornélio Pires (1884-1958) foi


quem promoveu as primeiras apresentações de cantos e danças folclóricas
paulistas como espetáculo de palco, desencadeando o processo de
43
incorporação da música caipira na indústria do disco e da comunicação.
Em 1910, apresentou-se no Colégio Mackenzie de São Paulo, "num
festival, juntamente com uma dupla de violeiros, em exibição de danças,
(12)
mutirão, velório, etc." . Em 1928, "traz para São Paulo mais dois
violeiros de talento, Caçula e Mariano, além de outros artistas. Com eles,
dá representações interessantes, baseadas em motivos folclóricos, como o
(13)
cateretê, cururu, fandango, etc.” , representações estas que se estenderam
a diversas cidades interioranas. Em 1929, formou a Turma Caipira
(14)
Cornélio Pires e praticamente passou a viver como contador de "causos"
sobre a vida rural paulista, inclusive gravando e vendendo discos. Explica
J.R. Tinhorão que "as primeiras duplas caipiras de São Paulo a gravarem
suas composições em discos foram trazidas do interior, ainda com caráter
(15)
de amadores, pelo entusiasta da vida rural Cornélio Pires" , isso em 1929.

Sobre a incorporação da música rural pela indústria discográfica,


Souza Martins diz que "o cururu, aliás, constituiu uma boa indicação pelas
grandes transformações e sofreu quando deixou de ser cururu rural, isto é,
dança e canto religiosos, para adaptar-se ao rádio e ao disco. Inicialmente
foi apresentado em discos 78 rpm como cântico, sem o desafio
secularizado que hoje caracteriza, surgindo daí uma modalidade de música
sertaneja totalmente oposta ao cururu de origem, porque destituída dos
(16)
seus aspectos formais característicos" . Na verdade, a transformação do
cururu se deu não somente em função da sua incorporação à indústria
discográfica, (mas, antes, quando teve de se adaptar às apresentações em
palcos, como espetáculo. Transportado para o ambiente citadino, houve,
inclusive, modificações em sua temática predominantemente religiosa do
ambiente rural.
Evidentemente, os poucos aspectos das atividades de Cornélio Pires,
apontados anteriormente, como promotor de "shows folc1óricos", servem
44
apenas para balizamento de alguns momentos significativos, porquanto
suas atividades nesta área foram constantes a partir de 1910, tanto na
Capital quanto no Interior.
Diante da transformação do cururu em espetáculo artístico, também
as rádios, sobretudo do interior, incorporaram em suas programações a
presença dos cururueiros, pela década de 40. Segundo H. P. Carradore, "as
primeiras festanças cururueiras eram realizadas na Rádio Difusora de
Piracicaba, em 1939" (17). O programa se manteve no ar por diversos anos e
deixou de ser realizado por problemas trabalhistas de registro dos
cururueiros como empregados da rádio, pela regularidade de
apresentações nos programas. Assim, também na cidade de Sorocaba
existiu programa dedicado exclusivamente ao cururu, sob o comando do
cururueiro Nhô Serra. Na época desta pesquisa – maio e junho de 1983 -
existiam programas de cururu em rádios das cidades de Itu, Tatuí e Porto
Feliz.
Toda essa valorização dos cantadores, naturalmente, concorreu para a
profissionalização, ou pelo menos a semiprofissionalização destes. Já em
1947, J. Chiarini referia-se ao fato dizendo que "não ganham muito os
canturiões. Recebem bem pouco. As despesas de viagem, estada e
(18)
comunicações pagas pelos patrocinadores" . Este quadro parece não ser
muito diferente na atualidade, pois, apesar de receberem pagamento pelas
apresentações, a maioria dos cururueiros tem profissões outras. As
cantorias ocorrem normalmente nos fins de semana ou à noite, não os
impedindo de exercerem suas profissões normais.
A forte conotação artística, uma espécie de show business caipira,
assumida pelos cururueiros na atualidade, pode ser verificada nas
atividades de um dos seus lideres: Nhô Serra, de Piracicaba, que, além de
apresentador de programas radiofônicos - que lhe dão naturalmente
liderança entre os cururueiros -, é uma espécie de empresário do setor. Tem
45
introduzida pelos jesuítas nas suas festas religiosas fora (e talvez dentro)
do templo”. Antônio Cândido explica que “o cururu significa, na sua forma
primitiva, uma reinterpretação e parcialmente reconstrução de danças
cerimoniais tupi”, cf. Possíveis Raízes... p. 400.

(6) A1ceu Maynard Araujo, Folclore Nacional, vol. lI, 2º ed. S. Paulo,
1973, p. 77.

(7) Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro. Vol.


II. Rio de Janeiro,1969, p. 525.

(8) Antônio Cândido, op. cit. p. 385. Na contracapa do LP


Continental: Cururu - Nhô Serra e Pedro Chiquito, 1976, o autor explica:
“À medida que o processo de urbanização se desenrolou, o elemento
religioso cedeu lugar ao elemento profano, os traços coletivos, como a
dança, cederam lugar à exibição pessoal, os temas religiosos ensinados no
catecismo foram substituídos...”

(9) João Chiarini, Cururu in Revista do Arquivo Municipal (juIho-


agosto-setembro, 1947) p. 85.

(10) Hélio Damante, Folclore Brasileiro: São Paulo - Rio de Janeiro,


1980, p. 30.

(11) L. C. Cascudo, op. cit., p. 525.

(12) Macedo Dantas, Cornélio Pires: Criação e Riso. S. Paulo, 1976, p. 344.

(13) idem, p. 349.

(14) idem, p. 350.

(15) José Ramos Tinhorão, Pequena História da Música Popular.


Petrópolis, 1974, p.196.
46
vários discos gravados com outros cantadores e mantém uma empresa de
promoções artísticas, em cujo cartão de apresentação se lê: "Nhô Serra
Promoções S/C Ltda. - Folclore Regional - Conjunto de Repentista e
Shows Radiofônicos". A agenda do grupo de Nhô Serra entre fins de maio
e início de julho (1983) previa dezesseis apresentações em diversas
cidades da região, inclusive na cidade de Carmópolis, no Paraná, o que
mostra: a grande aceitação do gênero no interior. Naturalmente, tratava-se
de um período de muitas festividades - ciclo junino -, sendo que em outras
épocas as apresentações são em menor número. Porém, na cidade de Tatuí,
em pelo menos dois bares(19), se fazem apresentações de cururueiros todos
os fins de semana, e de um deles se transmite um programa pela Rádio
Notícias de Tatuí.
O potencial dos cururueiros como comunicadores populares se
verifica também nas épocas das campanhas eleitorais para os cobiçados
cargos públicos, pois os políticos sempre se servem destes em suas
campanhas. Nhô Serra lembra que, em Piracicaba, o primeiro candidato a
contratar cururueiros para a campanha foi o ex-prefeito Luiz Gonzaga, isto
por volta de 1948. Serra relembra alguns versos que cantou mais
recentemente para um outro candidato a prefeito:

“ Povo de Piracicaba
Deve ter recordação
Ano de quarenta e oito
Que o quinze foi campeão (20)
João Guidote que levou
Pra primeira-divisão
João Guidote levou o quinze
Dia quinze vote em João"

Assim, transformadas ou não, percebe-se que tanto o cururu quanto


outras inúmeras manifestações folclóricas permanecem recicladas, já que
47
contêm implicitamente algumas funções sociais que possibilitam tal
continuidade.

Notas

(1) Este ensaio foi originalmente apresentado como trabalho de


aproveitamento na disciplina de pós-graduação Aspectos Políticos da
Literatura de Cordel em São Paulo, ministrada pelo Prof. Dr. Joseph M.
Luyten, ECA-USP, no 1º semestre de 1983.
Apesar de passados sete anos da pesquisa de campo, o quadro geral
dessa modalidade musical no interior paulista não sofreu maiores
modificações, daí a razão da presente publicação. Houve, inclusive, uma
defesa da tese sobre o assunto, na ECA-USP: Eduardo A. Escalante, A
Música no Cururu do Médio Tietê Paulista. Dissertação de Mestrado em
Artes, ECA-USP, 1986.

(2) Em 1976, presenciei o cururu em bairros de Cuiabá - Mato Grosso,


sempre dançado em roda. Participavam em média 10 cururueiros, todos
portando violas de cocho ou "ganzás" (reco-reco). Sobre a viola de cocho
ver Julieta de Andrade, Cocho matogrossense: um alaúde brasileiro, S.
Paulo, 1981.

(3) Antônio Cândido, Possíveis Raízes Indígenas de uma Dança


Popular in E. Schaden (org.) - Leituras de Etnologia Brasileira, S. Paulo,
1976, p. 404.

(4) Hugo Pedro Carradore, Retrato das Tradições Piracicabanas,


Piracicaba, 1978, p.52.

(5) Mário de Andrade escreveu, na Pequena História da Música:


“não hesito em afirmar ser o cururu uma primitiva dança ameríndia,

48
(16) José de Souza Martins, Capitalismo e Tradicionalismo. S. Paulo,
1975, p. 123.

(17) H. P. Carradore, op. cit., p. 54.

(18) J. Chiarini, op. cit., p. 104/105.

(19) Bar “Baila Comigo”, Av. Pompeu Reale, 510, Bairro do Morro
Grande e Bar “Véio Mauá”,Av. Salles Gomes, 325, Bairro da Estação.

(20) Referência à equipe de futebol XV de Novembro, de Piracicaba.

IKEDA, A. T. - Cururu: resistence and adaptation. ARTEunesp; São


Paulo, 6: 47-59,1990.

ABSTRACT: A focus about the popular culture before the


modernization and the mass-comunication, above reference to the Cururu:
one modality of improvisation song, from paulista tradicional culture.
During manv years the folklorists, had been discussing that modernization
is destructing the popular traditional culture - the folklore -, and creating
expectation about the necessity of governnamental politics for its
preservation. The article accost the topic and shows that many cases the
continuation of these “manifestations” occurs for the proper condition
and not adopting a politics of preservation.

KEY-WORDS: Folklore;folk song; modernization; impromptu song;


cultural politic.

49
Discografia

Cururu e outros cantos das festas religiosas - MT(Documentário


Sonoro do Folclore Brasileiro - 45), Mec/Funarte, 1988.

Clássicos da Música Caipira, Inezita Barroso, Copacabana SOLP 40152.

Coletânea de Repentistas, Série Brasil! Caboclo, Crazy, v.l,2 e 3.

Cururu –Nhô Serra e Pedro Chiquito, Continental 03.405.217,1976.

Cururu Paulista, Zico Dias e Ferrinho, RCAVictor, 78 rpm: 33796.

Desafio de Cururu, Narciso Correia/Zico Moreira/Parafuso e outros.


Chantecler 2.11.405.08, 1975.

Folclore do Brasil, Ely Camargo, Chantecler 2.26.407.018:1975.

Missa dos Violeiros do Brasil, Phonotape JCLP 07,007, 1977.

Música Caipira - Nova Hist. da Mús. Pop. Brasileira Abril Cultural, 1978.

Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste, Marcus Pereira n.l, MPA


9321 e n.4, MPA9 324.

Música Sertaneja - História da Mús. Pop. Brasileira, Abril Cultural, 1983.

Nova História da Música Popular: Música Caipira, Abril Cultural, 2ª


ed., 1978.
50
Os Reis do Cururu, Phonodisc 0.34.405.408, 1987.

Valor de Caboclo, Seresteiro & Baduy, California 017-SCDP, SP.

27 anos, Tonico e Tinoco, Continental CLP 9.073, 1969.

Raul Tôrres e Florêncio: o maior patrimônio da música sertaneja,


CopacabanaAMCLP 529, 1974.

Entrevistas

Airton Pires, Tatuí; Luiz Gonzaga Hercoton, Rádio Difusora de


Piracicaba; Marcus Aparecido da Silva, Rádio Notícias de Tatuí; Moisés
Alexandre dos Santos, Rádio Cacique de Sorocaba; Nhô Serra. (Sebastião
da Silva Bueno), Piracicaba; Sílvio Paes (Severiano Paes), Sorocaba;
Cururueiros da cidade de Tatuí: Roque de Paula, Gumercindo Soares
Saraiva Filho, Garotão da Vila, Lázaro Rodrigues de Paula e o violeiro
Dito Miranda.

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ARTEunesp, v.6, 1990, pp.47-59.

54
Um pouco de história e conceitos

Na primeira edição do Prêmio Cultura Viva, a categoria


Manifestação Tradicional recebeu inscrições de projetos voltados para
duas grandes vertentes temáticas: as culturas indígenas e, em maioria
significativa, as culturas populares tradicionais. Trata-se de uma
classificação bastante abrangente, e coube, inclusive, entre as
semifinalistas, uma iniciativa relacionada mais comumente ao campo do
patrimônio arquitetônico-histórico, sobre ofícios de cantaria (arte de
expressão em pedra).
De fato, nos últimos anos, no escopo das denominadas manifestações
tradicionais, em meio a tantas iniciativas de interesse e fomento que vêm
ocorrendo no Brasil, observa-se o predomínio de projetos relacionados às
culturas populares tradicionais, tema que será tratado neste texto. Essas
manifestações são identificadas também como cultura popular, cultura
tradicional, cultura popular de tradição oral, cultura de raiz, tradições
populares, conhecimentos tradicionais, e ainda folclore, que é termo mais
consagrado historicamente, desde meados do século XIX, mas que tem
1
sido evitado nos últimos tempos por seu desgaste semântico . Por sua vez,
mais recentemente esses mesmos fatos culturais passaram a ser
categorizados também como patrimônio imaterial.

1
Um dos motivos dessa deterioração foi a maneira como os fatos culturais populares tradicionais foram
concebidos, estudados e divulgados por muitos folcloristas: de modo desvinculado dos seus contextos
sociais. Isso deu às pessoas a sensação negativa de que se tratava de fatos exóticos e ultrapassados, fora do
tempo, de irrealidades, excentricidades, rusticidades ou expressões curiosas e anedóticas relacionadas a
pessoas incultas ou excêntricas, que eram, no entanto, exaltadas de modo idealizado, à distância diga-se,
dentro de uma visão nacionalista conservadora, na qual se dirigia a atenção “ao povo” apenas como
alegoria da nacionalidade.

55
As inúmeras denominações são tentativas de se conferir a essa ordem
de expressões alguma característica ou distinção, buscando singularizá-
las, diferenciando-as de outras, como por exemplo a cultura de massa, a
cultura urbana, a cultura “erudita” e a cultura indígena. Porém, a tarefa não
é simples, pois os conhecimentos abarcados nas culturas populares
tradicionais são muito diversificados, além do que comumente uma
mesma modalidade pode ter diferenças na forma, função e até nos
significados – em regiões e/ou grupos distintos. No Brasil, essas
expressões culturais tradicionais ganharam maior visibilidade diante de
um certo modismo que surgiu sobretudo a partir da década de 1990.
Entretanto, é importante lembrar que a atenção para esse conjunto de
saberes tem um lastro já histórico, vindo, de modo mais evidente, pelo
menos desde o século XIX, em alguns países da Europa. Desde então, as
anteriormente denominadas “antiguidades populares” ou “literatura
popular” passaram a ser objeto de reconhecimento. Embora o hábito de
coletar costumes populares ocorresse desde épocas bem anteriores, o
movimento teve maior impulso, de forma mais programática, a partir de
meados do século XIX, com a proposta de criação do próprio termo: folk-
lore, na Inglaterra, em 1846 2 , identificado como “o saber tradicional do
povo” ou a “sabedoria popular”. O autor da proposição, William John
Thoms, solicitava na ocasião apoio para a realização de levantamento
sobre “usos, costumes, cerimônias, crenças, romances, rifões,
superstições etc., dos tempos antigos”3 , que estavam, então,
“inteiramente perdidos” e se preocupava com o quanto “se poderia ainda
salvar...”, diante da modernização.4
2
Para mais detalhes, ver: Renato ORTIZ. Cultura Popular: românticos e folcloristas. São Paulo: Programa
de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais / PUC-SP, 1985.
3
Conf. Laura DELLAMÔNICA, Manual de folclore. São Paulo:AVB, 1976, p. 15.
4
É interessante perceber que tanto do ponto de vista conceitual, quanto em relação aos modos de
salvaguarda desses saberes, o que se propõe atualmente, em muitos aspectos, são preocupações bem
próximas a essas, desta vez, talvez, em oposição aos desdobramentos da globalização e das tecnologias, e
em sintonia, em certa medida, com as questões ambientais, uma vez que as culturas tradicionais são
entendidas como mais próximas da natureza (o acústico, o artesanal etc.).

56
Ao longo da história são muitas as tentativas de se definir a cultura popular
tradicional, sobretudo, por folcloristas. Porém, trata-se de tarefa
complexa, com resultados que sempre apresentam um ou outro senão, por
envolverem saberes e fazeres tão variados. Aqui, apenas para efeito de um
balizamento conceitual básico, podemos recuperar dois textos mais
recentes que têm grande consagração por serem emitidos por um
organismo de alcance e reconhecimento mundial, a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, que tem
sido uma referência importante para os países do ponto de vista das
reflexões sobre a cultura. Em um documento de 1989, define-se:

A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que


emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição,
expressadas por um grupo ou por indivíduos e que
reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade
enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as
normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou
de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras,
a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia,
os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras
5
artes.

Mais recentemente, em 2003, a Unesco estabeleceu um outro conceito


relacionado ao anterior, o de patrimônio imaterial, definido como:
(...) os usos, representações, expressões, conhecimentos e
técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
espaços culturais que lhe são inerentes – que as
comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
6
cultural.”
5
Conf. “Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular” – tradução do autor, o sítio:
http://www.unesco.org/culture/laws/paris/html_sp/page1.shtml, em 17/5/2006.
6
Traduzido da “Convención para la salvaguardia del patrimonio cultural inmaterial”, UNESCO, Paris, 17 de
outubre de 2003 sítio:
htto://www.unesco.org/culture/ich_convention/índex.php?pg=000228&PHPSESSID=ebb128633fa78faep3d
f3b29761829c5, de 19/8/2006.

57
Note-se que também é um conceito bastante “aberto”, podendo ser
aplicado a tantos fatos culturais, de diversos tipos de sociedades, mas que
na prática, entre nós, tem sido relacionado predominantemente aos saberes
das culturas populares e tradicionais.
Na primeira definição destacam-se idéias como: conjunto de criações
(vários fatos), emanação comunitária, embasamento na tradição,
expressão de grupo ou individual, reconhecimento comunitário,
expressão de identidade e transmissão oral, incluindo-se vários exemplos
de fatos que são abarcados na definição, aos quais se podem acrescentar
muitos mais. No segundo, ressaltam-se os aspectos intangíveis da cultura,
além dos seus correspondentes resultados materiais e os espaços físicos
nos quais ocorrem. São de fato peculiaridades que costumam ser
destacadas quando se procura identificar as manifestações da cultura
7
popular tradicional.

Uma onda etnicista

O atual movimento de interesse pelos saberes tradicionais transparece


em diversos campos, sobretudo nas expressões identificadas como artes
(música, teatro, dança, artes plásticas), mas também na educação, nas
ciências sociais e em outras áreas; aparecendo até na gastronomia e na
moda, nas roupas e cabelos (look étnico), nas quais as referências às
culturas tradicionais se fazem presentes. Assim, vivemos uma “onda” –
uma época de fascinação etnicista, podemos dizer – que inclui o interesse
7
Sobre as peculiaridades dos “fatos folclóricos” ver:Américo PELLEGRINI FILHO, “Conceitos Brasileiros de
Folclore”. In Antologia de Folclore Brasileiro (org. Américo PELLEGRINI FILHO). São Paulo: Edart/Univ.
Federal da Paraíba/Univ. Federal do Pará, 1982, PP. 11-33, e Rita Laura Segato de CARVALHO, “A
antropologia e a crise taxonômica da cultura popular”, In: Seminário Folclore e Cultura Popular: as várias
fases de um debate, Rio de Janeiro: INF/IBAC/Minc, 1992, PP. 13-21.

58
pelas culturas de povos diversos, genericamente identificados como
étnicos, e também pelas culturas populares tradicionais.
Tal envolvimento atinge sobretudo jovens e pessoas de formação mais
8.
intelectualizada (estudantes universitários e de grau médio e intelectuais)
Pode-se, inclusive, encontrar em várias cidades do Brasil conjuntos
artísticos de “projeção folclórica” de música e/ou danças/folguedos
compostos de estudantes, da mesma forma como grande quantidade de
jovens (comumente identificados como “universitários”) participam dos
próprios grupos tradicionais. No primeiro caso, podemos mencionar a
existência de maracatus, ou pelo menos de “bandas” de percussão de
maracatu em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Campinas
e Florianópolis. No que se refere à musica, por exemplo, nunca se viu tão
grande quantidade de CDs e vídeo-documentários de música/cultura
tradicional como lançados nesses últimos anos, por instituições de
diversos tipos (departamentos e secretarias governamentais, ONGs,
fundações e associações culturais), conforme se percebe até em algumas
lojas mais especializadas “em som”, nas quais se encontram músicas de
várias partes do mundo e do Brasil, nas sessões denominadas: world music,
música étnica, música do mundo ou música internacional.
Outra vertente reveladora do interesse contemporâneo em torno das
9
“sonoridades tribais” ou música “de mundos esquecidos” pode ser vista
nas programações de algumas emissoras de televisão, sobretudo
educativas ou a cabo (que começaram a proliferar no Brasil principalmente

8
Inclusive, na vida acadêmica, pode-se notar o desdobramento de especializações relacionadas ao campo da
antropologia, como etnocenologia, etnopoesia, etnobotânica, etnomedicina, etnomatemática e outras tantas.
9
Conf. Título do CD duplo: Vozes de Mundos Esquecidos: música tradicional dos povos indígenas,
compilado e editado por Larry Blumendeld, pelas Ellipsis Arts..., Roslyn-New York, 1993, produzido “em
colaboração com o Centro para os Direitos Humanos das Nações Unidas”.

59
a partir de meados da década de 1990), que exibem documentários
10
enfocando a cultura de povos diversos, muitas vezes na forma de viagens
de aventura, retratando aspectos culturais, curiosos e exóticos (festas,
danças e músicas) de diversas regiões do mundo, incluindo a natureza e a
11
vida animal, ao mesmo tempo em que se avolumam as programações de
12
espetáculos de grupos de “cultura popular” em instituições culturais. Um
outro exemplo singular do modismo etnicista em diversos setores é o bufê
infantil Casa Tupiniquim: festas e afins (especializada em organizar
festas), inaugurada em outubro de 2000 no bairro paulistano de Vila
Madalena, que se promove como um “Centro Cultural Infantil”, voltado
para “resgatar a cultura brasileira”. Ali, nas festas infantis, Mickey

10
No que toca às televisões educativas, podemos mencionar como exemplo a série de vídeo-documentários:
Bahia, singular e plural, plural, produzida a partir de 1998 pelo Instituto de Radiodifusão da Bahia (IRDEB),
uma fundação da Secretaria da Educação do Estado, que se fez acompanhar de uma série de CDs. Os vídeos
foram veiculados pela TV Educativa da Bahia e outras como a TV Cultura de São Paulo e a TV Senado. Em
2002, os vídeos já contavam 14 títulos e continuavam sendo produzidos. Mas, a rigor, a divulgação de
documentários etno-cultural-musicais extrapola as televisões educativas. Também verificou-se em alguns casos
um interesse mais comercial por essa vertente musical, como foi o caso de uma série de quinze programas
(documentários de 30 minutos), denominada “Música do Brasil”, veiculada, sintomaticamente, pela MTV
(Music Television) brasileira, semanalmente, a partir de abril de 2000, apresentando um amplo mapeamento das
práticas musicais no Brasil, notadamente as tradicionais. Como se sabe, a MTV sempre se voltou mais para o
público jovem, dedicando-se principalmente à música pop-rock. O documentário foi produzido por iniciativa de
uma empresa privada ligada ao setor de comunicações.
11
Uma dessas emissoras é a National Geographic Channel que se anuncia: “Descobrindo o Mundo”. Por sua vez,
alguns programas revelam já no título a preocupação ambientalista e de aventura, relacionada muitas vezes aos
chamados esportes “radicais” (rapel, rafting etc.), como: Repórter Eco, Tribos e Trilhas e Expedições,
veiculadas na TV Cultura de São Paulo; Visões do Mundo, da TV SESC-SENAC e outros voltados para
esportes, relacionados com a natureza.
12
Bom exemplo são as programações realizadas nos SESCs (Serviço Social do Comércio), em todo o Brasil, e até
mesmo em algumas casas noturnas “alternativas”. Tanto se apresentam artistas que criam suas próprias
composições com base nas referências tradicionais, quanto são programados os próprios grupos tradicionais,
muitas vezes em um mesmo espetáculo, em um tipo de junção que não se concebia em outras épocas, conforme
se viu na Programação “Balaio Brasil”, organizada pelo SESC São Paulo em novembro de 2000, quando “cerca
de 150 atrações divididas entre Teatro, Dança, Música, Literatura e Artes Visuais” foram apresentadas em
diversas unidades, “desde produções emergentes até nomes já consagrados, de artistas populares aos mais
contemporâneos”. A programação inclui desde a cultura indígena, passando pelo folclore, até a “vanguarda”, e
havia no projeto editorial preocupação com a “recriação da tradiçã cultural local em relação aos valores
universais...”(conf. Programação “Balaio Brasil”, SESC – São Paulo, 2000). Na capital paulista, um outro
espaço “alternativo, de apresentação de danças tradicionais, são algumas festas anuais (três no decorrer do ano)
realizadas por integrantes de um grupo de projeção de danças/músicas maranhenses denominado Cupuaçu, que
apresenta o auto do bumba-meu-boi e outras danças em uma praça de um bairro conhecido como Morro do
Querosene, na zona Oeste da cidade. Para o local, nos dias das festas, acorrem sempre milhares de jovens, que
permanecem, muitos, por toda a noite assistindo às apresentações do Cupuaçu e de outros grupos de danças e
folguedos tradicionais existentes na cidade.

60
Mouse e outros personagens da mídia de massa “não entram”. O trabalho
de entretenimento das festas é feito com lendas (Saci, Iara e outras),
músicas, jogos/brincadeiras, danças e também com comidas “brasileiras”.
Por fim, além de tantas outras, a dinâmica do interesse voltado para as
culturas tradicionais pode ser aferida na criação, em São Paulo, do Fórum
Permanente de Cultura Popular Tradicional (FPCP), em agosto de 2002,
que com o tempo passou a reunir expressivo número de interessados em
todo o Brasil, inclusive de grupos organizados que realizam algum tipo de
trabalho voltado para ou com culturas populares. Nota-se que o Fórum
direcionou muito as preocupações para discutir e buscar meios de interferir
politicamente (nas esferas federal, estadual e municipal) com propostas de
legalização de leis de “incentivo” à cultura popular. Seus integrantes
criaram, inclusive, uma rede de comunicações via internet na qual
anunciam e trocam informações sobre eventos relacionados ao tema.

Fomento e salvaguarda

Muitas são as propostas e ações de fomento, registro e acautelamento


das culturas tradicionais, conforme se verifica nas inúmeras iniciativas
descritas que estão corroboradas nos próprios documentos conceituais da
13
Unesco, cujo objetivo principal é a “salvaguarda” destas.
No Brasil, historicamente, desde um estudo pioneiro de “folclore” (de
literatura oral) do escritor sergipano Sílvio Romero (1851-1914), com o
livro Cantos Populares do Brasil, publicado em 1883, reunindo contos,
cantos e poesias populares, várias foram as iniciativas de reconhecimento
da importância das culturas populares tradicionais, sobretudo como

13
Os documentos são, respectivamente: Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular
(1989) e Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003).

61
indicadoras da brasilidade.
Oficialmente, diversos foram os atos para documentar, estudar e
fomentar os saberes das culturas tradicionais como citar esparsamente,
alguns exemplos: a Missão de Pesquisas Folclóricas, iniciativa de Mário
de Andrade em 1938, no então Departamento de Cultura do Município de
São Paulo, que fez extenso registro (gravações, fotos, registro descritivo)
de manifestações populares no Norte e Nordeste do Brasil; a criação da
Comissão Nacional de Folclore (CNFL) em 1947, organizada no
Ministério das Relações Exteriores, como representante do Brasil na
Unesco, e a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro em
1958 (atualmente Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, do
Ministério da Cultura), com os seguintes objetivos: promover registro,
pesquisas e levantamento, cursos de formação e de especialização,
exposições, publicações, festivais; proteger o patrimônio folclórico, as
artes e os folguedos populares; organizar museus, bibliotecas, filmotecas,
fonotecas e centros de documentação; manter intercâmbio com entidades
congêneres; divulgar o folclore no Brasil.14 Em 1965, instituiu-se a data de
22 de agosto como o Dia do Folclore, no âmbito do Governo Federal, por
meio de decreto no qual se expunha: O Governo deseja assegurar a mais
ampla proteção às manifestações da criação popular não só estimulando
sua investigação e estudo, como ainda defendendo a sobrevivência dos
seus folguedos e artes, como elo valioso da continuidade tradicional
brasileira....15

14
Para ver detalhes do histórico dos estudos e fomento do folclore, ver: Laura DELLA MÔNICA, Manual do
Folclore, São Paulo: AVB, 1976, p.23 e Luís Rodolfo VILHENA, Projeto e Missão: o movimento folclórico
brasileiro, 1947-1964, Rio d e Janeiro: Funarte/Getúlio Vargas, 1997.
15
Conf. Laura DELLA MÔNICA, 1976, P.20. Em São Paulo existe também o Decreto n. 48.310, de 1967,
instituindo o Mês do Folclore (agosto), “Considerando que o Poder Público não deve ficar indiferente à difusão
e à defesa do folclore, pelo que ele representa como espelho da alma popular, e amálgama de conhecimentos e
práticas que contribuem inclusive para fortalecer os laços da comunidade, da Nação e da fraternidade
humana,...” e “visando divulgar, estudar e pesquisar os fatos da cultura popular brasileira, e despertar o
interesse, especialmente dos jovens para a ciência do Folclore;...”(In: Laura DELLAMÔNICA, p. 21)

62
Da legislação mais recente podemos destacar a própria Constituição
Brasileira, de 1988, que prevê no seu Art. 215, Parágrafo 1º - O Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional. No Art. 216, no que interessa para o presente enfoque, se lê:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de
expressão; II – os modos de criar, fazer e viver;... E no Parágrafo 1º: O
poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá
o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.
No desdobramento do que preconizam a Constituição Brasileira e as
decisões da Unesco, já mencionadas, no ano de 2000 foi oficializado o
Decreto n. 3.551 (Federal), de 4 de agosto, que Institui o Registro de Bens
Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio (Imaterial..., no qual
se prevê o registro nos seguintes livros: I – Livro de Registro dos Saberes,
onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no
cotidiano das comunidades; II – Livro de Registro das Celebrações, onde
serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho,
da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; III
– Livro de Registros das Formas de Expressão, onde serão inscritas
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; IV – Livro
de Registro de Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários,

63
praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas
culturais coletivas. ...
No sítio do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, do Iphan-
MinC, nas suas diretrizes, propõe-se, entre outros aspectos: Promover a
inclusão social e a melhoria das condições de vida de produtores e
detentores do patrimônio cultural imaterial, e além disso Ampliar a
participação dos grupos que produzem, transmitem e atualizam
manifestações culturais de natureza imaterial nos projetos de preservação
e valorização desse patrimônio, o que revela preocupações não somente
com os fatos culturais em si, como sempre se fez historicamente, e ainda
predomina na maioria das propostas contemporâneas de fomento às
culturas tradicionais. Nota-se, então, a preocupação com a valorização dos
16
próprios detentores desses saberes , fato esse que se confirma também em
outro sítio (dos Planos de Salvaguarda), no qual se busca atuar no sentido
da melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e
reprodução que possibilitam sua existência, que podem ir desde a ajuda
financeira a detentores de saberes específicos com vistas à sua
transmissão, até, por exemplo, a organização comunitária ou a
17
facilitação de acesso a matérias-primas .
Da mesma forma, multiplicaram-se no Ministério da Cultura outras
iniciativas no tocante às culturas populares, entre as quais: os Pontos de
Cultura, de repasse de recursos em dinheiro e de ações do Programa
Cultura Viva (MinC), que no primeiro Edital, de 2004, selecionou
aproximadamente 260 projetos, dos quais muitos voltados para as culturas
populares tradicionais; o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para

16
Conf. http://www.iphan.gov.br/bens/P.%20Imaterial/imaterial.htm, em 16/4/2005.
17
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12553&retorno=paginaIphan, em 26/6/2006.

64
as Culturas Populares, em fevereiro de 2005 (precedido de seminários em
vários Estados), o Edital de Concurso Público n. 2, de 31 de agosto de
2005, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural
(SID)/Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, para Fomento às
Expressões das Culturas Populares, que teve em torno de 630 inscrições e
18
selecionou 46 projetos de todo o País ; o Prêmio Cultura Viva, em 2006; o
Edital de Divulgação n. 001/2006, de Mapeamento e Documentação do
19
Patrimônio Cultural Imaterial, do Iphan-MinC , e , em setembro de 2006,
o II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares e
o I Encontro Sul-Americano de Culturas Populares.
Além das iniciativas de âmbito federal, existem aquelas de governos
estaduais e municipais, e, ainda de associações da sociedade civil, que de
uma forma ou outra, estão voltadas para o fomento e salvaguarda das
tradições culturais. Em São Paulo, instituiu-se, em 2001, o Dia da Cultura
Caipira (5 de agosto) e, em 2004, o Dia do Saci (31 de outubro), no âmbito
estadual. Na cidade de Botucatu, organiza-se o Festival Nacional do Saci
(onde surgiu a Associação Nacional dos Criadores de Saci); além disso o
Governo do Estado oficializou em 2006 editais de Concurso de Apoio a
Projetos de Promoção da Continuidade da Cultura Caipira, Caiçara,
20
Piraquara e Afro, e, ainda, da Cultura Quilombola . Por sua vez, o
Governo do Estado de Pernambuco, com base em Lei de 2002, promoveu
em 2005 o I Concurso Público do Registro do Patrimônio Vivo do Estado
de Pernambuco RPV-PE, para “beneficiar os artistas e mestres da cultura
21
popular e tradicional do Estado” , que passaram a ter direito a uma pensão
18
Conf. Sítio: http://www.cultpopbrasil.org/noticias/news_item.2006-01-05.0146052683, em 28/5/2006, e
publicação: Cultura Viva – Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania, 2 ed., Brasília: Ministério da
Cultura /Ministério do Trabalho e Emprego, 2005.
19
Sítio: http://portal.iphan.gov.br/forum/concurso/novasede/Edital_PNPI-2006.pdf, em 30/7/2006.
20
Sítio: http://www.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/SEC/edital/Edital_PAC_17-2006_cultura_caipira.doc, em
27/7/2006.
21
Ver FUNDARPE, sítio: http://www.cultura.pe.gov.br/. E, 26/09/2006.

65
mensal, como “Patrimônio Vivo”. Igualmente, o Governo do Estado do
Ceará, em 2003, instituiu o Registro dos Mestres da Cultura Tradicional
Popular do Estado do Ceará, cujos selecionados também obtiveram
22
direito a um auxílio financeiro mensal como “Tesouro Vivo do Ceará” .
Há de se mencionar também os empreendimentos de patrocínio, de
grande importância, da Petrobras, empresa estatal, sobretudo desde a
consolidação, em 2003, do Programa Petrobras Cultural, executado a
partir de 2004, em sintonia com o Ministério da Cultura e a Secretaria de
Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, da Presidência da
República, que entre as suas linhas de atuação, na de Preservação e
Memória (Música e Patrimônio), teve desmembramento de incentivo para
projetos de Patrimônio (Memória das Artes e Patrimônio Imaterial), na
qual têm sido selecionados muitos projetos voltados para as culturas
populares tradicionais. Da mesma forma, outras empresas, inclusive
bancos, no sistema de renúncia fiscal, têm realizado ações de promoção
das culturas populares.

Algumas questões, ainda... antes de encerrar

De fato, é notório o interesse que as culturas populares e tradicionais


vêm despertando em diversos segmentos sociais nos últimos anos,
inclusive resultando em inúmeras medidas governamentais de fomento e
preservação, como nunca se viu antes, a exemplo do próprio Prêmio
Cultura Viva. Neste caso, há de se destacar um aspecto inovador,
buscando superar o entrave burocrático que envolve comumente as
22
Sítio: http://www.cultpopbrasil.org/politicaspublicas/document.2005-06-27.1565947118, em 28/5/2006. O
conceito de “Tesouro Nacional Vivo” foi iniciado no Japão, na década de 1950 e posteriormente alcançou outros
países, sendo também incorporado pela Unesco, no projeto dos “Tesouros Humanos Vivos”, servindo de
referência para vários países.

66
realizações oficiais de fomento aos grupos de práticas populares
tradicionais. Nesse prêmio puderam se inscrever, diretamente, sem
intermediários, grupos que não têm estatuto jurídico formal (exigência
burocrática), que é a realidade da grande maioria dessas iniciativas, que
embora sejam conhecidas e consagradas em suas comunidades, não
contam com tal condição institucional. Posteriormente, os grupos
premiados, quando informais, obtiveram assessoria para os trâmites
burocráticos de seus registros.
O reconhecimento das culturas tradicionais se revela, no todo, em
distintas formas de registro (gravação de CDs, vídeo-documentários,
inventários, publicação de pesquisas), programação de um sem-número de
apresentações “artísticas”, festivais, criação de fóruns, programas
televisivos, patrimonialização de “mestres” das culturas populares como
“tesouros vivos”, encontros e outras modalidades.
Pode-se crer que, em seus princípios, muitas das iniciativas estão
lastreadas em meritória preocupação com os saberes populares, sobretudo
quando voltadas também para os membros das comunidades guardiãs
desses conhecimentos (o que é uma inovação), e não somente interessada
nos fenômenos em si, de forma descontextualizada, como tem sido feito
historicamente. Mas, por outro lado, também ocorrem ainda ações (mesmo
oficiais) que se pautam em vícios e conceitos equivocados, que resultam de
23
visões reducionistas, fragmentadas, e por demais generalizadas das
culturas populares. Nestes casos, no geral, não se levam em consideração
os conceitos, as visões, os interesses, funções e sentidos mais profundos
que as próprias comunidades têm dos fenômenos que praticam.
23
Há de se reconhecer que a própria tentativa de nomear, com poucos termos (gerais), as tão variadas expressões
culturais populares revela também uma compreensão redutora, rasa, das mesmas. De fato, cultura popular é
nomenclatura muito vaga e já saturada, praticamente, sem eficácia representativa.

67
Dessa forma, o modo predominante de incorporação das expressões
populares tradicionais no cenário cultural tem se dado atualmente pela via
estética, ou seja, como arte, espetáculos para puro entretenimento, e, ainda,
como apresentações de folclore, na forma de expressões de representação
da identidade nacional (brasilidade), das regionalidades ou das
localidades24. Esse último tipo de intervenção é comum quando se elegem
algumas práticas tradicionais, notadamente as que envolvem música,
dança e dramatizações, como atrações artísticas ou turísticas das suas
localidades, compreendendo-as como fenômenos isolados dos seus
contextos históricos e sociais, que lhes dão sentido. Por exemplo, um
mestre de Folia de Reis, que é em primeiro lugar, uma espécie de líder
espiritual, religioso, devoto e representante dos Três Reis Magos (Baltazar,
Gaspar e Melchior), passa a ser visto como representante do folclore ou
incluído na categoria “artista popular”, o que é estranhável para o próprio.
Naturalmente, não se pode desconsiderar a dimensão estética que se
ressalta em tantas expressões populares tradicionais, mas na maioria das
vezes não são estas as dimensões mais significativas para os próprios
participantes, principalmente naquelas realizações lastreadas em
princípios religiosos (tão comuns na cultura tradicional), mesmo que se
expressem nas formas compreendidas como “lúdicas”, com cantorias,
danças e dramatizações, e sejam identificadas como “brincadeiras”.
Assim, nem tudo nas culturas tradicionais pode se transformar,
generalizadamente, em espetáculo artístico ou deve servir à “geração de
renda”, à maneira das preocupações utilitaristas, embora, obviamente, não
de defenda aqui qualquer visão purista ou ingênua dos grupos dessas
expressões, nem a intocabilidade destes.

24
Elas são, de fato, expressões identitárias, porém sobretudo dos próprios praticantes ou das comunidades nas
quais se inserem.

68
Há de se considerar que os fenômenos das culturas tradicionais
guardam valores morais, religiosos, políticos, lúdicos, estéticos e outros
tantos, que foram herdados e, portanto, de algum modo refletem a própria
história das suas comunidades, repondo o passado no presente, e sendo
então sempre atuais. São práticas aglutinadoras, que, repetidas
ciclicamente, reforçam os valores socialmente aceitos e importantes para
os grupos, vitalizando-os. Por serem fatos preservados e geridos
coletivamente, são instrumentos de identidade e inclusão social, e até
mesmo de resistência política diante dos problemas que as comunidades
enfrentam.
25
Então, ações de fomento e salvaguarda serão eficientes e mais
interessantes na medida em que se pautem no conhecimento profundo e
sensível das comunidades e das modalidades enfocadas, e sobretudo
quando levam em consideração as visões e essências das próprias
populações envolvidas, cuja autogestão é fundamental, desvinculando-se
de mediadores (muitas vezes, “atravessadores”, no sentido negativo), que
estabelecem com os grupos conhecedores dos saberes tradicionais
inúmeras formas de relacionamento, paternalistas ou comercialmente
exploradoras, quando das suas vorazes inserções no mundo
contemporâneo da cultura apenas como espetáculo.

25
Sobre o assunto, ver: Márcia SANT'ANNA. “Políticas públicas e salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial”. In Registro e Políticas de Salvaguarda para as Culturas Populares (Série: Encontros e Estudos,
n.6). Rio de Janeiro: CNFCP-Iphan-MinC, 2005; Letícia VIANNA, “Patrimônio Imaterial: legislação e
inventários culturais. A experiência do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular”. In Celebrações e
Saberes da Cultura Popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectivas (Série: Encontros e Estudos, n. 5). Rio
de Janeiro: CNFCP -Iphan-MinC, 2004 (pp.15-24); e José Jorge de CARVALHO, “Metamorfoses das tradições
performáticas afro-brasileiras: de patrimônio cultural a indústria de entretenimento”. In: Celebrações e saberes
da cultura popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectivas (Série Encontros e Estudos, n. 5). Rio de
Janeiro: CNFCP-Funarte/IPHAN/MinC, 2004, pp. 65-83).

* Manifestações Tradicionais: rituais, artes, ancestralidades ... (Prêmio Cultura Viva, do MinC), original em:
Prêmio Cultura Viva: um prêmio à cidadania, Ana Regina CARRARA (coord.). S. Paulo: CENPEC, 2007,
ISBN 978-85-85786-65-6, pp. 50-54.

69
*

O presente trabalho enfoca uma das manifestações tradicionais do


catolicismo popular no Brasil, as FOLIAS DE REIS, na cidade de Goiânia,
(1).
Capital do Estado de Goiás, distante 230 quilômetros de Brasília - DF
Além do registro documental de algumas delas (principalmente as folias
baianas, pouco estudadas até o momento), o assunto traz implícita uma
questão que já mereceu a preocupação de diversas áreas - historiadores,
antropólogos e sociólogos - qual seja: a “convivência e as contradições
entre a cultura tradicional (representativa de um Brasil de feições agrárias)
e a cultura “moderna” (das grandes cidades: das atividades industriais, da
comunicação de massa, das atividades de prestação de serviços, da
especialização profissional e da informática), subentendendo-se, aqui, as
contraposições inter-grupos, classes sociais, ou, como tem sido tratado por
vários estudiosos, mais recentemente, entre “cultura popular e cultura
(2)
dominante” . Porém, abordagens interpretativas aprofundadas não
caberão neste artigo, que não se propões extenso, mas nas notas e na
bibliografia estarei indicando alguns autores onde temas importantes
poderão ser melhor compreendidos.
Nesta questão, mais do que a simples oposição: mundo rural & mundo
urbano, conforme aponta Carlos R. Brandão, há de se perceber em relação
à transformação de um tipo de viver rural para a vida da “moderna” cidade
“ a passagem de uma ordem de relações e de sujeitos sociais, para uma
outra e para outros sujeitos, ou os mesmos, em novas posições e com novos
(3)
interesses” . Assim , tem sido comum nos núcleos urbanos brasileiros que
71
vivenciam o crescimento e a chamada “modernidade”, a não manutenção
das práticas religiosas do tipo das folias de reis, que têm se preservado mais
em ambientes rurais ou pequenas cidades de “espírito”
predominantemente rural. Naturalmente, até em grandes cidades como
São Paulo e Rio de Janeiro, registram-se folias de reis, em alguns bairros,
porém de forma isolada e sem maiores repercussões no contexto geral
destas. Diferentemente, a cidade de Goiânia, apesar da sua atual
conjuntura nos moldes das modernas cidades, mantém de forma bastante
dinâmica e abundante a prática dessa modalidade religiosa popular,
alcançando até bairros de elite como o Setor Sul e o JardimAmérica.
A cidade possuía em 1988 (época de coleta de campo) em torno de
1.400.000 habitantes; tendo sido fundada em 1935, como núcleo urbano
(4)
planejado . Pelos censos de 1975 e 1980, vê-se que a cidade registrou no
(5)
período um aumento de 89,1% nas atividades do setor de serviços , o que
caracteriza bem o crescimento da cidade dentro das particularidades
urbanas modernas. Interessante, ainda, é que Goiânia atraiu a população
migrante das regiões interioranas do próprio Estado como de vários
Estados limítrofes, principalmente de Minas Gerais e do interior de Bahia,
tornando-se importante local para estudo das interpenetrações culturais
dessas diferentes regiões.
Um jornal da cidade - O Popular, de 3/1/1988 - menciona a existência
de “mais de trezentos grupos de foliões”, informação essa que pode ser
questionada. Pelas minhas indagações pude ter referências da existência
desses grupos na maioria dos bairros e/ou vilas; alguns tendo até mais de
uma folia. Levando-se em conta que a cidade possuía mais de 250 bairros
(6)
e/ou vilas, pode-se supor que é bastante grande a quantidade delas” .
Consultando pessoas de extratos sociais e idades diferentes (populares nas
ruas, mercados, rodoviárias, lojas etc.) percebe-se que não há
praticamente quem desconheça a existência de uma ou outra folia.

72
Evidentemente, não se pode fazer a relação direta entre os bairros da cidade
e a quantidade desses grupos, pois a maioria das folias fazem andanças por
vários bairros, e alguns possuem até três grupos distintos, conforme se
pode constatar.
Pelo menos três tipos diferentes de folias são encontradas em Goiânia:
(7)
sistema mineiro, sistema baiano e sistema misto .
As considerações deste artigo estão baseadas em contatos realizados
com oito grupos, sendo: três folias de sistema mineiro, duas folias que
incorporam tradições goianas/mineiras e baianas, e três folias de sistema
baiano.
As folias de Reis - Trata-se de grupos de devotos dos Três Reis Magos
(8)
que, normalmente no período entre 24 de dezembro e 6 de janeiro ,
anualmente, portando instrumentos musicais e um estandarte alusivo à
devoção, fazem visitação nas casas, onde realizam louvações cantadas ao
Menino Deus e aos Reis Magos (Baltazar, Melchior e Gaspar). O
estandarte ou bandeira traz sempre a figura dos “ Reis Santos” e/ou cenas
(9)
da natividade, sendo o símbolo representativo das folias . O número de
componentes do grupo é variado, na média entre 8 a 12 elementos. Além,
das cantorias louvativas, as folias angariam contribuições (“esmolas”)
para a realização da Festa de Reis (6 de janeiro). Naturalmente,
comunicam e convidam os donos das casas visitadas para os festejos. As
“esmolas” variam de acordo com as possibilidades de cada casa visitada;
no geral são contribuições em dinheiro (pequenas quantias) ou a doação de
gêneros alimentícios (arroz, feijão, farinha, macarrão) e até mesmo
(10)
pequenos animais (galinha, pato etc.), que são utilizados no dia da festa .
O ciclo de visitações (jornada ou giro) consiste, basicamente, de: saída
de determinada casa (pouso de saída); visitações e pedidos de esmolas em
inúmeras casas, durante vários dias, em trajeto previamente estabelecido;
chegada à casa onde se encerra o ciclo (pouso ou casa da entrega).
73
Simbolicamente as folias representam a história bíblica. Concretamente,
trata-se de uma pequena unidade volante de evangelização e manutenção
das tradições católico-populares.

Exemplo 1: CANTORIA DE SAÍDA (pauta musical em anexo)

Oi, glória ao Pai e glória ao Filho


O Espírito Santo também bis=coro
O Espírito Santo também

Oi, glória a Deus lá nas alturas


Oi, que nasceu pra nosso bem bis=coro
Oi, que nasceu pra nosso bem

Mas ô que hora tão sagrada


Que reuniu neste salão bis=coro
Que reuniu neste salão

Ai, procurando os Treis Reis Santos


Arreuniu seus fulião bis=coro
Arreuniu seus fulião

Oi, ora viva os campos em fruto


E também viva as arvi (árvores) em flor bis=coro
E também viva as arvi em flor

Oi, também viva a Virgem Maria


Que é a mãe do Redentor bis=coro
Que é a mãe do Redentor
74
Aos vinte e cinco de dezembro
Ai, todas as árvores floresceu bis=coro
Ai, todas as árvores floresceu

Ai, quando o galo anunciou


Ai, que Jesus Cristo nasceu bis=coro
Ai, que Jesus Cristo nasceu

Ai, os Treis Reis quando subero (souberam)


Ai, que Jesus tinha nascido bis=coro
Ai, que Jesus tinha nascido

Oi, partiro (partiram) do oriente


Ai, todos os treis arreunido bis=coro
Ai, todos os treis arreunido

Oi, na chegada da lapinha


Ai, foram logo ajuelhando bis=coro
Ai, foram logo ajuelhando (foliões se ajoelham)

Oi, avistaram o Pai Eterno


Ai, vossos pés foram beijando bis=coro
Ai, vossos pés foram beijando

Ai, adoraram Menino Deus


Ai, filho de Nossa Senhora bis=coro
Ai, filho de Nossa Senhora

75
Ai, eles foram girá o mundo
Ai, entre caxas (caixas) e viola bis=coro
Ai, entre caxas e viola

Oi, levantai filho de Deus


Ai, que é filho da bênção bis=coro
Ai, que é filho da bênção (foliões se levantam)

Ai, vamos dar o nosso giro


Oi, pá cumprir nossa missão bis=coro
Oi, pá cumprir nossa missão

Ai, vô pedi pra o meu alfer (alferes)


Que é filho da Virgem Maria bis=coro
Que é filho da Virgem Maria

Que ponha a mão nessa bandera


E vem benzê a Companhia bis=coro
E vem benzê a Companhia

Oi, senhora dona da casa


Oi, dá uma chegada até cá bis=coro
Oi, dá uma chegada até cá

Vem dispidi dos Treis Reis Santos


Que precisamo viajar bis=coro
Que precisamo viajar

76
Ai, senhores dono da casa
Oi, adeus até outro dia bis=coro
Oi, adeus até outro dia

Ai, voceis fica todos com Deus


E a Virgem Santa Maria bis=coro
E a Virgem Santa Maria

Ai, os Treis Reis estará de volta


Ai, no dia seis de janeiro bis=coro
Ai, no dia seis de janeiro

Ai, eles vai reparti a bença


Em nome do Pai Verdadero bis=coro
Em nome do Pai Verdadero

Ai, os Treis Reis já vai se embora


Com os anjo batendo as asa bis=coro
Com os anjo batendo as asa

Ai, deixando cheia de gloria


Oi, a vossa bendita casa bis=coro
Oi, a vossa bendita casa
(As cantorias do coro - resposta - em muitas estrofes não reproduzem
os versos integralmente; fazem praticamente imitação da sonoridade
ouvida).

Na cerimônia de saída (1º dia) realizam-se as rezas (terço) diante de


um altar com as imagens dos santos de devoção do dono da casa e/ou com
77
a figura do Menino Deus, onde se coloca acima a bandeira da Folia.
Acontecem também discursos; agradecimentos à participação dos foliões;
orientações do líder dos foliões, sobre os procedimentos esperados durante
as jornadas; avisos gerais; entrega das toalhas (divisa de fulião), que os
foliões levam por sobre o pescoço; e a cantoria de saída. É comum após a
retirada da bandeira do altar os foliões beijarem-na e passarem debaixo
desta. Concluídos esses rituais o grupo inicia o primeiro dia de jornada.
Em cada dia, os foliões fazem as refeições (almoço e jantar) nos
chamados “pousos” (de almoço, de janta e /ou de dormida), que são
combinados previamente, geralmente dentro do roteiro estabelecido para
o “giro”. A quantidade de casas visitadas em cada dia depende dos contatos
(pedidos) realizados anteriormente ou dos pedidos de visitas que vão
surgindo à medida que o grupo evolui pelas ruas. À aproximação dos
horários previstos para a chegada nos pousos é comum, se há atrasos, o
rareamento de visitas, embora uma folia nunca deva negar-se a um pedido
expresso de visita. Pode ocorrer também da folia atender pedidos de visita
fora do roteiro estabelecido (outros bairros), principalmente de pessoas
amigas dos membros do grupo; porém sempre retomam o percurso
original.
Embora a tradição das folias seja a de pedir “dormida” (descanso
noturno) no decorrer das andanças, em Goiânia isto não foi verificado: os
foliões deixam apenas a bandeira e os instrumentos musicais na “casa do
pouso”, voltando para dormirem em suas próprias casas. No dia seguinte
retornam para prosseguirem com a jornada.
A cerimônia em cada casa visitada no geral se reveste de intensa
emocionalidade, já que os devotos se sentem recebendo as próprias
entidades espirituais representadas na bandeira da folia. Consiste
normalmente de:

78
· Cantoria de chegada e pedido de entrada na casa
· Cantoria de saudação aos moradores e pedido de esmola
· Entrega da bandeira ao (s) morador(es)
· Cantoria versando sobre a Natividade (quando há presépio na casa
faz-se a “Adoração do Presépio”, cantada)
· Devolução da bandeira à folia
· Recebimento da esmola
· Cantoria de agradecimento e despedida.
Comumente, de uma única vez, faz-se o “pedido de entrada”,
“saudação aos moradores” e o “pedido de esmolas”, assim como não há
rigor na cantoria de “adoração do presépio” ou o momento específico do
recebimento da esmola.
No tocante ainda aos aspectos rituais, a bandeira por ser o símbolo
máximo do culto aos Reis Magos é sempre o centro das atenções e
reverências, sendo comum que seja levada (pelos próprios moradores) aos
vários aposentos da casa, sendo passada por cima dos mobiliários, como
forma de benzimento. Da mesma forma, nas ruas é normal que transeuntes
a beijem e se benzam tomando nas mãos as fitas que sempre pendem dela.
Nos pousos “de almoço” e “de janta” os foliões sempre cantam em
agradecimento pela refeição recebida, assim como costumam ovacionar
(vivas) aos Reis Magos, aos donos da casa, à cozinheira etc; além de
realizarem rezas à mesa antes de iniciarem a refeição. Podem ocorrer após
o repasto momentos de “brincadeiras”, principalmente depois do jantar,
com a realização de danças e cantorias profanas. Os foliões de tradição
mineira/goiana costumam dançar o Catira (dança com palmeados e
sapateados) enquanto os grupos baianos executam principalmente o samba
de roda e a chula (pautas musicais e considerações no final).
Além da bandeira, a toalha é implemento presente e importante nos
grupos de folia, sendo usada por todos os seus membros. São sempre
79
brancas e, na maioria das vezes, trazem bordadas inscrições alusivas à
devoção. Usam-na dobrada em quatro (no comprimento). Por ser também
um símbolo sagrado, não pode ser utilizada na forma convencional.
Alguns depoimentos sobre o significado dessas toalhas mostram bem sua
importância:
· Atoalha “significa, quando São José e Nossa Senhora saíram com a
toalha para embrulhar e esconder o Menino Deus, quando os
judeus estavam caçando ele.”
· “a toalha é uma corrente para livrar negócio maligno”.
· “a toalha é divisa (identidade) dos Treis Reis Magos, é os soldados
(guardiães).
· “a toalha é divisa de folião” (distingue aqueles que fazem parte do
grupo).
· “há de se respeitá esse manto que enxugou Jesus Cristo no
padecimento dele”.

Estrutura Funcional das Folias

A liderança dos grupos se dá a partir do “embaixador” da folia, que


geralmente é o membro organizador e que tem maior experiência e
conhecimentos sobre a prática destas. São chamados também de “mestre”,
“capitão” ou “guia”.
A ele cabe a iniciativa das cantorias, como voz principal, além de tudo
que se refira à organização do grupo: decisões sobre o percurso a ser
cumprido, período do giro, horários, contatos para estabelecer as casas dos
pousos, convocação dos músicos etc. Em grande parte, os líderes seguem
tradições herdadas do pai ou algum parente (avô, tio, irmão mais velho), e
há nos processos de passagem efetiva da liderança para novos líderes
vários anos de treino. Além da relação de parentesco entre membros das
80
folias há comumente os casos de compadrio. Existem também folias que
são organizadas apenas durante certo número de anos (no geral sete),
somente para cumprimento de promessa. Nesses casos é comum que o
“dono” da folia convide um embaixador para a realização das jornadas,
cabendo ao primeiro toda a parte organizativa e ao segundo a liderança
ritualística religiosa. Nas andanças das folias esses líderes, muitas vezes,
são alçados à condição de guias espirituais junto à população, sendo
solicitados para aconselhamentos nos problemas que afetam os devotos.
Além do mestre, a maior experiência entre membros dos grupos é
sempre fator que auxilia no reconhecimento de outras lideranças, nos
casos de eventual substituição na chefia dos grupos. Pode existir, assim, a
figura do “contra-mestre”, que é um segundo elemento na hierarquia das
folias e que geralmente se incumbe de chamada “segunda voz”nas
cantorias.
Variando de grupo para grupo existem também: ”alferes”, que carrega
a bandeira e recebe as esmolas (em alguns grupos o recebimento das
esmolas é feito pelo palhaço); “Fiscal”, que cuida da parte disciplinar dos
foliões; “Regente”, que pode ser responsável pela disciplina ou se
encarregar do controle do uso de bebida alcoólica ( no geral a pinga) que
alguns grupos levam “para resolver o problema do pigarro (rouquidão) na
voz”, pelos vários dias de cantorias. Folias que giram em regiões rurais
costumam manter o “Carguerero” (que carrega a carga = esmolas),
também chamados de “Malero” (de mala) e “Ajudantes “, para a guarda e
o transporte das doações recebidas durante o giro.
Em várias folias, notadamente as de tradição mineira, ou por estas
influenciadas, uma figura importante é o “palhaço” (geralmente dois),
chamado também “marungo”, “marujo”, “boneco“ ou “bastião”. Vestem
roupas largas e coloridas, em cores berrantes, sempre usam máscara e
chapéu cônico (ou cobrem a cabeça com toalha), e portam um bastão de

81
madeira ou um chicote. A eles cabem papéis cômicos (dançam
desengonçadamente o “lundum”, dirigem gracejos aos transeuntes e aos
donos das casas), e ainda, ficam encarregados de proteger os membros da
folia quando estes são ameaçados por cachorros ao se aproximarem das
casas; também vão à frente da folia para indagar os moradores sobre o
interesse ou não em receberem o grupo. Para as crianças, principalmente as
menores, os palhaços são sempre motivo de medo, pelo uso da máscara
(em geral aterradora) e por estarem o tempo todo em atitudes de grande
agitação; correndo atrás das crianças ou perturbando os animais
domésticos das casas. Os palhaços têm simbologia variada dentro das
folias, sendo na maioria das vezes identificados com “o mal” (espião do
(11)
Rei Herodes ou representantes do diabo); mas existem também
declarações inversas, de que são os “guias da bandera” ou que “os palhaços
são dois: um dançou pra distraí o Rei Herode e o outro fugiu com o Menino
(Deus)”, portanto, representando o “bem” (12).
Apesar da liderança “natural” dos mestres, pelos aspectos já
apontados, alguns reforçam este ponto através da ordem estabelecida
vigente (estrutura oficial de poder), como por exemplo, a aplicação do
“Regulamento da Folia”, com base no Alvará (autorização) Policial a que
as folias estiveram submetidas na cidade em tempos anteriores. Segundo
alguns depoimentos, os alvarás eram obrigatórios “antigamente”, não o
sendo mais. Percebe-se, no entanto, que alguns líderes fazem questão de
colocar aos foliões as regras disciplinares, muito em função do que
constava nos alvarás, conforme exemplo a seguir:
(Regulamento lido por um “capitão” de folia, no dia da saída).
1) “Não é permitido a presença (na folia) de pessoas armadas ou
embriagadas.”
2) “Não é permitida a presença de menores desacompanhados de seus
pais ou responsáveis.”
3) “Fazer silêncio quando chegar a noite... A Partir das 19 horas
82
...porque 18 horas o sol ainda tá alto...então caladinho igual aos
Reis Magos.”
4) “Dar ciência às autoridades. Se as autoridade procurá o que nóis
tamo fazendo, nóis tamo girando com a folia pra cumpri uma
missão. As autoridades são a polícia civil ou militar ou do
exército.”
5) “Fulião não pode sair antes de agradecer a mesa, na hora da
refeição.”
6) “Fulião não pode sair com a toalha no pescoço para o buteco
(bar). Se for comprá um cigarro ou fósforo, pega a toalha e dá pra
outro soldado, outro irmão dele, comprá o fósforo. Se o público
vê o fulião num buteco...pode pensá que ele tá bebendo. E as vez
ele tá lá bebendo.”
7) “Não fazer algazarra. Agarra...achou uma menina (mulher)
bonita, deixa pra depois da folia. Respeitá esse manto que
enxugou Jesus Cristo no padecimento dele.”
8) “Não perturbar o sossego público.”
9) “Não chegar atrasado.”
10) “Não mexer nas coisa alheia. Não emprestar os instrumento.”
(“Capitão Amantino”_ Argemiro Isidoro de Macedo - Folia do
Setor Pedro Ludovico, 1/1/1988

Exemplo 2: CANTORIAS DE AGRADECIMENTO PELO


ALMOÇO (pauta musical em anexo)

Ai, bendito louvado seja


As treis palavras de Deus bis
Pai e Filho e Sprito (Espírito) Santo
Seja pelo amor de Deus bis

83
Ai, os Treis Reis, ai, procurô
Que é pra todos fulião bis
Respondeu Nossa Senhora
Pois o Filho tem benção bis

Ai, Deus lhe pague o belo almoço


Que vóis deu pra os fulião bis
Quando for no outro mundo
De Deus tem a sarvação bis

Ai, Deus que pague ao belo pão


É o pão de cada dia bis
Santo Reis que lhe abençoa
Por toda sua família bis

Ai, Deus lhe pague ao belo almoço


E também o seu café bis
Santo Reis que lhe ajuda
São Joaquim e São José bis

Ai, lá no céu desceu treis vela


Todas as treis desceu acesa bis
É os Treis do Oriente
Abençoando esta mesa bis

Ai, lá vai a garça voando


E nos aros (ares) bateu as asa bis
Vai voando e vai dizendo
Viva o dono dessa casa bis

84
Ai, a garça que avuô
Nos aros (ares) bateu traveis (outra vez) bis
Vai voando e vai dizendo
Viva o nosso Santo Reis bis

Ai, senhor o dono da casa


É o ministro da lapinha bis
O senhor o Santo Reis
É (há) de ser sua companhia bis

Ai, Deus vos salve Casa Santa


Casa Santa de Belém bis
Se a morte não nos matá
Até o ano que vem bis

Ai, ofereço este Bendito


Pra o Senhor que está na cruz bis
Em louvor dos Treis Reis Santo
Para sempre amém Jesus bis

Os foliões

Em Goiânia os foliões são basicamente das baixas classes


econômicas, exercendo profissões como: pedreiro, vigia, ajudante de
serviços gerais, faxineiro, feirante; tendo um ou outro de melhor condição
profissional (eletrotécnico, funcionário público com certa graduação,
agente de polícia, pequeno comerciante). No caso das mulheres, que são
comuns nas folias dos migrantes baianos, a maioria dedica-se aos
trabalhos domésticos. Em geral, existe nos grupos o problema de
compatibilização entre o trabalho e a participação nas Folias, já que são

85
vários dias de jornada. Alguns foliões conseguem soluções como: pedido
prévio de férias na época das jornadas ou a simples falta ao trabalho
enquanto outros têm participação na Folia em determinados dias ou horas,
que intercalam com o trabalho profissional. Tudo no sentido de “cumprir a
devoção”. Enquanto alguns grupos conseguem a participação permanente
de todos os seus membros, outros recorrem à substituição de alguns
elementos no decorrer das jornadas em função de problemas com o
trabalho. Os líderes são sempre fixos, dificilmente ocorrendo a
substituição.

Diferentes Tipos de Folias (com base na estrutura musical)


Sistema Mineiro - São as mais comuns na cidade. Realizam cantorias
em andamento no geral entre M.M. = 72 a 88, com várias vozes (6 ou
mais), em forma responsorial (solo/coro) e em harmonia predominante
dentro do sistema tonal tradicional.Assim, em cada estrofe cantada repete-
se a forma responsorial entre solistas e resposta coral. As vozes, no coro,
notadamente as mais agudas, entram e se ajustam no decorrer da cantoria,
chegando ao final de cada estrofe com a sobreposição da totalidade das
vozes. Normalmente dobram-se em oitavas (falsete) as vozes mais graves,
a partir da harmonia de base (3ª., 5ª. ou 6ª.). Não se pode dizer que existe
um sistema de harmonização uniforme o tempo todo, pois esta se faz de
forma intuitiva e ajustada a cada momento, podendo ocorrer evolução
paralela das vozes ou a realização de notas pedais, criando-se
contrapontos e inversões harmônicas. As bases harmônicas são,
entretanto, fundadas nos acordes da harmonia tradicional tonal.
Naturalmente, tendo sempre a sustentação harmônica e melódica de
instrumentos musicais, como: sanfona, viola(s), violão(ões),
cavaquinho(s), rabeca(violino), sob a marcação rítmica da caixa, do
pandeiro e do triângulo. Nota-se nesses grupos grande ênfase no que se

86
refere à parte harmônica. Instrumentos musicais de registro agudo, como o
cavaquinho e a rabeca, costumam realizar solos paralelos às vozes, assim
como as introduções, os interlúdios e as finalizações, juntamente com a
sanfona.
No geral as folias mineiras têm a participação só de homens.
Sistema Baiano - Pode-se dizer que em Goiânia existem dois tipos de
folias praticadas por migrantes do interior da Bahia: "Folia de Gaita" e
(13)
"Folia de Música" .
A Folia de Gaita baseia-se no uso de duas flautas de bico (pífanos)
denominadas "gaitas" ou "pifes" e instrumentos de percussão: “bumba",
"tambor" ou "caxa", além de outros como o "requi-requi" (reco-reco),
pandeiro, triângulo e o "maracaxá" (chocalho). Trata-se do tradicional
"Terno de Pifes" ou "Zabumba", comum na região nordestina do Brasil. O
bumba e o tambor são tambores de tamanhos variados, denominando-se
Bumba ao maior deles.
A música da folia de gaita tem andamento entre M.M. =100 a 138,
notando-se ênfase no aspecto rítmico, sendo comum na melodia o uso de
células rítmicas sincopadas, conferindo-lhes caráter dançável
contrapondo-se à dolência e ao quadradismo rítmico-melódico das folias
mineiras. As gaitas realizam introduções, interlúdios (melodia
instrumental entre as estrofes cantadas) e os encerramentos, nas cantorias.
São executadas predominantemente em terças paralelas, enquanto as
vocalizações se fazem também em duplas (em oitavas, uníssono ou em
terças). Sempre se intercalam solo-instrumental e cantoria vocal. As
melodias nesses grupos fogem à tradição tonal tradicional, existindo
predominante uso de escalas defectivas (escalas não completas, com 3, 5
ou 6 notas), embora, tendo base tonal. Os solos das gaitas tanto podem
(I4)
repetir a melodia vocal quanto realizar solo diverso desta .
A Folia de Música se caracteriza pelo uso de instrumentos harmônicos
87
convencionais como a sanfona, viola, violões, além da percussão, porém,
mantendo cantos da tradição baiana, conforme apontado anteriormente.
Assim, também, tem andamento mais rápido que as folias mineiras.
Verifica-se nestas a mesma forma de intercalação entre canto e solo
instrumental.
Segundo depoimentos de vários foliões baianos, os grupos daquela
região não costumam ter bandeira, porém adotaram-na em Goiânia em
(15)
função da tradição local .
Nas folias baianas é comum a participação de mulheres, muitas vezes,
tendo liderança no grupo, inclusive nas cantorias; havendo também
grupos só de homens.
Sistema Misto - São Folias que incorporaram músicas dos diversos
sistemas (mineiro, goiano e baiano), muitas vezes, por reunirem foliões de
tradições diferentes. Geralmente têm predomínio do sistema mineiro na
parte instrumental. Percebe-se nelas influências mútuas, como é o caso de
(16)
uma das folias pesquisadas (Jardim Guanabara) cujo embaixador
nasceu em Goiás, mas conhece e pratica formas de cantorias dos sistemas
goiano, mineiro e baiano.
Sistema Goiano – Segundo a pesquisadora Yara Moreira, "consiste
em quatro cantores, dois homens e dois meninos. Estes cantam “por cima”
das vozes masculinas, ou seja, o canto é realizado por duas vozes
(17)
dobradas” . Desse tipo não pude contatar nenhum grupo em Goiânia. A
própria pesquisadora diz não ser comum encontrarem-se grupos desse tipo
atualmente em Goiás, assim como também vários participantes das folias
pesquisadas declararam não terem conhecimento de folias goianas na
(18)
cidade. Segundo informações de um deles , o sistema goiano consiste de
"tirar música em três pessoas e responde com três também", depoimento
este que diverge do da pesquisadora citada.

88
Exemplo 3: CANTORIA DE AGRADECIMENTO PELO
ALMOÇO E HOMENAGEM À PESSOA
FALECIDA.
(Pauta musical: O mesmo do ex. 1, no final)

Ai, Jesus Cristo perguntô


Ai, quem tratô dos fulião bis=coro
Ai, quem tratô dos fulião

Ai, os Treis Reis arrespondeu


É esses filhos da benção bis=coro
É esses filhos da benção

Ai, Deus vos pague o alimento


Ai, que tirô a nossa fome bis=coro
Ai, que tirô a nossa fome

Que vóis tenha outra lá no céu


Ai, do manjar que os anjo come bis=coro
Ai, do manjar que os anjo come

Ai, Deus vos pague o alimento


Oi, que vóis deu de boa vontade bis = coro
Oi, que vóis deu de boa vontade

Ai, os Treis Reis que lhe abençoa


Também vos dê felicidade bis = coro
Também vos dê felicidade

O alimento que vós deu


Ai, os Treis Reis que lhe ajude bis = coro
Ai, os Treis Reis que lhe ajude
89
Oi, que não falte os vossos pão
Também vos dê vida e saúde bis = coro
Também vos dê vida e saúde

Oi, entregai essa bandera


Oi, pra aquela rica senhora bis = coro
Oi, pra aquela rica senhora

Ai, vô pedi meus fulião


Ai, um silenço bem profundo bis = coro
Ai, um silenço bem profundo

Ai, pra cantá pra um cristão


Que já está no outro mundo bis = coro
Que já está no outro mundo

Que já entrego a vossa alma .


Pra o Divino Pai Eterno bis = coro
Pra o Divino Pai Eterno

Que os Treis Reis do Oriente


Oi, livrai do fogo do inferno bis = coro
Oi, livrai do fogo do inferno

Ai, bendito louvado seja


Que para sempre seja louvado bis=coro
Que para sempre seja louvado

Oi, que Deus tenha lá no céu


Ai, este morto sepultado bis=coro
Ai, este morto sepultado
90
As Cantorias - Os Versos

As cantorias se compõem de versos tradicionais (prontos) e de versos


improvisados ou menos usuais, quando surgem situações onde o
"embaixador" os cria para o atendimento destas; por exemplo, cantar
mencionando pessoa falecida ou pedir pela recuperação da saúde de
algum membro doente da casa. Nos casos em que há promessa dos
moradores das residências visitadas, o "mestre" sempre faz menção ao fato
tomando para si o direito de em nome dos Reis Magos, reconhecer e dar
por cumprida a promessa feita.
A quantidade de estrofes nas cantorias é bastante variada, dependendo
de cada situação ou de cada embaixador. Podem ocorrer cantorias de três
até quarenta estrofes, conforme registrado nas folias pesquisadas. O
número de estrofes se gradua, segundo me parece, conforme a importância
do momento; assim, as cantorias das cerimônias de "saída", da"entrega" ou
de "agradecimento pelas refeições" são sempre longas. Da mesma forma a
quantidade de estrofes podem variar de casa para casa até pela quantia de
esmola recebida, ou se são pessoas amigas dos foliões ou, ainda, se a folia
está atrasada para a chegada aos pousos. A impressão que se tem é que
muitos mestres de folia passaram a abreviar a quantidade de versos nas
cantorias, pelo grande número de casas que visitam na cidade (isto não
deve ocorrer nas regiões interioranas onde a densidade populacional é
menor).

Segundo um dos mestres entrevistados (19) são os seguintes os tipos de


cantorias, tradicionalmente:

"Anunciação e a viagem", 25 estrofes


"do Nascimento", 25 estrofes.
"Viagem dos Oriente", 24 estrofes
"Saudação do Centro (Espírita)", 24 estrofes
91
"Saudação do altar", 12 estrofes
"Recebimento das Treis Coroa", 25 estrofes
"De promessa ou voto", 6 estrofes
"Para pessoa falecida", 7 estrofes
"Despedida do altar e agradecimento”

Na grande maioria dos casos os versos se fazem em redondilha maior


(sete pés), sendo que as estrofes se formam em consonância com a frase
musical, baseadas em dísticos e quadras.

Oi, glória ao Pai e glória ao Filho


O Espirito Santo também bis
O Espirito Santo também
(Dístico, com repetição do 2° verso e nova repetição integral pelo coro)

Bendito louvado seja


As treis palavras de Deus bis
Pai e Filho Sprito Santo
Seja pelo amor de Deus bis
(Quadra, com repetição dos versos dois a dois)

"São José, Nossa Senhora


São José, Nossa Senhora
Mandado com São João
Mandado com São João
Santo Reis mandô dizê
Que ajoelhe os fulião
(Quadra, com repetição do 1°e 2° versos)

Senhora dona da casa


Deus lhe dê uma boa tarde
Ai, meu Deus
Deus lhe dê uma boa tarde bis
(A rigor trata-se de um dístico já que o 2° verso se repete, de forma
conclusiva, na parte musical. Percebe-se aí a adequação à frase musical).
92
Viemos cantar os Reis
Viemos cantar os Reis
Cantamos com alegria
Cantamos com alegria
(Dístico, com repetição intercalada dos versos)

As cantorias se fazem basicamente em ritmo binário, tendo sido


gravados apenas 2 casos de ritmo binário composto.

O Dia “da Entrega "

O dia "da entrega" é o momento culminante e mais solene do ciclo de


Santos Reis. Significa a chegada dos Magos a Belém. A data da entrega
varia de grupo para grupo (conf. Nota 8), sendo, no entanto, o dia 6 de
janeiro (dia oficial dos Reis Magos, pela Igreja Católica) o de maior
preferência. Nos grupos que fazem a entrega antes de 6 de janeiro é comum
a realização, nesse dia, de rezas na "casa da entrega" ou do "mestre".
As cerimônias "da entrega" são variadas, dependendo do que foi
angariado durante as jornadas ou das condições de posse do dono da casa
(festeiro) e também da tradição particular de cada grupo. (No geral, "as
arrecadações em dinheiro não são suficientes para cobrir os custos da
festa, segundo depoimentos de vários "mestres de folia"). Fazem-se, desde
cerimônias simples - com realização de cantorias e rezas diante do
presépio, com oferecimento de jantar aos foliões e alguns poucos
convidados – até cerimônias complexas que duram quatro horas ou mais,
como o caso da chegada onde se realiza a "cerimônia dos arcos".
A cerimônia consiste da colocação de três arcos (geralmente de
bambu), no caminho de chegada da folia até a porta da casa sendo que em
cada arco a folia pára e realiza longas cantorias e pede passagem (2O) .
93
A concessão da passagem (pelos donos da casa) se faz pelo
rompimento de "correntes" (de papel crepom ou fitas) que são colocadas
como obstáculos junto a cada um dos arcos. Todo o espaço em frente a casa
é enfeitado com bandeirolas coloridas, até mesmo os espaços da rua. A
última corrente corresponde ao da porta da casa. Ultrapassados os três
obstáculos, que para os devotos significam "as dificuldades que os Reis
Magos tiveram no caminho para Belém", realiza-se diante do presépio
longas cantorias, reza-se o terço e faz-se o ritual de retirada das máscaras
dos "palhaços" (quando existem) que se ajoelham e pedem "absolvição" ao
Menino Deus. Serve-se, então, o jantar aos foliões primeiramente. Canta-
se o "Bendito de Mesa" (acompanhado ou não dos instrumentos
musicais). No decorrer do jantar "escolhe-se" ou se anuncia o festeiro do
próximo ano, geralmente levando-se em conta a manifestação de interesse
de algum elemento presente, que sempre há.
Na verdade, a escolha já está de alguma forma estabelecida
anteriormente, entre pessoas de convívio dos membros da folia. Muitas
vezes o festeiro é o próprio "mestre da folia”.
Assumir a condição de festeiro é sempre fator de prestígio na pequena
comunidade que se forma em torno das atividades das folias, pois além dos
gastos pecuniários que lhe conferem distinção pelo maior poder
econômico, forma-se nessas ocasiões significativo grupo de agregados
(ajudantes) para a realização da festa (vizinhos, parentes, compadres) que
ficam sob suas ordens; estabelecendo-se aí uma relação de hierarquia e
distinção social (reprodução da estrutura social hierarquizada), embora
num primeiro momento possa parecer uma relação entre iguais. Podemos
confirmar assim a observação de Alba Zaluar, de que: "Na festa de Santo,
vista enquanto ritual, são expressos os valores que integram e unificam as
diversas classes e categorias de pessoas, mas nela também o conflito

94
aparece sob forma camuflada em certas fases desse campo de atividades
específico. A relação entre o festeiro, que, tradicionalmente redistribui o
que foi recolhido dos promesseiros pela folia, e seus convivas, geralmente
a gente mais pobre das localidades, acentua ritualmente os padrões morais
de relação entre patrões e lavradores, entre ricos e pobres, entre poderosos
(21)
e dependentes" .

Exemplo 4: CANTORIA DE PEDIDO DE ESMOLA


(pauta musical em anexo)

Senhora dona da casa


Senhora dona da casa
Muito alegre deve estar bis=coro
Muito alegre deve estar ( 2 vozes femininas)

Aí estar os Treis Reis Santos


Aí estar os Treis Reis Santos bis=coro
Vei aqui lhe visitá
Vei aqui lhe visitá

Vei trazê vida e saúde


Vei trazê vida e saúde
Pra senhora e a familha bis=coro
Pra senhora e a família

São despedida de festa


São despedida de festa
Entrada de novo ano bis=coro
Entrada de novo ano

95
Os Treis Reis pede uma oferta
Os Treis Reis pede uma oferta
Se ele for merecedor bis=coro
Se ele for merecedor

Quando der a vossa oferta


Quando der a vossa oferta
Não repara para dar bis=coro
Não repara para dar

Esse memo Treis Reis Santo


Esse memo Treis Reis Santo
Ponha outra no lugar bis=coro
Ponha outra no lugar

Considerações Finais

O aspecto realmente marcante sobre o ciclo da natividade na cidade de


Goiânia é, de fato, o dinamismo e a grande quantidade de Folias de Reis
que ali atuam; além da variedade de tipos que são praticados. Percebe-se
entre elas desde sutis e pequenas diferenças até distinções profundas,
como ocorre, entre as folias de tradição mineira/goiana e as folias baianas.
Mesmo entre os grupos de igual tipo existem variáveis em seus elementos
que dificultam as tentativas de descrições de cunho generalizador.
A unidade desses grupos se faz, porém, centrada na religiosidade, no
culto ao Menino Deus e aos Santos Reis, ligando tradições culturais às
vezes bastante diversas. Assim, a própria tradição religiosa-católica é o elo
unificador desses grupos, embora a Igreja Católica oficial não tenha
atualmente interferência direta na existência destes e nem no dinamismo

96
com que ocorrem na cidade. Enquanto determinados grupos se mostram
desfalcados de certos elementos que caracterizam historicamente as folias
de reis, outros mantêm-se integrais e estabeleceram tradição nos bairros da
cidade, demonstrando grande vigor a cada ano.
Percebe-se, grosso modo, a aceitação das várias formas de folias por
parte da população; apesar, naturalmente, do maior ou menor agrado que
alguns possam demonstrar diante dos grupos aos quais estão mais
acostumados.
Entre as folias baianas percebem-se adaptações e a adoção de alguns
procedimentos da tradição local (goiana/mineira, basicamente), como o
uso da bandeira, que estes não praticavam em suas regiões de origem.
Porém, estes migrantes têm conseguido manter elementos fundamentais
das suas próprias tradições, como se nota nos aspectos musicais, que atuam
nestes grupos como uma espécie de amálgama que alinhava a unidade
grupal assim como é o elo de acesso com as divindades e a coletividade.
Há, inclusive, casos inversos onde, por exemplo, um embaixador nascido
em Goiás passou a adotar formas de cantoria do sistema baiano, além
daquelas da sua própria vivência original. Podemos lembrar, ainda, que
prevalecem na cidade as folias do tipo mineira e não do sistema goiano
como seria de se supor. Naturalmente, este quadro se verifica por ser
Goiânia uma cidade de formação relativamente recente onde não havia,
quando do processo inicial das migrações, uma tradição já cristalizada
nesse campo, o que possibilitou aos que para lá se dirigiram, em número
significativo, a manutenção de suas tradições. Por outro lado, a grande
quantidade de folias na cidade se verifica, muito, em função da aceitação e
prática que a população migrante das diversas regiões e a população local
mais antiga cultivava e mantém em relação a esta forma religiosa.
Alguns aspectos mostram adaptações das folias à vivência da "cidade
grande" e com a chamada "modernidade", como:

97
· Não realização do pouso de dormida, pelos foliões;
· uso de veículos (carros) para alguns deslocamentos mais longos da
folia;
· mutabilidade de alguns membros (foliões) no decorrer das
jornadas, em função de problemas com o trabalho profissional;
· diminuição, em algumas folias, do número de estrofes cantadas nas
casas, diante da grande quantidade de visitas que realizam;
· presença comum de gravadores e máquinas fotográficas entre os
foliões (para registro das cerimônias), assim como figuras de
plástico nos presépios, altares e bandeiras;
· intervenção policial com a exigência do Alvará (embora não mais
necessária atualmente);
· distanciamento maior entre a população que realiza e vive
diretamente a prática das folias com as elites da cidade
(proprietários, profissionais de formação universitária etc.). (Nas
regiões rurais, embora as classes econômicas sejam distintas,
muitas vezes as tradições culturais podem ser mais próximas);
· diminuição, em muitas folias, dos dias de jornadas em função de
problemas com o trabalho;
· convivência dos foliões com os meios de comunicação de massa
(TV, rádio, toca-discos);
· o exercício por parte dos foliões de profissões subalternas típicas
das grandes cidades e não mais ligadas às atividades agrárias.

Assim, apesar das modificações que esses elementos podem provocar


nas folias, não se pode concordar de forma simples, com a observação da
pesquisadora Yara Moreira: "Mas a folia está condenada à
(22)
descaracterização e, no seu sentido original, possivelmente à extinção” .
Apesar das transformações,"algumas condições de restabelecimento da

98
(23)
"ordem de relações e de sujeitos sociais” têm-se verificado nos bairros
onde circulam as folias em Goiânia, possibilitando, provavelmente por
bom tempo ainda, a continuidade destas, que podem, inclusive, ser
entendidas como fator de identificação dos marginalizados da grande
cidade e, ainda, como elemento de mediação moderadora entre o tipo de
viver das pequenas cidades interioranas e da vida do campo com o novo
cotidiano do grande centro urbano, já que na maioria das vezes trata-se de
migrantes dessas condições.
Estudos mais aprofundados, no entanto, poderão apontar contra -
posições internas de ordem social, porquanto é revelador que as folias
evitam o giro em áreas coincidentes, fugindo à aproximação com outros
grupos e, ainda, as folias de migrantes baianos, sem ser regra absoluta,
foram localizadas em bairros distantes, junto à população mais carente,
enquanto nas regiões mais centrais circulam predominantemente folias da
tradição mineira/goiana. Naturalmente, essa distribuição geográfica das
folias se dá diante da própria conformação histórica da cidade, onde a
população migrante pobre da Bahia se estabeleceu por último, ocupando
os seus espaços periféricos.
Acompanhando uma folia baiana (Parque Santa Cruz(24), pude
presenciar momentos reveladores, sutis, dessas contraposições
intergrupos na cidade, como os registrados num dia de forte chuva,
enquanto os foliões aguardavam melhores condições para prosseguimento
do giro.
Passaram a se propor adivinhas, entre os foliões:
a) Pergunta: Você sabe qual a diferença entre o eucalipto e o Goiano?
Resposta: O eucalipto, quando você, planta, ele cresce, cresce e
depois ele fica grosso, ... o goiano já nasce grosso.
b) Pergunta: Sabe como é a "Ave Maria" dos Pentecostes?
(religiosos das Igrejas Pentecostais)
Resposta: Alvenaria, cheia de massa
99
O senhor come rosca
Bendito é o revólver
Atira na gente e apaga a luz
(dentro da estrutura recitativa tradicional desta oração)

c) Piada sobre o giro de uma folia mineira:


A folia parou na estrada, perto de uma fazenda, para rápido descanso.
A bandeira foi deixada junto da cerca, sendo que uma
vaca comeu o tecido. Ao chegarem na fazenda
cantaram:
E aqui está o pau da bandeira
E o pano a vaca comeu
O curpado foi de nóis mesmo
Da pinga que nóis bebeu, ai, ai

Outra cantoria:
Obrigado meu senhor
Pela oferta que não deu
Pela oferta que não deu
Dá um cheiro (beijo) no bambu
Que a bandeira o boi comeu
(cantam imitando as formas musicais das folias mineiras).

Assim, percebe-se nestes momentos, aparentemente de simples


"passatempo", na realidade, as contradições intergrupos, dentro da própria
população das baixas classes, sendo que as mais flagrantes no momento
são as que se dão ao nível das relações entre devotos da tradição católico-
popular e os chamados "crentes" (Igrejas Pentecostais) que têm crescido
bastante, tanto nos grandes centros urbanos quanto nas regiões

100
interioranas, e combatem muito as manifestações do catolicismo
tradicional popular, evidentemente, trazendo conflitos sutis de ordem
social.
Portanto, em que pese as críticas de ordem ideológica que alguns
estudiosos (25) fazem às práticas culturais populares como instrumentos de
alienação (com as quais pode-se concordar, pelo menos em parte), há de se
reconhecer nelas, neste caso específico, diante do reformismo reacionário
proposto no crescimento dessas igrejas pentecostais, um instrumento de
resistência e identidade dessas populações, ao mesmo tempo que, sob a
ótica mais ampla, transformam-se intuitivamente em resistência à cultura
hegemônica de caráter "modernizante". Entretanto, não se pode, por outro
lado, radicalizar a visão "dionisíaca" de, partindo desses exemplos ou das
culturas populares como um todo, ver nestas uma tendência
transformadora (estrutural) inata do social, já que as pesquisas, até o
momento, não permitem tanto.
Quando muito será possível uma perspectiva de eventual
potencialidade transformadora, conforme aponta Marilena Chauí quando
diz que "a prática da Cultura Popular pode (grifo meu) tomar a forma de
resistência e introduzir a 'desordem' na ordem, abrir brechas, caminhar
pelos poros e pelos interstícios da sociedade brasileira: ...” porquanto, no
caso aqui estudado, cantam-se "folias aos Reis" mas também praticam-se
os sambas do povo (26).
Em Goiânia, as Folias de Reis, pela quantidade e pelo dinamismo, não
refletem no momento apenas a transposição isolada do viver do campo
para a cidade, mas constitui fenômeno de maior amplitude, diferentemente
do que vimos assistindo na maioria das cidades brasileiras nos seus
processos de crescimento, onde comumente se observa grande
desagregação social e perda das identidades culturais dessas populações
dos excluidos.

101
TRANSCRIÇÕES MUSICAIS (Anexo)

FOLIA DE REIS
Exemplo 1: CANTORIA DE SAÍDA
Folia do Setor Pedro Ludovico (Folia mineira)
Embaixador:Argemiro Isidoro de Macedo - "CapitãoAmantino"

Exemplo 2: CANTORIADE AGRADECIMENTO PELO ALMOÇO


Folia do Parque Santa Cruz (Folia baiana)
Embaixador: ValdemirAlves de Souza “Capitão Valdir"

Exemplo 3: CANTORIADE AGRADECIMENTO


PELO ALMOÇO E HOMENAGEM À PESSOA
FALECIDA (Mesma melodia do exemplo 1)
102
(27)
Exemplo 4: CANTORIADE PEDIDO DE ESMOLA
Folia do ParqueAlvorada (Folia baiana)
Embaixador: José Simão Rosa

Apesar de esta folia ter todos os seus componentes baianos, não havia
a presença das "gaitas", pois o Embaixador não conseguiu quem as
executassem; usam apenas um violão, dois tambores e um pandeiro
vazado. O violão serve apenas como elemento de marcação da pulsação
rítmica, sem qualquer afinação. Observe-se a melodia, que transportada
para a pauta sem acidentes (dó) resulta no modo de Si Natural, sem o 6º
grau, portanto baseada em sistema modal, em série defectiva. Uma outra
análise será possível, qual seja: se considerarmos que esta melodia pode ter
sido executada originalmente em terças (abaixo, neste caso), tão comum
no nosso folclore musical - até em execução das "gaitas"', então, a
interpretação passa a ser outra, ou seja, tratar-se-á de melodia sob a escala
maior com o 7º grau rebaixado ré bemol, ou modo de Sol Natural
(Mixolídio litúrgico ou eclesiástico) que tem grande ocorrência na região
nordeste. Nesse caso a indicação dos acidentes na armadurada clave
deverá ser: si bemol, mi bemol, lá bemol, ré bemol e sol bemol, ficando o
dó bemol como acidente ocorrente (7ª nota rebaixada, do modo maior).
Como a melodia foi interpretada nesse grupo apenas em uníssono, sem o
acompanhamento de qualquer instrumento de reforço harmônico, esta
segunda interpretação fica impossibilitada de confirmação apesar de
bastante lógica.
103
Sambas de Roda

A motivação maior para a realização do samba se dá quando as folias


baianas visitam casas de outros migrantes da Bahia, naturalmente.
Apesar de a dança ser realizada sobretudo após as refeições
(preferencialmente depois do jantar), segundo alguns depoimentos, há a
obrigatoriedade dos foliões executarern a chula e/ou o samba sempre que o
dono da casa solicitar.
Os sambas têm melodias curtas (versos dísticos e quadras) "puxados"
por um solista e respondido em coro pelos demais participantes.
A dança se desenvolve em roda, com um par de solistas no centro, que
se revezam com os elementos da roda. Pode ter acompanhamento de
instrumentos melódicos ou harmônicos, ou apenas o canto com o
palmeado ("samba de boca") fazendo a marcação rítmica. Há depoimentos
de samba realizado apenas com música instrumental, sem canto.

Ritmos básicos: Palmeado


Tambores
Caixa

ARROIS NA BAXA (Arroz na baixa)


Arrois na baxa enchente matô (solo)
Capim marelô (amarelou), veado comeu (coro)

104
A CASA CAI
Acasa cai, cai,cai (solo)
Em cima de mim ela não cai (coro)

Ê VEM JOÃO DUQUE


Ê vem João Duque, cambada (solo)
Quem não tem canoa cai n'água (coro)

(Segundo a informante: João Duque era um fazendeiro da localidade


onde morava, que era "muito brabo” e permitia a realização de festas
somente após o seu consentimento).

EU VI, EU VI
Eu vi, eu vi, solo
Eu vi meu bem dormir solo
Mas eu vi o pa'sso (pássaro) preto
Namorando a juriti coro

105
PIABA Ê
Piaba ê, piaba ê (solo)
Eu não sou piaba não (coro)
Piaba ê, piaba ê (solo)
Sou piaba e sei nadá (coro)

PIAU NADÔ
Piau nadô, nadô (solo) .
Piau nadô no má (mar) (coro)
Piau nadô, nadô (solo)
Quero ver piau nadá (coro)

PIRU, PIRU (Peru)


Piru, piru, piru da bananera (solo)
O piru bebeu cachaçha,vadiô a noite inteira (coro)

106
TAVA DEBAIXO DO PAU
Tava debaixo do pau (solo)
Asariemas (siriema) vuô (voou).
O gafanhoto caiu (coro)
Asariema pegô

Ô EMA, Ô EMA
Ô ema, Ô ema, (solo)
Ô ema corredera
Nunca vi pa'sso (pássaro) de pena (coro)
Pra corrê dessa manera

Chula
As informações obtidas sobre a chula são variadas. Pude observar dois
tipos, que denominavam chula: a) cantoria de improvisação de versos, que
chamam: "Jogar verso" (solo), intercalada, com refrão fixo (coro), sem
dança; b) movimento circular dos foliões, ao som de música instrumental
(gaitas e percussão) em andamento bastante rápido (M.M = 160); que
poderíamos considerar uma espécie de dança em movimento andante, em
círculo. Em alguns momentos houve a presença de um par (duas mulheres)
dançando no centro da roda, ao mesmo tempo em que os foliões giravam.

107
Alguns informantes afirmam que a chula "não é dança", porém,
Oswaldo de Souza, que pesquisou a música na região do (rio) Médio São
(28)
Francisco-Bahia diz: "Na maioria dos sambas, as melodias são curtas,
embora em alguns casos note-se um maior desenvolvimento melódico,
recebendo, então, a melodia, a denominação de ‘chula de samba’.
Conforme pude observar, não existe diferença coreográfica entre as duas"
(chula e samba). Diz, ainda, o autor que a chula ocorre no samba, "embora
tenha vida cancionável independente."
Ritmo no tambor:

CHULA

(solo) O Janaína
Pra que você feiz assim bis.
(coro) Eu vim de lá
Para te ver, você escondeu de mim bis
(solo) Quem tem dois anel no dedo
Um é grande outro é pequeno
Eu tem (nho) dois amor no mundo
Um é branco outro é moren (no)
Eu vim ...
O senhor diga o seu nome
Que eu também, eu digo o meu
Eu me encanto fazendo ...(verso incerto; ininteligível)
Daquele terninho seu
Eu vim...

108
Água pra cima não corre
Pra baixo ela tem carrera
Viva quem tem amorzin (nho)
Na fazenda Gamelê (ra) ..
Eu vim...
Afoiá (folha) da bananera
De tão alto foi o chão
Quem tivé língua comprida
Faça dela um currião
Eu vim ...
Lá no céu tem treis estrela
Toda as treis encarreá (da)
Uma é minha e outra é sua
Outra é do meu namorá (do)
Eu vim ...
Obrigado seu Simão
Pelo verso em mim rogô (incerto)
Na sola do seu sapato
Correu água e nasceu flô
Eu vim ..

(Observe-se que esta melodia não tem clareza tonal, sendo preferível
considerá-la no modo de mi natural, transposta para dó sustenido)
109
CHULA

Tô gastano o meu dinhero


(solo) só porque posso gastá
Muié ruim é bicho mau
quer fazê o home pená
O machado corta
(solo) O cavaco vorta
E eu bem me chama
E eu não me impor (to)
Fui entrano nesta casa ,
Foi pisano (pisando) no molhado
Adona da casa é boa
Não me deixa envergonhá
O machado ...
Lá embaixo na Bahia
Senhor rei mandô chamá
Mete o machado no pau
Deixa a gaia rivirá (o galho virar)
O machado ...
Companhero de viage
Não me deixa eu cantá só
Eu sozinho eu canto bão
Mas vocês cantão mió (melhor)
O machado ...

110
Notas

1) Em diferentes fontes bibliográficas, há informações


desencontradas sobre a distância entre as duas cidades.
2) Conf. Gilberto Giménez, “La cultura popular: problemá-
tica y lineas de investigacion" in Estudios sobre las culturas
contemporaneas, v.l, n.3 (mayo de 1987), pp. 71-96. Pelas
décadas de 70 e 80 principalmente, muitos estudiosos da
cultura popular, baseados nos escritos de A. Gramsci,
passaram a adotar nas suas análises da cultura a forma
simplificada de classes sociais, com base na dualidade:
cultura popular (dominada) & cultura hegemônica
(dominante), entendendo o folclore como forma de
contestação da cultura dominante, conforme Luigi M. L.
Satriani (1986), o que merece melhores reflexões, não só
pela excessiva simplificação do social, mas, porquanto a
antropologia política, em autores com G. Balandier, Victor
Turner (ver bibliografia) e outros, tem mostrado que
mesmo em sociedades não classistas são muitas as formas
contestatórias.
3) Carlos Rodrigues Brandão, Sacerdotes de Viola (Petrópolis,
1981), p. 107.
4) Em 1937 "foi assinado o Decreto nº 1816, transferindo
definitivamente a capital Estadual da cidade de Goiás para a
de Goiânia", conf. "Monografias Municipais":
Goiânia/Goiás, Brasil, do IBGE, RJ, 28/10/1983 – ISSN
0406-9773, p.3.
5) idem: Goiânia... p. 15.

111
6) A mesma publicação, p.1, aponta a existência de "273
bairros, setores e vilas" na cidade.
7) Yara Moreira tratando das folias no Estado de Goiás
menciona a existência de: "Folia 'maranhense' ", de Guaraí,
constituída somente de mulheres e da "Folia De Reis
'Piauiense' ", na cidade de Pedro Afonso (atual Estado de
Tocantins), "uma Folia de Reis urbana com elementos do
Bumba meu Boi", além de mencionar também as folias de
sistema goiano, in "Música nas Folias de Reis 'Mineiras' de
Goiás”, Revista Goiana de Artes, 4(2) (jul/dez.1983), p.
174.
8) Embora a tradição geral seja a de realização das visitações
(giro) entre 24 de dezembro a 6 de janeiro, em Goiânia
existem grupos que seguem tradições particulares: de 1 a 6
de janeiro, de 25 de dezembro a 2 de janeiro etc., podendo
ocorrer até cantorias de reis fora deste ciclo, quando há
"voto" (promessa).
9) Carlos Rodrigues Brandão, idem, p. 49, diz que "a Folia de
Reis é um grupo ritual do catolicismo popular incluído
dentro de um campo de relações e de representações entre
deuses e homens, e entre tipos de homens, mediador de
dádivas."
10) O procedimento usual das folias é de receber "esmolas" em
nome dos Reis Magos, mas há casos em que ocorre o
processo inverso, conforme documenta Yara Moreira: "A
Folia chega e pede; se a pessoa tem condições dá aquilo que
pode. E os foliões vão levando muitas coisas na sua jornada,
para o dia do festejo: frango, arroz, tudo isso sai. Mas já

112
aconteceu, e acontece sempre, da gente chegar numa casa
que tem escassez daquilo. Aí palhaço já dá a busca, olha e
vem avisar. O Capitão autoriza, a Folia canta pr'aquele povo
e deixa algo prá eles. Oferece o que tem, comida ou
dinheiro. Eles recebem, não dão", op. cit., p. 150.
11) Rei Herodes - Segundo a Bíblia Sagrada, o rei na tentativa
de matar o Menino Deus mandou sacrificar todos os
meninos que havia em Belém e em todos os seus arredores,
da idade de dois anos para baixo.
12) Creio ser possível, aqui, na compreensão da figura do
palhaço (simbolicamente representando a "desordem") nas
folias de reis (a "ordem") uma reflexão correlata ao que faz
Renato Ortiz em relação ao Exu na Umbanda e a cultura
popular frente a cultura hegemônica, in A consciência
fragmentada (Rio de Janeiro, 1980), pp. 67-89.
13) Os migrantes baianos entrevistados são das cidades:
Barreiras, Correntina, Santana dos Brejos, Santa Maria da
Vitória e Carinhanha.
14) Também no interior do Estado de S. Paulo foram registradas
folias baianas (de gaita) em Votuporanga e em Olímpia. A
Folia Baiana de Olímpia tem música gravada no disco-
compacto: Folguedos Populares do Brasil, 1972, que fez
parte do Calendário Philips. (Pesquisa da folclorista Laura
Della Monica). Esta folia, porém, é musicalmente distinta
das folias baianas registradas em Goiânia.
15) Sobre o uso da bandeira nas folias de reis, diz Signeis
Pereira dos Santos (50 anos, nascido em Barreiras, Bahia,
residente em Goiânia desde 1970), cuja folia sai apenas

113
durante três dias: "Lá na Bahia só sai bandeira do Divino,
São Sebastião, São João e Coração de Jesus, que só
caminham de dia. Folia baiana (de reis) não tem bandeira.
Esse povo daqui parece tudo doido, que sai com bandeira de
reis. Folia que sai de noite não pode ter bandeira"(Goiânia,
2/1/1988).
16) Aladaris Brasil de Morais [50 anos, nascido em Goiás
(Velho); embaixador de folia doJardim Guanabara], diz que
canta três músicas em sistema goiano, uma em sistema
baiano e uma em sistema mineiro.
17) Yara Moreira, op. cit., p.174.
18) Benedito Pereira dos Santos, nascido em Jaraguá-Goiás, da
Folia do Setor Jardim Novo Mundo.
19) Aladaris Brasil de Morais- ver nota 16.
20) Em uma das cerimônias presenciadas, a festeira usava uma
coroa dourada (de papel). Realizou-se ali o "encontro das
bandeiras" do ano anterior (conduzida de dentro da casa)
com a bandeira do ano (que chegava),Vila Concórdia.
21) Alba Zaluar: Os homens de Deus (Rio de Janeiro, 1983), p.
118.
22) Yara Moreira, op. cit., p. 159.
23) Carlos Rodrigues Brandão, op. cit., p. 107.
24) Dos diversos grupos de folias contatados, apenas esta tinha
os seus elementos usando mesma roupa (uniforme): camisa
amarela, calça verde e quepe verde.
25) Alguns estudiosos brasileiros, sensíveis às contradições
sociais do País, vêem nessas práticas religiosas
instrumentos de alienação, conforme se vê em Francisco

114
Assis Fernandes, analisando os cantos das romarias de
Aparecida-SP: "Os cantos de Aparecida longe de terem uma
função libertadora tornaram-se parte de ideologia
reconciliadora dos contrastes que medeiam nossa
sociedade. Desempenham papeI de analgésico
marginalizador"., conf. "O canto nas romarias de Aparecida
: opressão ou alienação" in Comunicação e Classes
Subalternas, coord. José Marques de Melo (São Paulo,
1980), p. 184.
Da mesma forma, baseados principalmente no pensamento
gramsciano, movimentos políticos no Brasil, na década de
60, como os dos CPCs: Centros Populares de Cultura,
tenderam a ver as culturas populares sob o prisma da
alienação, conf. Renato Ortiz, op. cit., p. 64.
26) Marilena Chauí, Conformismo e resistência (3 ed., S. Paulo,
1989), p.178. Sobre o assunto, diz Renato Ortiz, op. cit, pp.
10-11: "Os, fenômenos populares (...) encerram sempre
uma dimensão onde se desenvolve uma luta de poder,
porém, seria impróprio considerá-los como expressão
imediata de uma consciência política ou de um programa
partidário".
27) Pela interpretação praticamente rezada desta melodia
realizei a transcrição indicando barras pontilhadas de
divisão de compasso, apenas para facilitar a leitura; também
a fórmula do compasso está entre parênteses (quatro por
quatro), com base no motivo rítmico da percussão que
ocorre em quatro tempos. Esta melodia foi publicada
originalmente no D.O. Leitura, S. Paulo, 8 (94) março de
1990, p. 9, in "'Andanças dos Reis Magos no Brasil",
115
Américo Pellegrini Filho & Alberto T. Ikeda, tendo sido
questionada, por carta, pelo musicólogo Dr. José Geraldo
de Souza. A transcrição anterior foi realizada com
sustenidos ocorrentes, na mesma altura (a partir da nota fá),
e não com os bemóis fixos como se vê nesta versão,
conforme sugestão do referido estudioso. Pela forma como
foi cantada esta melodia pelos foliões pode-se concluir que
a melodia ocorre flagrantemente em sistema modal,
baseada em série defectiva (sem o 6º grau). Pode-se, assim,
questionar o uso da armadura fixa da clave do sistema tonal,
porquanto há inexistência do ré bemol na melodia. Ainda, o
mesmo estudioso interpreta esta melodia como sendo
baseada em "série pentafônica", baseada no "menor
natural".
28) Oswaldo de Souza, Música folclórica do Médio São
Francisco, v. II (Rio de Janeiro, 1980), p.171. Ver também:
Oneyda Alvarenga, Música popular brasileira (Porto
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119
*

Um trio musical formado por sanfona, zabumba e triângulo e


qualquer espaço suficiente para os casais dançarem “agarrados” gêneros
como: xote, baião, xaxado e o próprio forró; também o samba e a lambada,
ultimamente. Pronto, aí está o forró. Pode acontecer em um salão de dança
na grande cidade do Sul (Sudeste), no terreiro das casas do interior
nordestino e mesmo em uma praça pública.

Dicionários e livros especializados em música sempre definem o


forró como “arrasta-pé”, “baile da ralé”, “baile ordinário”. Sendo a palavra
uma redução de forrobodó, de mesmo sentido, significa também
“divertimento”, “festança” das classes baixas, “desordem” e “bagunça”.
Forrobodó é assim registrado por pesquisadores, pelo menos desde 1882
na imprensa do Recife-PE e em épocas posteriores também no Sul do País
(1) (2)
. Antônio Geraldo Cunha anota-o como de “origem expressiva” . Em
(3)
Minas Gerais, Saul Martins registra, para designar “desordem” ou
“briga”, a palavra “frogodó”, como em São Paulo são usuais, além de
forrobodó, as palavras: borobobó, barababá, fuá, banzé, bozó, fuzuê e
outras.

Assim, percebe-se que o uso de forrobodó (pelos letrados: jornalistas


e escritores, a elite) para se referir aos bailes populares tinha na verdade um
fundo de preconceito em relação às manifestações populares, assim como
ainda atualmente as rodas de sambistas nas ruas e bares dos bairros são

121
vistas por muitos como local de brigas e desordens.

Como dado histórico importante sobre esta palavra, podemos lembrar,


ainda, da revista teatral intitulada Forrobodó, de Carlos Bittencourt e Luiz
Peixoto, com músicas de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), estreada no
Rio de Janeiro em 1912, que segundo Edinha Diniz foi o maior sucesso
teatral da compositora, tendo como tema central um baile popular no bairro
(4) (5)
da Cidade Nova , no Rio de Janeiro. Luís da Câmara Cascudo explica
que a peça “foi muito representada e aplaudida por todo o Brasil (1917-
1919)” como de fato se via ainda pela década de 20 em São Paulo, pelos
anúncios da Folha da Noite de 10/7/1922 e 28/9/1923, sendo representada
respectivamente nos teatros Braz Polytheama eApollo.

Dessa forma, sendo comum o uso, pelas elites, da palavra forrobodó


para designar os bailes das camadas pobres, fica fácil entender que a
população a simplificasse e passasse a chamar esses bailes de forró.

Nos últimos anos, no entanto, vários artistas nordestinos (Sivuca,


Geraldo Azevedo, Hermeto Pascoal e outros) têm divulgado a versão de
que forró seria uma deturpação do inglês: for all, conforme registrado em
1980 por João Epifânio Lima Campos: “Quando a companhia inglesa
Great Western inaugurou sua primeira estrada de ferro no interior de
Pernambuco, quis comemorar o importante acontecimento com promoção
de um baile que seria animado pelo som alegre da sanfona, pela batida
surda da zabumba. O momento era de muita alegria e estavam todos
convidados; pelo menos era isso que os 'gringos' pretendiam comunicar ao
caboclo desconfiado quando afixaram à entrada do grande barracão, em
(6)
letras garrafais, for all ”. Daí os moradores da região passaram a chamar
os seus bailes de forró. A mesma versão foi transformada em música pelo
122
compositor Geraldo Azevedo, como se vê na canção “For all para todos”,
(7)
no disco de mesmo nome, de 1982 .

Esta segunda versão realmente soa ter boa lógica, porquanto nesse
caso o fato teria ocorrido na segunda metade do século XIX, antes do
registro dos estudiosos para a palavra forrobodó, pois já em 1858 estava
(8)
inaugurada a E.F. Recife ao São Francisco , assim como em 1879
(9)
inaugurava-se a E.F. de Limoeiro , pela The Great Western of Brazil
Railway Co. Ltd. Particularmente, no entanto, creio que a palavra se
originou mesmo de forrobodó, que é termo expressivo até hoje usual,
podendo estar no linguajar popular muito antes do seu registro pela
imprensa; além do que for all num primeiro momento resultaria em foró,
não sendo natural que desta se passasse para uma palavra de maior
impedância que seria forró. Por outro lado, será difícil crer-se que forró
desse origem a forrobodó, o que, da mesma forma, contraria frontalmente
a prática popular de simplificação das palavras (pelo menor esforço) tão
comum no Brasil. (Teria ocorrido uma fantástica concomitância de
fatos?!) Bem...deixamos para os etimólogos o aprofundamento dessa
questão que em nada interfere na importância do forró enquanto fenômeno
cultural popular, que conta atualmente até com um 'forródromo' em
Campina Grande-Paraíba e uma Praça do Forró, no bairro de São Miguel
(10)
Paulista, em São Paulo .

Da mesma forma que o samba e o maxixe, o forró inicialmente


designava a reunião dançante (baile, festa) e o local da dança, passando
posteriormente a caracterizar a dança e um gênero musical específico. Há
de se registrar, entretanto, que historicamente em muitas regiões
nordestinas o nome usual para os bailes populares era samba, embora a
música executada fosse a que hoje conhecemos como forró. Assim, no
123
Nordeste, através da música, o forró se espalhou por todo o País,
notadamente em localidades que receberam grandes grupos de migrantes
nordestinos como o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outras cidades,
(11)
principalmente após a década de 50, conforme aponta J.R Tinhorão .

Amúsica “nordestina” no Sudeste

A música nordestina “típica” já se fizera presente no Sul pelo menos


desde o início do século, pelo trabalho de músicos como o violonista e
(12)
compositor João Pernambuco (1883-1947) com suas “emboladas” e
“toadas nortistas”, que em 1913-1914 fez sucesso no Rio de Janeiro com a
embolada Caboca de Caxangá. A letra da embolada era de outro “nortista”
(do Maranhão) Catulo da Paixão Cearense (1866-1946), poeta,
modinheiro e também cantador de “temas nortistas”. João Pernambucano
esteve em São Paulo com sua “troupe sertaneja” em 1915, apresentando-se
em um festival sobre folclore organizado pelo intelectual Affonso Arinos,
no Teatro Municipal; tendo se apresentado também em outros locais da
cidade no ano seguinte, inclusive, juntando-se ao escritor e folclorista
paulista Cornélio Pires (1884-1958) que naquela época se dedicava às
“palestras caipiras”. Posteriormente, entre fins de 1919 e inícios de 1920, o
músico voltou a São Paulo apresentando-se na Capital e Interior,
integrando o conjunto Oito Batutas, liderado por Pixinguinha (1898-1973)
onde, entre choros, modinhas e tangos (maxixes) apresentavam as
(13)
“emboladas do norte” . Antes dessa época, J.R. Tinhorão localiza, logo
nos primeiros anos do século, a presença da música nordestina no Sul na
voz do “antigo palhaço de circo e depois cantor de discos da Casa Edison,
Eduardo das Neves” (1874-1919), músicas essas aprendidas nas suas
(14)
'tournées artísticas' pelo Brasil . Assim, passando por esses músicos e
posteriormente por grupos de sucesso como os 'Turunas Pernambucanos'
que em 1922 chegaram ao Rio de Janeiro e pelos 'Turunas da Mauricéia',
124
em 1927; chegando a inúmeros artistas nordestinos que se consagraram
pelas décadas de 30, 40 e 50, entre os quais Manezinho Araújo, Luiz
Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Catulo de Paula, Venâncio e dezenas de
artistas da geração atual de músicos populares, os gêneros musicais
populares, os gêneros musicais nordestinos fizeram parte da história da
música popular brasileira neste século. Há de se lembrar, por exemplo, do
período de grande sucesso dos baiões, entre 1946 até por volta de 1955,
quando o gênero alcançou sucesso internacionalmente, tendo como figura
central o sanfoneiro Luiz Gonzaga (1912-1989) e seus parceiros. Após um
período de certo esquecimento o baião e outros gêneros nordestinos
passaram a ter nova revalorização pelos meados da década de 60, através
de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré e outros.

Dessa forma, no começo do século falava-se nas “canções nortistas”


referindo-se aos vários gêneros musicais nordestinos; posteriormente tudo
passou a ser “baião”, na fase áurea desse gênero; chegando-se aos últimos
vinte anos onde tudo será “forró”, seja na realidade xote, baião, xaxado,
coco, embolada e o próprio forró, naturalmente.

O forró nos salões e nas ruas

Os salões de dança para os migrantes nordestinos existem, no Rio de


Janeiro, desde a segunda metade da década de 50 e em São Paulo desde
(15)
1962, conforme aponta J.R. Tinhorão que se refere, respectivamente, ao
Forró do Xavier e ao Forró do Pedro Sertanejo. A esse respeito, diz
Mundicarmo Maria R. Ferretti: “As Casas de Forro surgiram no Rio de
Janeiro e São Paulo como local de divertimento de migrante nordestino,
logo após o lançamento do baião, e eram freqüentadas por trabalhadores de
construção, empregadas domésticas e por outros segmentos das camadas
(16)
subalternas” .
125
Pelas décadas de 60 e 70, muitos forrós proliferaram nessas cidades,
passando pelos inúmeros modismos musicais da indústria de comunicação
de massa, sendo que na segunda metade da década de 70, com os “embalos
(17)
de sábado à noite” (discothèque) alguns forrós se transformaram em
uma espécie de “forrotéque”, alternando noites de forrós com noites de
“música jovem”, à base de discos (”disco dance”). Ao mesmo tempo, foi
moda a presença da música de forró (até como reação à invasão das
discothèques) nos ambientes mais intelectualizados, como se viu nas
promoções de noites de forró até nos centros acadêmicos das
universidades. Também programas de TV surgiram como a “Sua
Majestade o Forró”, na TV Rio (Rio de Janeiro, 1975) ou os programas
levados ao ar pela TV Gazeta de São Paulo.

Das dezenas de forrós de São Paulo, o de Pedro Sertanejo (à época, na


Rua Catumbi, Belenzinho, e atualmente no Parque São Rafael, zona leste)
se manteve fiel à música dos Trios Nordestinos, como se vê ainda
atualmente, até por reação do próprio público que, segundo o seu fundador
(18)
, não aceitou a chamada “música jovem”. No entanto, forrós como o Asa
Branca (fundado em 1971), nos bairros de Santo Amaro e Pinheiros,
atualmente apresentam música de forró, conjunto de lambada (com
guitarras e bateria) e conjunto de samba, sendo que aos domingos
funcionam no sistema 'disco dance' com música 'black'.

Também, diversos restaurantes foram abertos nas décadas de 70 e 80


no bairro de Pinheiros, com comida típica e música nordestina, como o Bar
Avenida (fundado em 1986) que mantém na sua danceteria uma banda
(Banda Mexe com Tudo) que se dedica aos ritmos dançantes, inclusive ao
forró, atendendo a um público de alta classe média e da elite.

126
Embora o público dos forrós seja predominantemente de jovens e
pessoas de meia idade, é comum a frequência de indivíduos mais idosos,
notadamente nas casas localizadas nos bairros mais populares. Nessas
casas, tradicionalmente as mulheres pagam a metade, ou menos, do preço
(19)
de ingresso pago pelos homens . Um fato notório nos forrós é a
preocupação com a segurança do ambiente, como se nota logo à entrada
pela revista feita pelos seguranças, principalmente nos homens. Em alguns
(20)
deles os seguranças circulam até em meio aos casais dançantes .

Também nas praças públicas a música de forró se faz presente,


principalmente nos locais de encontro de nordestinos, nos fins de semana,
como a Praça da Sé e Largo Treze em São Paulo (anteriormente no Largo
da Concórdia) e no Campo de São Christóvão e Largo do Machado, no Rio
de Janeiro. A Praça da Sé, aos domingos à tarde, reúne milhares desses
migrantes onde, entre a zanzação das pessoas e dos vendedores
ambulantes, se apresentam os Trios Nordestinos, os emboladores de coco,
os Repentistas de Violas e os vendedores de folhetos de cordel e poesias
avulsas, sendo possível até se encontrar um grupo com guitarra, zabumba e
triângulo. Há de se lembrar, no entanto, que no tempo do 'velho alcaide'
Jânio Quadros (1986-1988) esses músicos ambulantes estiveram
proibidos, absurdamente, de se apresentar na Praça “da Fé”, da Catedral
(21)
Metropolitana e nas ruas .

Além das praças mais conhecidas, encontram-se comumente, nos fins


de semana, Trios Nordestinos (sanfona, zabumba e triângulo) em bares dos
bairros periféricos, principalmente os de grande concentração de
nordestinos como os da Zona Leste e Sul da cidade. Há de se lembrar que
também nas festas juninas em São Paulo têm predominado nos últimos
anos a presença dos trios e a música nordestina, visto que é grande o
127
número de sanfoneiros daquela região na cidade.

Não há propriamente uma forma única de se dançar forrós, ficando na


capacidade de cada casal a execução dos passos, podendo-se ver nos forrós
vários tipos de coreografia. Além de se dançar de forma “agarrada” nota-se
que a movimentação dos pés é fundamental nessas danças; além do que se
vê muitos volteios e muitas vezes o entrelaçamento de pernas do casal, à
maneira do que se fazia nos maxixes. Entre os gêneros executados, o xote
apresenta passos específicos, apesar de poucos casais (no geral os mais
velhos) os executarem. Por sua vez a forma de dança da lambada se faz
bastante presente nos salões atualmente, mesmo porque, na verdade, esta
tem muito das danças de forró.

Os músicos e as estrelas

Assim como os frequentadores dos forrós no geral são das camadas de


baixa renda, também os seus músicos são na maioria “primos pobres” na
categoria dos músicos. Embora atuem profissionalmente, exercem outras
atividades durante a semana (taxista, barbeiros, vendedor ambulante,
proprietário de pequeno negócio, cobrador de ônibus, operador de
máquina em indústria, vigia noturno etc. (22), apesar de muitos sanfoneiros
terem às vezes vários discos gravados – pelas pequenas gravadoras
dedicadas ao gênero. Poucos conseguem sobreviver apenas como
músicos, tocando em restaurantes, forrós e realizando 'shows'. Há uma
128
hierarquia de valorização dos componentes dos trios, iniciando-se pelo
sanfoneiro, vindo em seguida o zabumbeiro e depois o 'trianguero'. Aquele
que se destaca como cantor (independente do seu instrumento) também
recebe valorização especial, sendo colocado ao mesmo nível do
sanfoneiro. Há de se destacar entretanto a atuação dos “zabumberos” já que
os sanfoneiros dependem essencialmente destes nas suas execuções e,
afinal, a função maior dessas casas é a dança, que tem no ritmo o ponto
básico. O zabumba se executa com uma baqueta mais curta e mais grossa
que as usadas pelos bateristas, que normalmente é chamada de “marreta”,
sendo também fundamental o “bacaiau” (bacalhau), que é uma vareta fina
e longa, normalmente de bambu, que percute a parte oposta à baqueta e que
realça as sutis diferenças entre os ritmos (23).

Os forrós mantêm alguns músicos contratados, pelo menos um trio


contando ainda com os sanfoneiros avulsos, que normalmente se
apresentam em várias casas em uma mesma noite, recebendo pagamento
por apresentação.

As apresentações têm comumente 30 minutos, sendo que, além destes,


semanalmente, os forrós programam apresentações de “estrelas”, que são
os artistas de maior projeção como Pedro Sertanejo, Eli Correa, Rita
Cadilac, Lilian, ex-dupla Leno e Lilian, da época da Jovem Guarda; Luana
Dinis, Lurdinha etc. Entre os sanfoneiros são dois os tipos: o
“acordeonista” (de teclados) e o “sanfonero” ou “oito baixo” (de botões no
lugar onde estão os teclados no acordeão), instrumento normalmente
menor que o acordeão, que embora tradicionalmente seja chamado de oito
baixos pode ter mais que esse número de baixos (graves).Asanfona é usada
predominantemente como instrumento solista, enquanto o acordeão, além
da função solista, é preferido para os acompanhamentos vocais, em função

129
dos seus maiores recursos técnicos. Os “oito baixos” no geral executam
músicas bastante simples, praticamente variações melódicas sobre o
ritmo, já que para a dança não será necessário muito mais do que isso.

À exceção das “estrelas” o músico de forró (apesar de estar sobre o


palco, sob as luzes, e de sempre ter seu nome destacado pelo apresentador)
tem atuação eminentemente funcional de serviço à dança, inexistindo
mesmo os tradicionais aplausos de entrada e saída como é comum nas
apresentações de caráter concertístico. Assim, as apresentações são
ininterruptas, não ocorrendo intervalos entre uma música e outra. Muitas
vezes até mesmo as “estrelas”' acabam tendo esta mesma função, de meros
executantes de músicas para os casais dançarem. Os forrós têm servido
inclusive como espaço para artistas iniciantes que, diante de uma platéia
menos atenta, podem praticar o exercício do palco sem maiores problemas.

Por ser também local onde se apresentam artistas de “música jovem”,


que não se acompanham com o tradicional trio nordestino, todas as casas
de forró mantêm atualmente no palco uma bateria, o que tem dado ensejo
para que nas apresentações dos trios de forma descompromissada e
episódica, um ou outro elemento se apodere desta reforçando a seção
rítmica do grupo e onde se podem ouvir as conhecidas sequências rítmicas
nos vários tambores da bateria (entre as frases musicais) à maneira do que
se faz no rock.

Os músicos são 'práticos' na grande maioria, sendo que muitos


estudaram teoria inicial de música já em São Paulo para prestar exame na
Ordem dos Músicos.

130
Os gêneros de música

Não obstante serem vários os gêneros nordestinos de música, notam-


se entre eles as mesmas raízes ou pelo menos um tipo de aclimatação
comum quando se trata de ritmo de procedência não local, como o caso do
xote (bem anterior à Xuxa, diga-se!). Isto possibilita a existência de uma
consciência regional entre os músicos, pois sempre se referem à 'música
nortista' ou 'música do norte', independente de serem baianos, cearenses,
pernambucanos, alagoanos etc.

As considerações adiante apresentadas deverão ser entendidas


levando-se em conta as possibilidades de ocorrência de variantes que não
se enquadrem nas características apontadas, como é comum quando se
trata de gêneros de música de aclimatação folclórica. Servirão, entretanto,
como um balizamento inicial para uma melhor identificação de cada
gênero. Com boa probabilidade algumas dessas observações poderão não
ter validade dentro de alguns anos, pelo processo transformativo natural
das manifestações populares, porém servirão pelo menos como um
referencial histórico-etnomusicológico. Ênfase será dada especialmente
aos acompanhamentos executados pelo zabumba, já que o ritmo é a base de
identificação dos gêneros, embora, evidentemente, em função das
peculiaridades rítmico-melódicas das músicas.

Retomando, ainda, o histórico das músicas 'nortistas' no 'Sul' notamos


que pelo início do século as referências aos gêneros musicais eram: cantiga
do norte, embolada, embolada do norte, toada nortista, samba sertanejo,
toada nordestina e canção nortista entre outros, isto até por volta de 1930.
Posteriormente, pelas décadas de 40 e 50, vêem-se as designações:
131
embolada, toada, coco (que aparecia também pelo início do século, com
menor incidência), rojão, xote, baião e formas mistas como baião-toada,
baião-xaxado, etc. O termo forró apenas aparece com o sentido de baile,
como se vê na música “Forró de Mané Vito”, de Zedantas e Luiz Gonzaga,
gravada pelo último em 1949, ou em “Forró em Limoeiro” (1953), gravada
por Jackson do Pandeiro. No entanto, a especificação dos seus gêneros era
respectivamente: baião e rojão, da mesma forma que outras músicas, em
cujos títulos aparece a palavra forró, trazem especificações como xote,
coco e outros. Na discografia inicial de Luiz Gonzaga, por volta de 1940-
1945, muitas músicas são especificadas como chamego, enquanto em
Jackson do Pandeiro, pela década de 50, vê-se bastante a designação rojão.

O forró como gênero musical somente começa a aparecer nos discos


pela década de 60, sendo que na década seguinte aparece em grande
número, naturalmente em função da consagração do termo em nível

132
nacional a partir daquela época, via profusão dos forrós nas grandes
cidades do Sudeste. Assim, apesar de inúmeros os ritmos nordestinos, nos
forrós predominam o xote, o baião e o forró, principalmente o primeiro e o
último, que num primeiro momento se distinguem em relação ao
andamento, do mais lento para o mais rápido.

Outros gêneros como a toada, o arrasta-pé, ou o coco e o xaxado mais


raramente são executados, já que os três primeiros atendem às
necessidades básicas de variedade nos forrós.

Evidentemente, como apontado anteriormente, também a lambada e o


samba, em percentual menor, têm espaço nessas casas atualmente. (As
anotações rítmicas correspondem ao acompanhamento do zabumba, na
parte superior à execução da banqueta e na inferior à da vareta).

Xote (Chote, Chotis, Xotis) – é dança de procedência européia (de


salão). Segundo Baptista Siqueira, a Schottish foi apresentada no Brasil
(Rio de Janeiro) em 1851, no teatro, e através deste se divulgou(24).
Inicialmente foi dança de salão dos ambientes aristocráticos, passando
depois para o meio popular urbano e folclorizando-se nas regiões
interioranas, notadamente no Nordeste e Sul do Brasil, onde é bastante
executado. Apesar da procedência européia, o xote pode ser considerado
atualmente um dos gêneros típicos dessas regiões. (O nordestino
normalmente se refere ao gênero no masculino).

Nos salões de forró é chamado de “música lenta” (xote é rojão


cansado), em contraposição aos demais gêneros de dança que têm
andamento mais acelerado. De ritmo binário, no geral, têm pulsação(25) em:
semínima igual 72 a 84 (quando escrito em dois por quatro).
Melodicamente, nas frases apresentam grande ocorrência de motivos
133
melódicos curtos, tendo regularidade e acentuada contraposição entre os
acentos fortes (tésis; 1º tempo do compasso) e fracos (arsis)
intercompassos, com frequente ocorrência do ritmo anacrúsico e acéfalo
nestes. Seu ritmo possibilita “breques” (interrupção da melodia e do
acompanhamento instrumental) bruscos a cada conclusão de frases
melódicas, o que lhe dá grande expressividade rítmica. Nos forrós
predominam os xotes como música de dança, embora na maioria das vezes
tenham letras (poesia). Alguns xotes, no entanto, têm função maior como
canção; nesses casos são mais lentos, podendo ser classificados como
xote-canção ou xote-toada (Ver figura 1.).

Baião – Normalmente se atribui a Luiz Gonzaga a estilização do baião


como gênero de MPB – Música Popular Brasileira, no Sul do País, sendo
que o próprio artista assim se posicionava. Segundo esta versão, Gonzaga
teria utilizado o “baião de viola” (ritmo realizado pelos violeiros
cantadores-de-desafio, enquanto se prepara ou se aguarda para o início da
cantoria dos versos) transformando-o em um gênero específico. A
(26)
pesquisadora Oneyda Alvarenga refere-se ao Baiano ou Baião como
dança similar ao lundu (ou o próprio), de roda e com umbigada, onde
ocorriam improvisos e desafios entre cantadores ou apenas a música
instrumental; isto baseada em informações de pesquisadores desde o final
do século passado. Há de se lembrar também que a rítmica padrão de
acompanhamento do baião ocorre comumente na chamada música caipira
(27)
paulista – no cururu-canção , por exemplo, e em folguedos folclóricos de
diversas regiões outras do Brasil, entre os quais nas congadas, comuns em
São Paulo e Minas Gerais.

De fato, não há procedimento em atribuir-se a criação do baião a Luiz


Gonzaga, porquanto é ritmo folclórico; no entanto, há de se creditar a este a
importância pela divulgação do gênero pelo Brasil.
134
Podemos dizer que o baião (pós Luiz Gonzaga) foi uma solução
intermediária entre o melodismo romântico urbano e o ritmo “vivo” da
dança de ambiência rural, atendendo assim ambas as funções: canção e
dança. O pesquisador J.R. Tinhorão aponta a primeira aparição da palavra
baião, em disco, (”No compasso do baião”) “num samba nortista de
(28)
Luperce Miranda” , gravado por Jararaca (José Luis Rodrigues
Calazans) em 1928.

O baião é executado normalmente em andamento intermediário entre


o xote e o forró, comumente em: semínima = 88 a 92. Porém, baiões com
melodias românticas (lentas) no geral são executados em andamento mais
rápido, como forma de contraposição compensatória. (Ver figura 2.)

Forró – É o gênero basicamente de dança, de ritmo binário. Em


grande percentual trata-se de composições de desenvolvimento melódico
bastante simples, muitas vezes apenas pequenos motivos melódicos que se
repetem várias vezes no mesmo acorde ou nos graus fundamentais da
135
tonalidade, intercaladas com frases melódicas pouco mais elaboradas.
Pode-se dizer que na maioria são variações melódicas simples sobre o
ritmo.

Os forrós (gênero) com letra (poesia) apresentam melodias mais


desenvolvidas, aproximando-se do baião. Em relação a este último, o forró
tem andamento mais acelerado, tendo pulsação no geral em: semínima =
92 a 104 (em dois por quatro), apresentando figuras rítmicas rápidas, por
exemplo, à base de semicolcheias. Como já apontado anteriormente, para a
execução do forró um simples “pé-de-bode” (sanfona de oito baixos) é
suficiente, sendo este o que mais executa o gênero.

A explicação mais comum, entre os músicos, sobre as diferenças em


relação ao baião é a de que “é ritmo mais picadinho” ou mais “repicado”,
além da distinção no andamento. Um dos entrevistados dizia que “o forró
a gente completa com mais molho”. (ver figura 3.)

Toada – É uma forma de canção por excelência. De ritmo binário, tem


andamento bem lento, com regular incidência de notas de longa duração na
melodia. A palavra toada é utilizada em várias regiões do Brasil com o
sentido de canção. As toadas nordestinas quando mais ritmadas se
transformam em toada-baião, xote-toada etc. O gênero não é usual
normalmente nos forrós, a não ser nas formas mais rítmicas. (Ver figura 4.)

Arrasta-pé – É chamado também de marcha sertaneja, sendo o


gênero musical das festas juninas nordestinas. Tem ritmo binário e
andamento mais acelerado que as marchas juninas do Sul, não chegando
porém ao andamento do frevo. Arrasta-pé é termo usual também em várias
regiões brasileiras com o significado de dança. (Ver figura 5.)
136
Xaxado – Trata-se de forma de dança que Luís da Câmara Cascudo
explica ser de procedência do alto sertão pernambucano, sendo divulgado
através do Nordeste “pelo cangaceiro Lampião e os cabras do seu grupo”
(29). Diz que o termo “é onomatopéias do rumor xa-xa-xa das alpercatas,
arrastadas no solo”.

O que se vê divulgado como xaxado, através do cinema e pelos grupos


parafolclóricos nordestinos, é a forma de sapateado com um dos pés à
frente e os braços às costas além, naturalmente, da roupa típica dos
cangaceiros, ao som de um motivo rítmico-melódico bastante rápido à
base de semicolcheias, com marcada acentuação dos tempos fortes (tésis)
nas pulsações. (Ver figura 6.)

Embolada – É praticamente forma de cantoria ligeira. Diz Oneyda


Alvarenga que, “embora possua vida própria, a embolada é mais um
processo poético-musical do que uma forma ou um gênero particular.
Como processo, frequenta várias danças, sendo comuns nos cocos” (30).
Nas décadas de 30 a 50 o cantor Manezinho Araújo fez muito sucesso
como cantador de emboladas.

Rojão – Embora muitos discos, notadamente na década de 50, tragam


referências ao rojão como gênero musical, não há praticamente uma
especificação que o distinga. Alguns depoimentos de músicos
demonstram bem esta questão: “O ritmo é o mesmo do forró”. “Rojão é
uma música um pouco corrida, mas que o cantor tem que dividir muito
bem...explicar muito bem o que ele está dizendo” (explicação que cabe
para a embolada). “Rojão é tipo de coco mais apressado”. “Rojão é tipo
coco”.

L.C. Cascudo identifica o rojão com o baião (interlúdio instrumental


137
entre as cantorias dos versos), sendo que o termo está ligado à idéia de
velocidade (andamento), por relação com foguete (fogo de artifício).
Dessa forma, rojão é termo utilizado muitas vezes para referir-se a músicas
que tenham andamento rápido, podendo ser coco, forró ou mesmo o
xaxado, o baião e outros. Nos folguedos nordestinos é comum ouvir-se:
Toca aí um rojão! Quando se pretende que os músicos executem a música
de forma acelerada.

Coco – É originalmente dança de roda, com umbigada (que já não


ocorre mais) e cantoria entre solista e coro (refrão). As cantorias se fazem
de improviso ou com versos tradicionais. São variadas as formas de coco
no Nordeste. Entre os músicos de forró, percebe-se que classificam como
coco músicas onde a cantoria se faz de forma rápida, com frases melódicas
baseadas na capacidade de respiração e destreza vocal do cantador; no
geral, as estrofes são mais longas que as de outras formas de canção.
Para finalizar, é importante apontar que os forrós, pelo menos em São
Paulo, atendem atualmente não somente ao público de migrantes
nordestinos (de baixa renda; ainda predominante), mas à população de
baixa renda de um modo geral, como se pode perceber pela gradativa
incorporação, na maioria dessas casas, de gêneros como o samba e a
“música jovem”, nesse último caso representada atualmente pela lambada
e pelas “atrações especiais” dos artistas “jovens”. Um dos forrós, também,
tem realizado às quartas-feiras o “baile da saudade”, abrindo aí espaço
para outro segmento social, a população de classe média de vivência
urbana, de meia-idade.
Assim, não obstante serem ainda os forrós espaços de resistência e
preservação da música regional nordestina, percebe-se que nas grandes
cidades, como São Paulo, a perspectiva é mesmo de ordem
transformadora, deglutindo-se as tendências regionais para um resultado
que atenda ao cosmopolitismo da vivência urbana, como se percebe “no
138
som” de artistas do nível de Dominguinhos e Oswaldinho, principalmente,
que são ídolos atuais no meio musical dos forrós.

Notas

1 – Luís da Câmara CASCUDO. Dicionário do Folclore Brasileiro, 5ª


edição (São Paulo, Melhoramentos, 1980); Aurélio Buarque de
HOLANDA. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª
edição, (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986); Tomé CABRAL. Novo
Dicionário de Termos e Expressões Populares (Fortaleza, UFC, 1982);
Leonardo Dantas SILVA, prefácio de Mundicarmo Maria R.FERRETTI.
Baião dos dois: Zedantas e Luiz Gonzaga (Recife: Massangana, 1989),
pp 8/9.

2 – Antônio Geraldo da CUNHA. Dicionário Etimológico Nova


Fronteira da Língua Portuguesa (São Paulo, Nova Fronteira, 1982).

3 – Saul MARTINS. Os Barranqueiros (Belo Horizonte, UFMG, 1969), p.242.

4 – Edinha DINIZ. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida (Rio de


Janeiro, Codreci, 1984), p.207.

5 – L.C. Cascudo. idem, p. 345.

6 – João E.L. CAMPOS. “Como nasceu a palavra forró” in Informatec –


boletim oficial da Escola Técnica Federal de São Paulo (n.2, dez/80).

7 – Composição: “For all para todos” Geraldo Azevedo/Capinam. LP


Ariola 201902,1982. Também, Décio Pignatari publicou versão similar na
Folha de São Paulo, de 5/6/1987.

139
8 – Ferrovias do Brasil, separata de O Observador Econômico e
Financeiro (Dez. 1947).

9 – Enciclopédia Barsa (vol. 12, 1987). p.223.

10 – No campo das conjecturas podemos supor ainda que forró, possa vir
de forro (liberto, alforriado) ou de farriá, farra (deturpação de farrear),
por aproximação com: alegria, festa, dança; assim como de forrado
(cheio, tomado de empréstimo de cobrir, à maneira de: festa forrada de
gente ou: o baile forrô de gente (oxítona, fechada). Há, inclusive, no Rio de
Janeiro (Botafogo, rua do Catete) um forró com o sugestivo nome: Forró
Forrado.

11 – José Ramos TINHORÃO. Os sons que vêm das ruas (São Paulo,
1976), p.185. O autor faz interessante análise sociológica em torno dos
forrós nas cidades do Sul.

12 – José de Souza LEAL & Artur Luiz BARBOSA. João


Pernambucano: arte de um povo (Rio de Janeiro: Funarte, 1982), p.182
e Edigar de ALENCAR. O Carnaval Carioca através da música, 2ª ed.
(Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965), p.90.

13 – Alberto T. IKEDA. Dissertação: “Música na Cidade em tempo de


transformação – São Paulo 1900-1930”, Escola de Comunicações eArtes –
USP, 1988, p. 72-73.

14 – José Ramos TINHORÃO. Pequena história da música popular


(Petrópolis; Vozes, 1974), p.191.

15 – TINHORÃO. Os Sons... p.187.

16 – Mundicarmo M.F. FERRETTI. idem, p.79.

140
17 – Discothèque: moda das “disco dance” iniciada nos Estados Unidos
por volta de 1972 e teve grande repercussão no Brasil entre 1976 a 1979,
com o surgimento de centenas dessas danceterias, filmes, discos,
concursos de dança e até telenovela na TV Globo (“Dancing Days”).

18 – Pedro Sertanejo – entrevista 19/8/1990. O forró da Rua Catumbi foi


vendido por volta de 1988, porém manteve o mesmo nome. Pedro
Sertanejo abriu na mesma época outro forró, no Parque São Rafael.

19 – Preços de ingressos:Asa Branca (SantoAmaro): homens Cr$ 250,00 e


mulheres Cr$ 100,00 em 18/08/90; Pedro Sertanejo (Belenzinho): homens
Cr$ 350,00 e mulheres Cr$ 50,00 em 1º/09/90; Pedro Sertanejo (Parque
São Rafael): homens Cr$ 200,00 e mulheres Cr$ 100,00 em 25/08/90; Bar
Avenida (Pinheiros): homens e mulheres Cr$ 600,00 em 02/09/90.

20 – Naquela gestão esqueceu-se que a maioria dos migrantes que


frequenta esses pontos tem péssimas condições de moradia e de vida,
muitas vezes sem ter sequer um simples aparelho de TV em casa, sendo a
praça pública um dos poucos locais onde se pode, além de manter os
vínculos de convívio com os membros da mesma região, ter um pouco de
lazer, através desses músicos de rua. Atualmente a Prefeitura tem
promovido forrós na Praça do Forró em São Miguel nos fins de semana.

21 – Um fato curioso a respeito do funcionamento dos forrós é que em um


deles o encarregado da manutenção e ordem do banheiro masculino, por
vários anos, mantém um serviço de “aluguel” de desodorantes e perfumes,
onde o indivíduo com o “desodorante vencido”, após muito forrozar, pode
ter direito a borrifadas de desodorante ou perfume, pagando pequena
quantia.
22 – Conforme levantamento feito em São Paulo e Rio de Janeiro, em 1979
e 1990.

23 – Sobre o zabumba ver César GERRA PEIXE, “Zabumba, orquestra


nordestina”, in Revista Brasileira de Folclore (ano X, n.26, janeiro/abril
1970), pp.15-37.
141
24 – Baptista SIQUEIRA. Três vultos históricos da música brasileira
(Rio de Janeiro,Autor, 1969), p.42.

25 – As tentativas de generalização de padrões de andamento dos gêneros


musicais populares são sempre problemáticas, pelas variantes que
apresentam até em função do local onde a música é apresentada. As
anotações aqui apontadas são apenas referências e estão baseadas nas
maiores incidências de marcações metronômicas em discos e
apresentações ao vivo, tendo o padrão de acompanhamento do zabumba
como base de compasso.

26 – Oneyda ALVARENGA.Música popular brasileira (Porto Alegre;


Globo, 1950), p.158.

27 – Cururu é originalmente dança de roda, com cantoria de improviso, de


fundo religioso. Atualmente subsiste no interior do Estado de São Paulo
como desafio entre cantadores e na chamada música sertaneja é forma de
canção. Em Mato Grosso o cururu ainda se faz como dança de roda, porém
com a rítmica bastante distinta do que ocorre em São Paulo.

28 – J.R. TINHORÃO. Pequena história..., p. 211.

29 – L.C. CASCUDO. idem.

30 – OneydaALVARENGA. idem, p. 278

142
Bibliografia Complementar:

ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro. São Paulo, IEB-


USB/Itatiaia/MEC, 1989.

ALBUQUERQUE, Amaro C. de & outros. Música brasileira na liturgia


(Música Sacra nº 2). Petrópolis, Vozes, 1969.

FERREIRA, José de Jesus. Luiz Gonzaga, o Rei do baião. São Paulo,


Ática, 1986.

GIFFONI, Maria Amália C. Danças folclóricas brasileiras. São Paulo,


Melhoramentos, 1964.

KIEFER, Bruno. Música e dança popular. Porto Alegre, Movimento,


1979.

PIMENTEL,Altimar deA. O Coco praieiro. João Pessoa, UFPB, 1978.

RODRIGUES, Sonia M.B.C. Jararaca e Ratinho: a famosa dupla


caipira. Rio de Janeiro, Funarte, 1983.

SÁ, Sinval, O Sanfoneiro do Riacho da Brígida. 4ª ed., Fortaleza, A


Fortaleza, 1966.

SILVA, Leonardo Dantas. Cancioneiro Pernambucano. Recife,


Governo Estado, 1978.

SOUZA, J. Geraldo de. “Elementos da rítmica musical no folclore


brasileiro” in Música brasileira na liturgia (Música Sacra nº 2).
Petrópolis, Vozes, 1969, PP. 50-60.

* “Forró: dança e música do povo”, original em: D.O. Leitura - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 9
(101) outubro 1990, pp.10-12.

143
Sobre o autor

Alberto T. Ikeda é pesquisador e professor do


Instituto de Artes, da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de S. Paulo,
responsável pelas disciplinas: Cultura Popular e
Etnomusicologia, nos cursos de graduação, e por
Seminários de Pesquisa em Música (Medologia
da Pesquisa), no Programa de Pós-Graduação em
Música. Estuda as culturas populares do Brasil
desde a década de 1970, sendo autor de mais de 70
artigos e ensaios, publicados no Brasil e no
exterior (Alemanha, Japão, Itália, Chile, México).

Licenciado em Educação Artística (Música), em 1977, pelo Instituto


Musical de S. Paulo; Mestre em Artes (1989) e Doutor em Ciências da
Comunicação (1995), pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), da
Universidade de São Paulo (USP). Dissertação de Mestrado: “Música na
Cidade, em tempo de transformação – S. Paulo 1900-1930”. Tese de
Doutoramento: “Música Política: Imanência do Social”. Freqüentou
cursos de especialização e extensão universitária, como: música folclórica
brasileira, etnomusicologia, musicologia histórica, composição musical e
disciplinas da área das ciências sociais (sociologia e antropologia, em
nível de pós-graduação e pós-doutoramento). Desde 1991 interessa-se
também pelas culturas e músicas de tradição oral e popular da América
Latina (sobretudo das regiões dosAndes Centrais), sendo responsável pelo
Grupo de Estudos: Música Étnica e Popular (Brasil/América Latina),
145
criado em 1995, que reúne pesquisadores envolvidos nesses temas.

Algumas palestras realizadas no exterior, sobre temas da música e


cultura brasileira: Alemanha, 1989; Chile, 1992 e 1997; Bolívia, 1993,
1996 e 1998; Peru, 1995; Cuba, 1999; Colombia, 2000; México, 2002.
Obteve bolsa de pesquisa em 1988 e 1989, do Ministério da Educação e
Cultura do Governo do Japão, através do National Museum of Ethnology,
Osaka-Japan, para estudo de temas da cultura musical rural brasileira, em
Goiânia - Goiás e norte do Estado da Bahia (Juazeiro).

Resumo de publicações: “Apontamentos históricos sobre o Jazz no


Brasil”, Revista Comunicações e Artes, ECA-USP, n.13, 1983; “Canções
obscenas e de duplo sentido no cancioneiro popular brasileiro”,
Revista Comunicações e Artes, ECA-USP, n. 17, 1986; “Forró: dança e
música do povo”, D. O. Leitura (101), outubro 1990; “Folia de Reis,
Sambas do Povo” in Possessão e Procissão, National Museum of
Ethnology, Osaka-Japan, 1994; “Ao prazer, ao gozo, ao maxixe: ...
também quero rebolar” in Cultura Vozes, n. 3, Ano 90, v. 90, maio-junho
de 1996; Brasil, Sons e Instrumentos Populares (catálogo de
exposição). São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1997, 52 pp; “Musicologia
ou Musicografia?: algumas reflexões sobre a pesquisa em música”,
Anais do I Simpósio Latino-Americano de Musicologia. Curitiba:
Fundação Cultural de Curitiba, 1998, pp. 63-68; “Música política: alguns
casos latino-americanos”, in: Musica Popular en America Latina: Actas
del II Congreso Latinoamericano IASPM – International Association for
the Study of Popular Music. Editor: Rodrigo Torres. Santiago: Fondart
(Ministerio de Educación de Chile)/Rama Latinoamericana IASPM, 1999,
pp. 84–107; “Pesquisa em música: algumas questões”. In: Cadernos da
Pós-Graduação, Instituto de Artes/Unicamp, Campinas, SP. Volume V, n.
2, 2001. ISSN 1516-0793 – pp. 43-46; Texto de base para o Roteiro do
146
Vídeo-Documentário: “São Paulo, corpo e alma” (sobre Cultura Popular
Tradicional do Estado de São Paulo: festas, danças, folguedos e músicas),
de Rubens Xavier e Paulo Dias (Associação Cultural Cachuera/Secretaria
de Estado da Cultura de S. Paulo - veiculação: TV Cultura: Série Doc
Brasil, 11/1/2003, 21:00 h); Apresentação de livro, de: GAÚNA,
Regiane. Rogério Duprat: sonoridades múltiplas. São Paulo: Unesp,
2002, pp. 13-16. ISBN 85-7139-437-7; “Música na Terra Paulista: da
viola caipira à guitarra elétrica”. In: Terra Paulista: histórias, arte,
costumes – Vol. 3: Manifestações artísticas e celebrações populares no
Estado de São Paulo. São Paulo: Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária) / Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2004 (pp. 141-167). ( ISBN 85-85786-40-X e 85-7060-
280-4 ); “Celebrações populares: do sagrado ao profano”. (co-autoria:
Américo Pellegrini Filho). In: Terra Paulista: histórias, arte, costumes –
Vol. 3: Manifestações artísticas e celebrações populares no Estado de São
Paulo. São Paulo: Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária) / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2004 (pp. 169-209). ( ISBN 85-85786-40-X e 85-7060-280-4 ); “Do
lundu ao mangue-beat”, In: Revista História Viva: temas brasileiros –
Presença Negra (edição especial temática n. 3). S. Paulo: Ediouro/Duetto
Editorial, março 2006 – ISSN 1808-6446, pp. 72-75; “Manifestações
Tradicionais: rituais, artes, ancestralidades ...” (Prêmio Cultura Viva,
do MinC). In: Prêmio Cultura Viva: um prêmio à cidadania, Ana Regina
CARRARA (coord.). S. Paulo: Cenpec, 2007, ISBN 978-85-85786-65-6,
pp. 50-54; “Música, política e ideologia: algumas considerações”.
Revista @rquivo@ (Online) - Revista Eletrônica da Pós-Graduação do IA
– Unesp – S. Paulo, número 1, março de 2007, ISSN 1981-5530 -
Endereço: http://www.ia.unesp.br/@rquivo@; “Cururu Paulista”, In:
Na ponta do verso: poesia de improviso no Brasil (Livro/CD). Alexandre
Pimentel e Joana Corrêa (org.). Rio de Janeiro: Associação Cultural

147
Caburé/SID-MinC, 2008, pp. 120-131. ISBN 978-85-99314-04-3.
Assessorias/consultorias: regularmente, presta assessoria/consultoria
a instituições culturais e científicas diversas (Sescs e outras), universidades
públicas e privadas, agências de fomento à pesquisa (Capes-Brasília),
Fapesp-SP) e associações científicas, para assuntos de cultura e música
brasileira, além de realizar entrevistas para empresas de comunicação,
como rádios, jornais e televisões (Rádio e Televisão Bandeirantes, TV
UOL e TV Cultura, rádios Jovem Pan, Eldorado, CBN, Radiobrás,
Cultura; jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Diário de S.
Paulo e outros). Por 10 anos foi Júri do Troféu Nota 10, do Jornal Diário de
S. Paulo, de premiação das Escolas de Samba do Grupo Especial e de
Acesso de S. Paulo, realizando também consultorias para órgãos como:
Petrobras-MinC; Sescs-S. Paulo; Capes – Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Ministério da Educação –
Brasília; Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo,
Ministério da Cultura (SID-MinC-Brasília (DF); Centro Nacional de
Cultura Popular (CNCP)–IPHAN-MinC-RJ/Fundação Euclides da Cunha-
UFF-Niterói-RJ (Plano de Salvaguarda do Jongo); Secretaria de Estado da
Cultura de São Paulo; e Secretaria de Cultura do Município de S. Paulo –
Biblioteca Temática em Cultura Popular “Belmonte”.

148
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Uma grande fábrica de ações culturais

São centenas de iniciativas culturais que mobilizam artistas e


colaboradores, que juntos, movimentam o mecanismo de geração contínua
de cultura dentro da moderna economia criativa.

Para se fazer uma política cultural consistente, é preciso unir: artista,


recursos materiais e ação cultural. Certa deste princípio, a Fundação
Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) pauta suas ações culturais na
descentralização, valorização do artista de São José dos Campos,
descoberta de novos talentos e formação de platéias. Desde sua criação, em
1986, a FCCR busca reconhecer a riqueza dos artistas que atuam nas várias
modalidades – teatro, dança, literatura, artes plásticas, etc. No entanto,
ações culturais não são realizadas apenas com palco, microfone ou pincel.
A realidade da política cultural hoje, se baseia em operações, princípios,
procedimentos administrativos e orçamentários. Assim, após elaborar seu
planejamento estratégico, no qual estabeleceu sua Missão, Visão, Negócio
e Valores, a FCCR vem traçando metas e trabalhando de forma que a sua
política cultural tenha continuidade, levando em conta a economia
criativa. A Fundação Cultural Cassiano Ricardo é hoje, uma fábrica que
produz ações culturais e é a “ponte” dessas ações para a população, com
ampla oferta de programas e projetos. Esta é uma área onde não existe
limites para o “fazer”.

149
Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

O Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP é uma organização não


governamental, criada em 1998, por integrantes da extinta Comissão
Municipal de Folclore de São José dos Campos. Seu objetivo é criar
ferramentas que possibilitem o fortalecimento da identidade cultural,
valorizando as práticas culturais populares da região.
A região, conhecida como Vale do Paraíba, localizada no Cone Leste
Paulista, cortada e banhada pelas águas da bacia do Rio Paraíba do Sul,
constitui-se no eixo de ligação das duas principais metrópoles brasileiras,
São Paulo e Rio de Janeiro. Mais de trinta municípios compõem o Vale do
Paraíba Paulista, entre eles São José dos Campos.
Com aproximadamente 700 mil habitantes, São José dos Campos
destaca-se por ser um polo industrial, com tecnologia de ponta, abrigando
importantes centros de pesquisas e universidades. Por conta dessa
característica, a cidade atrai muitos migrantes, que chegam em busca de
melhores oportunidades e acabam se incorporando ao leque cultural
constituído. A riqueza dessa diversidade contrapõe-se ao sentimento de
exclusão resultante da falta de sentidos de pertencimento. São essas
referências identitárias que estão no centro das ações desenvolvidas pelo
CECP.
Em parceria com a Fundação Cultural Cassiano Ricardo, o CECP
desenvolve suas ações no Museu do Folclore de São José dos Campos,
buscando criar pontes entre as várias culturas existentes no contexto
sociocultural valeparaibano.

151
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Coleção Cadernos de Folclore

A Coleção Cadernos de Folclore tem o propósito de informar e divulgar a


Cultura Popular, para melhor compreensão e valorização do homem na sua
realidade social. Reúne importantes contribuições, seja na forma de pesquisas
científicas ou relatos de experiências, constituindo-se fonte de consulta e
estímulo à reflexão e à pesquisa, oferecendo subsídios para futuros
investigadores do saber popular.

Volumes anteriores:

Azeite de Mamona - Toninho Macedo eAngela Savastano


1.º volume - 1986 - Comissão Municipal de Folclore

Carro de Boi - Zuleika de Paula


2.º Volume - 1988 - Comissão Municipal de Folclore

Laraoiê, Exu - Hélio Moreira da Silva


3.º Volume - 1988 - Comissão Municipal de Folclore

Fumos e Fumeiros no Brasil - Marcel Jules Thieblot


4.º Volume - 1989 - Comissão Municipal de Folclore

Jogos, Brinquedos e Brincadeiras - J. Gerardo M. Guimarães


5.º Volume - 1990 - Comissão Municipal de Folclore

Maria Peregrina - Benedito José Batista de Melo


6.º Volume - 1992 - Comissão Municipal de Folclore

Saci - José Carlos Rossato


7.º Volume - 1994 - Comissão Municipal de Folclore

153
Cobras e Crendices - Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima
8.º Volume - 1995 - Comissão Municipal de Folclore

Chico Triste I - Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva


9.º Volume - 1997 - Comissão Municipal de Folclore

Chico Triste II - Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva


10.º Volume - 1998 - Comissão Municipal de Folclore

Ciclo de Natal - Coletânea de Textos de Maria Graziela B. dos Santos


11.º Volume - 1999 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

Curiosidades Folclóricas sobre o inseto - Hitoshi Nomura


12.º Volume - 2001 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

Histórias de Onça - Ruth Guimarães


13.º Volume - 2002 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

De Já Hoje - Darcy Breves deAlmeida


14.º Volume - 2003 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

Pedra-de-raio - Uma superstição Universal - J. Gerardo M. Guimarães


15.º Volume - 2004 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

Santo de Casa Faz Milagre:ADevoção a Santa Perna - Cáscia Frade


16.º Volume - 2006 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

Educação e Folclore - Histórias Familiares dando Suporte ao Conteúdo -


Leila Gasperazzo Ignatius Grassi
17.º Volume - 2006 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

O Milho e a Mandioca - Nas Cozinhas Brasileiras, Segundo contam suas


Histórias - Maria Thereza Lemos deArruda Camargo
18.º Volume - 2008 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP

O saber, o cantar e o viver do povo – Carlos Rodrigues Brandão


19.º Volume - 2009 - Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP

Objetos: percursos e escritas culturais – Ricardo Gomes Lima


20.º Volume - 2010 - Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP

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Anexo - Pág. 71
Folia de Reis, Sambas do Povo:
Ciclo de Reis em Goiânia: Tradição e Modernidade
Fotos de Alberto T. Ikeda

Foto 1: Um altar simples e a Bandeira da Folia de Reis

Foto 2: Orações cantadas diante do altar,


antes da saída da Folia “Mineira”.
Embaixador: “Capitão Amantino”;
Setor Pedro Ludovico

Foto 3: A Folia de Reis “Baiana”.


Embaixador: “Capitão Valdir”; Parque Santa Cruz.

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