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J. Furtado*1 , J. A. Helaÿel-Neto2
1
Universidade Federal do Cariri, Centro de Ciências e Tecnologia, Juazeiro do Norte, CE, Brasil.
2
Centro Brasileiro de Pesquisas Fı́sicas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
This paper sets out to present, in a brief and intuitive way, fundamental aspects of group theory, establishing its
relation with the idea of symmetry, drawing a parallel with the development of quantum mechanics and particle
physics. We try to approach this topic, which is frequently neglected in undergraduate courses, always starting
from the concept of invariance of a given quantity of interest to, only after that, introduce the idea of a symmetry
group.
Keywords: Group theory, invariance and symmetry, particle physics.
por Gell-Mann em 1961, arranja mésons (partı́culas com- unidimensional, bidimensional e N-dimensional, a fim de
postas por dois quarks) e bárions (partı́culas compostas explicitar sua correspondência com os grupos unitários.
por três quarks) em padrões geométricos regulares,
organizando e classificando a fı́sica de partı́culas [11]. 2. Noção Intuitiva e Grupo SO(2)
O trabalho de Gell-Mann foi realizado com base nos
resultados fenomenológicos e experimentais que se tinha. Suponha que estejamos interessados em encontrar uma
Fundamentado matematicamente em teoria de grupos, transformação que deixe a energia de um sistema,
mais especificamente no grupo SU(3), o trabalho de Gell- como por exemplo, o oscilador harmônico, inalterada.
Mann marca praticamente o inı́cio da teoria de grupos Podemos descrever a energia de um oscilador harmônico
como ferramenta base no estudo da fı́sica de partı́culas. através da seguinte equação:
Desde então, a teoria de grupos vem sendo cada vez
mais utilizada na descrição, fundamentação e previsão p2 1
E= + kx2 . (1)
de fı́sica nova, tendo se tornado um atributo essencial 2m 2
na descrição coerente de sistemas fı́sicos, em especial em Desta forma, buscar uma transformação que não altere a
fı́sica de altas energias. energia de tal sistema consiste em tentar encontrar uma
O conceito de grupo formaliza a ideia de simetria, transformação R que não mude o estado de energia do
isto quer dizer que, num sentido amplo, a ideia de sistema, isto é, E 0 = E. Sabemos ainda que a quantidade
simetria pode ser entendida através de invariantes por p2 é formalmente descrita através do produto escalar
grupos de transformações. Neste trabalho focaremos no entre p~ e p~, isto é, p2 = p~ · p~, bem como x2 = ~x · ~x.
estudo dos grupos matriciais contı́nuos conhecidos como Aqui o conceito fundamental é a ideia de invariância.
grupos de Lie. De modo geral, um grupo de Lie é a Note ainda que uma das formas de efetuar uma trans-
combinação de uma estrutura algébrica de grupo com a formação a fim de manter E invariante é encontrar
estrutura de uma variedade diferenciável. Os grupos que uma transformação R que mantenha o produto escalar
hoje conhecemos como grupos de Lie foram inicialmente em si invariante. Buscamos então encontrar uma trans-
estudados por Sophus Lie por volta de 1870, buscando formação que atue em vetores de modo a não alterar
compreender equações diferenciais a partir de seus gru- o produto escalar, isto é, uma transformação R tal que
pos de simetria [12]. Os métodos para se estudar grupos sendo ~v 0 = R~v tenhamos ~v 0 · ~v 0 = ~v · ~v .
de Lie estão baseados em suas álgebras associadas, isto Para tal vamos relembrar que o produto interno entre
é, nas álgebras de Lie. Uma vez munido da álgebra de dois vetores ~v = (v1 , v2 ) e w ~ = (w1 , w2 ) é definido como
Lie associada a um grupo de Lie qualquer, é possı́vel
~v · w
~ = v1 w1 + v2 w2 . (2)
obter propriedades globais ou locais do grupo a partir
da álgebra. A vantagem de se adotar esta abordagem Aqui consideramos que ~v , w ~ ∈ R2 , muito embora a
(que será a abordagem adotada neste trabalho) consiste definição acima seja válida para um espaço euclidiano
no fato de que, sendo os grupos objetos tipicamente com dimensão arbitrária. Os dois vetores ~v e w~ acima
não lineares, estudar a álgebra de Lie associada torna- descritos podem ser expressos matricialmente como
se bem mais simples, uma vez que a álgebra é linear, o
v w1
que permite que sejam utilizados resultados clássicos e V = 1 , W = . (3)
poderosos da álgebra linear. v2 w2
Este trabalho está organizado como se segue. Na Usando a notação matricial, o produto interno entre
seção 2 abordamos de maneira intuitiva a ideia de esses dois vetores pode ser escrito da seguinte maneira
grupo, partindo do conceito de invariância, e usando
como base o grupo SO(2). Encontramos os geradores T
w1
V W = v1 v2 (4)
do grupo e sua álgebra, conceitos que serão trabalha- w2
dos em todas as seções subsequentes, e descrevemos a = v1 w1 + v2 w2 = ~v · w.
~ (5)
relação entre o grupo SO(2) e as rotações no plano.
Na seção 3 trabalhamos com o grupo U(1), discutindo Partindo então da notação matricial, estamos inte-
sua relação com o grupo SO(2) e o eletromagnetismo. ressados em uma transformação R tal que o produto
Na seção 4 discutimos o grupo Sp(2), detalhando sua interno permaneça invariante. Note que, sendo ~v e w ~
álgebra e estabelecendo a conexão com o espaço AdS. pertencentes a R2 , então a matriz de transformação R
Na seção 5 abordamos o grupo SU(2) partindo da ideia deve pertencer ao espaço das matrizes de ordem 2 com
de invariância do produto interno no espaço complexo, entradas reais, que denotaremos por M(2, R). Definindo
conectando esta ideia ao conceito de conservação de os vetores V 0 = R V e W 0 = R W , o produto escalar
probabilidade em mecânica quântica. A seção 6 con- entre V 0 e W 0 passa a ser escrito como:
sistirá da exposição da relação existente entre o grupo
V 0T W 0 = V T RT RW. (6)
de rotações em três dimensões, o grupo SO(3), e o
grupo SU(2). Abordamos ainda aspectos algébricos do Vemos então que, para que o produto escalar seja
grupo SU(3). E por fim discutimos o oscilador harmônico invariante, é necessário que RT R = I, sendo I a matriz
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 43, e20200338, 2021 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0338
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identidade de ordem 2. Note que, dessa forma, temos como querı́amos demonstrar. Desta forma, fica claro
que RT = R−1 . Matrizes cujas transpostas são iguais às que o grupo O(2) contém duas categorias de sub-
suas inversas são chamadas de matrizes ortogonais. conjuntos, um subconjunto formado por matrizes com
Vamos então definir o conjunto de todas as matrizes det(M ) = +1 e outro por matrizes com det(M ) = −1,
ortogonais de ordem 2 com entradas reais. Tal conjunto de modo que definimos,
é escrito como:
X = {M ∈ O(2); det(M ) = −1} (12)
O(2) = {M ∈ M(2, R); M T = M −1 }. (7) SO(2) = {M ∈ O(2); det(M ) = +1}. (13)
Sobre o conjunto O(2) acima descrito podemos ver que Note que o conjunto X nem mesmo é grupo, uma vez
I ∈ O(2), uma vez que a I = I T = I −1 . Além disso, que I ∈/ X. Vamos agora estudar mais detalhadamente o
dadas duas matrizes M1 , M2 ∈ O(2), o produto M1 M2 ∈ grupo SO(2) ⊂ O(2). Considere uma matriz M ∈ SO(2)
O(2), pois, arbitrária,
(M1 M2 )T = M2T M1T = M2−1 M1−1 = (M1 M2 )−1 . (8)
a b
M= . (14)
c d
Outra propriedade que pode ser notada é que, dada
uma matriz M ∈ O(2), a matriz M −1 ∈ O(2). Tal
De acordo com a definição do grupo SO(2), M T = M −1 ,
propriedade é consequência do fato de (M −1 )T =
o que implica em
(M T )−1 . E por fim, a última propriedade que pode
ser imediatamente verificada é que, dadas três matrizes
a c
d −b
M1 , M2 , M3 ∈ O(2), então é valido que: = . (15)
b d −c a
M1 (M2 M3 ) = (M1 M2 )M3 . (9) Logo, a = d e b = −c. Como det M = 1, obtemos a
seguinte relação a2 +b2 = 1 entre os elementos de M . Isto
Dizemos então que um dado conjunto não vazio G,
nos diz que (a, b) deve estar no cı́rculo unitário. Agora
munido de uma operação (·) é chamado de grupo se são
veja que ∀M ∈ SO(2), temos:
satisfeitas as quatro propriedades acima listadas para o
conjunto (que de agora em diante chamaremos de grupo)
a b
O(2), isto é: M= (16)
−b a
g1 · g2 ∈ G ∀g1 , g2 ∈ G, (10a)
com a2 + b2 = 1. A condição expressa sobre a e b nos
g1 · (g2 · g3 ) = (g1 · g2 ) · g3 ∀g1 , g2 , g3 ∈ G, (10b) permite tomar a seguinte transformação:
∃ e ∈ G; g · e = e · g = g ∀g ∈ G, (10c)
∃g −1
∈ G; g −1
·g =g·g −1
= e ∀g ∈ G. (10d) a = cos θ (17)
b = sen θ (18)
Nas equações acima a quantidade e é chamada de
elemento neutro do grupo, justamente por possuir a onde θ ∈ (−π, π), logo
propriedade de que quando multiplicada (aqui entenda
multiplicação como uma operação arbitrária a ser de- cos θ sen θ
M = M (θ) = . (19)
finida) por qualquer elemento g do grupo resulta no −sen θ cos θ
próprio elemento g.
Agora que definimos formalmente a estrutura de
um grupo, vamos analisar mais atentamente as
matrizes pertencentes ao grupo O(2). Uma caracterı́stica
importante do grupo O(2) (na verdade sendo válida para
o grupo O(n), que é uma generalização do grupo O(2)
para matrizes com qualquer ordem n) é que as matrizes
a ele pertencentes têm determinante det M = ±1.
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e20200338-4 Teoria de Grupos e o Papel das Simetrias em Fı́sica
M = eΩ (27)
M T = M −1 ⇒ ΩT = −Ω. (28)
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Veja que ε2 = −I. Agora vamos expandir em série a em um sistema de coordenadas S 0 que foi passivamente
quantidade eθε rotacionado em relação ao sistema S de um ângulo θ,
∞
como na Figura 3.
X 1 k k A relação entre tais vetores é tal que
eθε = θ ε
k!
k=0
0
x x
∞ ∞ = R(θ) , (38)
X 1 2l 2l X 1 y0 y
= θ ε + θ2l+1 ε2l+1 . (32)
(2l)! (2l + 1)!
l=0 l=0
sendo R(θ) uma matriz pertencente ao grupo SO(2),
Na última passagem, separamos a soma em seus termos portanto:
pares e ı́mpares. Vamos agora usar as seguintes identi- 0
x cos θ sen θ x
dades, = . (39)
y0 −sen θ cos θ y
ε2l = (−1)l I (33)
2l+1 l
Agora considere z ∈ C escrito como z = x + iy e uma
ε = (−1) ε, (34) matriz W escrita como:
portanto, z
W = . (40)
∞ ∞ z∗
X 1 2l X 1
eθε = θ (−1)l I + θ2l+1 (−1)l ε
(2l)! (2l + 1)! Qual grupo está por trás da conexão entre W e W 0 ?
l=0 l=0
= cos θI + sin θε 0
x M (θ)
x
cos θ sen θ
−→ , (41)
= = M (θ). (35) y0 y
−sen θ cos θ 0
z ? z
−→ . (42)
Vemos assim que todo elemento do grupo pode ser z 0∗ z∗
escrito como a exponenciação de seus geradores. O grupo
SO(2) é um grupo de dimensão 1, uma vez que o grupo Para tal investigação lembremos inicialmente que em
é inteiramente determinado pela matriz simplética. A R2 , a conexão é tal que V 0 = M (θ)V , o que nos dá que
ideia por trás do conceito de geradores de um grupo
x0 = cos θx − sen θy (43)
está na capacidade de expressar todos os elementos de
0
um dado grupo através da exponenciação seus geradores. y = sen θx + cos θy. (44)
O leitor pode ainda perceber que a matriz simplética é a
representação matricial do tensor Levi-Civita (εij , i, j = A partir da definição de z como um número complexo
{1, 2}) de ordem 2. O tensor de Levi-Civita é tal que da forma z = x + iy, podemos escrever x e y como sendo
εij = 0 se i = j, ε12 = +1 e ε21 = −1. z + z∗
Quando o elemento geral de um grupo depende apenas x = (45)
2
de um parâmetro (θ, no caso do grupo SO(2)), dizemos z − z∗
que tal grupo é um grupo uniparamétrico. Para tais y = , (46)
2i
grupos, o gerador pode ser calculado através da seguinte
relação: o que consequentemente nos permite escrever x0 e y 0 ,
fazendo uso das equações (43) e (44), em termos de z e
dM (θ) z ∗ da seguinte forma
ε= . (36)
dθ θ=0
z iθ z ∗ −iθ
x0 = e + e (47)
Os conceitos desenvolvidos durante esta seção serão 2 2
utilizados para o desenvolvimento das seções que se z z ∗ −iθ
seguem. iy 0 = eiθ − e . (48)
2 2
Portanto, escrevendo naturalmente z 0 = x0 + iy 0 bem
3. Grupo U(1) e a Eletrodinâmica como z ∗ 0 = x0 − iy 0 chegamos às seguintes leis de
transformação
Até este ponto ficou claro que dado um vetor ~v ∈ R2 ,
que pode ser escrito em forma de vetor como ~v = (x, y) z 0 = eiθ z (49)
ou em forma de matriz ∗0 −iθ ∗
z = e z . (50)
x
V = , (37) Note portanto que, diferentemente da lei de trans-
y
formação entre V e V 0 , em que as componentes x0 e y 0
escrito em um sistema de coordenadas S, pode ser rela- dependem simultaneamente de x e y, no caso da relação
cionado a um vetor ~v 0 ∈ R2 de coordenadas ~v 0 = (x0 , y 0 ) entre W e W 0 as componentes desacoplam, isto é, z 0
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e20200338-6 Teoria de Grupos e o Papel das Simetrias em Fı́sica
transforma só com z (eq. (49)) e z ∗ 0 transforma só com e com a carga elétrica, o grupo U(1) torna-se o “res-
z ∗ (eq. 50). Podemos então escrever ponsável” pela interação entre os férmions com o campo
0 iθ eletromagnético (representado pelo campo de gauge Aµ ).
z e 0 z E assim começa a aparecer a estrutura matemática
= . (51)
z∗0 0 e−iθ z∗ por trás da QED (quantum electrodynamics), descrita
essencialmente pela lagrangiana:
Como as equações desacoplam, podemos usar somente
a eq. (49) para explicitar a relação entre z 0 e z, que é feita 1
L = − Fµν F µν + ψ̄(iDµ γ µ − m)ψ. (57)
através de uma matriz pertencente à M (C, 1), isto é eiθ 4
tal que a sua inversa é igual à sua transposta conjugada.
Este conjunto define um grupo conhecido como U (1), com Fµν = ∂µ Aν − ∂ν Aµ .
explicitamente definido como:
4. Grupo Sp(2) e o Espaço AdS3
U (1) = {Z ∈ M (C, 1); Z −1 = Z † }. (52)
Já vimos que o grupo SO(2) mantém invariante o
Tal grupo preserva o módulo de z perante transformação, produto interno entre dois vetores quaisquer e que,
porém não sua fase angular, sendo a relação (49) muitas portanto, preserva comprimentos e ângulos. Considere
vezes conhecida como transformação de fase. Vemos agora dois vetores no plano ~v = (v1 , v2 ) e w
~ = (w1 , w2 ).
assim que, o grupo U(1) possui dimensão 1, possui um O produto vetorial em duas dimensões também pode ser
único gerador e que os elementos do grupo são matrizes escrito em forma matricial como
de ordem 1, isto é, um número. Em teoria de grupos
dizemos que, quando o número de geradores de um grupo 0 1 w1
Z = V T εW = v1 v2
for igual à ordem das matrizes do grupo, estaremos −1 0 w2
diante de uma representação adjunta ou regular daquele = v1 w2 − v2 w1 = ~v × w.
~ (58)
grupo. Discutiremos a importância da representação
adjunta dos grupos mais adiante. Veja que a matriz simplética, além de ser o gerador
Um ponto importante que deve ser ressaltado aqui é do grupo SO(2), é utilizada também para estabelecer a
a ı́ntima relação do grupo U(1) com a eletrodinâmica. representação matricial do produto vetorial em duas di-
Mesmo que o leitor não esteja familiarizado com a ação mensões. Considere agora uma transformação de SO(2)
para férmions relativı́sticos, o presente exemplo se faz atuando em dois vetores V e W . De modo que definamos
instrutivo. Considere a seguinte ação V 0 = M (θ)V e W 0 = M (θ)W . Desta forma, o produto
Z vetorial entre V 0 e W 0 passa a ser escrito como:
S = d4 xψ̄(iγ µ ∂µ − m)ψ (53)
Z 0 = (V 0 )T εW 0
que descreve férmions relativı́sticos. Sendo γ µ com = [M (θ)V ]T εM (θ)W
µ = {0, 1, 2, 3} as matrizes de Dirac e m a massa do = V T M (θ)T εM (θ)W. (59)
férmion. A ação acima é invariante perante a seguinte
transformação: É fácil ver que M (θ)T εM (θ) = ε e que portanto
uma transformação de SO(2) deixa Z invariante, isto
ψ −→ eiθ ψ. (54) é, Z 0 = Z. Uma questão natural que surge é a seguinte:
o grupo de transformações de SO(2) é o conjunto mais
Veja então que a quantidade eiθ ∈ U(1). Se conside- geral de transformações que deixa o produto vetorial
rarmos uma fase local, o que implica em impor uma invariante? A fim de responder tal questão podemos
dependência em θ, isto é, tomar θ = θ(x), a invariância escrever uma matriz S ∈ M (2, R) arbitrária tal que:
é perdida, uma vez que,
S T εS = ε. (60)
0 µ 0 µ µ
ψ̄ iγ ∂µ ψ = ψ̄iγ ∂µ ψ − ψ̄γ (∂µ θ)ψ
6= ψ̄iγ µ ∂µ ψ. (55) Sendo S definida como:
a b
Para recuperar a invariância sob transformações de U(1) S= , (61)
c d
com uma fase local é necessário definir uma derivada, co-
nhecida como derivada covariante, da seguinte maneira: a relação (60) nos dá que:
Dµ = ∂µ − ieAµ , (56)
0 ad − bc 0 1
= . (62)
−ad + bc 0 −1 0
e a seguinte lei de transformação para Aµ → A0µ =
Aµ +(1/e)(∂µ θ), sendo Aµ = (A0 , Ai ) o campo de gauge, Da relação acima obtemos o seguinte vı́nculo:
com A0 sendo o potencial escalar e Ai as componentes do
potencial vetor. Desta forma, identificando a quantidade ad − bc = 1 → det(S) = 1. (63)
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como o conjunto das matrizes S que deixa invariante matéria condensada. Em um trabalho futuro pretende-
o produto vetorial. É possı́vel então mostrar que Sp(2) mos discutir com mais detalhes a ı́ntima relação entre as
é grupo. Tal grupo é conhecido como grupo simplético estruturas de grupo dos espaços do tipo de Sitter, anti
em duas dimensões. O vı́nculo imposto nas matrizes de de Sitter e as dualidades em fı́sica de altas energias.
Sp(2) que implica que seus determinantes sejam iguais à Vamos agora discutir os geradores e a álgebra asso-
unidade (eq.(63)) estabelece que na matriz de Sp(2) há ciada ao grupo Sp(2). Como já é sabido que qualquer
três parâmetros livres e que, portanto, o grupo Sp(2) matriz de determinante igual à unidade pode ser escrita
tem dimensão igual a três. Assim como no caso do como a exponencial de uma matriz de traço zero,
grupo SO(2), ao qual está associado o espaço geométrico estamos procurando uma matriz Ω tal que
do cı́rculo unitário, pode-se perguntar qual a geometria
associada ao grupo Sp(2). Note que a relação (63) é uma M = eΩ . (69)
quádrica, e que portanto pode ser expressa como:
Desta forma, a relação (60) nos dá que
0 0 0 1 a T
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e20200338-8 Teoria de Grupos e o Papel das Simetrias em Fı́sica
De maneira heurı́stica, pode-se dizer que, para grupos Analogamente, consideraremos vetores transformados
de Lie [12], a seguinte relação é sempre válida: Z 0 = QZ e W 0 = QW , então
sendo G o grupo e A a álgebra associada ao grupo. Para manter invariância é necessário, desta forma, que
Note que as matrizes que pertencem ao grupo não Q† Q = I o que implica em Q† = Q−1 . Matrizes com a
obrigatoriamente pertencem à álgebra, por exemplo, a propriedade tal que o transposto conjugado seja igual à
matriz identidade pertence ao grupo Sp(2), mas não à inversa são chamadas de matrizes unitárias. É possı́vel
álgebra sp(2), visto que não possui traço nulo. mostrar que o conjunto
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e20200338-10 Teoria de Grupos e o Papel das Simetrias em Fı́sica
matrizes de Pauli, mas as matrizes do grupo são de podemos identificar os fatores que
acompanham a matriz
ordem 2. Será se existe uma representação do grupo identidade como 34 = 21 12 + 1 , bem como 2 = 1(1 + 1),
SU(2), mas de modo que as matrizes sejam de ordem que, de modo geral, pode ser escrito como, s(s + 1).
3? Veja então que, se definirmos três matrizes Σ1 , Σ2 e O leitor que já estudou mecânica quântica, consegue
Σ3 da seguinte maneira então perceber claramente que a álgebra su(2) descreve
o spin, em mecânica quântica, sendo a quantidade
0 0 0
j(j + 1) justamente o autovalor do operador momento
Σ1 = 0 0 i , (110)
0 −i 0 angular J~ 2 .
O papel da mecânica quântica consiste justamente em
σi
0 0 −i
adicionar o fator ~ às matrizes 2 a fim de produzir o
σi
Σ2 = 0 0 0 , (111) operador de spin Si = ~ 2 , que obedece à seguinte
i 0 0 relação de comutação [Si , Sj ] = iijk Sk , tal qual a
relação (116).
0 i 0
Σ3 = −i 0 0, (112) 6. Grupo SO(3) e as Rotações em Três
0 0 0 Dimenões
as seguinte relações de comutação são válidas
Nesta seção estudaremos o caso do grupo SO(3), que é
[Σ1 , Σ2 ] = Σ1 Σ2 − Σ2 Σ1 = iΣ3 , (113) basicamente uma extensão do grupo de rotações em duas
[Σ2 , Σ3 ] = Σ2 Σ3 − Σ3 Σ2 = iΣ1 , (114) dimensões (o grupo SO(2)) para três dimensões. Apesar
de estarmos lidando também com um grupo composto
[Σ3 , Σ1 ] = Σ3 Σ1 − Σ1 Σ3 = iΣ2 . (115)
somente por matrizes ortogonais com determinante igual
Note ainda que todas as matrizes Σ são hermitianas e à unidade, algumas propriedades especiais desse grupo,
possuem traço nulo, assim como as matrizes de Pauli. que emergem por conta da dimensionalidade das matri-
De maneira simplificada podemos, portanto, escrever a zes, devem ser ressaltadas.
seguinte relação para as matrizes Σ, Primeiramente é importante ressaltar que o grupo
SO(3) reúne todas as rotações realizadas no espaço eu-
3
X clidiano tridimensional real e que estas estão associadas
[Σa , Σb ] = Σa Σb − Σb Σa = i εabc Σc , (116) a 3 tipos de geradores. Cada gerador está, portanto,
c=1 relacionado à rotação em torno de cada um dos eixos
com a, b, c ∈ {1, 2, 3}. Estamos diante, desta forma, de perpendiculares aos planos cartesianos.
uma representação do grupo SU(2) com matrizes de As matrizes responsáveis pela rotação de um dado
ordem 3. Esta representação, como já vimos, é chamada vetor em torno de cada um dos eixos do R3 são as
de representação adjunta. seguintes:
Em fı́sica de interações fundamentais a ideia de re-
cos θ sen θ 0
presentação adjunta tem um papel fundamental, pois Rz (θ) = −sen θ cos θ 0, (119)
veja que, a interação forte possui simetria regida pelo 0 0 1
grupo SU(3), que possui 8 geradores (como veremos mais
adiante), e em sua representação adjunta as matrizes do
grupo são matrizes quadradas de ordem 8. A interação cos β 0 −sen β
forte possui 8 gluons como partı́culas mediadoras e, Ry (β) = 0 1 0 , (120)
estando o grupo na representação adjunta, cada gerador sen β 0 cos β
estará relacionado a uma partı́cula mediadora da in-
teração. Analogamente, a interação fraca possui simetria
1 0 0
regida pelo grupo SU(2), que na representação adjunta Rx (α) = 0 cos α sen α. (121)
possui 3 matrizes de ordem 3 como seus geradores, cada 0 −sen α cos α
um destes geradores estando relacionados aos bósons ve-
toriais W + , W − e Z 0 , que são as partı́culas mediadoras Estas matrizes são as conhecidas rotações de Euler. Para
da interação fraca. mais detalhes acerca da construção de tais matrizes,
Veja também que calculando as seguintes quantidades veja o apêndice. Desta forma, o elemento geral do
3 grupo SO(3) é dado pela multiplicação das matrizes
~σ 2 X σi σi σ 2 σ 2 σ 2
1 2 3 3 de Euler, isto é, R(α, β, θ) = Rz (α)Ry (β)Rz (θ). Uma
= · = + + = I2
2 i=1
2 2 2 2 2 4 verificação direta simples pode mostrar que o grupo
(117) SO(3), diferentemente do grupo SO(2), não é abeliano,
3
como podemos ver também na Figura (6).
Em segundo lugar, uma vez que as matrizes de
X
~2 =
Σ Σi · Σi = Σ21 + Σ22 + Σ23 = 2I3 , (118)
i=1
SO(3) possuem todas determinante igual à unidade,
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sabemos que existe uma matriz Ω de traço nulo cuja que, assim como foi feito no caso do grupo SU(2), pode
exponencial gerará todos os elementos de SO(3). Usando ser generalizado para:
um procedimento análogo ao que foi desenvolvido para o
3
grupo SO(2), chegamos a condição (28), que define agora X
[Λa , Λb ] = Λa Λb − Λb Λa = abc Λc , (129)
uma matriz de ordem 3 antissimétrica. Esta matriz Ω
c=1
pode ser expressa como:
com a, b, c ∈ {1, 2, 3}. A álgebra expressa pelo grupo
Ω = aΛ1 + bΛ2 + cΛ3 , (122) SO(3) é similar à álgebra exibida pelo grupo SU(2).
sendo a, b, c ∈ R e as matrizes Λ1 , Λ2 e Λ3 definidas da Podemos ainda estabelecer a seguinte relação entre seus
seguinte forma: geradores
Λi ←→ −iΣi . (130)
0 1 0
Λ3 = −1 0 0, (123) Neste momento somos tentados a inferir que há uma
0 0 0 correspondência um a um entre os elementos de SO(3)
e SU(2), o que categorizaria a existência de um isomor-
fismo entre os dois grupos, contudo tal inferência não é
0 0 −1 verdade. Se considerarmos, por exemplo, duas rotações,
Λ2 = 0 0 0 , (124) uma de 2π e outra de 4π, na linguagem de SO(3) as ma-
1 0 0 trizes que representam tais rotações são ambas matrizes
identidade de ordem 3, enquanto que na linguagem de
0 0 0
SU(2) teremos uma matriz identidade multiplicada por
Λ1 = 0 0 1. (125) (−1) e a própria identidade, respectivamente. Portanto
0 −1 0 a correspondência é de 2 para 1. Dizemos assim que os
grupos SO(3) e SU(2) são localmente isomorfos.
As matrizes Λ1 , Λ2 e Λ3 são as matrizes geradoras do
grupo SO(3) e formam uma base para todas as matrizes 7. Quarks e o Grupo SU(3)
antissimétricas em três dimensões. Tais matrizes podem
ainda ser obtidas através da relação (36). Além disso Nesta seção estudaremos o grupo SU(3). Não nos detere-
note que as matrizes (121), (120) e (119) podem ser mos a discorrer sobre os aspectos históricos que levaram
obtidas através da exponenciação dos geradores. Veja à associação da simetria regida pelo grupo SU(3) com os
agora que, se calcularmos as relações de comutação entre quarks. O leitor interessado em uma discussão histórica
os geradores de SO(3), obteremos: e em aspectos fenomenológicos acerca do modelo de
quarks pode consultar a referência [17].
[Λ1 , Λ2 ] = Λ1 Λ2 − Λ2 Λ1 = Λ3 , (126)
Assim como o grupo SO(3), que é uma extensão
[Λ2 , Λ3 ] = Λ2 Λ3 − Λ3 Λ2 = Λ1 , (127) do grupo SO(2) para três dimensões, o grupo SU(3)
[Λ3 , Λ1 ] = Λ3 Λ1 − Λ1 Λ3 = Λ2 , (128) é uma extensão do grupo SU(2) para três dimensões.
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e20200338-12 Teoria de Grupos e o Papel das Simetrias em Fı́sica
Como mostramos anteriormente para o grupo SU(2), a ortogonalidade em SU(3), além disso, um cálculo simples
álgebra que rege o grupo das matrizes especiais unitárias e direto nos mostra que a seguinte relação de comutação
é governada por matrizes hermitianas. No caso do grupo 3
SU(3), a matriz Ω cuja exponenciação dará origem aos
X
[λi , λj ] = 2iijk λk (140)
elementos do grupo SU(3) é tal que k=1
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uma transformação p0 = Rp e ex0 = Rx deixará a Figura 7: Densidade de probabilidade para o estado fundamen-
energia do oscilador harmônico invariante se R ∈ O(N). tal (linha contı́nua) e para o primeiro estado excitado (linha
Vamos trabalhar com mais detalhes agora alguns casos tracejada).
particulares.
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N
!
N
â†i âi
X
Ĥ = ~ω + . (170)
i=1
2
9. Conclusão
Figura 11: Densidade de probabilidade para o primeiro estado
excitado |ψ1 (x, y)|2 . Visando ser um possı́vel material de apoio ao estudante
de Graduação, seja de Bacharelado ou de Licenciatura,
nesta contribuição buscamos abordar de maneira sucinta
e intuitiva a poderosa ferramenta da teoria de grupos,
focando nossa atenção em grupos que são de grande im-
portância no estudo de fı́sica de partı́culas, e em geral de
fı́sica de altas energias. Adotamos uma abordagem que
parte de um grupo de Lie muito simples, comutativo, o
grupo SO(2), relacionando este grupo com o princı́pio de
invariância do produto escalar e estabelecendo a conexão
deste com as rotações em duas dimensões. Nas seções
subsequentes abordamos, os grupos Sp(2), SU(2), SO(3)
e SU(3), sempre partindo de princı́pios de invariância
e simetria para que assim um paralelo com a fı́sica, em
Figura 12: Densidade de probabilidade para o primeiro estado especial com a fı́sica do modelo padrão, seja estabelecido.
excitado |ψ10 (x, y)|2 .
Discutimos ainda alguns aspectos importantes no que diz
respeito ao oscilador harmônico isotrópico bidimensional
e N-dimensional dentro da perspectiva da teoria de
energias são iguais a ~ω. Para calcularmos estas funções grupos.
de onda, aplicaremos os operadores de criação â†x e â†y Um dos pontos de grande importância no estudo
na função de onda do estado fundamental. Desta forma, de teoria de grupos consiste na fundamentação de um
obtemos, conhecimento mais sólido no que diz respeito à fı́sica
√ básica. Outro ponto igualmente importante que é propi-
i 2 mω − mω x2 − mω y2
ψ1 (x, y) = √ xe 2~ e 2~ (166) ciado pelo estudo de teoria de grupos é a possibilidade
π ~
√ de uma compreensão mais plena de tópicos de pesquisa
i 2 mω − mω x2 − mω y2 em fı́sica, que muitas vezes estão fora do domı́nio de
ψ10 (x, y) = √ ye 2~ e 2~ . (167)
π ~ compreensão do estudante de graduação por requerer
um arcabouço matemático muito sofisticado.
8.3. Oscilador harmônico N-dimensional
isotrópico
Agradecimentos
Uma extensão imediata do oscilador harmônico em Gostariamos de agradecer aos revisores do artigo pelas
duas dimensões permite que escrevamos o oscilador valorosas sugestões e comentários.
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