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Introdução
Analistas do comportamento têm investido cada vez mais em estudos que
englobam assuntos das ciências sociais, descrevendo o processo psicossocial e tam
bém gerando alternativas para seu controle e, conseqüentemente, para a sua mudança
(Sundberg & Partington, 1983; Oah, 1989; De Rose, 1994; Verplanck, 1955). Como
ocorre nos estudos das ciências sociais, a maior parte dos estudos dos analistas de
comportamento utilizam amplamente o relato verbal como fonte de dados, em entrevis
tas pósexperimentais ou de outro tipo, em levantamentos e avaliações padronizadas,
' Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Professor do Curso de
Graduação cm Psiralogia do Centro Universitário Vila Velha Coordenador do Grupo de Estudos em Análise do Comportamento e Práticas
Culturais E-ryiaii para correspondência: ludano.ajiiiia@ o' coíH.tjr
Discentes do Curso de Graduação em Psicologia do Centro Universitário Vila Velha ( U W ) e membros do Grupo de Estudos em Anãiise do
Comportamento e Práticas Culturais
ProfcssorColabm adordoGrupoíteEsttKtoseni Análise do Comportamento e Práticas Culturais
Doutorem Psicologia oela P U C -SP Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP e em Terapia Com portamentaídc G aipos
peia PU C -S P Professor Pesquisador da Universidade Federal óo Espirito Santo e do Programa d e Pás-Graduação em Psicologia da mesma
Universidade. E-moil: boroti@hotmail.oom
' Todas as vezes que um a referência possuir duas calas, 8 primeira se refere ào b ra o rtg ln aleaseg u rd a se refere à obra consultada.
328 Lüciano de S. Cunha, Fdip* M . Vasconceios, Liriza Q. Machado. Taola P C de Frtitis, Paula N . Lima, Pri^íJd df A . Nogueira. Renan Ç.
d* Almeida, R o tin a B. Çorces, Sarah M . Cardoso, Wagner P. Travesarú tíceu fcatisto B w b fí“
analistas do comportamento não são classificados como pesquisadores em P s ic n lo
gia Social. Na verdade, é dito que a análise do comportamento tem negligenciado <>s
fenômenos sociais (Guerin, 1992). Isso se deriva de uma crítica freqüente, segundo a
qua! a Análise Experimental do Comportamento (AEG) explicaria apenas fe n ó m e n o s
simples, não abarcando a complexidade inerente aos fenómenos sociais.
O que se sabe é que a AEC investiga as relações organismoambiente, incluin
do não somente os comportamentos individuais aprendidos por moio dc exposição
direta às contingências, instruções verbais ou modelação, mas também os com porta
mentos emitidos pelos indivíduos em grupo (Guerin, 1992). A única diferença entre
essas contingências individuais e sociais seria, portanto, de cumplexidnde, tendo em
vista que as interações sociais são broves, são diferentes quando se relaciona com
diferentes indivíduos, a presença de novos indivíduos podom modificálas, várias con
tingências são disponibilizadas simultaneamente, ou seja, amplia se o nível de análise
das variáveis que afetam o comportamento.
Outro exemplo de que a Análise do Comportamento têm estudado essas rela
ções de contingências complexas, deriva da introdução do conceito de metacontingôncias,
proposto por Glenn (1988), que descrevem relações funcionais no nível cultuial. E ssa s
relações envolvem práticas culturais e seus produtos. As próprias práticas culturais sào
compostas de contingências comportamentais entrelaçadas (falase em contingências
comportamentais entrelaçadas quando o comportamento de um indivíduo tem duplo
papel: o papel de ação e o papel de ambiente comportamental para a ação dos outros).
Desta forma, o ecossistema comportamental de cada humano individual passa a ser
integrado em um sistema maior, algumas vezes chamado de “sistema social", que é
composto de contingências comportamentais entrelaçadas, ou contingências sociais.
Isso exige que se enfatize uma sensibilidade aos outros membros da espécie,
3 “O reforço generalizado é a chavc do sucesso das discursos práücos e denlífioos £ * oolooa o comportamento do falante mais estreilamenlc
sebo controle do meto ambiente e permite que o oiM nte reajas esse oomportamerto com rnaissuoessoemlugarde um conta lo direlo com o .-nejo'.
(SWnnof, 1957.182}
Lucidno de Ç. Cunha. Filipe M . Vasconcclos, Luiza Q . M a:hadcf Paola P. C. dc frcíUs, Pauta N . Lima, Priscila dc A . Noç.ueln. Renati Q
330 He Aimelda, Rosaiína L/c^ev M , t jaíosü, Wagner P. T.^vrw ni Fatistd BíXioff
É desta forma que a crença poderá indicar uma prédisposição para um deter
minado comportamento, ou seja, uma pessoa saberia discriminar em que situações
ela deve se comportar e como ela deve se comportar para ter acesso a determinadas
conseqüências reforçadoras (isto pode ser explícito como em “Se estiver grávida, não
aborte ou vai se arrepender pelo resto da vida” ou implícito como em “ Eu sou contra o
aborto”}.
Segundo a Análise do Comportamento, não basta descrever como uma crença
foi adquirida; é preciso explicar (e demonstrar) o que a mantém. Estes dois objetivos
permitem uma descrição das variáveis que explicam a crença, evitando assim o argu
mento de que a crença ou o comportamento de acreditar em algo soja causa de um
outro comportamento, como ocorre como outros processos como ideologias ou repre
sentações. Do ponto de vista comportamental, uma pessoa vai à igreja não porque
acredita em Deus, mas porque determinadas conseqüências nesse caso específico,
reforçadores sociais aumentam a probabilidade de ocorrência desse comportamen
to. A crença pode atuar como regra no governo de outros comportamentos, entretanto, a
formação e manutenção tanto da crença quanto do comportamento social por ela gover
nado tiveram origem nas contingências sociais. Este estudo simplifica algumas des
sas contingências em episódios verbais simulados por um software.
Método
Participaram deste estudo 80 estudantes de ensino médio da Grande Vitória,
com idade variando entre 15 e 17 anos, de ambos os sexos (40 meninos e 40 meninas).
Os responsáveis pelos participantes eram solicitados a ler e assinar um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e podendo desistir ou cancelar a sua autorização a
qualquer momento sem nenhum tipo de ônus.
O procedimento foi executado num ambiente livre de interferências externas,
equipado com um computador contendo o software Belief 1.0 (Cunha & Borloti, 2005).
Além do computador, era disponibilizado para os participantes um cartão com instrução
e dois questionários (para serem respondidos antes e depois do experimento).
O software apresenta em sua janela principal links para configuração do deli
neamento experimental, onde podem ser configurados todos os estímulos a serem
apresentados, os procedimentos, as informações sobre todos os participantes.
Utilizouse um delineamento ABA. Num primeiro momento, foi feita uma medi
da de linha de base, na qual o participante deveria responder um questionário contendo
questões referentes à características femininas e masculinas, tendo duas (2) opções
de respostas; feminino ou masculino. Uma vez que o procedimento foi delineado para
reforçar, de forma invertida, características atribuídas pelo participante ao sexo oposto,
foram selecionados os primeiros quarenta (80) participantes que responderam de for
ma esperada às questões do questionário, para que não houvesse necessidade de
mudanças na configuração do procedimento.
Após responderem o questionário, os participantes eram encaminhados até o
computador e recebiam a instrução para o procedimento: “Foi realizada na Universida
de de Federal Brasileira3 uma pesquisa a respeito de características atribuídas ao sexo
feminino e ao masculino. Tal pesquisa revela que algumas das características relaciona
das a determinado sexo podem na realidade estar ligadas ao outro. Sabemos que em
nossa cultura muitas crenças a respeito dos papéis de homens e mulheres são reforça
das, a fim de atribuir a cada um determinadas funções. Desse modo esta pesquisa vem
contrariar algumas concepções errôneas acerca de tal assunto e desmentir mitos refor
í Mornefictfcio.
L u c ú ik ) do Cunha, Filipe M . Vdtconceto^ Lui^a Q. Machado, Paola P. C. de Freitas, PauLi N . Uma, PrisdU de A . NéçtLdra, Jknan Q.
d* Alm ada. Ro&aima B. Qornfs, Sarah M . Cardoso, Wagner P. Trâvcuru EJizeu Batisto BorJoti“
O software emite um relatório com todas as respostas dos participantes, o <|ue
permite a elaboração de um histograma em que podemos identificar quantas v f^ c s olc
acertou cada questão ou quantas vezes ele afirmou uma determinada crença ou por
quantos reforça mentos ela se manteve ou foi modificada.
Após concluir a fase de reforçamento, os participantes eram solicitados a res
ponder a seguinte questão: “Agora que você passou pelo treinamento no software
responda as questões abaixo de acordo com os conhecimentos adquiridos sobre
características masculinas e femininas". Nessa fase eram apresentadas novamente
as dez (10) questões iniciais, para que pudessem ser comparadas as respostas da
fase Unha de Base e as respostas após a Fase de Reforçamento. Após o procedimen
to, cada participante recebeu explicações sobre a pesquisa e foi esclarecido quais
eram as respostas corretas e quais as erradas.
Resultados:
A seguir, serão apresentadas as freqüências das respostas dos participantes
para as questões reforçadas erroneamente.
Frequência Relativa
Frequência Relativa
334 LuctâftodeS. Cunha, Fttp* M . Vasconcelos, Luíza Q. Machádo, Paola P. C. d* Frrifds, Píuta N. Umd. friscild de A . Nogueird R^rtan Q<
dc Abneidd, Reclina B. Qomes, Sorâh M . P Trrivfsarti, E!iz?u Batiste Borlotí**
iino (N = 18) e 30% dos participantes do sexo feminino (N = 12) assinalaram como femininn
a mesma característica. Na quarta pergunta da fase de reforçamento 70% (N -28) o 50%
(N=20) dos participantes do sexo masculino e feminino. respectivamente, compartilha
ram da opinião de que o item em questão se reteria a uma característica comum ao
feminino. Na última pergunta da fase de reforçamento. 65% dos participanlos dn sexo
masculino (N-26) e 55% dos participantes do sexo feminino (N=22) indicaram corno
feminina a característica Agressividade. No questionário pos-expenrriental foi registrada
uma mudança no aspecto crença para 55% (N=22) dos participantes do sexo masculino,
enquanto 50% (N-20) das participantes do sexo feminino mudaram sua resposta
Para a questão agressividade, um fator que pode ter contribuído para a mudan
ça do aspecto “crença", é a mudança na posição da mulher deritro da sociedade.
Atualmente as mulheres não são mais vistas como seres 'dóceis", “frágeis” e “indefe
sos". Passaram a atuar no mercado de trabalho e a sc posicionar muito mais firme
mente diante dos homens, isso pode ter feito com que as mulheres fossem considera
das agressivas, por lutarem por seus direitos e não se colocarem numa posição inferior
diante dos homens. Com essa nova visão da mulher corn a qual os adolescentes têm
contato, essa característica pôde facilmente ser relacionada com o sexo feminino. Outra
possibilidade sobre este aspecto pode ser observada através das evidências de Cohen
(2004), de que homens e mulheres praticam agressão, só que existem formas diferen
tes de demonstrá-la. Os homens geralmente praticam uma agressão mais direta, com
s o c o s e pontapés, enquanto que as mulheres praticam uma agressão indireta, que
acontece sem que as pessoas s g toquem, co m o uma critica destrutiva, por exemplo.
Essa seria uma possível causa dessa mudança entre as respostas destes adolescen
tes, d a d o s os efeitos produzidos pe la agressão indireta ou direta, podendo então, ser
uma característica relacionada à mulher.
L u a a n o de S. C u n h a , Filip e M . Vasco ncelos Luiza L,. M a c h a d o , PacLj P. r . de F re iía i, Pauta N . I im a. P n s rila de A . N o g u e ira , R enaíí Q-
de A h t í t d a . Rosa li na R. Ç o m « , Sa/ah M . C <y',k>si! W a g n e r P. TravesanC Elizeu B a ta ta B o rlo iP
Na fase de linha de base desse item, todos os participantes (N=80) responde
ram que a Racionalidade e uma característica masculina. Na primeira pergunta da fase
de reforçamento 35% dos participantes do sexo masculino (N=14) e 20% dos partici
pantes do sexo feminino (N8) responderam de forma oposta à faso de linha de base
Na segunda pergunta fase de reforçamento. o número de participantes aumentou para
65% para o sexo masculino (N=26) e o número de participantes do sexo feminino
aumentou para 35% (N14). Na terceira pergunta da fase dc reforçamento 50% dos
participantes de ambos os sexos (N4Ü) responderam como sendo feminino o item em
questão. Na quarta pergunta da fase de reforçamento 65% dos participantes do sexo
masculino (N=26) e 60% das respostas assinaladas pelos participantes do sexo fem i
nino (N 24) referiramse à Racionalidade como uma característica feminina. Na quinta
pergunta da fase de reforçamento, 75% dos participantes do sexo masculino (N=30)
responderam como sendo feminino o item Racionalidade, enquanto 50% das partici
pantes do sexo ferninino (N~20) consideraram desta forma.
Essa mudança pode ter sido ocasionada devido à mudança de atitude tanto de
mulheres quanto de homens na sociedade. Como já discutido acerca da agressividade,
também nessa característica, culturalmente o homem é sempre tido como o mais racional
e o que sempre privilegia a razão em detrimento da emoçao. Ao contrário da mulher, que
sempre se deixa influenciar pela emoção e não tem controle sobre seus sentimentos.
Agostinho, Bauer & Predebon (2002) afirmam que reconhecer que as emoções e os senti
mentos fortes podem alterar comportamentos operantes, e isso habitualmente é atribuído
a uma racionalidade. Uma hipótese é que esse seja o motivo pelo qual os participantes na
linha de base atribuírem a característica racionalidade ao sexo masculino.
Outro aspecto relevante a ser ressaltado, é que foi possível percober nos resul
tados obtidos que mesmo as características que não foram reforçadas erroneamente,
foram modificadas pelos participantes, no entanto, com freqüências reduzidas. Essa
mudança ocorreu principalmente durante as fases de reforçamento, visto que no ques
tionário pósexperimental tal modificação não foi revelada.
Considerações Finais
Esses dados permitem afirmar que crenças são comportamentos sujeitos as
mesmas leis e princípios que qualquer outro comportamento e que os reforçadores
sociais aumentaram a freqüência de respostas de crenças errôneas, mesmo que uma
crença correta oposta tenha sido fortalecida anteriormente pela comunidade verbal do
“crente". Há algumas interpretações possíveis para este fato.
Um primeiro aspecto a se considerar é o poder do reforçamento social provido
pela situação experimental na qual o ouvinte (o experimentador ou o software produzido
pela equipe de uma Instituição Federal de Ensino Superior fictícia) supostamente per
tencia a um grupo que sabia o que dizia acerca do tema proposto. Skinner (1957) diria
que, neste experimento, a crença inicial observada na linha de base do participante não
foi bem sucedida em responder ao comportamento verbal do ouvinte (o participante nêo
teve seu comportamento verbai inicial reforçado pelo software) e, portanto, sua crença
inicialmente “forte” tomouse fraca. Parafraseando Skinner, os participantes “aceitaram
as palavras dele" (da suposta Instituição Federal de Ensino Superior). Resultados simi
lares foram encontrados no estudo de Verplanck (1955), em que ele criou um procedi
mento para reforçar opiniões.
Um segundo aspecto a ser interpretado é o como esse “poder” da suposta
Instituição Federal de Ensino Superior como interlocutora no reforçamento, mediado
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