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Psicanâlise
xiv - 2000
MECANISMOS NAO-INTERPRETATIVOS
NA TERAPIA PSICANALITICA*
“ALGO MAIS” ALÉM DA INTERPRETAÇÂO
GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA
D a n ie l N. S te r n , L ou is w . S a n d er, Jerem y P. N ahum , A le x a n d r a M. H a rriso n ,
K a r le n L yon s-R u th , A le c C. M o rg a n , N a d ia B r u sc h w e ile r -S te r n
E EDWUARD Z. TRONICK, BOSTON, MA
* Este artigo é um trabglho em andamento. Pedidos de pré- ou de republicaçôes devem ser dirigidos a: Grupo de
Estudos do Processo de Mudança, aos cuidados de E. Z. Tronick, Children’s Hospital, 300 Longwood Ave., Boston,
MA 02115. Este artigo foi selecionado para o grupo de discussâo na pagina do IJPA da Internet e no Bulletin
Board. Para detalhes, ver: hpttp://www.ijpa.org.
198 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA
Mesmo os analistas que acreditam na prima- representaçôes e dois tipos de memoria. Um é
zia da interpretaçâo concordarâo prontamente explfcito fdeclarativol e o outro é implicito (pro
que, como regra, boas interpretaçôes requerem cessual). Ainda esta por determinar se sâo, de
preparaçâo e trazem consigo o algo mais. Um fato,~dÔis fenômenos mentais diferentes. Neste
problema dessa visâo inclusiva da interpretaçâo estâgio, entretanto, acreditamos que parapesqui-
é que deixa inexplorada que parte da atividade sa mais abrangente é preciso que sejam estudados
interpretativa ampliada é, de fato, o algo mais, e separadamente.
que parte é insight puro via interpretaçâo. Sem O conhecimento declarativo é explfcito e
uma distinçâo clara, toma-se impossivel explo- consciente ou se torna consciente rapidamente.
rar quanto elas se relacionam conceitualmente ou É representado simbolicamente de forma imagé-
sâo muito diferentes. tica ou verbal. É o material do conteüdo das in
Nâo obstante, nâo desejamos estabelecer terpretaçôes que alteram a compreensâo consciente
uma falsa competiçâo entré esses dois eventos da organizaçâo intrapsiquica do paciente. Histo-
mutativos. Eles sâo complementares. Ao contra ricamente, a interpretaçâo esta vinculada à dinâ-
rio, queremos explorar o algo mais por nâo ser mica intrapsiquica e nâo as regras implfcitas que
tâo bem compreendido. govemam as transaçôes da pessoa com os outros.
Apresentaremos uma estrutura conceitual A tu a lm m te T e s s ^ ~
para compreender esse algo mais e descrevere- Por outro lado, o conhecimento processual
mos onde e com o funciona (ver tam bém , dos relacionamentos é implicito, operando fora
Tronick, 1998). Primeiro, fazemos uma distinçâo da atençâo focal e da experiência verbal cons
entre mudanças terapêuticas em dois âmbitos: o ciente. Esse conhecimento é representado de for
declarativo ou consciente verbal e o processual ma nâo sim bôlica pelo que chamaremos de
implicito ou âmbito relacional (ver Clyman, conhecimento relacional implicito. A maior parte
1991; Lyons-Ruth, no prelo). A seguir, usaremos da literatura sobre conhecimento processual con
uma perspectiva teorica derivada de um modelo siste em conhecer as interaçôes entre o nosso cor-
de sistemas dinâmicos de mudanças do desen- po e o mundo inanimado (ex. andar de bicicleta).
volvim ento para o processo de mudança Existe outro tipo, que consiste em saber sobre as
terapêutica. Esse modelo é adequado para a ex- relaçôes interpessoais e intersubjetivas, isto é,
ploraçâo dos processos de procedim ento como “estar com” alguém (Stem, 1985, 1995).
implicito que ocorrem entre os participantes de Por exemplo, logo no infcio da vida, o bebê
um relacionamento. aprende a conhecer que formas de abordagem
U m a A bo rdag em do P roblem a afetiva os pais receberâo bem ou rejeitarâo, tal
\
como descrito na literatura sobre apego (Lyons-
Nossa abordagem baseia-se em idéias récen Ruth, 1991). Esse segundo tipo é o que estamos
tes de estudos do desenvolvimento da interaçâo chamando de conhecimento relacional implicito.
mâe-bebê e de estudos de sistem as dinâmicos Esses conhecimentos mtegram afeto, cogniçâo e
nâo lineares, e a relaçâo deles com fatos men (jjmftnsôes interativas comportamentais. Podem
tais. Essas perspectivas serâo a base para a ela- permanecer fora da consciência como o “conhe-
boraçâo do nosso ponto de vista sobre o aigô cido nâo-pensado” de Bollas (1987) ou o “pas-
mais da psicoterapia psicanalftica. que envolvê sado in con scien te” de Sandler (Sandler &
atracar-se com noçôes tais como “momentos de Fonagy, 1997), mas também podem formar a
encontre", a relaçfo “real” e autenticiclacle. Àprg^ base do que mais tarde poderâ ser representado
sentamos aqui uma revisâo conceptual para as simbolicamente.
seçôes sobre os processos de desenvolvimento e Em resumo, o conhecimento declarativo é
terapêuticos. obtido ou adquirido por meio das interpretaçôes i
O algo mais deve ser diferenciado de outros verbais, que alteram a compreensâo intrapsiqui
processos em psicanâlise. Nas psicoterapias di- ca do paciente no contexto da relaçâo
nâmicas sâo construfdos e reorganizados pelo “psicanalftica”, geralmente transferencial. O co-j
menos dois tipos de conhecimento, dois tipos de nhecimento relacional implicito, por outro lado,
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ocorre por meio de processos “interativos, inter- continua ao longo da vida, inclusive muitas das
subjetivos”, que alteram o 'campcTrelacional nô maneiras de estar com o terapeuta, que chama-
contexto do que chamaremos de ‘ïelaçâo com- mos1.11 I|Wdenmnfvranci>i
transferência.
----1— tfw r Freqüentemente, esses
X
proporcionar os melhores modelos para apreen- Um exemplo ilustra melhor. Se, no decorrer
der o processo de movimentaçâo e a natureza dos da brincadeira, a mâe e o bebê inesperadamente
“movimentos de encontro ” especificos (ver abai- aumentam a intensidade da atividade e da alegria,
xo), que sâo caracteristicas emergentes da mo a capacidade de tolerar niveis mais altos de cria-
vimentaçâo. N o curso da m ovim entaçâo, as çâo mütua de excitaçâo positiva do bebê se ex-
finalidades duplas das açôes complementares pandirâ nas futuras interaçôes. Quando ocorrer
ajustadas e o encontro intersubjetivo com respei- uma expansâo do padrâo e houver reconhecimen
to a esse ajuste podem ser subitamente perce- to mütuo de que os dois participantes interagi-
bidos num “m om ento de en contro”, algo ram juntos, com sucesso, numa ôrbita de mais
inevitavelmente bem preparado, mas nâo deter- alegria, suas interaçôes subseqüentes serâo con-
minado, durante longo perfodo de tempo. Esses duzidas nesse ambiente intersubjetivo alterado.
momentos sâo construidos em conjunto, reque- Nâo é apenas o fato de que cada um fez isso an
rendo algo singular de cada participante. É nes tes, mas o senso de que os dois estiveram aqui
se sentido que o encontro depende de uma antes. O âmbito do conhecimento relacional im
especificidade de reconhecimento, tal como con- plicito se alterou.
ceituado por Sander (1991). Outro exemplo: imagine uma criança peque-
Exemplos de “momentos de encontro” sâo na visitando, com o pai, um novo playground. A
eventos tais como: O momento p.m qnp. a ir^m- criança corre para o escorregador, subindo a es-
duçâo de um comportamento por parte dos pais cada. Quando chega perto do topo, sente-se um
se ajusta ao movimento do bebê em direçâo ao pouco ansiosa em virtude da altura e dos limites
sono, de forma a deflagrar uma mudança no bêBe~ da habilidade recente. Num sistema diâdico fun-
de acordado para adormecido; ou o momento em cionando suavemente, olha para o pai como guia
que uma"contenda de brîncadeira livre evolüT para ajudâ-la a regular seu estado afetivo. O pai
para uma explosâo mütua de riso; ou o momen responde com um sorriso caloroso e um aceno,
to em que o bebê aprende, com muito ensinamen- aproximando-se um pouco da criança. A crian
Jo e construçâo por parte dos pais, que a palavra
"*---n|W,n|,| * --f--- T--- — «•»■■■— ■“ - IW| f || ça sobe até o alto, adquirindo um novo senso de'
que usarâo para aauela coisa que late e r;cacfior- contrôle e de diversâo. Eles compartilharam, in-
ro”. Nos dois ültimos exemplos, o encontro tam tersubjetivamente, a seqüência afetiva ligada ao
bém é intersubjetivo, no sentido de que cada ato. Tais momentos ocorrerâo novamente quan
participante reconhece ter havido ajustamento do o engajamento confiante da criança com o
mutuo. Cada um apreendeu uma caracteristica es- mundo for apoiado.
sencial da estrutura motivacional orientada pelo
objetivo do outro. Para dizê-lo coloquialmente, Conseqüências imediatas dos
cada um apreende uma versâo similar “do que “momentos de encontro ” que alteram
esta acontecendo, agora, aqui, entre nos”. o ambiente intersubjetivo
Supomos que os encontros intersubjetivos Quando ocorre um “momento de encontro”,
têm status de objetivo nos seres humanos. Sâo a numa seqüência de regulaçâo mütua, ocorre um
versâo mental da finalidade da possibilidade de equilfbrio que permite uma “disjunçâo” entre os
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