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FICHA INFORMATIVA Nº4 – TEXTOS ORAS OU ESCRITOS DE NATUREZA

DIDÁCTIVA OU CIENTÍFICA

1. TEXTO EXPOSITIVO-ARGUMENTATIVO

1.1. Definição

A comunicação não significa Texto expositivo-argumentativo é aquele em que se


apenas o envio da mensagem, a defende uma tese ou um juízo, com a intenção de
recepção e a sua compreensão
convencer e persuadir o público-alvo (auditório/leitor).
pelo ouvinte/leitor. São muito
Consente, por isso, a possibilidade de polemizar-se em
frequentes as vezes em que
tomamos a palavra para torno de uma questão e de recorrer-se a outros
influenciar ouvinte/leitor a referentes como estratégias de argumentação.
aceitar o que estamos
expressando; que acredite ou
faça o que está sendo dito ou • O que é argumentar?
proposto.
Nesse sentido, a língua não é
Argumentar é desenvolver organizadamente um
apenas um instrumento de
comunicação; ela é também um
raciocínio, uma ideia, uma opinião ou um ponto de
instrumento de acção sobre os vista, de forma a influenciar, a convencer e a persuadir
espíritos, isto é, uma estratégia um determinado auditório1 (leitor). Assim, o termo
que pretende convencer,
argumentar implica a defesa de uma tese mediante a
persuadir, fazer crer, mudar de
opinião, levar a uma determinada utilização de um conjunto de razões.
acção. Assim sendo, pode
afirmar-se que, sem nenhum
• O que é tese?
exagero, falar e escrever é
argumentar.
À ideia que se pretende provar ou defender
denomina-se tese. Para explicitar o conceito de tese, tenha-se presente o seguinte:
todas as vezes que falamos ou escrevemos sobre um tema, reproduzimo-lo

1 Isto remete à ideia de que todo discurso é dirigido a um auditório, entendido não apenas no
sentido restrito de “público do orador, reunido na praça”, mas, principalmente, na concepção
alargada de enunciatário de qualquer tipo de discurso, em qualquer situação. A mudança do
auditório leva à alteração de certos elementos da argumentação, pois os mecanismos de
argumentação dependem, em primeiro lugar, da relação do argumentador com o seu “público”.
verbalmente não como ele é na realidade objectiva, mas sim como se apresenta
em nossa mente naquele momento. Por outras palavras, realizamos uma das
versões possíveis do tema. Por isso, pode considerar-se que a tese de um texto é
a posição ideológica que o autor assume ou a conclusão geral a que se chega.

• O que é argumentação?

A argumentação dirigida a um
Define-se argumentação como o conjunto de
auditório universal procura
procedimentos discursivos de dedução, de raciocínio e
convencer o enunciatário da
evidência das razões de outras formas que visam a adesão do auditório2
apresentadas e de sua (leitor). Toda a argumentação visa a «adesão dos
independência de contingências
espíritos», e, por isso mesmo, supõe a existência de um
locais ou históricas.
contrato intelectual.
A argumentação apresentada a Também se pode definir argumentação como
um auditório particular conjunto de razões a favor ou contra uma opinião ou
procura persuadir o ouvinte a
uma tese.
realizar uma acção imediata ou
futura, desenrolando-se
A argumentação faz parte da retórica3, disciplina
essencialmente no plano considerada, desde a Antiguidade Clássica, como a «arte
prático. A distinção entre de bem falar» e de levar os outros a aderir aos nossos
convencer e persuadir depende,
objectivos e às nossas razões. Com efeito, há que
portanto, do auditório
representado pela enunciação. consideras certas condições prévias, a saber:
Convencer é /fazer-crer/ e • a língua comum entre o enunciador e o
persuadir é /fazer-fazer/. Essa
enunciatário; o facto de manterem relações
separação não se faz com
sociais; o desejo do enunciador de entrar em
rigidez, pois /fazer-crer/ é
condição da acção pretendida. comunicação e, em resposta; e a atenção e o
interesse do enunciatário.

2 O auditório pode ser universal e particular. O auditório universal é constituído pela


humanidade toda, ou, ao menos, por todos os homens adultos e normais. O auditório particular
é formado apenas pelo interlocutor ao qual o locutor se dirige ou, em última instância, pelo
próprio sujeito desdobrado em enunciador e enunciatário.
3 Na Grécia Antiga, Aristóteles produziu um trabalho sobre a Retórica e, em Roma, Cícero e

Quintiliano postularam os princípios fundamentais desta “arte de bem convencer” (ainda hoje
plenos de actualidade), que deveriam ser seguidos por juristas e políticos.
• O que é argumento?

Um argumento é raciocínio destinado a provar ou refutar uma afirmação ou


tese, ou ainda uma afirmação destinada a fazer admitir outra. Os argumentos
são, portanto, elementos abstractos, cuja disposição no discurso dependerá da
sua força argumentativa, aparecendo, assim, no texto, numa disposição
crescente, decrescente ou dispersa.
Ao longo de um mesmo texto, podem coexistir argumentos a favor ou contra
uma tese. No entanto, os argumentos contra objectivam, muitas vezes, reforçar
o valor dos argumentos a favor dessa tese.

1.2. Estrutura argumentativa

Embora se deva distinguir a estrutura de uma peça oratória, destinada a


ser dita, de um texto argumentativo que é escrito para ser lido, há uma estrutura
de base que se mantém, organizada, dialecticamente, em tese, antítese e síntese.
Por esta via, as peças oratórias, sejam sermões, sejam discursos políticos, ou
outros, seguem princípios clássicos que prevêem um plano desenvolvido em
quatro estágios:

• Exórdio: é o começo do discurso. Pode ser uma indicação do


assunto, um conselho, um elogio, uma censura, conforme o género do discurso
em causa. Neste caso, considera-se o exórdio como a introdução. Essa fase é
importante, porque visa a assegurar a fidelidade dos ouvintes. Notem como age
o padre num sermão. Normalmente, ele diz: “Caríssimos irmãos, hoje iremos
falar sobre...”

• Narração ou Exposição: é propriamente o assunto, onde os factos


são arrolados, os eventos indicados. Sobre este aspecto, Aristóteles observa o
seguinte: “O que fica bem aqui não é nem a rapidez, nem a concisão, mas a justa
medida. Ora, a justa medida consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou
prove que o fato se deu, que constituiu um dano ou uma injustiça, numa palavra,
que ele teve a importância que lhe atribuímos”. É propriamente a argumentação.

• Confirmação/Refutação/Provas: se o discurso haverá que ser


persuasivo, é mister comprovar aquilo que se está dizendo. Serão os elementos
sustentadores da argumentação. Esta fase é particularmente significativa no
discurso em que se mostram os argumentos favoráveis e os contrários.

• Peroração: é o epílogo, a conclusão. Pelo carácter finalístico e, em


se tratando de um texto persuasivo, está aqui a última oportunidade para se
assegurar a fidelidade do receptor, portanto, mais um importante momento no
interior do texto. A ela referia-se Aristóteles da seguinte forma: “A peroração
compõe-se de quatro partes: a primeira consiste em dispô-lo [o receptor] mal
para com o adversário; a segunda tenciona amplificar ou atenuar o que se disse;
a terceira, excitar as paixões no ouvinte; a quarta, proceder a uma
recapitulação”.

Por seu turno, um texto argumentativo não oratório, quer dizer, um texto
que é escrito para ser lido, segue uma estrutura triádica, compreendendo os
seguintes elementos:

• Introdução: apresenta-se a tese a demonstrar, anunciando, ao


mesmo tempo, o plano que se vai seguir na argumentação.

• Desenvolvimento: patenteiam-se os argumentos estabelecidos


segundo princípios lógicos, articulados entre si, para confirmar a tese escolhida
e refutar, ou contradizer, as objecções que, possivelmente, venham a ser
levantadas pelo leitor (antítese); ao mesmo tempo, os argumentos procuram
convencer o leitor, persuadindo-o e implicando-o no ponto de vista de quem
escreve, que deve ir apresentando provas e exemplos do que afirma, levantando
ainda hipóteses, inferindo causas e estabelecendo consequências.

• Conclusão: realiza-se a síntese do exposto, ou exprime-se os


propósitos a seguir, ou ainda um comentário geral à situação do que foi tratado.

1.3. Processos de argumentação

Aristóteles considerava que, na oratória, havia três géneros discursivos4, a


saber:
• o deliberativo, dizendo sobretudo respeito ao domínio político, no qual
se tenta aconselhar ou levar alguém a decidir-se sobre um determinado
comportamento.
• o judicial/judiciário, em que se trata de acusar ou defender, julgando
um acto ou uma pessoa.
• o epidíctico, em que se louva ou reprova, em que se faz um elogio ou se
censura.

1.4. Características linguísticas

• Predomínio de uma linguagem clara, objectiva e denotativa. É rara


a combinação da objectividade com recursos poéticos, como
metáforas e alegorias.
• Predominam as funções informativa e apelativa/persuasiva.
• Predominam formas verbais no presente do indicativo.

4 Apesar de se manter esta divisão, os seus domínios interpenetram-se.


Exercício
Propomos a leitura do texto Eduquem os adultos primeiros, de Inês Pedrosa, para aplicar os seus
conhecimentos sobre o texto expositivo-argumentativo, procurando detectar algumas marcas das marcas
deste tipo de textos: organização lógica (introdução, desenvolvimento e conclusão), tese, argumentos, tempos
verbais…

Para saber mais…

ABREU, A. S. (2002). A arte de argumentar: gerenciando a razão e a emoção. 5ª


ed., São Paulo: Ateliê Editorial.

BARROS, D. L. P. de (2002). Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3ª.,


São Paulo: Humanitas.

PERELMAN, C., OLBRECHTS-TYTECA, L. (1996). Tratado da Argumentação: A


nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes.

REIS, J.E. Curso de Redacção II (2000). Porto: Porto Editora.

Texto para análise

Eduquem os adultos primeiro


O entendimento desrespeitoso sobre os menores de idade é a raiz de todos
os problemas da educação

O tema da distribuição dos preservativos nas escolas é polémico porque


ainda há quem não se queira habituar à ideia de que crianças e jovens não são
marionetas dos pais: têm uma identidade autónoma e direitos específicos. As
sucessivas sentenças judiciais em que “o superior interesse da criança” é
tomado como sinónimo de “os caprichos dos pais biológicos”, decretando que as
crianças sejam levadas à força para longe dos que as criaram e amaram, só
reforçam esta ideia boçal. Os gritos de Alexandra, largada aos dois anos por
uma mãe alcoólica que, se prostituía, e devolvida quatro anos depois a esta
mesma mulher, deviam ser capazes de nos abanar. “Luta mãe, não me deixe ir”,
suplicou a menina, antes de ser arrastada para um país e uma língua que
desconhece (a Rússia, o país da mulher que a pariu). Os títulos da imprensa
tablóide, onde pelo menos os gritos dos desgraçados e abandonados se ouvem,
não lhe valeram de nada. Idália Moniz, a secretária de Estado-adjunta e da
Reabilitação, afirmou que a decisão se baseou em “pareceres de técnicos
qualificados” – por isso, tudo está bem. Se um técnico qualificado tivesse o poder
de arrancar a senhora secretária de Estado ao seu mundo e à sua família, e a
despachasse para um povoado a trezentos quilómetros de Moscovo, para viver
com gente que desconhece, tudo estaria bem?
Este entendimento desrespeitoso sobre os menores de idade é a raiz de
todos os problemas da educação em Portugal. Quando se fala em educação
sexual, os adultos mais conservadores (uma outra forma de dizer reprimidos,
ou mal resolvidos) entram em urticária moral. Entendendo a sexualidade como
um cortejo de perversidades infinitas, uma coisa suja e feia, uma vertigem de
prazeres que não se sabe onde irá parar, querem proteger os seus rebentos disso
mesmo – ou seja, das suas cabeças torturantes e torturadas. Precisam da
inocência dos outros para se redimirem, e associar a sexualidade à perda da
inocência. Querem controlar os pensamentos e actos dos seus meninos. O terror
manifestado pelas comunidades católica e muçulmana face à distribuição dos
preservativos nas escolas é eloquente: dizem eles que o preservativo é “um
incentivo” ao sexo. Parece-me que é preciso ter-se uma mente completamente
ocupada por sexo para olhar para um bocado de látex e ficar a salivar de luxúria.
Acresce que o projecto agora aprovado é bem claro: os preservativos serão
oferecidos em gabinetes de informação e apoio aos estudantes do 10º ao 12º ano
– ou seja, rapazes e raparigas com mais de quinze anos. Não estarão disponíveis
em máquinas espalhadas pelos estabelecimentos de ensino – estivessem assim
à solta, provocariam certamente animadas lutas de balões de água nos recreios,
mas não mais do que isso. Um desperdício.
Um estudo recente da Associação do Planeamento Familiar demonstrou
que metade dos jovens de 15 anos é virgem. Os mais novos têm hoje muito mais
informações sobre sexualidade do que os seus pais tinham com a mesma idade
– o que significa que também um decréscimo da curiosidade e do interesse em
experimentar tudo já. O crescimento do mundo das relações virtuais é sintoma
desta mudança, que se prende também com um sentimento de insegurança face
aos contactos físicos. Esta geração cresce no meio de bombardeamento sobre
pandemias, germes, contágios e crimes de pedofilia. Por outro lado, todo o
conhecimento que os jovens têm sobre estás matérias é superficial e alarmista:
sabem o que é a sida, em abstracto, mas sabem pouco sobre as formas de
contágios e os perigos, e desconhecem o que sejam outras doenças sexualmente
transmissíveis. Continuam a circular nas escolas mitos como os de que o coito
interrompido (pobres raparigas!) previne a gravidez, ou que não se engravida à
primeira relação sexual, ou que a sida e outras doenças do sexo só atacam os
homossexuais. Por isso, é tão importante que exista uma educação para a
sexualidade. Creio que o melhor sistema será introduzi-la na disciplina de que
ela faz parte: as ciências da natureza. A ideia de uma educação sexual
“transversal” está condenada ao falhanço – o caso extremo da professora de
História de Espinho que substituía o feudalismo pela análise crítica sobre a vida
privada dos alunos demonstra-o. Os jovens têm o direito a saber como funciona
o corpo humano e o que pode acontecer com ele nas relações íntimas. Educação
para a intimidade, felizmente não há: o que somos na cama é o somatório do
que somos e sonhamos fora dela. Qualquer que seja a nossa idade. Respeitemos
isso.
Inês Pedrosa (Adaptado)

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