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Apple, Michael W. - Educação e Poder
Apple, Michael W. - Educação e Poder
I 'I
ducação
Poder
Michael W. Apple
Michael W. Apple é "John Bascom Professor" de Currículo e Instrução e de Estudos e Política
Educativa na Universidade de Wisconsin em Madison.
Educação
e Poder -
?lichael W. Apple
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0 PORTO EDITORR
Título Educação e Poder
Autor Michael W. Apple
Tradutor João Menelau Paraskeva
Editora Porto Editoia
0 P O R T O EDITORA. L ~ A -
. 2001
Rua d a Restauraçao. 3 6 5
4099-023 PORTO - PORTUGAL
Execuçao gráfica de: BLOCO GRÁFICO, LDA. - R da Restauraçáo, 387 - 4050506 PORTO - PORTUGAL
.....
Prefacio a ediçao de 1995 ..........................................................................
. .-.
Prefácio a ediçao .......................................................................................
Agradecimentos ...............................................................................................
1 Reprodução, constestação e currículo ................................................
A sombra da crise ................................................................................................
Crítica educacional ..............................................................................................
A circulação do conhecimento técnico-administrativo ..............................
2 Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado
A mercantilizaçáo da cultura ......................................................................
3 O outro lado do currículo oculto
A cultura como experiência vivida - I .....................................................
Apple Michael(1993) Off~cia/knowledge Democratic Education m a Conservative Age New York Routledge
Herrnstein, Richard e Murray, Charles (1994) The Bell Curve New York Free Press O financiamento desta obra efectuado
por fundações de direita necessita de muito maior atenção Foram disponibilizados consideraveis recursos financeiros para a
oublicidade da obra e para que o autor (Herrnstein 16 faleceu) pudesse difundi-la viajando pelo pais aparecendo nas
cadeias de rddio televisáo e imprensa escrita
A direita política nos Estados Unidos da América do Norte tem tido
enorme sucesso na mobilização de apoios contra o sistema educativo e
seus empregados, exportando frequentemente a crise da economia para
as escolas. Assim, uma das suas grandes conquistas tem sido desviar as
culpas - do desemprego e subemprego, da perda de competitividade
económica, da suposta ruptura dos valores e padrões "tradicionais" na
escola, na família e nos locais de trabalho assalariado e não assala-
riado - dos efeitos das políticas económicas, culturais e sociais dos gru-
pos dominantes para a escola e outras agências públicas. O '>público" é
agora o cenfro de todos os males; o "privado"é o cenfro de tudo aquilo
que é bom.8 1
Este assunto 6 discutido com muito mais detalhe em Apple, Michael (1996). Cultural Politics and Education. New York:
Teachers College Press I
Prefacio a edição de 1995 s
'Vrde Clarke John (1991) New T,mes, Old Enemres London Harper Collins and Steven Best and Douglas Kellner
(1991) Postrnoderntheory London MacMillan
'%ronowitz Stanley (1 992) The Poht~csof ldentiry New York Routledge
11
bém no seu próprio seio. Em outros livros abordo estas questões de u m
modo consideravelmente mais pormenorizado. Educação e Poder tende
a colocar maior ênfase na complicada dinâmica de classe. Muito
embora não esteja totalmente de acordo com Philip Wexler, que afirma
que nas escolas e na sociedade em geral a diferença de classe é o código
supremo de organização da vida social," encontro-me profundamente
preocupado pelo facto de as questões de classe se encontrarem margi-
nalizadas do trabalho crítico na educação. Levou muito tempo para
que questões relacionadas com classe e economia política se impuses-
sem no foro da nossa compreensão sobre as políticas e práticas educa-
tivas que seria uma circunstância trágica se as mesmas fossem agora
marginalizadas, ainda por cima numa altura em que urge uma com-
preensão integral destas dinâmicas. A ofensiva económica e ideológica
neoliberal que se espalha por todo o mundo demonstra o quão impor-
tante é termos em consideração estas dinâmicas.
O mesmo se deve afimar sobre a economia. O capitalismo pode
encontrar-se em transformação, mas continua a existir como uma
força massiva estruturante. Muitas pessoas podem não pensar e actuar
de acordo com teorias essencialmente classistas, contudo, tal não signi-
fica que as divisões de raça, sexo e classe sobre o trabalho assalariado e
não assalariado tenham desaparecido; nem tão-pouco significa que
relações de produção (quer económicas quer culturais, uma vez que o
modo como as pensamos pode ser diferente) possam ser ignoradas se
nos debruçarmos em relação a elas de modos não essen~ialistas.'~
Tenho vindo a afirmar tudo isto porque há perigos reais nos estudos
educa tivos críticos. Enquanto assistimos a uma grande e necessária
vitalidade ao "nível" da teoria, uma considerável parte da investigação
crítica tem sido frequentemente passageira. Desloca-se rapidamente de
teoria em teoria assumindo, aparente e habitualmente, que quanto
mais difícil se toma compreender algo, ou quanto mais se apoiar sobre
a teoria cultural europeia (preferencialmente a francesa), melhor será.
A rapidez deste movimento e a sua apropriação parcial por uma frac-
ção móbil e em ascensão da nova classe média no seio da academia -
tão predisposta a mobilizar os seus recursos culturais no interior do
" Wexler. Philip (1992) Becorn/ng Sornebody New York Falmer Press. p 8
" Paraurna discussao mais aprofundada sobre estas questões. wde Apple. Michael (1996) Cultural Pobtics and Educa-
m n New York Teachers College Press
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Prefacio a edição de 1995
',
I dades, escolas e outros locais - têm como um dos seus efeitos a nega-
1 ção das conquistas conseguidas noutras tradições ou o recomeço des-
sas conquistas numa nova linguagem. Ou pode, na verdade, retroceder,
como numa reapropriação, digamos, de Foucault, em apenas outro (de
1I algum modo mais elegante) teórico do controlo social que e um con-
ceito a-histórico e descredibilizado que nega o poder dos movimentos
l3 Wde Zipin Lew (1 995) Emphasizing 'Dixourse' and Bracketing 'Foundations' The Ouesnon of Agencyin CriticalTheories
and School Research unpiibished paper, Department of Educational Policy Studies, University of Wisconsin Madison
' V i d e Apple Michael (1996) Cultural Pohtics and Education New York Teachers College Press
Wde Apple Michael (1994) Cultural Capital and Official Knowledge In Carey Nelson and Michael Berube (eds ), Higher
Educanon Under Fire New York Routledge pp 91 97 Digo abordagens porque 6 muito facil estereotipar as teorias
p6s-modernas e pos-estruturais E infeliz faze-10. uma vez que as diferenças politicas. por exemplo. entre as varias ten-
dências associadas a cada um são frequentemente substanciais
13
A
Desta forma, existe uma linha muito ténue entre as transformações
políticas e conceptuais necessárias e as tendências. Infelizmente, a
última aparece por vezes como uma apropriação relativamente acrítica
do pós-modernismo por parte de alguns teóricos da educação. Por
exemplo, existem certamente planos (demasiados) para transformar as
escolas em forças de mercado, para diversificar tipos de escolas e facili-
tar aos "consumidores" uma maior escolha. Alguns podem argumentar
que isto é o "equivalente educacional do... emergir da especialização
flexível em detrimento da velha linha de montagem de produção mun-
dial massiva conduzida pelos imperativos da diferenciação de consumo
em vez da produção massi~a".'~ Certamente que isto envolve em si uma
perspectiva pós-modema.
Ainda, tal como muitas das novas reformas que têm vindo a ser pro-
postas, nesses planos existe menos "pós-modernismo" do que é óbvio.
Muitas delas têm uma imagem "muito requintada". Como salientam
Whitty, Edwards e Gewirtz, são habitualmente orientadas por "uma
acentuada crença na racionalidade técnica como plataforma para a
resolução dos problemas sociais, económicos e educativos". A especiali-
zação é tão poderosa, ou provavelmente mais poderosa, como qualquer
preocupação com a diversidade." Em vez de uma exposição da "hetero-
geneidade, pluralismo e do local"- embora estas questões possam ser as
formas teóricas através das quais algumas destas reformas se encon-
tram envolvidas - podemos eventualmente vir a assistir a uma revivifi-
cação de hierarquias mais tradicionais de classe e género e especial-
mente de raça. Um compromisso inquestionável com a noção de que
"nós" nos encontramos actualmente completamente envolvidos num
mundo pós-modemo pode facilitur a visão de transformações superfi-
ciais (algumas delas encontram-se, sem dúvida, a suceder), embora
possa dificultar também o reconhecimento de que tais transformações
se podem constituir em novas formas de reorganizar e reproduzir velhas
hierarquias.'" facto de o pós-modemismo, como teoria e como con-
junto de experiências, poder não ser aplicado a esmagadora maioria da
população mundial deve também fazer-nos reflectir u m pouco mais .I9
Ib
lg
14
Whitty. Geoff; Edwards. Tony; Gewirtz, Sharon (1994). Specialfzationand Choice in Urban Education. New York: Rou-
tledge, pp. 168-169.
" lbid., pp. 173-174.
"Ibid., pp 180-181
Vide discussão crucial sobre esta questão em Said, Edward (1993). Culture and Imperialism. New York. Vintage.
I
Prefacio à edição de 1995
I
níveis - despendem quantidades consideráveis de tempo na manuten-
ção destas relações. Se eles podem falar sobre elas por que razão nós
não podemos? Estas relações não determinam tudo. Elas são constituí-
das e reconstituídas a margem das relações de raça, classe e género, no
entanto, parece u m tanto ou quanto estranho ignorá-las. Existe uma
enorme diferença entre levar a sério as lógicas e as dinâmicas econó-
micas e do Estado e reduzir tudo a uma ténue reflexão sobre elas.
Tal como refiro em Cultural Politics and Education, estou profunda-
mente consciente de que existem muitos perigos numa abordagem
estrutural deste género, independentemente do grau de flexibilidade
que se consiga estabelecer. Como parte das suas tentativas históricas
para a criação de uma "enorme narrativa", tem uma teoria que tudo
explica baseada numa causa unitária. Pode também esquecer que não
existem apenas relações de poder múltiplas e contraditórias, tanto ao
nível "macro" como ao nível "micro" e m quase todas as situações,
como também se esquece que o investigador ou a investigadora parti-
cipa nessas mesmas relações.20Finalmente, as abordagens estruturais
podem negligenciar as formas a partir das quais os nossos discursos
são construídos, e elas próprios ajudam-nos a construir as nossas
acções e, inclusive, as próprias relações de poder que estão a ser inves-
tigadas. Estas questões devem ser encaradas seriamente. As críticas
pós-estruturais e pós-modernas das análises estruturais da educação
têm sido frutíferas neste pormenor, especialmente as que provêm das
várias comunidades feministas e pós-c01oniai.s.~' Todavia, deve ser
salientado que algumas destas críticas criaram caricaturas ampla-
mente inadequadas das tradições neomarxistas.
" Vide: Lesley. Roman; Apple. Michael (1990). "1s Naturalism a Move Away from Positivism?".In Elliot Eisner and Allan
Peskin (eds.), Quahtative Enquiry in Education. New York: Teachers' College Press, pp. 38-73; e Andrew Gitlin (ed )
(1994). Power and M t h o d . New York: Routledge.
" McCarthy, Cameron; Chrichlow, Warren (eds.) (1993) Race, Identity, and Representation in Education. New York:
Routledge
Embora a "viragem linguística': tal como tem sido denominada em
Sociologia, Educação e Estudos Culturais, tenha sido profundamente
produtiva, é importante não esquecer que o mundo dentro e fora da
educação não é apenas u m texto. Existem realidades poderosas, reali-
dades essas cujo poder se baseia frequentemente em relações estrutu-
rais que não são apenas construções sociais criadas pelos significados
transmitidos por u m obserttador. Parece-me que parte da nossa tarefa é
evitar perdermos a perspectiva destas realidades profundas na econo-
mia e no Estado (e, tal como terão oportunidade de verificar mais
adiante neste livro, nas práticas culturais) e, ao mesmo tempo, reco-
nhecermos os perigos de análises redutoras e essencialistas.
O meu objectivo não é negar a existência de muitos elementos da
')os-modernidade", nem tão-pouco negar a perspicácia da teoria pós-
-moderna. Pelo contrário, é precisamente para evitar o exagero, evitar
a substituição de uma grande narratiua por outra. (Uma grande narra-
tiva baseada na classe nunca existiu nos Estados Unidos da América,
uma vez que classe, Estado e economia política só muito recentemente
surgiram no saber educativo crítico e muito raramente tem sido uista
nas formas encontradas na Europa, onde foram desenvolvidas a maior
parte das críticas pós-modernas e pós-estruturais destas ferramentas
explanatórias. Será útil recordar que as histórias intelectuais e políti-
cas dos Estados Unidos da América eram muito diferentes daquelas
que eram punidas por alguns críticos pós-modernos.) As análises redu-
toras tornam-se fáceis e não há nenhuma garantia de que as posições
pós-modernas, tal como têm vindo a ser utilizadas por alguns na
educação, não são mais imunes a este perigo do que qualquer outra
posição.
Para tornar esta questão mais polémica, e tal como Green e Whitty,
poderíamos dizer que u m dos grandes problemas sobre o qual a análise
crítica da educação se deveria debruçar não é apenas "a significação e
as suas [supostas] fundamentações não existentes, tal como, pelo con-
trário, pretenderiam os pós-estruturalistas, mas a acção e suas conse-
quências, particularmente a estruturação de oportunidades de actua-
çüo, incluindo significar e construir significados, como acção.22
=úreen. Tony: Whitiy. Geoff (1994). "The Legacy of the New Sociology of Education'. ARigo n a publicado apresen-
iado na Amercan Educational Research Associaton. New Orleans, April 4, p. 21
Prefácio a edicão de 1995 "
l3Ibid. p. 26
" Herrnstein and Murray. The Bell Curve
completamente formadas a partir dos "discursos" e, uma vez que não
têm qualquer tipo de agência própria, no seio de comunidades acadé-
micas mais "progressistas''.
De certo, é a linguagem anterior - a da burocracia, da colonização de
todas as nossas vidas pelas metáforas dos mercados, lucro, veredicto
dos contabilistas, etc. - a que mais amplamente circula. Conduz ao que
pode ser denominado como perda da memória, uma assunção de que
abordagens deste género foram e são instrumentalidades técnicas neu-
tras que, se entregues a si próprias, resolverão, e m última análise,
todos os nossos problemas nas escolas e na sociedade em geral (em ter-
I
mos de grupos dominantes, claro).
Tomemos como exemplo o fascínio actual com os sistemas de gestão
e redução de custos de forma a tomar-nos "mais eficientes e produti-
vos". Estas técnicas não são neutras. A eficiência, gestão burocrática,
modelos económicos aplicados a tudo - tudo isto são constructos éti-
cos. Adoptá-los envolve escolhas morais e políticas. A sua instituciona-
lização necessita de ser compreendida como uma instância de relações
culturais de poder. "Onde a origem dos acordos sociais em escolhas
I
IIi
políticas, culturais e morais desapareceu ou tende a aparecer como
uma questão técnica neutra, ... somos confrontados com uma situação
de hegemonia cultural e p~lítica."'~
Para estas formas de compreensão e organização se tomarem domi-
nantes, os que detêm o poder necessitaram de se empenhar num traba-
lho duro (e é e tem de ser trabalho duro, como este livro o demonstra)
de eliminação e marginalização de qualquer alternativa séria." É exac-
tamente isto que está a acontecer actualmente e é uma das razões que
I
me levam a desvendar as origens e o actual funcionamento das formas
predominantes de realizar a educação.
Bruce Curtis recorda-nos que:
"Nenhuma burocracia pode funcionar a não ser que aqueles que se lhe
encontram sujeitos adoptem atitudes, hábitos, crenças e orientações
específicas; atitudes em relação a autoridade, hábitos de pontualidade,
regularidade e consistência, crenças sobre a natureza abstracta e a legi- b
timidade de autoridade e de especialidade: orientações quanto a regras
25 Curt~s,Bruce (1992). True Governrnent by Choice Men?. Toronto: University of Toronto Press, p. 175
'' Ibid.
Prefácio a edição de 1995 '
I
Ib~d..p. 1 O
33 Vide Apple, Michael. Officlal Knowledge, especialmente o capitulo 2.
"Analiso o quadro cruel dos benefícios diferenciadores da nossa economia em Apple. Michael. Cultural Politics and
Educat~on.capitulo 4
Ball. Education Reforrn, pp 6-7.
Esta última parte relacionada com o projecto cultural da direita é
importante. Não pretendo sublinhar a economia a custa das dinâmi-
cas e processos culturais e políticos, especialmente na discussão sobre
educação - u m campo que se encontra profundamente implicado nas
relações políticas e culturais de poder. De facto, Educação e Poder foi
escrito expressamente e m parte para contrariar as tendências econó-
micas e redutoras no seio de determinadas análises críticas sobre edu-
cação. Numa altura em que as relações capitalistas parecem tomar-se
cada vez mais poderosas, é fácil ser redutor. Deste modo, é cada vez
mais importante recordar que não podemos tentar atrofiar tudo numa
mera reflexão das relações económicas por razões conceptuais e poli-
ticas.
A educação possui na verdade u m grau significativo de "autonomia
relativa". Um dos perigos com que nos deparamos tem sido a tendência
de ignorar o espaço de manobra que a educação tem "no seio das com-
plexas formas institucionais do Estado, [economia] e cultura".36Isto é
particularmente verdadeiro para as teorias profundamente estruturais
que ignoram o papel do local, o contingente e as propensões indivi-
duais no respeitante ao que a escola faz.
A influência de tais circunstâncias contingentes podem ser verifica-
das, por exemplo, no tipo de pessoas que tendem a ser recrutadas na
administração escolar quando a centralização e burocratização emer-
giram inicialmente como projecto no século passado. Deixem-me dar
como exemplo a vida de u m antigo administrador escolar que se
encontrava profundamente envolvido na racionalização da educação,
colocando-a 'kob controlo".
Alguns dos que se encontravam profundamente comprometidos com
a "melhoria" das escolas através do recurso a u m rigoroso controlo de
prestação de contas (nas palavras de Foucault, o Estado como u m
todo) eram capazes de empregar o mesmo critério de eficiência, inclu-
sive, nas suas próprias vidas.
Dexter D'Euerado, u m apologista da autoridade centralizadora esco-
lar no Canadá, nomeado Inspector de Educação para a Região de Niá-
gara, em 1846, era u m verdadeiro modelo de eficiência. Sempre que se
sentava para comer uma refeição "colocava o seu relógio diante de si
22
Prefácio à edição de 1995 &
I 38Apple, Michael (1979). Ideology and Curriculum. (2nd. ed. in 1990). New York. Routledge; Educat~onand Power
(1985 - Ark edition). Boston: Routledge. te ache^ and Texts (1988). New York Routledge; Offic~alKnowledge (1993).
New York: Routledge; e CulturalPolrtics and Education (1996) New York: Teachers College Press.
palavra-chave - contradição. As coisas são simultaneamente 3im" e
"não". De u m modo geral, esta foi uma das tematicas orientadoras de
todo o meu trabalho subsequente. Com efeito, a compreensão daquilo
1
com que me digladio em Educação e Poder coloca as obras seguintes
num contexto que faz com que as justificações das suas fundamenta-
ções individuais se tomem ainda mais claras.
Podem encontrar alguns paralelismos intrigantes entre aquilo que
argumento neste livro e as ênfases pós-modemas e pós-estruturais dos
discursos indicadores do nexo poder-conhecimento. Tais paralelismos
não devem constituir surpresa, uma vez que u m dos maiores elementos
I
da minha abordagem assenta na circulação e efeitos de uma determi-
nada forma de conhecimento e de discurso - aquilo que denomino por
conhecimento técnicoladministrativo. Isto é apenas u m exemplo atra-
vés do qual se intersectam a minha abordagem neogramsciana e algu-
mas teorias pós-estruturais. Assim, tal como mencionei anteriormente,
embora tenha um misto de preocupações e respeito em relação a muitos
atributos de algumas teorias pós-estruturais, penso que a minha análise
neste livro permite uma investigação mais situada de muitas das raízes
e efeitos deste discurso mantendo-o no seu contexto estrutural.
1
Outros paralelismos podem ser também óbvios. A minha focalização
quer no contexto técnico-administrativo quer no Estado numa época de
crise ilustra uma semelhança importante com o trabalho de Habermas,
tanto nas relações entre comunicação e poder como na legitimação da
crise do Estado. Além do mais, os leitores envolvidos com os estudos cul-
turais reconhecerão como grande parte da analise efectuada nesta obre se
relaciona também com essa área. Finalmente, os leitores familiarizados
com a história do trabalho e com a história do profissionalismo encontra-
rão correlações entre a minha análise de ensino como u m processo de
trabalho complexo e a questão que se relaciona com o que se esta a pas-
sar com o trabalho assalariado e com o profissionalismo, em geral.
Claramente, deu-se uma viragem no ensino passando-se do que Roger
Dale denominou por "autonomia 1icenciada"para uma "autonomia regu-
lada':39Na anterior conferiam-se credenciais as pessoas, gozando estas de
uma determinada liberdade face ao controlo burocrático ou do Estado.
I
I
39 Dale, Roger (!989). The State and Education Policy. Phiiadelphta- Open University Press
24
I
I
Prefacio a edição de 1995
nas capas. Há sempre mais para ser dito. Há sempre silêncios que só se
tomam visíveis mais tarde ou são empurrados para notas de rodape.
De u m maneira geral, os livros escrevem os autores tal como os auto-
res escrevem os livros. É, certamente, o caso deste livro. É necessário
dizer muito mais acerca de tantos tópicos - acerca do facto de o Estado
se rever no genero, raça e classe, acerca das dinâmicas do poder que
envolvem a sexualidade e "capacidade': acerca das lutas dentro e fora
da cultura popular, acerca das realidades complicadas que envolvem a
vida dos professores e alunos, e muito mais. Formei-me e reformei-me
no processo de escrita deste livro, e formei-me e reformei-me com os
comentários críticos e de apoio que continua a gerar.
Como afirmo numa entrevista publicada em anexo no livro Official
Knowledge, escrever Educação e Poder foi u m acto político que exigiu
que me envolvesse ainda mais nas lutas políticas e educativas que se
iam clarificando a medida que escrevia o livro. Devo confessar que des-
, confio dos escritores no campo dos estudos críticos cuja maior acção
política é colocarem a caneta no papel ou o dedo no teclado. As pala-
vras são clarificadas por actos. Participar numa vasta gama de activi-
dades políticas nas escolas e na sociedade, em geral (onde a escrita é
apenas uma), é um forma maravilhosa de clarificar a mente de cada
um, mantendo-se honesto em relação ao trabalho.
Reconhecer a qualidade "temporária" do nosso trabalho e saber que
poderá não ser possível ter certezas acerca das políticas correctas não
deve (nem pode) afastar-nos de actividades deste género. O cinismo
i
pós-modemo em nosso redor é mais do que suficiente e, ao mesmo
tempo, o triunfalismo conservador suja o campo com a consequência
trágica das suas tendências arrogantes.
25
--
Decidi manter o texto da edição de 1985, com o seu prefácio original,
- não propriamente por ser perfeito (certamente não é), ou porque as
MichaeI W. Apple
Mde também Smith. Gregory (ed.) (1994). Public Schools that Work. New York Routledge
Casey, Kathleen (1993) IAnswer Wfth My Lffe New York Routledge
Tendo em vista o enorme destaque dado ao sistema educativo por
parte dos "media", das comissões nacionais, na política e no nosso
dia-a-dia, seria mesmo uma pena se nos deixássemos envolver de tal
maneira na corrida desenfreada pela "excelência" (um slogan com
múltiplos significados e afiliações ideológicas) que negligenciássemos a
necessidade de continuar a formular questões cruciais sobre o que
fezem as escolas. Qual é a relação entre a educação e a sociedade mais
riasta? Quem mais beneficia em última instância das formas através
das quais as escolas e as práticas curriculares e de ensino no seu seio se
encontram organizadas? Estas questões são fáceis de formular, con-
tudo, dificeis de responder. Educação e Poder e mais u m passo no meu
próprio objectivo de considerar o mais seriamente possível quer as ques-
tões quer as respostas.
Educação e Poder e uma continuação autoconsciente da obra Ideolo-
gia e Currículo1. Inicia-se no ponto em que esta última termina, procu-
rando explorar as estruturas e as relações na educação, na economia,
na política e na cultura que não só controlam como também permitem
o desenvolvimento de uma actividade mais frutífera e mais democrá-
tica. Sob vários aspectos, Educação e Poder e u m livro mais optimista
que Ideologia e Currículo. Não é que não pense que as condições não
sejam mas em muitas escolas, nos postos de trabalho remunerados e
não remunerados de tantos homens e mulheres, etc. Tal como o
demonstra o capítulo 1, subjacente aos dados estatísticos optimistas
provenientes de Washington, há, na realidade, uma outra realidade
caracterizada por uma desigualdade crescente, por níveis assustadores
de pobreza e por uma crise emergente.
Convem recordar, por exemplo, que mais do que u m em cada sete
norte-americanos vivem na pobreza, bem como uma em cada cinco
crianças. Estes números não têm diminuído: têm aumentado inexoravel-
mente dadas as políticas no plano económico, social, militar, da saúde,
- -
I Apple, Michael W. (1979). Ideology and Curriculum. New York: Routledge & Kegan Paul.
da educação conduzidas pelo Governo actual. Com efeito, dirigimo-nos
para aquilo que se denomina por "picoduplo" da economia a medida que
os números nos extremos vão aumentando2. Isto é comprovado através
da suposta "recuperafão" económica actual. Marginalizou milhões de
pessoas. Implicou que muitos daqueles que encontraram emprego, e à
medida que se reduzia a taxa de desemprego para "níveis mais aceitá-
veis" (aceitáveis para quem? Naturalmente que são inadmissíveis para
milhões de desempregados e subempregados) fossem obrigados a aceitar
salários e condições de trabalho significativamente menos seguros que
os anteriores. De igual modo se constatou uma tentativa continuada de
desmantelar programas vitais para as áreas da educação, da saúde e
bem-estar social de muitos cidadãos norte-americanos.
No entanto, e mesmo perante estas condifões, é claro que existem mui-
tas maneiras através das quais se pode actuar de uma forma progressista
e muitos locais onde tais actividades têm sérias hipóteses de sucesso. A
tensão que existe entre optimismo e pessimismo orienta este livro.
António Gramsci tinha uma maneira de colocar directamente esta
questão as pessoas (porventura, tal como muitos de vós que terão opor-
tunidade de ler este livro) que, tendo analisado detalhadamente as
estruturas de dominação na sociedade, com muita frequência se deses-
peravam perante a possibilidade de u m verdadeiro progresso em ordem
a uma sociedade mais humana e mais justa. Grarnsci colocava a ques-
tão desta forma: "pessimismo do intelecto, optimismo da vontade". l?
uma frase bem conseguida. Todavia, pretendo aprofundá-Ia mais. Uma
investigação sobre as forfas estruturais e as experiências vividas das
pessoas nesta sociedade não revela uma vitória monolítica das ideolo-
gias dos que detêm mais poder. (Por agora podemos denominá-las por
capital, patriarcado e racismo). Uma análise mais cuidada revela algo
mais ténue, mais contraditório, mais permeável a ser transformado
num momento positivo em educafão, no trabalho, no "estado" e ainda
nas relações de género, classe e rafa. Tal como afirmarei mais adiante,
não devemos ser ingenuamente românticos relativamente a esta ques-
tão; contudo, não existem apenas aspectos retrógrados a acontecerem.
Assim, o primeiro passo a ser dado é descobrir, na verdade, o que é que
acontece nos momentos positivos e negativos.
--
'Para uma abordagem mais detalhada sobre estas tendências econornicas. wde Cohen, loshua. and Rogers. Joel (1983).
On Democracy New York Penguin Books, e Carnoy, Martin, Shearer. Drek. and Rumberger. Russell (1983). A New
Social Confracf New York Harper & Row
Prefacio a 1 " ediçio a
I
funções do sistema educativo é a produção de conhecimento témico-
-administrativo que, em última analise, é acumulado por grupos domi-
nantes e utilizado no controlo económico, político e cultural. Existem
profundas cli~iagensneste processo e em muitas escolas e universida-
des, no entanto, julgo que nüo podemos perceber, por completo, a edu-
cação, o apoio a determinados tipos de alunos e o favorecimento de for-
mas específicas de conhecimento sem uma analise profunda do papel
do sistema educativo, tanto na produção de tal conhecimento, como
nas relações emergentes que estabelece com os interesses empresariais.
Por exemplo, e nesta conformidade, seria interessante examinar a
informatizaçãode muitos aspectos da educação5.
Com a reeleição de Reagan e com a direita provavelmente mais vigo-
rosa, outros argumentos adquirem ênfase na obra Educação e Poder.
A título de exemplo, no capítulo 4, analiso as propostas de planos de
subsídios educativos e benefícios fiscais, questionando por que razão
süo propostos numa época de crise ideológica e quais serão, em última
instância, os seus efeitos.A agenda social da direita tem como uma das
suas plataformas a privatização do maior número possí~ielde institui-
ções públicas, crendo que a "mão invisível" (na verdade, fictícia) do
mercado regulara todas as necessidades e providenciará o bem comum.
Isto não só é conceptual e politicamente ingénuoh, como também é
uma ética social perigosa. Substitui o bem público (encoberto na retó-
rica da "democracia" e da "escolha pessoal'? pelo ganho privado.
Necessitamos de ser muito prudentes para não sermos levados por esta
ladainha. A democracia significa muito mais do que uma escolha rela-
tiva de praticas de consumo. Reduzi-la a sua essência económica, como
algo totalmente determinado pela escolha de produtos, é como que
divorcia-la do seu papel nos debates públicos sobre a ordem social,
actualmente mais necessários do que nunca.
Os perigos da privatização existem e podem eventualmente complicar-se
ainda mais caso prossigam tais planos de mercantilização da educação.
Grande parte do destaque deste livro recai sobre o processo de trabalho,
tanto nas fábricas, armazéns e escritórios, por um lado, como nas esco-
las, por outro. Em particular, as últimas partes deste livro despendem um
---
' Vde. por exemplo, Noble. Douglas (1384). 'The Underside of Computer Literacy in Rarltan. 4. pp 37-64
' Levine Andrew (1984) Argu~ngfor Sooal~smBoston Routledge & Kegan Paul
CCPP-EP-03 33
d
espaço significativosobre a forma como o ensino tem vindo a ser trans-
formado como processo de trabalho. Esta questão é uma das que gosta-
ria agora de aprofundar na minha abordagem.
Para mim, é cada vez mais claro que a discussão sobre o processo de
trabalho do ensino necessita de ser desenvolvida de acordo com uma
variedade de aspectos. É um facto que o trabalho docente tem sofrido
mudanças substanciais. Tem-se verificado um processo complexo de
desqualificaçãoe requalificação,em que a maior parte dos professores
têm vindo a perder o controlo de partes significativas do currículo e da
pedagogia, a medida que as ideologias e práticas empresariais pene-
tram no núcleo da maior parte das salas de aula. No entanto, muito
embora os professores, na sua generalidade, enfrentem aquilo que
denominarei neste livro por procedimentos de "controlo técnico", nem
todos os professores enfrentam tais pressões de forma idêntica.
Sobretudo ao nível da escola básica, os professores encontram-se
mais expostos aquilo que os sociólogos críticos rotularam de degrada-
ção do trabalho. Não julgo que possamos compreender completamente
a razão pela qual os professores da escola básica se encontram sujeitos
a um maior controlo e a uma maior intervenção por parte do Estado
no currículo, a não ser que formulemos a seguinte questão. Quem está
a ensinar? Na sua vasta maioria, o ensino ao nível do ensino básico
tem sido historicamente construído como "trabalhofeminino".
Numa investigação iniciada onde termina Educação e Poder dedico
especial atenção a relação entre o ensino e o trabalho feminino7. É crí-
tico, julgo eu, que se reconheça que a educação está construída com
base não apenas nas dinâmicas de classe, como também nas dinâmicas
de género e de raça8.E quando se fa!a do ensino em particular, na ver-
dade é muito difícil ignorar que são as mulheres que se encontram na
maioria das salas de aula do ensino básico, na maior parte dos países.
Historicamente, o trabalho remunerado das mulheres tem sido sujeito
a enormes pressões para um controlo externo.
Na verdade, gostaria de salientar que muitas das actuais tentativas
levadas a cabo pelos legisladores do Estado, departamentos da educação
' Apple, Michael W (1983) "Work, Gender and Teaching" in Teachers College Record, 84. pp 61 1-628; e Apple
Michael (1985) Teaching and Wornens Work: A Comparative Historical and Ideological Analysis Teachers Coilege
Record, 86.
Esta questáo 6 analisada de uma forma mais detalhada, sobretudo no primeiro capítulo. em Apple, Michael W., and
Weis, Lois (eds), Ideology and Pract~cein Schooling Philadelphia Ternple University Press.
Prefácio a l "ddição '
'Apple, Michael W (no prelo). Teachers and Texts. Boston: Routledge & Kegan Paul.
'O Vide Hogan, David (1982). "Education and Class Forrnation" in Michael W. Apple (ed ). Cultural and Econornic Repro-
duction in Education. Bonston: Rouledge & Kegan Paul, pp. 32-78.
afiguram mais importantes, como também integrar-se num diálogo
crítico contínuo entre nós, relacionado com os significados e os fins das
instituições sociais e culturais e ainda sobre como podem tais institui-
ções ser reconstruídas de forma mais democrática. Se o livro Educação
e Poder conseguir desempenhar u m pequeno papel nesse diálogo
crítico abrangente, ultrapassará os seus propósitos.
Michael W. Apple
University of Wisconsin, Madison 1984
Agradecimentos
Independentemente da sua "originalidade", todos os livros são um
acto colectivo. Certamente que também isto se aplica a Educação e
Poder, todavia, de dois modos distintos. O primeiro, habitualmente. nào
é mencionado no espaço destinado aos agradecimentos. No entanto,
neste caso concreto, julgo ser necessário dizê-lo. Este livro não poderia
ter sido escrito sem as lutas diárias de trabalhadores e trabalhadoras de
esquerda, que têm procurado construir e manter um movimento que é
emancipatório e democrático tanto nas intenções como nas práticas.
Nem tão-pouco poderia ter sido escrito sem os esforços criativos de
todos os autores que participaram e teorizaram sobre o referido movi-
mento nas últimas décadas. Aqueles que procuram reestabelecer e man-
ter uma tradição crítica não redutora e não mecanicista de estudos de
esquerda tiveram em mim uma enorme influência. Apesar de a sua
influência se ter registado através de um debate interno entre o que
escreviam e as minhas próprias reacções, admirações, acordos e desa-
cordos, e mesmo que não consigam compreender o significado actual
das suas ideias, agradeço-lhes. Encontramo-nos todos em débito para
com eles.
Naturalmente, nem sempre os débitos são anónimos. Tenho a felici-
dade de ter amigos e colegas em Wisconsin e por esse mundo fora que
não deixam que a amizade interfira com a crítica, semnre indispensável.
Um determinado número destas pessoas merecem ser conhecidas: Ron
Aminzade, Jean Anyon, Madeleine Arnot, Stanley Aronowitz, Ann Bec-
ker, Basil Bernstein, Jean Brenkman, John Brenkman, Roger Dale,
Henry Giroux, Andrew Gitlin, Herbert Kliebard, Henry Levin, Alan
Lockwood, Vandra Masemann, Linda McNeil, Fred Newmann, Gary
Price, Fran Schrag, Richard Smith, Joel Taxel, Andrew Urevbu, Gary
Wehlage, Lois Weis, Paul Willis, Erik Olin Wright e Michael F. D. Young.
Outros quatro necessitam de uma menção especial pela sua contribui-
ção contínua ao meu pensar e repensar: Michael Olneck, Steven Selden,
Philip Wexler e Geoff Whitty.
Nos livros anteriores atribuo uma importância especial aos alunos de
pós-graduação que trabalham comigo e que se reúnem no agora famoso
(ou não) seminário de sexta-feira. Esta questão é ainda mais verdadeira
para o caso deste livro. Os capítulos deste livro são o resultado de dis-
cussões e intensos debates que mantive com os meus alunos. Também
eles me ensinaram muitas coisas, bem como os professores dos ensinos
básico e secundário com quem tenho interagido ao longo da última
década e ainda os trabalhadores e trabalhadoras com quem tenho traba-
lhado na criação de materiais de educação política nas fábricas e nos
escritórios.
David Goldwin, da Routledge & Kegan Paul, continua a comprovar
como excelência e apoio editoriais podem ser combinados. Bonnie
Garski e Barbara Seffrood são muito mais que secretárias e dactilógra-
fas, muito embora muito boas nisso. Os comentários e sugestões que
fizeram foram sempre pertinentes. Agradeço-lhes a amizade, competên-
cia e compreensão.
A incontornável habilidade de Rima Apple em ajudar-me a clarificar
aquilo que pretendo efectuar, as suas sugestões cruciais e editoriais, o
seu apoio constante, para não mencionar o quanto continua a ensinar-
I
-me no que respeita as histórias da mulher, ciência e medicina, tudo isto
aumenta a dívida de gratidão que nenhum marido pode integralmente
retribuir.
Finalmente, quero dedicar este livro a Mimi Russak Apple que, apesar
de não ter vivido para o ver concluído, teria compreendido a ênfase
colocada nas lutas contra a exploração. Foi com base na forma que tanto
ela como meu pai, Harry Apple. viveram as suas vidas que eu, pela pri-
meira vez, aprendi a importância dessa luta.
i
Reprodução, contestação e currículo
A sombra da crise
A medida que escrevo vêm-me à cabeça as palavras do conhecido soció-
logo Manuel Castells: "A sombra da crise estende-se pelo mundo."
.As imagens que traz a mente constituem algumas das linhas condutoras
subjacentes a este livro, dado que, subjacente aos altos e baixos do "ciclo
económico", e subjacente aos problemas na educação, questões estas que
tantas vezes ouvimos propaladas pela imprensa, o nosso dia-a-dia e as
vidas de milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo encontram-se
implicados numa crise económica que provavelmente terá efeitos cultu-
rais, políticos e económicos duradouros.
Afecta as nossas ideias sobre a escola, trabalho e lazer, papéis sexuais,
repressão "legítima", participação e direitos políticos, etc. Coloca em
causa as próprias fundamentações económicas e culturais do dia-a-dia
de cada um de nós. A este respeito, é digna de registo a visão de Castells:
"Fábricas encerradas, escritórios vazios, milhões de desempregados,
dias de fome, cidades em declínio, hospitais sobrelotados, administrações
fragilizadas, explosões de violência, ideologias de austeridade, discursos
fátuos, revoltas populares, novas estratégias políticas, esperanças,
receios, promessas, ameaças, manipulação, mobilização, repressão, bol-
sas de valores receosas, militância sindical, computadores perturbados,
polícia nervosa, economistas espantados, políticos hábeis, povo sofredor
- tantas imagens que nos tinham dito terem desaparecido para sempre,
levadas pelo vento do capitalismo pós-industrial. E agora encontram-se
novamente de regresso, trazidas pelo vento da crise capitalista."'
Os media não permitem que escapemos a estas imagens. Quanto mais I
não seja, a sua repetição e o facto de não podermos deixar de observá-las
e experimentá-las testemunham a sua realidade. A crise não é ficção.
Pode ser vista diariamente no local de trabalho, nas escolas, nas famí-
lias, governo, instituições de segurança social, enfim, em tudo aquilo
que nos rodeia.
i
Nesta conformidade, as instituições políticas e educativas têm vindo a
perder grande parte da sua legitimidade à medida que o aparelho do
Estado se vai vendo incapaz de responder, adequadamente, ao actual
quadro económico e ideológico. Aquilo que se tem denominado por
crise fiscal do Estado tem emergido à medida que o Estado se vê impos-
sibilitado em manter os postos de trabalho, os programas e os serviços
conquistados pelas pessoas, após anos de luta. Simultaneamente, os
recursos culturais da sociedade tornam-se, cada vez mais, comercializa-
dos, à medida que a cultura popular é invadida pelo processo de mer-
cantilização. Deste modo, são processados, comprados e vendidos.
Transformaram-se também em mais um aspecto da acumulação.
Embora vincadamente relacionada com os processos de acumulação
de capital, a crise não é somente económica. Também é política, cultu-
ral e ideológica. Na verdade, é na intersecção destas três esferas da vida
social, no modo como interactuam, no modo como cada uma apoia e
contradiz as outras que podemos ver a crise na sua forma completa. A
crise estrutural que testemunhamos actualmente - ou melhor, vivemos n
- não pode na verdade ser "explicada" apenas por razões económicas
(seria uma análise demasiado mecanicista), mas sim por um todo social,
por cada uma das esferas referidas.
Tal como sugere Castells:
"a economia não é um 'mecanismo:mas sim um processo social con-
tinuamente modelado e remodelado pelas relações em permanente
mudança da espécie humana com as forças produtivas e pelos confli-
tos de classe que definem a espécie humana de uma forma concreta -
historicamente.'Q
' Castells. Manuel (1980) The Econornfc Crisfs and Arnerican Society Princeton Princeton University Press, p 3
i Ibid. p 12 Dentro desta problematica estabeleça tambem uma comparaçao com os argumentos de Althusser acerca da
relativa autonomia das esferas cultural. politica e economica Althusser. Louis (1971) Lenrn and Philosophy and Other
Essays London New Left Books
40
Reprodução, contestasáo e curriculo d
'Featherrnan. D.;Hauser, R. (1976) "Sexual inequalities and socio-econornic achievernent in the U.S. 1962-1973". Arne-
rican Socologicai Review XLI. June, 462 Vide tarnbern Wright, Eric (1979). Ciass Structure and Incorne Deterrnination
New York: Acadernic Press.
Olneck, Michael. comunicaqáo pessoal. Vide, tarnbern, Castells, Manuel (1980). The Econornic Crisis and American
Society. Princeton: Princeton University Press, p. 192.
Castells, Manuel (1980).The Econornic Crls~s,',
and Arnerican Society Princeton Princeton University Press. p. 187. E Wright,
Eric (1 979) Class Structure and Incorne Determination New York: Acadernic Press, especialmente os capitulas 6-9.
Reprodução, contestaçáo e curriculo
" Tem-se verfcado uma tendência contrdria, conferindo-se ao trabalhador uma determtnada aparència de controlo dos
processos de producão, conseguindo-se, por um lado, u m aumento na produçao e, por outro. uma diminuicão da
resistência por parte dos trabalhadores. A titulo de exemplo, vide: Edwards, Richard (1979) Contested Terrain. New
York: Basic Books.
" Castels, Manuel (1980) Jhe Ronomic Crisis and American Society. pp. 161-185
" O'Connor, James (1973) The Fiscal Crisis o f the State. New York: St Martin's Press. pp. 12-15. Na verdade, têm-se
registado algumas tentativas para se organizarem as mulheres trabalhadoras. tentativas que ainda hoje se vertficam
Vide. Fedberg, Roslyin (1980). "Union Fever: Organizing Among Clerical Workers, 1900-1930" Radical America XIV
(May-June), 53-67. E Tepperman, 1. (1976). "Organizing Office Workers". Radical America X (January-February), 3-20.
'"ubn, Lillian (1976). Worids o f Pain. New York Basic Books.
Reprodu$ão, contestação e curriculo "
l6 Castells, Manuel (1980). The Economic Crisis and American Society. Princeton. Princeton University Press, pp. 144-145
E Useem. Michael (1980) "Corporationsand Corporate Elite" Annual Renew of Soc~ologyVI, pp. 41-77.
46 -
-
I
Reprodução, contestaçáo e curriculo
" Carnoy. Martin; Shearer. Derek (1980). Economic Democracy New York: M. E. Sharpe, p. 17.
' Castells, Manuel (1980). The Econornic Gisis and Amencan Society. Princeton: Princeton University Press, p. 66.
''Useern. Michael (1 980). "Corporationsand Corporate Elite".Annual Revieew of Sociology VI. p. 53.
47
progressistas, os educadores e os pais podem desafiar as conivências
próximas que se registam entre o Estado, as fábricas e as escolas. Os
negros, os hispânicos e muitos outros trabalhadores rejeitam o facto de
terem de pagar pelas contradições económicas que minam a sociedade.
E, novamente, emergem a inflação e a tensão social. Com efeito, e
perante isto, germinam as sementes dos conflitos e crises constantes.
Isto dá-nos uma imagem muito pálida das verdadeiras condições em
que muitos cidadãos vivem. Se Castells e muitos outros estão certos nas
suas análises, não podemos esperar melhorias a curto prazo em qualquer
aspecto relevante. Todavia, o que podemos fazer é enfrentar, honesta- 1
mente, a crise estrutural e observar como se desenvolve na escola, uma 1
das principais instituições de reprodução. Devemos fazê-lo, mesmo que
tal implique criticar algumas das formas básicas através das quais as ins-
tituições educativas operam actualmente. Deste modo, urge compreen-
der de uma forma muito mais ampla a relação que se estabelece entre a
educação e as esferas ideológica, política e económica da sociedade e qual
o papel que a escola desempenha em cada uma delas.
Simultaneamente, devemos considerar as críticas relacionadas com as
escolas e as sugestões de reforma, contextualizando-as na crise das três
esferas referidas. Contudo, não nos devemos preocupar apenas com tais
relações e críticas. Necessitamos de estar conscientes das possibilidades
de acção. Dado que esta crise gera contradições e tensões que emergem
em todos os quadrantes da formação social, então tal questão surgirá
também nas escolas. Descobri-las será sem dúvida difícil, mas igual-
mente importante. Pode dar-se o caso de tais contradições e tensões
propiciarem, efectivamente, as possibilidades para a nossa intervenção
no campo educativo, do mesmo modo que, por exemplo, a crise ao nível
dos escritórios e das fábricas tem originado pressões para um maior
controlo e autonomia do trabalhador2'.
As questões anteriormente referidas são os princípios orientadores
deste livro. De que formas complexas e contraditórias se encontram as
escolas relacionadas com as restantes instituições? Que respostas
" Edwards. Richard (1979) Contested Terra~nNew York: Basic Books. Isto náo significa que todas as estrategias relacio-
nadas com um maior envolvimento do trabalhador seiam , oroaressistas Para uma interessante discussao alicercada na
, d
ideia de que a maioria das estrategias actuais para o enriquecimento do trabalho e o aumento da participaçáo do tra-
balhador na verdade aumentam a eficiencia da produçáo capitalista e reproduzem a capacidade administrativa de
dominar o processo laboral. vide Rinehart, James (1978) "Job Enrichment and the Labor Process " Artigo apresentado
numa conferencia sobre as novas direcçòes no processo laboral. financiada pelo Department of Sociology, State University
of New York at Binghamton Binghamton. New York (May). 5-7.
I Reprodugão, contestação e currículo G
1
P encontram as pessoas, dentro e fora da escola, para tais contradições e
tensões? Será que as análises mais recentes sobre as relações e as res-
postas - incluindo alguma investigação marxista mais pertinente -
esclarecem suficientemente esta questão? Como é que os processos de
2 reprodução cultural e económica e de contestação se encontram rela-
cionados com a escola? As reformas propostas actualmente revelam-se
I adequadas para lidar com tal complexidade? O que podem fazer os edu-
L cadores progressistas e outras pessoas perante esta situação? Provavel- '
r mente, a melhor forma de começar a responder a estas questões con-
siste em descrever, neste capítulo, os avanços que se têm registado, em
a termos de complexidade, em torno das preocupações relacionadas com
e as escolas e com a reprodução económica e cultural. Mais adiante deli-
C- nearei, não só a minha própria compreensão gradual, mas também a de
I- outros autores sobre a reacção das escolas e de que modo respondem
a quer às contradições estruturais quer às crises reprodutivas. Ao fazê-lo,
iI estarei também a desenhar o esboço e a facultar o quadro de uma série
de argumentos que surgirão nos capítulos seguintes.
bs
ts Crítica educacional
is
eS
No ponto anterior deste capítulo, descrevi alguns dos elementos da
rn crise estrutural que começamos a observar. Destaquei o facto de esta
rá questão ter repercussões no processo de trabalho, em determinados vec-
d- tores da cultura e na legitimidade das instituições. As escolas, enquanto
es instituições culturais e económicas, "reflectirão" tais mudanças no pro-
i0
cesso de trabalho, na cultura e na legitimidade. Em parte devido a isto,
el as escolas têm estado e continuarão a estar expostas ao mesmo género
Dr
de críticas que se têm vindo a verificar, actualmente, em relação a
outras instituições situadas nas esferas política, cultural e económica.
es Não é em vão que o foco crucial da crítica radical em relação às insti- 1
as tuições, nesta última década, se tenha centrado na escola. Ainda a o '
as longo desse mesmo período, tem-se tornado cada vez mais evidente que
as instituições educativas não são os mecanismos de democracia e d e ,I
igualdade que muitos de nós gostaríamos que fossem. Em muitos aspec- \
cio
I M tos esta posição crítica tem sido salutar, dado que tem instigado a nossa '
ma-
l &
sensibilidade para o papel importante que as escolas - e o conhecimento I
ado explícito e oculto nelas inserido - exercem na reprodução de uma
iuh,
ordem social estratificada que persiste acentuadamente desigual no que
i
respeita à classe, ao género e à raça. Tal como pessoas distintas - Bour-
dieu, Althusser e Baudelot e Establet na França, Bernstein, Young,
Whitty e Willis na Inglaterra, Kallos e Lundgren na Suécia, Gramsci
na Itália e Bowles e Gintis, eu próprio e outros, nos Estados Unidos
- têm insistentemente denunciado, o sistema cultural e educacional é
um elemento excepcionalmente importante na manutenção das rela-
ções existentes de dominação e de exploração nas sociedades.
Embora possam existir discordâncias profundas entre estas pessoas
sobre a forma como se movem as dinâmicas anteriormente referidas,
nenhuma delas negaria a importância de se examinar a relação que se;
estabelece entre a escolarização e a manutenção dessas relações desi-
guais. E apesar de podermos discordar de determinados aspectos das
análises efectuadas por cada um, não podemos no entanto interpretar as
escolas e o conhecimento por elas veiculado simplesmente do mesmo
modo como fazíamos antes do surgimento das análises encetadas por
estes autores.
Muito embora a crítica tenha sido salutar, provavelmente terá despo-
letado dois efeitos colaterais, paradoxalmente opostos. Um primeiro
efeito permitiu-nos conferir uma enorme importância à escola. Pode-
mos ver a escola como o problema em questão e não propriamente
como inserida num quadro mais abrangente de relações sociais que
estruturalmente são de exploração. A prova de que esta problemática é
muito mais vasta do que aquilo que se imagina é demonstrada num
estudo recente levado a cabo por Jencks e t al., intitulado Who Gets
Ahead? Este trabalho, não só comprova que os retornos económicos
provocados pelo nível educacional são duas vezes superiores para os
indivíduos que já se encontram num situação económica favorecida,
como também demonstra que para os estudantes negros a situação se
deteriora, mesmo tendo estes concluído o ensino secundário, dado que
provavelmente não atingirão qualquer vantagem relevante. Assim,
mesmo que eventualmente pudéssemos alterar a escola de forma a igua-
lar o nível de rendimento académico, os factos demonstram que tal
transformação provavelmente não provocaria uma diferença significa-
tiva no quadro mais global em que as escolas se inserem2'.
" Jencks, Christopher, et a1 (1979). Who Gets Ahead?. New York: Basic Books. Vide tambem Wright, Eric (1979). Clas
Structure and Incorne Deterrnmation New York. Academic Press
Reproduçáo, contestação e currículo A
Currículo e reprodução
Durante a maior parte do século XX, a educação, em geral, e o campo
curricular, em particular, dedicaram grande parte da sua energia procu-
rando um dado específico. No fundo, procuram exaustivamente há
muito um conjunto geral de princípios que orientem a planificação e a
avaliação educacionais. Na sua generalidade, esta atitude tem-se redu-
zido a tentativas para a criação do método mais eficiente para a constru-
ção curricular. Basta-nos uma análise da história interna das tradições
predominantes no campo - desde Thorndike, Bobbitt e Charters, nos
princípios do século, até Tyler, passando inclusive pelos mais vulgares
behavioristas e actuais gestores de sistemas - para nos apercebermos
como a ênfase colocada na procura de um método eficiente de constru-
ção curricular se tem tornado realmente poderosa".
1 Apple, Michael (1979). Ideology and Curr~rulum.London: Routledge & Kegan Paul. Vide também Selden. Steve (1977).
"Conservative Ideologies and Curriculurn" Educational Thmry XXVII (Surnmer), pp. 205-222; Braverrnan. Harry (1974).
Labor and Monopoly Capital. New York Monthly Review Press; E Collins. Randall (1979). The Credential Society New
York: Academic Press.
persistem e se reproduzem sem serem conscientemente reconhecidos
pelas pessoasz4.Esta questão assume uma importância muito concreta
na educação, em que as nossas práticas comummente aceites procuram
muito claramente ajudar os estudantes a encontrar respostas para mui-
tos dos "problemas sociais e educativos" com que se debatem. Perante
isto, a tónica colocada nestes '(problemas" parece ser útil. No entanto,
ignora algo que é bem claro na actual literatura sociológica.
Os aspectos essenciais desta literatura são descritos de uma forma
muito explícita por DiMaggio, ao salientar que a classificação, apoiada no
senso comum, de indivíduos, grupos sociais ou "problemas sociais"
tende para a confirmação e reforço das relações de dominação geradas
estruturalmente. Com efeito, com alguma frequência, os "actores bem
intencionados, racionais e conscientes" contribuem, por perseguirem
simplesmente os seus próprios fins subjectivos, para a manutenção de
tais relações estruturaisz5.Assim, tais actores, bem intencionados, racio-
nais e conscientes, podem estar, de uma forma explícita, a servir deter-
minadas funções ideológicas no preciso momento em que procuram
diluir alguns problemas que os estudantes ou outras pessoas, individual-
mente, enfrentam. Isto prende-se profundamente com as relações entre
as instituições económicas e culturais - aquilo que muitos marxistas
denominam (numa noção que não deixa de ser problemática) por relação
entre base e superstruturaZ6- relativamente as características individuais
das pessoas. Deste modo, podemos analisar as escolas e a nossa interven-
ção nelas de duas perspectivas: uma primeira, como uma forma de
melhoria e de resolução de problemas através dos quais ajudamos cada
estudante a progredir; e uma segunda, numa escala muito mais vasta, na
qual se observam os padrões que se formam em relação ao tipo de pes-
soas que conseguem progredir e os resultados latentes da instituição.
Tais padrões e resultados sociais mais abrangentes podem dar-nos mais
informação em relação ao modo como funciona a escola no processo de
reprodução, uma função que pode tender a permanecer oculta, caso não
coloquemos a tónica nos nossos actos individuais de apoio.
l4 DiMaggio. Paul (1979). "Review Essay: on Pierre Bourdieu". American loumal o f 5ociology. LXXXIV (May). p. 1461
Ibid , pp 1461-1462.
26 Actualmente. o debate em torno da relação entre base e superstrutura 6 excepcionalmente intenso Vide. por exemplo.
Williams, Raymond (1977) Marxism and Literature New York. Oxford University Press. Barrett. Michele. et ai (eds)
(1979). Ideology and Cultural Reproduction. New York: St. Martin's Press; Hirst. Paul (1979). On Law and Ideology
London- MacMillan. Sumner. Colin (1979). Readmg Meologres New York: Academic Press, e Clarke. John. Critcher.
Chas. and Johnson. Richard (eds.) (1979). Working Clau Culture London. Hutchinson.
Reprodução, contestação e currículo '
I
e, frequentemente, uma rejeição, pura e simples, dos significados plani-
ficados e não planificados das escolas. A verdade é que as escolas neces-
sitam de ser vistas de um modo muito mais complexo do que apenas
através da simples reprodução.
" Hall. StuaR, "The Schooling-Society Relationship: Parallels. Fits. Correspondences, Hornologies". (Policopiado), p 6.
De acordo com outra perspectiva, a análise da reprodução é demasiado
simplista. Subteoriza e, deste modo, negligencia o facto de as relações
sociais capitalistas, em determinadas formas muito importantes, serem
intrinsecamente contraditórias. Dito de outra forma, e tal como afirmei
anteriormente, do mesmo modo que na arena económica, onde o pro-
cesso de acumulação de capital e a "necessidade" de expansão dos merca-
dos e dos lucros geram contradições na sociedade (na qual, por exemplo,
o aumento da inflação e dos lucros cria uma crise de legitimidade, tanto
no Estado como na ec~nomia)'~, também noutras instituições dominan-
tes surgirão contradições idênticas. A escola não fica imune a tudo isto.
A título de exemplo, as escolas, como aparelhos de Estado, desempe-
nham papéis importantes, apoiando a criação de condições necessárias,
não só na acumulação de capital (ordenam, seleccionam e certificam
um corpo de alunos hierarquicamente organizado), como na legitima-
ção (mantêm uma ideologia meritocrática imprecisa, legitimando assim
formas ideológicas necessárias para a recriação da desigualdade)'! Toda-
via, estas duas "funções" das escolas encontram-se frequentemente em
conflito entre si. As necessidades de acumulação de capital podem con-
trariar as necessidades de legitimação, uma situação, aliás, bem evi-
dente actualmente. Isto é notório na escola, com uma relativa sobrepro-
dução de indivíduos credenciados, numa época em que a economia não
mais "exige" tantas pessoas com salários elevados. Tal sobreprodução
coloca em causa a legitimidade sobre os modos como as escolas funcio-
nam"". A um nível mais concreto, podemos observar as contradições da
instituição, uma vez que a escola tem obrigações ideológicas distintas
que podem criar tensões. Para manter a sociedade dinâmica é necessá-
rio capacidade crítica; daí que as escolas devam ensinar os estudantes a
assumirem uma posição crítica. No entanto, a capacidade crítica pode
também servir para desafiar o capital3'. Isto não é uma ideia abstracta.
iem
3' Johnson. Richard (1979) "Histories of Culturellheories of Ideology Notes on an Impasse". h Michele Barrett et a/.
adi-
cul- (eds ). Ideology and Cultural Reproduction, p. 72
' In 33 Mouffe. Chantal (1979). "Hegemony and Ideology in Gramsci". In C. Maouffe (ed.), Gramsci and Marxist Theory.
London: Routledge & Kegan Paul. p. 187.
--
mesmos "intelectuais", e, desta forma, não estão isolados das tarefas
ideológicas (embora, muitos deles possam, naturalmente, opor-se).
Assim, os contributos de Gramsci são pertinentes. O controlo do apare-
lho cultural da sociedade, quer das instituições que produzem e preser-
vam o conhecimento, quer dos actores que nelas trabalham, é essencial
na luta pela hegemonia ideológica.
Obviamente, todos os comentários gerais relacionados com o modo
como os estudos recentes têm abordado a ideologia e a reprodução levan-
tam algumas questões excepcionalmente complexas. Reprodução, Estado,
legitimação, acumulação, contradição, hegemonia ideológica,
base/superstrutura, tudo isto são conceitos estranhos para uma área com-
prometida na elaboração de métodos neutros e eficientes. Todavia, são
conceitos essenciais caso pretendamos assumir, com seriedade, não só a
natureza política da educação e do currículo, mas também as vantagens e
os resultados desiguais provocados pela escolarização". Desta forma, na
generalidade, se reflectirmos em torno das características internas das
escolas e do conhecimento em si contido como algo profundamente
implicado nas relações de dominação, que reflexo produz o uso de tais
conceitos na análise das escolas e do currículo?
Stuart Hall, na discussão sobre as várias formas como os marxistas
têm interpretado a educação (e não são todas homogéneas; diferem radi-
~ a l m e n t e )capta
~ ~ , a essência parcial da abordagem adoptada por aqueles
que entre nós foram influenciados por tais estudos e, em particular. pela
obra original de Gramsci. Uma citação recolhida de um dos seus escri-
tos resume, de forma bastante explícita, alguns dos fundamentos desta
posição:
"(Esta posição] atribui as relações da estrutura económica a determi-
nação fundamental de assegurar a tomplexa unidade' da sociedade,
no entanto entende as denominadas 'superstruturas' como tendo um
'trabalho' vital e crucial na sustentação, aos níveis social, cultural,
político e ideológico, das condições que permitam a continuação da
produção capitalista. Para além disso, entende a superstrutura como
tendo, acima de tudo, a responsabilidade de situar a sociedade em
Vide Karabel. Jerome, and Halsey. A. H. (1977) (eds.). "Power and Ideology in Education" New York: Oxford University
Press. Persell. Caroline Hodges (1977). Education and Inequahty New York Free Press.
Sobre o debate provocado por tais diferenças vide, por exemplo, Apple, Michael (1979). Idmlogy and Cumculurn
London Routledge & Kegan Paul; Apple. Michael (ed.) (1982). Cultural and Econornic Reproduct~onin Education.
London- Kegan &Paul
is (conformidade' com as exigências e as condições de longo prazo 7'1
impostas pelo sistema económico capitalista (por exemplo, no fraba-
1. lho de Gramsci). Embora as supersfruturas sejam mais determinadas
e-
que deferminantes, esta questão salienta que a topografia baselsu-
r- perstruturas não é tüo importante como o 'trabalho' relativamente
al autónomo que as superstrufuras produzem face à estrutura econó-
mica. Tal 'trabalho' é visto como difícil e contesfado, u m trabalho que
do se gera através de mecanismos de oposiçüo e de antagonismo - em
n- suma, por intermédio da luta de classes presente nos diferentes níveis
10, da sociedade - onde as correspondências lineares não acontecem com
:a, frequência. Tal abordagem, longe de imaginar uma simples recapifu-
n- lação entre as varias estruturas da sociedade, entende o 'trabalho' que
ão as superstruturas (como as escolas] executam como necessário preci-
samente porque, por si só, o sistema económico não pode assegurar
la
todas as condições necessárias para a sua própria ampla reprodução.
se O sistema económico (por si só] não pode assegurar que a sociedade
na se eleve a u m determinado nível geral de civilização e de cultura que o
das seu sistema avançado de produção precisa. A criação de uma ordem
nte social em tomo das relações económicas fundamentais é füo impor-
ais tante como a própria produção; as relações de produção, por si só, não
podem 'produzir' uma determinada ordem social. Deste modo, e neste
;tas contexto, a relação não é de correspondência mas de acoplamento -
idi- o acoplamento de duas esferas distintas, contudo, inter-relacionadas
!les e interdependentes. Gramsci é u m dos teóricos mais notáveis desta
perspectiva. A natureta do 'acoplamento' pretendido surge descrita
,ela
na frase de Gramsci, 'o complexo estrutura-superstrutura'. De novo,
cri- e simplificando, podemos denominá-lo por paradigma da hege-
!sta monia. 'I3"
3'Aqui o argumento é idêntico ao de Finn. Grant e Johnson quando afirmam que a análise deve "abarcar as relações
entre as escolas e outros espaços de relações sociais no seio de uma formaçáo social especifica" Finn. Dan. Grant.
Neil. and Johnson. Richard and the CCCS Education Group (1978) Social Democracy. Education and the Crisõ Bir-
mingham Ilniverslty of Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, policopiado. p 4
'Saliente-se que a primeira edição da obra Idmlogia e Currlculo data de 1979 e que a primeira edição da obra Educaçáo
e Poder data de 1985 (NT)
Reprodução, contestaçáo e curriculo
" E muito importante que nào nos esqueçamos que o capital ndoe uma coisa, mas um conjunto de relações
O primeiro destes aspectos partia da minha concordância básica com
pessoas como Bowles e Gintis, Althusser e outros, para quem as escolas
eram entendidas como importantes instituições de reprodução social.
Os esforços empreendidos para reformar tais instituições tendiam a ser
equivocados, muito porque deixávamos de reconhecer o funcionamento
socioeconómico da instituição. Tal como essas pessoas, procurei descre-
ver como se processava, na verdade, tal funcionamento.
Os tipos de perguntas que elaborava eram distintos dos que tendem
em dominar o campo pensado em termos de eficiência. Em vez de per-
- guntar como poderíamos fazer para que u m aluno adquirisse mais
conhecimento curricular, elaborava um conjunto de perguntas mais
político. "Por que razão e de que modo é que os aspectos específicos de
uma cultura colectiva se encontram representados nas escolas como
conhecimento factual objectivo? Como é que o conhecimento oficial
pode, concretamente, representar as configurações ideológicas dos inte-
resses dominantes na sociedade? Como é que as escolas legitimam tais
padrões limitados e parciais de conhecimento como verdades inquestio-
ná~eis?~'
Estas questões forneceram um conjunto fundamental de interesses
que conduziram o meu trabalho. Tal como frisei anteriormente, encon-
trava-me preocupado pelo facto de ao longo da nossa longa história cur-
ricular, desde Bobbitt e Thorndike até Tyler e, digamos, Popham e
Mager, se ter tentado transformar o currículo numa mera preocupação
com métodos eficientes, o que nos levou quase a despolitizar totalmente
a educação.
A procura por uma metodologia neutra e a contínua transformação do
campo numa "instrumentalização neutra" ao serviço de interesses
estruturalmente não neutros levou-nos a ocultar o contexto político e
económico do trabalho que realizávamos. O tipo de análise económico-
-política em que me encontrava envolvido era bem semelhante, em
muitos aspectos, a análise que vinha a ser feita por Katz, Karier e Fein-
berg na história e na filosofia da educação, por Bowles e Gintis e por
Carnoy e Levin na economia da educação e ainda por Young, Bernstein
e Bourdieu na sociologia da educação. Muito embora houvesse muitas
semelhanças, existiam e existem, no entanto, discordâncias profundas
Apple. Michael(1979). Ideology and Curriculum. London: Routledge & Kegan Paul.
I
" Collins. Randall (1979) The Credent~alSociety New York Academic Press
64 .
Reprodução, contestaGão e currículo.
" Noble, David (1977).America by Design. New York: Alfred A. Knopf. E Castells, Manuel (1980). The Economic Crisis
and Amencan Soc~ety.Princeton: Princeton Universlty Press.
-Neste caso especifico. discordo de Bourdieu dado que não aprofunda o modo como o capital cultural é produzido.
CCPP-EP-05 65
mento abrange mais que a sua distribuição diferenciada entre diferentes
.
tipos de pessoas, incluindo também a sua produção e, em última instân-
cia, a sua acumulação por parte dos que se encontram no poder.
Muito embora tudo isto pareça profundamente abstracto, as suas raí-
zes encontravam-se e encontram-se em algo muito mais concreto.
Como alguém que não só tinha ensinado durante muitos anos, quer no
ensino básico, quer no ensino secundário, como também tinha traba-
lhado continuamente como professor na formação de professores e de
I
gestores, procurava mecanismos para entender tanto a minha como as
suas formas de acção. A título de exemplo, os professores culpavam-se
como indivíduos, ou aos seus alunos, pelos fracassos dos alunos, tal e
qual como eu o fazia. Contudo, cada vez mais me parecia que o pro-
blema não era uma questão de quantidade de trabalho despendido pelos
professores e por outras pessoas envolvidas no currículo. Na verdade,
poucos grupos de pessoas trabalham tão duramente e em circunstâncias
tão incertas, difíceis e complexas como professores e gestores. Pelo con-
trário, era cada vez mais evidente que a própria instituição e as relações b
que estabelecia com as outras agências sociais poderosas provocavam as
práticas e as regras dominantes que determinavam as vidas dos educa-
dores. Colocar a culpa nos professores e incriminar os indivíduos não
conduzia a nada. Parecia ser eticamente mais correcto descobrir sobre-
tudo o motivo que levava a instituição a actuar de um modo específico
ultrapassando as acções individuais, implicando-as ideológica e mate-
rialmente. Assim, poderíamos tomar decisões muito mais relacionadas
com as acções curriculares e pedagógicas. Embora a compreensão em
torno da questão do controlo constituísse apenas um pequeno passo
para desafiar esse mesmo controlo, era um passo que sentia ser essen-
cial, caso pretendêssemos observar objectivamente tal controlo come-
çando por compreender os diferentes benefícios - tanto económicos
como culturais - daí resultantes.
Ao mesmo tempo, a minha própria prática modificava-se politica- b
mente, a medida que tomava consciência de tais vantagens diferencia-
das e das estruturas em que a educação se encontrava envolvida. A aná-
lise, embora ainda deficiente em determinados aspectos, que eu ia
apreendendo revelava-se estimulante noutros aspectos. Exigia u m
envolvimento ainda mais profundo na acção e na política socialistas aos
mais variados níveis, retroagindo, desta forma, sobre a minha análise
I Reproduçao,contestação e curriculo
Wright, Eric Olin (1978) Class, Cris~sand the State. London: New Left Books
Reprodução, contestação e curriculo ?
WiIIis. Paul (1977) Learning to Labour Westrnead Saxon House, e Everhari. Roberi (1979) The In-Between Years Stu-
dent Life in alunior High School California Graduate School of California University of California
I
Reprodução, contesta@o e nnr*iibS
1
I
seus estudantes, de acordo com os processos envolvidos ria legitimação
I e na acumulação do capital económico e cultural. Os próprios estudan-
tes possuem um poder - baseado nas suas próprias formas culturais.
e Actuam de formas contraditórias, que tanto sustentam esse mesmo pro-
1 cesso reprodutivo como o "penetram" p a r ~ i a l m e n t eTal
~ ~ .como a minha
discussão em torno de determinada literatura de referência sobre as
e resistências culturais e de classe revelará, no capítulo 4, os grupos de
I- estudantes da classe trabalhadora rejeitam categoricamente, e com
u muita frequência, o mundo da escola. Esta resistência encontrar-se-á
5- repleta de contradições e provocará tentativas de intervenção por parte
n, do Estado, em épocas de intensa agitação social e ideológica.
1- Para além do trabalho de Willis, outros estudos, nos Estados Unidos,
M evidenciavam aspectos semelhantes. A título de exemplo, a etnografia
a I que Robert Everhart realizou sobre os estudantes que se encontravam no
os final do primeiro ciclo revela como tais jovens, predominantemente da
ão classe trabalhadora, despendiam grande parte do seu tempo "matando-o"
im e recriando formas culturais que Ihes conferissem algum poder no
ec- ambiente da escola". Muito embora os referidos estudantes não rejeitas-
I sem totalmente o currículo formal, dedicavam-lhe apenas o mínimo do
jas que Ihes era exigido, tentando inclusive minimizar essas obrigações. Tal
tu- como os "rapazes" do trabalho de Willis, estes estudantes resistiam.
tos Entregavam somente o mínimo necessário para não colocar em perigo a
eo hipotética mobilidade que alguns deles poderiam ter. No entanto,
ao "sabiam" antecipadamente que era apenas uma possibilidade que não
30s estava de todo garantida. Na realidade, a maioria manter-se-ia no mesmo
10s percurso económico dos seus pais. Os elementos de auto-selecção e das
idi- formas culturais de resistência, que tanto reproduzem como contradi-
na zem as "necessidades" do aparelho económico, revelam a autonomia
:ul- relativa da cultura. Fornecem ainda um dado importante para qualquer
ea análise séria relacionada com o que fazem as escolas.
lec- Com efeito, sem entrar nas escolas, sem observarmos como e "por-
que" 6 que os estudantes rejeitam os currículos explícito e oculto e,
ivia ainda, sem relacionar estas questões com concepções não mecanicistas
irte
: os "Na verdade. corre-se um risco na utilização de conceitos como o de "penetra~ao",sobretudo dada a forma como as
paldvras e as imagens eróticas dominam o nosso uso linquístico. Vide. Bisseret, Noelle (1979). Education, Class
Languageand Idwlogy. London Routledge & Kegan Paul.
i Stu- " Everhart, Robert (1979). The In-8etween Yean Student Life ;n a lunior tifgh School Californa- Graduate School of
California, University of California.
de reprodução e de contradição, não conseguiremos compreender a
complexidade do trabalho que as escolas desempenham como espaços
de produção ideológica4'.
Neste contexto, a noção de uma etnografia especificamente marxista é
muito importante. Na verdade, contrariamente às representações tri-
viais que procuram um cunho da ideologia económica em tudo, uma
abordagem mais sofisticada procura analisar a ideologia numa perspec-
tiva distinta. Não é uma forma de falsa consciência "imposta" pela eco-
nomia. Pelo contrário, é parte de uma cultura vivida que é o resultado
das condições materiais das práticas quotidianas. É um conjunto de sig-
nificados e de práticas que, efectivamente, contêm, no seu seio, tanto
elementos de bom senso como elementos reprodutivos. E uma vez que
possui elementos de bom senso, tal como no caso dos trabalhadores que
anteriormente analisei, torna-se, deste modo, objectivamente plausível
envolver-se numa actividade centrada numa educação política que con-
teste os fundamentos ideológicos das relações de patriarcado, de domi-
nação e de exploração na sociedade em geral. A possibilidade objectiva
da educação política é algo a que devo regressar nos capítulos seguintes.
A medida que tudo isto ocorria e a medida que começava a ter uma
ideia mais precisa de um quadro teórico mais minucioso que me pode-
ria ajudar a compreender as práticas políticas e culturais que observava
(e nas quais me estava a envolver), comecei a constatar que agora pode-
ria inclusivamente tentar responder, de uma forma mais coerente, a
algumas das questões mais tradicionais que minavam a educação. Se
pretendia perceber por que razão as tentativas de reforma frequente-
mente fracassavam, por que motivo aqueles currículos que eram elabo-
rados de uma forma mais criativa se revelavam incapazes de chegar aos
muitos dos estudantes mais "desprivilegiados", os instrumentos de pes-
quisa e os quadros conceituais facultados pelas etnografias de orienta-
ção marxista forneciam importantes indicações.
Estávamos muito mais próximos de entender isto plenamente,
devido a esses mesmos estudos sobre resistência, contestação e cultura
vivida.
49Apple. Michael (1980). "Analyzing Determinations: Understanding and Evaluating the Production of Social Outcomes in
Schools". Curriculum Inquiry X. pp. 55-76. Existem outras formas importantes de conceber a produçáo cultural como
um processo de produ~áo.de per se. Por exemplo, vide os ensaios de Barrett ef a1 (eds.), Ideology and Cultural
Production, Rosalind Coward and John Ellis (1977). Language and Materialism London Routledge & Kegan Paul
e Wexler, Philip. "Structure, Text and Subject A Critical Sociology of School Knowledge". in Apple. Michael (ed.), Cul-
tural and Econornic Re~roductbnin Educafion.
Reprodução, contestação e currículo -
A educação e o Estado
O estímulo inicial que havia recebido de Wright, relacionado com os
processos contraditórios e com as instituições que mediavam as pres-
sões económicas, que apresentavam as suas próprias necessidades, indi-
cou-me uma área que fornecia a contrapartida ideal para colocar a
I
ênfase na criação da hegemonia ideológica e na autonomia relativa da
cultura. Isto abarcava a esfera política, o Estado e as suas próprias inte-
racções com a ideologia e a economia. O Estado tornou-se num ingre-
b
diente essencial da minha análise a medida que fui percebendo que o
D
poder, a quantidade e o espectro da regulação e da intervenção do
C
Estado na economia e no processo social, em geral, tendem a crescer,
e em parte, em função do "desenvolvimento gradual do processo de acu-
!I mulação de capital", da necessidade de um determinado consenso e de
I- apoio popular face a tal processo e da correspondente e continuada "des-
I- classificação" das pessoas, através da reorganização do discurso político
O e legal, reelaborado agora, entre outros aspectos, em torno dos indiví-
L. duos enquanto agentes económicos5". Deste modo, havia uma conexão
La directa entre as esferas política e económica, que se verificava também
C- na educação. Muito embora a primeira não se pudesse reduzir à
R segunda - e, tal como a cultura, tivesse um significativo grau de auto-
C- nomia - o papel que a escola desempenha como "aparelho de Estado"
a encontra-se profundamente relacionado com os problemas fulcrais de
ie acumulação e de legitimação enfrentados pelo Estado e pelo modo de
e- produção em geral5'.
* Parecia estranho que tivéssemos ignorado totalmente o Estado na
. .
W
educação, exceptuando algumas investigações de tendência liberal sobre
5-
"políticas educativas"". Ao fim e ao cabo, o mero reconhecimento de
a-
que cerca de 116 da força de trabalho nos Estados Unidos se encontra
:e. -
--A
kssop, Bob (1 977). "Recent Theories of the Capitalist State" Carnbridge Journal of Eronornics. 1, pp. 353-373; e Gin-
ira i
1 tis, Herbert (1980). "Communication and Politics: Marxisrn and the Problem of Liberal Democracy" Socialist Review X,
pp. 189-232.
Dale, Roger (1982) "Education and the Capitalist State- Contributions and Contradictions", in Apple. Michael (ed.).
Cultural and Econornic Reproduction.
sm Não pretendo denegrir por completo este género de trabalho. Parte dele é muito útil e interessante. Vide. por exemplo.
m Kirst, Michael e Walker (19711, "An Analysis of Curriculum Policy-Making". Review o f Edurationai Research XLI.
---+ pp. 479-509, Boyd. William Lowe (1978). " l h e Changing Politia of Curriculum Policy-Making for American Schools",
Review o f E d u c a t ~ o n a Research
l XLVIII. p p 577-592; e sobretudo Wise, A r t h u r E . (1979). Legisiated
.- Learning: the Bureaucratization o f the Arnerican Clasroom. Berkeley: University of California Press. Para criticas sobre
as teorias liberais do Estado, vide Miliband. ~ a l (1977).
~ h Marxhrn and hlitics New York: Oxford University Press
empregada pelo Estado53e de que o próprio ensino é uma forma de tra-
balho que responderá às mudanças nas condições globais da intervenção
do Estado no processo de trabalho não só deveria fazer-nos reflectir
como sublinhar a sua importância nos debates sobre a educação. Mais
importante ainda se estivermos interessados, tal como eu estava, na ela-
boração e reelaboração de ideologias hegemónicas através de aparelhos
do Estado, como é o caso da escola.
Para mim, tornava-se muito mais claro que a noção de hegemonia não
é algo que flutua livremente. Na realidade, e antes de mais, encontra-se
associada ao Estado. Isto é, a hegemonia não é um facto social já con-
cluído, mas sim um processo em que os grupos e as classes dominantes
"conseguem conquistar o consenso activo perante os que exercem o seu
domínio"54.Assim, a educação, deve ser percebida como parte do Estado,
como um elemento importante na tentativa de criar um consenso activo.
As ligações com as minhas preocupações iniciais tornavam-se imediata-
mente explícitas. Em primeiro lugar, a literatura relacionada com o
Estado permitiu-me aprofundar os meus argumentos contra as teorias
dominantes na educação, que actuavam como se a educação fosse um
empreendimento essencialmente neutro.
Entretanto, e igualmente importante, os estudos sobre o Estado per-
mitiram-me aprofundar as minhas convicções contra algumas das figu-
ras da esquerda que pareciam permanecer ainda relativamente econo-
micistas. Contrariamente à sua posição, acreditava que pelo simples
facto de a educação ser um vértice do Estado e um agente activo no pro-
cesso de controlo hegemónico, tal não nos deveria levar a pensar que
i3Castells, Manuel (1980). The Economic Crisis and American SockTy, p. 125. O autor destaca que se tivermos em consi-
deração a quantidade de emprego que depende da produção de bens e seiviços militares, descobririamos que cerca de
113 da força de trabalho depende na sua maioria da actividade económica do Estado. Vide pp. 125-130.
5%ouffe (ed.). Gramsci and Marxist Theory, p. 10 Vide, também. a proposta de Gitlin: para este autor hd. naturalmente,
um sério risco - que deveríamos descomplexadamente reconhecer - em abusar-se de conceitos como o de hegemonia
para explicar a reprodução cultural e económica. Gitlin expressa esta preocupação de uma forma muito clara quando
afirma:
"[Precisamosl de colocar a discussào sobre a hegemonia cultural num plano mais real Na verdade, grande parte da dis-
cussão tem-se mantido abstracta, quase como se a hegemonia cultural fosse uma substância com vida própria, uma
espéoe de nevoeiro imutável estabelecido sobre toda a vida pública das sociedades capitalistaspara abafar a verdade
do telos proletário Assim, perante as perguntas "Por que razào as ideias radicais sáo suprimidas das escolas?" "Porque
é que os trabalhadores se opõem ao socialismo?", etc, surge uma simples resposta délfica- hegemonia A "hegemonia"
tornou-se na explica(âo mãgica para a acçao. Se a "hegemonia" explica tudo na esfera da cultura, significa que náo
explica nada. "
Na verdade, a sua pr6pria análise apoia-se profundamente no conceito, documentando o poder combinado da sua uti-
lização. Vide Gitlin. Todd (1979). "Prime Time Ideology: The Hegemonic Process via Television Entertainment", Social
Problems XXVI, p. 252.
Reprodyão, contestação e currículo "
I-
todos os aspectos do currículo e do ensino se pudessem cingir aos inte-
D
resses da classe dominante55.Tal como a maioria dos aspectos das teo-
Ir
rias liberais, tal pressuposto revelava-se também simplesmente incor-
recto. O próprio Estado é também um local de conflito entre classes e
is
segmentos de classes, entre grupos raciais e de género. Uma vez que "é"
i-
o espaço de tal conflito, deve, por u m lado, levar todos a pensarem de
)S
forma idêntica (tarefa, aliás, muito difícil que ultrapassa o seu próprio
poder e que destruiria a sua legitimidade) e, por outro, gerar consenso
io entre a maioria dos grupos que se encontram em contenda. Desta
)e
forma, para manter a sua própria legitimidade, o Estado necessita de
n- integrar, gradual e continuamente, muitos dos interesses dos grupos
es aliados e inclusive dos grupos que se lhe opõem56.
W
Isto envolve um processo contínuo de compromissos, conflitos e de
10.
luta activa para a manutenção da hegemonia. Assim, os resultados, por-
'O. tanto, não são um simples reflexo dos interesses da economia ou das
d-
classes dominantes. Mesmo reformas propostas para alterar a forma
o como as escolas se encontram organizadas e controladas, assim como o
ias
que é realmente ensinado fazem parte deste processo. São também
un parte integrante de u m discurso ideológico que expressa os conflitos no
interior do Estado e as tentativas por parte do aparelho do Estado na
èr- manutenção da sua própria legitimidade e no envolvente processo de
[U- acumulação.
10- Isto acarretava implicações importantes para a análise que efectuava
les sobre as escolas e sobre as suas actividades pedagógicas e curriculares
ro- quotidianas. Significava que possuía uma maneira mais adequada para
ue poder entender a razão pela qual tais práticas curriculares e pedagógicas
não traduziam nunca o resultado de uma "mera" imposição, nem eram
Em- geradas a partir de uma teoria da conspiração para, digamos, reproduzir
a de
as condições de desigualdade na sociedade. Na realidade, podemos
me. observar que acontece precisamente o contrário - ou seja, elas são
mia
d o orientadas por uma necessidade imperiosa de ajudar e de tornar as coi-
I dis-
sas melhores -, se percebermos que apenas desta forma os vários inte-
uma
d3de
resses sociais podem "ser" integrados no seio do Estado. Ao integrar
ip>e os vários elementos ideológicos provenientes dos diferentes grupos -
mia
,não
j5 Mouffe (ed.). Grarnsci and Manist Theory. p 10. Vide, tambem. Dale. Education and The Capitalist State; e Carnoy.
l ai-
Martin, "Education. Econorny and the State". in Apple, Michael (ed.), Culruraland Econornic Reproduction in Education.
iDaal
Mouffe (ed.). Grarnsc! and Manist Theory. p. 182. /
frequentemente em competição entre si - em torno dos seus próprios
princípios unificadores, o consenso pode ser atingido57, podendo man-
ter-se a ideia de que tais práticas, baseadas nesses princípios hegemóni-
cos, ajudam, efectivamente, esses grupos competidores.
Como é que o Estado consegue aparecer como um conjunto de insti-
tuições "neutras", actuando em prol do interesse A estratégia
hegemónica mais eficaz parece ser a de "integrar as exigências demo-
cráticas populares e as económicas num programa que favoreça a
intervenção do Estado no interesse da a c u m ~ l a ç ã o "Esta
~ ~ é exacta-
mente a estratégia que está a ser utilizada actualmente e que será ainda
mais esclarecida no segundo, quarto e quinto capítulos, nas análises
que realizarei sobre o papel contraditório do Estado na acumulação e
manutenção das relações sociais hegemónicas. Teremos então oportu-
nidade de observar como a escola é um espaço onde Estado, economia
e cultura se encontram inter-relacionados e como muitas das reformas
e inovações curriculares agora propostas "traduzem" essas mesmas
inter-relações.
'' Ibid, p. 193; e Donald. James (1979). "Green Paper: Noise of a Crisis" Screen EducationXXX
58 Holloway, John; Picciot~o,Sol (1978) "lntroduction: Towards a Materialist Theory of the State". in lohn Holloway e Sol
Picciotto (eds.),State and Capital. London: Edward Arnold, p. 24 A problemática em torno de o Estddo poder ou náo
ser concebido como uin conjunto de instituições tem suscitado uma grande controvbrsia Vide. por exemplo.
Jessop, "Recent Theories of the Capitalist State", os artigos inseridos nos volumes acima inencionados, editados por
Holloway e Picciotto. Mouffe e Apple; e Wolfe. Alan (1974). "New Directions in the Marxist Theory of Politics", Politics
and Society IV. pp. 131-159.
Jessop, Bob (1978). "Capitalism and Democracy"; Gary Littlejohn et al. (eds.). Power and the State. New York:
St Martin's Press, p. 45.
Reproduçáo, contestacão e currículo 9
I " Macherey. Pierre (1 978). A Theoryof LiteraryProduction London. Routledge & Kegan Paul.
*' Vide Williams. Marxirm and Literature, e Apple, Ideology and Curriculum.
. específico, dar um exemplo que será tratado com mais pormenor mais
adiante. Face a um conjunto de razões económicas, políticas e ideológi-
cas, grande parte dos currículos nos Estados Unidos encontram-se orga-
nizados em torno da individualização. Dito de outro modo e indepen-
dentemente dos conteúdos específicos da Matemática, Estudos Sociais,
Ciências, Literatura, etc., tais conteúdos são estruturados de tal maneira
que os alunos trabalham, habitualmente, de acordo com as capacidades
individuais de cada um, em "folhas de trabalho" individualizadas e pré-
-especificadas e em tarefas individuais. A título de exemplo, tomemos em
consideração o pacote de leitura SRA, um dos conjuntos mais utilizados
de leitura, elaborado pela Science Research Associates (uma subsidiária
da IBM). Aqui os alunos fazem testes para analisar os níveis de conheci-
mento; são colocados individualmente num nível específico codificado
de acordo com uma determinada cor; e progridem mediante uma
sequência, padrão de material, trabalhando em histórias individuais e
em "exercícios de destreza".
Reparem na forma em si. Grande parte das actividades pedagógicas,
) curriculares e avaliativas mais importantes são planificadas de tal forma
que os alunos apenas interagem individualmente com o professor e não
uns com os outros (exceptuando durante os "intervalos"). O professor
"gere" o sistema. Isto aumenta a eficiência e facilita a disciplina. Poder-
-se-ia perguntar se haveria algo de errado nisso. Se estamos interessa-
dos na questão da reprodução ideológica e ainda em analisar como é
que a escola reage à crise, essa pergunta não está correcta. Uma per-
gunta mais adequada seria: Qual é o código ideológico presente no
material curricular? Como é que o material curricular estrutura as nos-
sas experiências de forma semelhante ao processo de consumo indivi-
dual e passivo de bens e serviços previamente especificados, e que foram
submetidos à lógica da mercantilização, tão necessária para a acumula-
ção contínua de capital?
Provavelmente um exemplo extraído de um outro elemento do apa-
relho cultural da sociedade, que contribuiu profundamente para a
minha própria compreensão inicial destas questões, possa aqui vir a
ser útil. Ele é extraído da análise provocante realizada por Todd Gitlin
sobre o modo como o dispositivo formal dos programas de televisão do
horário nobre encoraja os telespectadores a verem-se a si próprios
como indivíduos apolíticos e acumuladores privados. Gitlin aponta as
seguintes características como sendo responsáveis pela reafirmação da
78
Reprodução, contestação e currículo -
Vide, por exemplo, Williams. Raymond (1974). Television: Technology and Cultural Form. New York: Schocken Books.
" Gitlin. "Prime Time Ideology", p 255.
79
descuremos a análise da forma que o conteúdo assume - de que forma
organiza os nossos significados e acções, as suas sequências temporais
e implicações interpessoais, a sua integração com os processos de acu-
mulação de capital e com a legitimação de ideologias. Precisamente,
estas mesmas questões necessitam de ser também levantadas em rela-
ção à forma do currículo e à interacção social nas escolas. Com efeito, é
com base nas formas curriculares dominantes que se desenvolvem o
controlo, a resistência e o conflito. E é exactamente neste mesmo
campo que a crise estrutural se torna evidente e as questões relaciona-
das com o currículo oculto, com a intervenção do Estado e ainda com o
controlo do processo de trabalho são integradas ao nível das práticas
escolares.
1 Para uma compreensão global das implicações reveladas nestes argu-
mentos, convém relembrar um ponto que se encontrava implícito na
minha breve discussão sobre o Estado. As escolas são os locais de "traba-
lho" dos professores. Isto é algo que com frequência tendemos a esque-
cer. No entanto as alterações na forma curricular, como as que temos
vindo a abordar, têm também um profundo impacto sobre esse trabalho.
Elas transportam uma relação fundamentalmente transformada entre o
trabalho, as destrezas, a consciência e os produtos de uma pessoa e os
de outras pessoas. Simultaneamente, ao salientar tais alterações, tal
como farei no quinto capítulo - e revelar-se-ão tão contraditórias como
as mudanças a que assistimos actualmente em qualquer aspecto do pro-
cesso de trabalho, em geral -, conseguiremos uma chave através da qual
explanaremos as acções possíveis que os grupos progressistas podem
promover no seio das escolas e entre os professores. Essa dupla assun-
ção - de que as novas formas curriculares engendram tanto novos
modos de controlo como possibilidades para acção política - abre uma
porta para a compreensão do que acontece nas escolas e providencia-
nos um elemento-chave para a nossa abordagem. Como? Determinados
princípios baseados, na sua maioria, no conhecimento técnico-adminis-
trativo produzido inicialmente pelo aparelho educativo têm conduzido a
organização e o controlo dos postos de trabalho nas economias capita-
listas. Estes princípios têm atingido não só os locais de trabalho das
fábricas, como também determinam cada vez mais todos os aspectos do
aparelho produtivo da sociedade. O trabalho fabril e o de escritório, o
trabalho intelectual e o manual, o trabalho no ramo do comércio e nas
linhas de montagem e inclusive o trabalho no ensino têm sido, lenta,
Reprodução. contestação e currículo *
' Tal como argumentei noutro local. a distinção que realizãrnos entre explicações rnacro e micro não nos ajuda nada. Wde
4pple. Michael (1978). "The new sociology of education. analysing cultural and economic reproduction", in Haward
fducat~onalReview XLVIII, pp. 495-503.
Williarns, Rayrnond (1977). Marxlsm and Literature. New York: Oxford University Press.
internas das escolas e as estruturas "externas" de dominação da socie-
dade, não teremos, necessariamente, uma explicação completa de X.
Assim, muito embora começemos a ter descrições bastante completas
sobre o funcionamento interno das escolas e da atribuição de caracterís-
ticas sobre os comportamentos relacionados com o desajustamento, o
facto é que tais descrições devem ser complementadas por uma deter-
minada teoria estrutural da escola e do papel do desajustamento que se
verifica no seu seio. Tal teoria teria que interligar os tipos de conheci-
mento tidos como importantes nas escolas (conhecimento de estatuto
elevado ou legítimo), os tipos de alunos rotulados como desajustados, as
"necessidades" ideológicas, políticas e económicas da sociedade na qual
as escolas se encontram inseridas e, finalmente, o papel do Estado em
toda esta teia complexa, respondendo muito mais adequadamente a esta
complexidade do que conseguem fazer as teorias simplistas de reprodu-
ção económica agora existentes.
Apple. M. (1979). Idmlogy and Curriculum London: Routledge & Kegan Paul.
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado w
I b i d . Vide, também. Bernstein. 8. (1977). Class, Code5 and Control. Volume 3. Towards a Theoryof Educational Trans-
missions. London: Routledge & Kegan Paul.
' Olneck. M , Crouse. 1. (1978) Myths o f the Merotocracy: Cogn~tiveSkill and Adult Sucess in the Un~tedStates.
Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Institute for Research on Poverty. d~scussionpaper. pp 485-478. pp. 13-14,
I b d , p. 15. Vide, também, Carnoy, Martin, & Shearer. Derek (1980). EconomIc Democracy New York: M E Sharpe.
Na verdade, não estou aqui de modo algum a subscrever o raciocínio formulado por Althusser. Posições críticas ao
raciocínio formulado por Althusser podem ser encontradas em. Erben, Michael. e Gleesen. Denis (1977). "Educat~on
as Reproduction", in Michael Young e Geoff Whitty (eds.). Society, State and SchoolIng Guildford. Falmer Press,
pp. 73-92; Willis, Paul (1977). Learnmg to Labour Lexington: D. C Heath; e Connell, R. W. (1979). "A Critique of the
Althusserian Approach to Class", TheoryandSociefy VIII, pp 303-345.
aspectos, sobretudo com o último, que se manterá a minha preocupação
central neste capítulo. No fundo, pretendo esclarecer os laços que unem
os papéis económicos e culturais da escola.
Como é que poderemos abordar esta questão? Em primeiro lugar, exa-
minemos algumas das proposições gerais, que parecem ter alguma fun-
damentação empírica, relacionadas com o que as escolas parecem fazer
enquanto instituições inseridas na sociedade. As escolas parecem fazer
uma série de coisas. São órgãos reprodutivos uma vez que ajudam,
"efectivamente", a seleccionar e a certificar a força de trabalho. Neste
Icaso concreto, os teóricos da reprodução não estão errados. Todavia, as
'escolas fazem muito mais do que isto. Ajudam à manutenção do privilé-
pio nos meios culturais, assimilando a forma e o conteúdo da cultura e
(do conhecimento dos grupos poderosos e definindo-os como conheci-
'mento legítimo a ser preservado e transmitido. Assim, actuam como
agentes daquilo que Raymond Williams denominou por "tradição selec-
tiva". Desta forma, as escolas são bambém agentes no processo de cria-
ção e recriação de uma cultura predominante eficaz. Ensinam normas,
valores, ensinamentos e uma determinada cultura, que contribuem para
a hegemonia ideológica dos grupos dominantes1'.
No entanto, isto não é tudo, já que as escolas ajudam a legitimar o
conhecimento novo, as novas classes e os novos estratos sociais; e é,
habitualmente, na disputa por um lugar no currículo escolar, estabele-
cida entre as culturas mais antigas e os novos grupos e classes emergen-
tes, que podemos observar os conflitos de classe e de género e as contra-
dições económicas actuando integradas na rotina diária da vida das
pessoas12.
Saliente-se que esta lista das funções sociais principais das institui-
ções educacionais inclui necessariamente questões culturais e económi-
cas. As escolas distribuem pessoas e legitimam conhecimento. Legiti-
mam pessoas e distribuem conhecimento. Podemos falar sobre esta
relação (que "não" expressa funções distintas, mas que se interpene-
tram) de uma forma positiva ou negativa. Basicamente é boa, má ou
contraditória. Contudo, se quisermos entender o que as escolas fazem,
'' Vide, por exemplo. Bowles. Samuel, e Gintis. Herbert (1976). Schooling in CapitalistAmerica. New York Basic Books.
" Apple, Michael (1979). "The Politics of School Knowledge", Reviewof Education V
l6 Apple, Michael. Nancy, King (1977). "What do Schoos teach?". Curriculum Inquiry, VI (4).
" Bowles. Samuel. e Gintis, Herbert. Schooling in Capitalist America, vide. também, Baudelot, Christian, e Establet.
Robert (1975). La Bcuela Caprtalista Cidade do Mexico: Siglo XXI Editores. e Anyon, Jean (1980), "Social Class and the
Hidden Curriculum of Work", Journal o f Education CLXII, pp. 67-92.
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado *
i Karabel e Halsey. "Educational Research: A Review and Interpretation" O'Connor. James (1973). The Fiscal Criris of the
State. New York. St. Martin's Press. e Castells. Manuel (1980). The Economic Crisis and American Sociey Princeton:
Princeton University Press.
-
indirectamente requeridas por esse mesmo sector económico. Argu-
mentarei então a existência de uma interacção, profundamente com-
plexa, entre o papel da escola na produção de agentes para a divisão
social do trabalho (um papel que os economistas políticos da educação
reconhecem) e o lugar da escola como forma de produção de capital
cultural. Em essência, reiterarei que a compreensão de tal interacção
passa por começarmos por "decifrar a lógica" do processo de acumula-
ção capitalista, uma vez que a produção, acumulação e controlo de tipos
específicos de conhecimento é um aspecto integral neste proces~o'~.
Tal como defende Erik Olin Wright, a acumulação de capital encontra-
-se no núcleo da reprodução das sociedades capitalistas2'. Falando meta-
foricamente, embora a escola não seja a central geradora da economia,
faz parte do mesmo corpo, contribuindo assim para o processo de acu-
mulação tal como existe actualmente. Examinemos então esse corpo
mais minuciosamente.
'
cálculo de valores (gerados por esta formação social] do que a maxi-
1
mizaçúo da produçúo do conhecimento particular em si".'" "
.l
T
I
Assim, as escolas não actuam "meramente" como mecanismos de dis-
I
C
tribuição de um determindo currículo oculto e de pessoas por lugares
"adequados" na sociedade. São elementos importantes no modo de pro-
dução de mercadorias da sociedade.
O que é que poderia estar errado nesta análise? Obviamente, as escolas
produzem conhecimento. Mas tal não parece ser do senso comum? Na
verdade, é através do que parece ser senso comum que podemos começar
a desvendar algumas das ligações entre o conhecimento escolar, a repro-
dução da divisão do trabalho e o processo de acumulação. Para tal, preci-
samos de entender como é, realmente, utilizado o conhecimento téc-
nico/administrativo. Precisamos de o recontextuar no espaço das Ii:
C
relações estruturais que auxiliaram a sua produção, uma vez que
o conhecimento técnico "não" é necessariamente uma mercadoria .
neutra inserida numa economia capitalista. Esta questão é importante,
" Apple.
Michael, Ideology and Curriculum, pp. 36-37. Agradeço a Walter Feinberg a ideia de que as escolas servem para
maximizar a produção de conhecimento tecnico. Vide Feinberg, Walter ( 1 977). A Critical Analysis of the Social and Eco-
nomic Limits t o the Humanizing of Education. i n Richard Weller (ed.), Humanistic Education Berkeley
McCutchan, pp. 249-269.
96
I
?
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado
sobretudo hoje em dia, uma vez que é cada vez mais clara a existência
de uma monopolização quase total por parte das grandes empresas
capitalistas detentoras do conhecimento técnico e da inteligência tecno-
lógicaz3.
A posição defendida por Andre Gorz torna-se, neste contexto, particu-
larmente importante. Argumenta Gorz que "devemos recordar que os
meios de produção não abrangem apenas as fábricas e as máquinas";
abrangem também a tecnologia e a ciência incorporadas nas máquinas e
as instalações, que dominam os trabalhadores como "uma força produ-
tiva diferente do trabalho"'*.
De uma maneira geral, e sob vários aspectos, o conhecimento técnico é
essencial para qualquer economia industrial avançada. No entanto, é no
"modo" como é utilizado no nosso país que se encontra o factor crítico.
Dado o enorme crescimento verificado no volume de produção, tem-se
registado uma concomitante necessidade de um aumento rápido na
quantidade de informação técnica e administrativa. Esta questão rela-
ciona-se com o aumento progressivo das "procuras de mercado" e de
"relações humanas" exigidas pelas diferentes empresas, com o objectivo
de aumentar a taxa de acumulação e o controlo do local de trabalho.
Tudo isto implica a produção de informação por intermédio de máquinas
i e também a produção de máquinas mais eficientes). Tais produtos - a
mercadoria do conhecimento - podem não ser materiais na verdadeira
acepção da palavra, no entanto, não há dúvida de que são produtos eco-
nomicamente vitaisz5. Quando se adiciona a esta questão o importante
papel desempenhado pelas indústrias relacionadas com o aparelho de
defesa do país na acumulação capitalista - assunto para o qual tive opor-
tunidade de chamar a atenção nas notas inseridas no primeiro capítulo -
aumenta a preponderância desse tipo de capital cultural.
Embora não seja uma regra inflexível e tenha revelado oscilações em
diferentes períodos, historicamente, em economias como a nossa, o
5
conhecimento técnico tem sido produzido e organizado de forma a
e
beneficiar os interesses das empresas. Por exemplo, Stephen Marglin,
a
numa análise interessante embora por vezes problemática efectuada ao
Noble, David (1977). Arnerica by Design: Science, Technology and the Rise of Corporate Capitalisrn. New York: Alfred
a
A. Knopf, p. 26.
k
I ' Gorz, Andre (1976) (ed.). The Divisron o f Labour. New Jersey: Humanities Press, p. 9.
'I1 Manifesto. "Challenging the Role of Technical Experts". in Gorz (ed.), The Division o f Labour, p. 124.
3CPP-EP-07 97
A
papel das inovações técnicas no crescimento da economia capitalista,
salienta que a propensão da mudança tecnológica tem quase sempre
exibido uma determinada consistência com a organização e reorganiza-
ção industrial. Dito de outro modo, a eficiência técnica, atingida pela
acumulação "e pelo controlo" do conhecimento técnico/administrativo,
foi patrocinada e introduzida por gestores capitalistas, para que pudes-
sem aumentar a sua quota de lucro económico e não apenas devido
à eficiência da organização. Desta forma, a função social da divisão hie-
rárquica do trabalho baseada em critérios técnicos não visava apenas
a eficiência técnica, mas também a acumulação. Simultaneamente,
aumentou o poder dos órgãos de gestão do capital para controlarem e
supervisionarem os trabalhadores, pelo simples facto de que uma hierar-
quia de trabalho alicerçada na técnica destruiria as capacidades e destre-
zas em unidades mínimas, de tal forma que pudessem ser reorganizadas
E
na oficina fabril". Parte do desenvolvimento histórico deste processo
r
encontra-se extraordinariamente exemplificado na análise que Harry
\
Braverman realiza sobre a atomização progressiva e a perda de controlo
1
por parte de operários e empregados de escritórioz7.
A importância do uso, controlo e acumulação do capital cultural técnico
11
torna-se ainda mais clara se examinarmos a história das indústrias forte- F
mente assentes na técnica e na ciência. Por exemplo, nas indústrias extrac- a
tivas, do petróleo, do aço, da borracha, mas também, sobretudo, na indús- E
tria automobilística, a introdução sistemática da "ciência" como meio de n
produção pressupôs e, por sua vez, reforçou o monopólio industrial.
É neste contexto que Noble, numa análise recente à história da rela- t
ção entre a ciência, a tecnologia, as instituições educativas e a indústria,
salienta:
I
"Tal monopóíio significou o controlo não apenas dos mercados, do
equipamento e das infra-estruturas, mas também da própria ciência.
Inicialmente o monopólio da ciência assumiu a forma de controlo de
patente - isto é, o controlo exercido sobre os 'produtos' de tecnologia
científica. Tomou-se posteriormente no controlo do próprio 'processo'
de produção científica, através de uma investigação industrial organi-
zada e regulada. Finalmente, acabaria por incluir o controlo sobre
os pré-requisitos sociais deste processo: o desenvolvimento das insti-
l 6 Marglin. Stephen. "What do Bosses do?", in Gorz (ed.). The Division o f Labour, pp. 13-54
" Braverrnan (1974). Labour and Monopoly Capital. New York: Monthly Review Press.
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado L
-
técnico foi atingido através do monopólio das patentes e da organização
e reorganização da vida da universidade (sobretudo dos seus currículos).
Deste modo, e tal como Noble o demonstra novamente de uma forma
clara, a indústria e as ideologias que ela tem impulsionado desempenha-
ram e continuam a desempenhar u m papel excepcionalmente impor-
tante na determinação (melhor dito, no estabelecimento dos limites
estruturais) dos tipos de currículos e práticas pedagógicas tidos como
apropriados ou legítimos para uma parcela significativa da vida das uni-
versidades e dos institutos técnicos. Dada a crise económica com que
actualmente nos debatemos, devemos esperar uma influência ainda
mais acentuada dos interesses do capital num futuro próximo.
Numa determinada perspectiva, foi bastante eficaz o uso das universi-
dades com o intuito de gerar e preservar conhecimento técnico baseado
na investigação básica e aplicada. O custo e o risco, tanto da produção
de pessoal formado para trabalhar na indústria, como da produção da
investigação fundamental, da qual depende a maioria da investigação
industrial, incidem, em grande parte, sobre a população em geral3'. Em
parte, isto explica a razão pela qual o currículo explícito das escolas - o
conhecimento legítimo dentro da caixa-negra - parece estar organizado
tendo em vista a universidade. Ou seja, o facto de grande parte da esco-
larização se orientar para o ensino universitário e para os institutos téc-
nicos superiores (e, tal como descreve Karabel, a frequência com que
estas instituições se encontram habitualmente depende da trajectória de
cada um no seio da classe económica re~pectiva)~' fornece testemunhos
acrescidos sobre a interpenetração do duplo papel que a escola tem na
produção tanto de agentes como de mercadorias culturais.
Tenho vindo a salientar que precisamos de entender as escolas como
instituições, não só produtivas, mas também distributivas, para poder-
mos ter u m quadro mais completo do que elas parecem realizar. Ao
verificarmos as relações estabelecidas entre a produção cultural e a pro-
dução económica, conseguimos ao mesmo tempo completar u m pouco
mais o quadro referido. Pretendo aprofundar mais essas relações.
A ênfase colocada na produção de conhecimento técnico permite-nos
constatar como as escolas ajudam na manutenção de uma determinada
diferenciação que radica no centro da divisão social do trabalho - a
.
a l b ~ dpp 128. 147
" Karabel, Jerome (1972) "Community Colleges and Social Stratification". Harvard Educat~onalReview, XLI. pp 521-562
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado "
'Poulantzas, Niros (1975). Classes in Conternporary Capitalitrn. London: New Left Books, p. 238.
OPara uma consulta sobre o modo como tais programas internos funcionam. vide Rosenbaum. James (1976), Making
66. Inequaliry. New York: John Wiley.
1o1
produção34.A acumulação capitalista e o controlo do conhecimento téc-
nico encontram-se profundamente relacionados com esta dicotomia,
que, como tivemos oportunidade de observar, é vital também para a
acumulação e para o controlo do capital económico.
Digamos que esta relação entre a acumulação de capital económico e
cultural significa que "não" é essencial todos possuírem um conheci-
mento técnico apurado. Desde que o conheciemto se encontre disponí-
vel, a escola será relativamente eficaz na dimensão da sua função produ-
tiva. A medida que as condições de maximização da produção de
conhecimento técnico/administrativo vão sendo atingidas, e a medida
que os estudantes vão aceitando ou rejeitando muitas das mensagens da
vida escolar essencialmente pela sua classe social (raça e género), a
escola pode muito bem empregar tal conhecimento como um filtro
complexo com o objectivo de classificar os estudantes de acordo com o
lugar que ocuparão na estrutura hierárquica do mercado de trabalho.
O sucesso surge novamente associado a origem social (embora, outra
vez, não através de u m determinado processo mecânico, dado existir
também mobilidade "individual").
Tudo isto precisa de ser inserido continuamente no contexto do pro-
cesso de acumulação. Há que gerar reservas de capital tendo em vista
épocas de crise numa dada economia. Para se atingir este desiderato,
parece também serem necessários outros dois tipos de reservas: (1) a
dos trabalhadores, que possam ser colocados em determinadas posições
quando tais posições se tornarem disponíveis; e (2) a de capital cultural,
formas de conhecimento que possam ser utilizadas para criar novas téc-
nicas de produção, para o monopólio de patentes, para a estimulação de
necessidades e de mercados e ainda para a divisão e controlo do traba-
lho. Desta forma, poderíamos avançar com a hipótese de que o conheci-
mento técnico funciona através das escolas como uma força de reserva
de conhecimento, do mesmo modo que a economia necessita de uma
força de reserva de trabalhadores. Arnbas as reservas exercerão um papel
preponderante numa crise económica.
Admito que este quadro seja u m pouco complexo. Todavia, o elemento
básico da análise que aqui efectuo traduz-se num argumento estrutural.
Muito embora, e a julgar pela sua aparência, o conteúdo veiculado pelo
- - - -
Wright, Class, Crisis and the State. p 38.
Conhecimento técnico. desajustamento e o Estado -
conhecimento técnico não seja necessariamente ideológico, o facto é
1. que os usos a que se destina nas economias capitalistas e a forma como
0 funciona nas escolas e através destas são "determinados" pelos padrões
estruturais existentes. Dito de outro modo, a dominação capitalista do
e controlo, uso e acumulação final do conhecimento técnico estabelece os
i- limites das formas que ele corporizará nessa sociedade e também, em
í- última análise, dos tipos de conhecimento e de pessoas seleccionadas
1-
como legítimos no seio das escolas das sociedades capitalistas".
le No entanto, e tal como salientei nas análises iniciais, para entender-
b mos estas complexas relações não basta interpretarmos as ligações que
la se estabelecem entre o conhecimento, desajustamento e reprodução
económica e cultural. Devemos começar a analisar também o poder do
a
Estado. É no sentido dessa análise que a seguir me debruço.
r0
O
O papel do Estado
o.
ra Goran Therborn, num estudo comparativo sobre o poder do Estado e
tir dos aparelhos de Estado, defende que o aparelho de Estado, em termos
de funcionamento e de organização, pode, frequentemente, ser enten-
w dido na base de relações de dominação de classe". Esta questão não é
;ta
marginal para o argumento que pretendo esboçar, dado que o papel do
Estado (sendo a escola uma componente importante) se torna cada vez
to.
mais importante para a compreensão do desempenho das escoijis.
Ia
Uma vez que se tem tornado cada vez mais difícil para as empresas indi- -
ies
vidualmente garantirem um determinado fluxo de conhecimento técnico,
al.
de pessoal tecnicamente especializado e semiqualificado, o aparelho edu-
Cc-
cativo do Estado, por intermédio das políticas e prioridades curriculares,
de
avaliativas e financeiras, assume um papel imprescindível. Nos Estados
M-
Unidos, o Estado, que a partir de 1930 se orientava apenas por políticas de
ci- retenção, distribuindo alguns dos recursos produzidos pela economia,
va
vê-se agora, cada vez mais, envolvido nas políticas de produção. Isto é
na uma verdade inquestionável na economia, onde o Estado regula, controla,
pel subsidia interesses especiais, patrocina a investigação e fornece apoio
ito Erik Olin Wright delimita seis modelos de determinaçáo, incluindo a determinaçáo e selecçáo estrutural que aqui sugiro.
pai. Tais modelos incluem a limitacao estrutural, a s~lecção.a reproduçáo/não-reproduçao, os limites de compatibilidade
funcional, a transforma(ão e medição. Mde: Wright. C/as, Crisis and the State, pp. 15-23. Esta questão será por mim
elo retomada no próximo capítulo. Naturalmente existem outros interess~sde grupos de estatuto que aqui se nserem.
Para um interessante debate sobre esta questão. Vrde: Colliris. Randall (1979). The Credent~alSociety. New York:
Academic Press.
Therborn, Goran (1978). What Does the R u h g Class do When i t Rules?. London New Left Books. p. 11.
financeiro para a produção de bens "essenciais", habitualmente directa-
mente relacionados com a indústria do armamento. Actua a nível nacio-
nal e internacional como uma força para "garantir" recursos que contri-
buam para a produtividade da economia'".
Contrariamente a períodos anteriores, nomeadamente à Segunda
Guerra Mundial, em que o Estado intervinha na economia com base em
objectivos limitados, a intervenção do Estado tem aumentado tão rapi-
damente que se transformou numa componente imprescindível nos paí-
ses desenvolvidos. Embora em diferentes países varie a forma de inter-
venção - por exemplo, nacionalização de determinadas indústrias na
França e na Itália; gasto público maciço nos Estados Unidos -, não res-
tam dúvidas relacionadas com a amplitude dessa intervenção3'. Esta
intervenção normalmente consiste num determinado número de for-
mas principais. Em primeiro lugar, o Estado subsidia, não apenas direc-
tamente, o capital através de medidas fiscais, como, por exemplo,
empréstimos e benefícios fiscais, como também indirectamente, através
do fornecimento de energia, transporte, etc. Uma segunda forma, muito
importante para os argumentos que desenvolvo neste capítulo, prende-
se com o papel do Estado em assumir uma percentagem significativa
dos custos sociais do capital privado. Ou seja, socializa os custos de coi-
sas como a investigação científica, a educação e a formação da força de
trabalho. Assim, mesmo que tais gastos sejam fundamentais para, numa
primeira instância, poderem aumentar a rentabilidade e a produtividade
da indústria, o facto é que os custos são "divididos" por todos nós.
Assim, mesmo que os benefícios sejam desproporcionalmente acumula-
dos pelo capital, os custos são assimilados pela maioria da população
trabalhadora, através do Estado. A indústria pode aumentar a sua quota
de conhecimento técnico/administrativo sem que os capitalistas indivi-
dualmente tenham que aumentar os seus próprios gastos com a investi-
gação t e c n ~ l ó g i c a ~ ~ .
37 Wright, Class, Crisis and the State, p 162 Isto náo significa, necessariamente. que tanto o Estado como a industria
teráo sucesso na regulação dos vários aspectos da produçáo e da economia Tal como 16 destaquei. tambem se tem
tornado cada vez mais explícito que o Estado possui uma variedade de funcões a desempenhar. náo se limitando ape-
nas a um papel cada vez mais activo na estimulaçáo da acumulação. algumas das quais podem estar em contradição
entre SI. Para discussões interessantes em torno das diferentes funcões que o Estado desempenha, vide Offe, Claus. e
Ronge. Volker (1975). "Therer on the Theory of the State", New Gerrnan Critique VI. pp. 137-147. O'Connor. Jarnes
(1973). The Fiscal Crisa o f the State, New York: St Martin's Press; e Dale, Roger (1979). "The Politicization of School
Deviance", in Len Barton e Roland Meighan (eds.). Schools, Pupils and Deviance, Driffield. England Nafferton B O O ~ .
Castells. The Economic Crisis and Arnerican Society, p 69
" lbid . p 70.
Conhecimento tecnico, derajustamento e o Estado
Ib~d.,
pp. 70-71
Ibid., p. 71
' Ibid.. p. 104.
I 1bid.p. 130
novamente os frutos desse investimento para o "sector privado", logo
que se torne l u ~ r a t i v o Neste
~ ~ . caso concreto, o papel do Estado no pro-
cesso de acumulação de capital é bastante evidente no apoio prestado à
produção de conhecimento técnico/administrativo.
A ênfase conferida a tal conhecimento tem implicações importantes
nas necessidades de legitimação do Estado e nas necessidades de acu-
mulação na esfera económica. Com o poder crescente da nova pequena
burguesia dentro do aparelho económico e cultural, a ênfase no conhe-
cimento técnico/administrativo permite à escola desempenhar dois
papéis. Aumenta a sua legitimidade perante este importante segmento
de classe e, igualmente importante também, permite que tal segmento
i de classe utilize o aparelho educatiuo para se reproduzir4'. Os gerentes
!de nível intermédio, os empregados semiautónomos, os técnicos, os
engenheiros, os contabilistas, os funcionários públicos, etc., podem, não
só ver a escola de forma positiva (que não deve ser minimizada sobre-
tudo numa época em que as nossas principais instituições vivem um
1
#
'"bid. p. 125. Por outro lado. podemos reconhecer a existência de um "socialismo de limáo". em que o Estado adquiri
indústrias em falência absorvendo os seus custos. O próprio facto de as industrias nacionalizadas se encontrarem quase
sempre em péssimo estado quando sáo adquiridas significa um índice elevado de fracasso e p6ssima qualidade de pres-
tação de serviços e de produtos. Isto 6 muito utilizado como argumento contra o socialismo em geral. Obviamente. e
um processo de raciocinio um tanto ou quanto circular
Vide Bernstein, Basil (1977). Class. CodesandControl, volume 3, London: Routledge & Kegan Paul.
46 Neste contexto. a discussáo de Randall Collins relacionada com o mercado de credenciais 6 adequada. Vide. Collins.
The Credential Society. Para uma abordagem sobre o posicionamento efectivo deste grupo dentro da estrutura de
classe. vide Walker. Pat (ed.) (1979). Between Laborand Capital, Boston: South End Press.
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado 3
L- Vide a interessante discussão sobre a educacao em Wise, Arthur E. (1979). Legislated Learning, Berkeley. University of
Cafifornia Press.
107
pela intervenção do Estado, aparentemente menos dispendiosa (se com-
parada com o valor económico da acumulação do capital e do próprio
compromisso do Estado).
É muito importante compreender que tal quadro de intervenção,
quando examinado mais detalhadamente, não traduz um processo neu-
tro em termos da distribuição de benefícios. Tal como salientou Vicente
Navarro na investigação sobre os efeitos da intervenção do Estado em
duas das áreas sociais anteriormente mencionadas - mais concreta-
mente, a da saúde e a da inflação -, o padrão de privilégios gerado por
tais programas tem beneficiado consistentemente os 20% mais favoreci-
dos da população, muitas vezes à custa dos 80% mais desfavore~idos~~.
Este mesmo padrão - o Estado intervém assegurando a produção, a
legitimação e a acumulação, atenuando ainda os efeitos mais nefastos
causados pela "má distribuição" -, em que os benefícios se dirigem
desproporcionalmente para aqueles que controlam a acumulação de
capital económico e cultural, verifica-se também no campo educativo.
O Estado actuará também paliando os resultados negativos criados,
quanto mais não seja para manter a pópria legitimidade. Ao definir
grandes grupos de crianças como desajustados (lentidão na aprendiza-
gem, problemas terapêuticos, problemas de disciplina, etc.) e ao con-
ceder fundos e apoio legislativo aos professores ligados ao ensino espe-
cial, para o "diagnóstico" e para o "tratamento", o Estado financia
grandes projectos terapêuticos. Muito embora os projectos referidos
possam parecer neutros, benéficos e orientados para o aumento da
mobilidade, na verdade ajudam a enfraquecer o debate sobre o papel
da escolarização na reprodução das pessoas e do conhecimento "exigi-
dos" pela sociedade. Em parte isto acontece porque se definem as cau-
sas últimas de tal desajustamento como estando inseridas na criança
ou na sua própria cultura e não, digamos, como sendo devidas à
pobreza, conflitos e disparidades sociais gerados pelas hierarquias
culturais, económicas, etc., desenvolvidas historicamente. Esta pers-
pectiva ser-nos-á ocultada pelo pressuposto de que as escolas são
fundamentalmente organizadas como agências de distribuição e não
como, pelo menos em parte, importantes agências do processo de
acumulação.
bs Navarro, Vicente (1976). Medicineunder Capitalism. New York. Neale Watson Academic Publications, p 91
Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado 5
'
I ticas educativas e curriculares conscientes. Em segundo lugar, é muito
difícil imaginar que pudesse ser de outra forma, face a conjuntura insti-
tucional em vigor. Tal processo traduz uma "justificação estruturalJ1e
não a planificação consciente e manipulada de uns quantos capitalistas.
Nem tão-pouco vou argumentar a favor de um determinismo tecno-
lógico, em que as forças do conhecimento técnico expulsam das nossas
' Apple, The New Sa;o/ogy o f Education Analyzing Culiural and Economic Reproduction; e Apple, Michael (1980).
"Analyzing Deterrninations: Understandingand Evaluating the Production of Social Outcomes in Schwls", in Curriculum
hquiiy X. pp. 55-76.
produção de mercadorias culturais podem ser obtidas no mesmo
momento histórico. Paralelamente a esta questão, a escola pode ainda
actuar como importante legitimadora da ordem social existente.
Com efeito, o quotidiano dentro da "caixa-negra" do sistema educativo
"assegura os valores meritocráticos que fundamentam a distribuição de
recompensas diferenciadas e ainda a separação entre i(sucedidos"e "fra-
cassados" providenciando lições constantes de desigualdade so~ial"~'.
Assim, as práticas pedagógicas e curriculares usadas para organizar o
dia-a-dia na maioria das escolas - o currículo diferenciado, as práticas
de grupo, o currículo oculto - assumem, efectivamente, uma grande
responsabilidade ao permitirem que os estudantes interiorizem o fra-
casso, entendendo o processo de classificação como uma problemática
"individual". ("A culpa é minha. Se eu me tivesse esforçado mais.)" Para
um grande número de estudantes, o rótulo de desajustados que Ihes é
afixado pela escola, por expressarem a sua própria cultura vivida, trans-
formá-los-á, efectivamente, em desajustados. Dito de outro modo, e de
acordo com as palavras de Goffman, o seu trajecto moral é tal que eles
viverão (n)o papel que Ihes confere o rótulo53.
i Ollman. Bertellí1971) "Alienation". New York: Cambridge University Press; e Wright, Erik Olin (1979) Class Structure
and Incorne Determination New York, Academic Press.
complexo de lutas e conjunturas contraditórias. É uma descrição que
deve ser complementada por análises historicamente orientadas
de mediação e contradição, nas palavras de Willis, de penetrações e de
limita~ões~~.
Assim, tal como me esforcei para o demonstrar, admito que o que aqui
apresentei foi apenas um esboço, inadequado sob vários aspectos.
As metáforas de que me socorri para tentar esclarecer as razões estrutu-
rais que justificam a existência de «X» (neste caso específico, como
tipos particulares de escolas e de desajustamento) podem encaminhar o
nosso raciocínio para prismas claramente deterministas. Podem, inclu-
sivamente, aproximar-nos muito das teorias da escolarização do tipo
"caixa-negra". No entanto, e muito embora tenha passado os últimos
anos a opor-me profundamente contra as abordagens economicamente
mecanicistas e de correspondência simplista que tentam explicar o que
as escolas fazem57,não significa que ignoremos as relações das escolas
com o meio económico de produção onde se inserem. Associar as práti-
cas pedagógicas, curriculares, de atribuição de rótulos e de orientação
educativa existentes nas escolas com os processos de acumulação e de
controlo do capital económico e cultural, embora necessariamente não
tão enraizada no dia-a-dia das escolas quanto alguns de nós gostaríamos
que estivesse (ou, na verdade, não tanto quanto me tenho habituado), é
pelo menos um passo inicial para uma análise mais generativa sobre o
papel das escolas na nossa ordem pouco ou nada meritocrática.
Finalmente, não devemos ficar pessimistas devido a estas análises.
Na verdade, "existem" contradições, que emergem directamente do pro-
cesso que acabei de descrever, que podem e necessitam de ser conve-
nientemente exploradas. Por exemplo, o crescente papel desempenhado
pelo Estado no processo de produção cultural e económica significa que
tais intervenções se colocam na esfera "política" e podem, potencial-
mente, transformar-se em conflitos políticos e não meramente técni-
cos5< Nesta conformidade, isto pode criar uma oportunidade para um
maior debate, uma maior acção colectiva, mais educação política, etc.
Esta questão, quando associada à tendência explícita orientada para o
que Wright denominou por "proletarização" dos trabalhadores do
1 -
:' Castells. The Econornic Crisi and Arnerican Society, p 57
"O capital deve desenvolver as forças produtivas para poder continuar
a sua acumulação. Contudo, as condições sociais hndamentais para o
desenvolvimento das forças produtivas são, cada vez mais, antagóni-
cas com as relações sociais capitalistas. Uma vez que o capital molda
a sociedade, o Estado é utilizado, cada vez mais, como u m mecanismo
básico para absorver, diluir e regular as contradições decorrentes do
processo de acumulação. Todavia, o Estado não é u m aparelho puro
de regulação capitalista. Expressa as contradições da sociedade e deve
também desempenhar funções que legitimem os interesses dominan-
tes, integrando as classes dominadas no sistema. A crescente interven-
ção do Estado no apoio a lógica capitalista em todas as dimensões da
vida social e económica 'fragiliza as bases da sua própria legitimidade'
como representante do interessegeral.'"'
Ibid., p. 58 Destaque meu. Neste caso. Castells 6 um pouco economicista. No entanto, os argumentos que expóe são
ainda assim persuasivos.
" Carnoy, Martin; Shearer. Dereck (1980). Econornic Dernocracy. New York: M. E. Sharpe. p. 232.
Conhecimento técnico. desajustamento e o Estado
" Citado por Lillian Rubin (1976). Words o f Pain. New York. Basic Books. p 9
118
--,
Introdução
No capítulo anterior, ao tratar a cultura como parte de um processo
amplo de mercantilização e acumulação, examinei não só as formas
através das quais o sistema educativo produz determinados tipos de ,
conhecimento que são acumulados e utilizados na esfera económica,
como também o modo como a sua função política, por vezes, comple-
menta e contradiz esta questão. Por outro lado, alertei para o facto de
não podermos assumir que existe necessariamente uma correspondên- 1
cia bem sucedida entre o que são as necessidades das empresas, em ter- 3
1. limitações estruturais;
2. selecção;
3. reprodução/não-reprodução;
4. limites de compatibilidade funcional;
5. transformação;
6. mediação.
Esta questão pode ser ainda mais detalhada: até que ponto qualquer
estrutura institucional como a escola ou o local de trabalho pode variar
(um exemplo de limitação estrutural); mecanismos como padrões de
financiamento, apoio económico e político, e intervenções estatais
excluem determinadas decisões possíveis (um exemplo de selecção);
quais são os aspectos funcionais de um conjunto de instituições ou rela-
ções para a recriação básica de, por exemplo, um modo de produção ou
de uma prática ideológica (um exemplo de reprodução/não-reprodução);
quais os aspectos das estruturas institucionais e das práticas culturais
que não são meramente reprodutivos mas genuinamente contraditórios
(um exemplo dos limites de compatibilidade funcional); quais são os
processos que se inserem e contribuem para a interacção e modelação
destes elementos, tais como a luta de classes (um exemplo de media-
ção); e, finalmente, que acções e lutas concretas têm vindo a alterar, em
aspectos muito importantes, tais instituições e processos (um exemplo
de transformação)? Neste capítulo, e perante este conjunto de relações
que nos permitem ir muito mais além das analogias permitidas pelos
espelhos anteriormente referidos, abordarei duas delas - mediação e
transformação - utilizando-as para começar por compreender algumas
das possíveis complexidades associadas com o currículo oculto e com a
cultura, enquanto experiência vivida, não mercantilizada.
Salientei, no primeiro capítulo, que a literatura tradicional relacio-
nada com o currículo oculto se tem orientado por uma visão claramente
redutora da socialização. As debilidades conceptuais da referida aborda-
gem (será que uma perspectiva unidireccional em torno da socialização
é uma metáfora adequada para esclarecer o que efectivamente sucede
nas escolas?) levam ao questionamento do seu predomínio. Ainda assim,
---
'Registo aqui o meu agradecimednto a Erik Olin Wright pelo debate das seis formas de determinaçáo que se encontram
no seu livro Ciass, Crisi5 a n d the State, London New Left Books (19781, pp 15-29 A analise efectuada por Wright e
mais complexa teoricamente, do que a aqui efectuo, sobretudo no que respeita ao tratamento dos paoeis que o Estado
e as crises ideologicas e econ6micas desempenham nos referidos processos de determinaçáo
tal como teremos oportunidade de verificar com maior detalhe no pró-
ximo capítulo, é igualmente importante a questão empírica. Será uma
descrição fiel da realidade? Será que os alunos interiorizam sempre,
inquestionavelmente, estas normas e princípios? Uma das formas de se
esclarecer esta problemática é realizar uma abordagem de trás para a
frente, começando pelos locais onde as pessoas trabalham.
Mde Poulantzas, Nicos (1975). Classes in Conternporary Capitabsm, London New Lefi Books, e Bridges. Arny B (1974).
"Nicos Poulantzas and the Marxist Theory of the State", Politio and Society IV. pp 161-190
O o u t r o l a d o d o currículo oculto -
Braverman, Harry (1974). Labor a n d Monopoly Capital New York: Monthly Review Press.
Montgomery, David (1976) "Workers control of machine production in the nineteenth century" Labor History XVII,
pp. 485-509
' Burawoy, Michael (1979). "Toward a Marxist Theory of the Labor Process. Braverman and Beyond", Politics andSoc~etyVIII
(3.4). p 5, cópia policopiada. Os elementos básicos da administração científica eram realmente muito simples, podendo ser
tratados de acordo com quatro principias básicos (1) Deveria existir uma planificação e um mapa centralizados correspon-
dentes a cada uma das sucessivas fases de produção (2) Cada operação distinta deveria ser sistematicamente analisada e
decomposta em elementos ou tarefas mais simples. (3) No desempenho das suas tarefas. cada trabalhador(a) deveria ser
submetido(a) a uma instrução e supervisão detalhada. (4) Os pagamentos de salários deveriam ser planificados prudente-
mente, de forma a influenciar os trabalhadores a fazerem aquilo que a planificação e supervisão centralizadas Ihes ensina a
fazer Vide Montgomery. David (1979). Worken Contml in Arner~ca,New York, Cambridge University Press, p 114 Para
uma abordagem mais detalhada sobre a relação pessoal de Taylor com a administração científica. wde Nelson. Daniel
(1980). Freaerick W TaylorandSc~entificManagement, Madison University of Wisconsin Press
Este tipo de análise é u m importante contributo essencialmente
devido a "desmistificação" realizada por uma série de pressupostos
defendidos por muitos educadores, analistas políticos, etc. Particular-
mente, serve para levantar importantes questões relacionadas com a
assunção de que existe uma ampla tendência histórica em ordem a ele-
vação do nível de destrezas nas ocupações industriais da economia.
Defende Braverman que é igualmente correcto verificar o oposto desta
questão. Podemos observar a expropriação capitalista da destreza e do
conhecimento, a racionalização do local de trabalho e a centralização
crescente do controlo do trabalho, de forma que todas as decisões
importantes sejam tomadas longe do local de produçãoi.
No entanto, Braverman vê também algo mais, que ajuda a completar a
história. A medida que o processo de desqualificação - ou o que pode ser
denominado por degradação do trabalho - prossegue, os trabalhadores
vão perdendo continuamente poder. Muito embora este aspecto nem
sempre seja coroado de êxito, a medida que a lógica e o poder capitalis-
tas penetram, cada vez mais, em determinados aspectos das suas vidas e
instituições, os trabalhadores tornam-se meros apêndices do processo
de produção. Em última análise, confrontam os frutos do conhecimento
originalmente gerado em parte pelo aparelho educativo e pelo uso do
taylorismo e da gestão científica, pelas técnicas de relações humanas ou,
finalmente, pela ameaça da autoridade. Perante tudo isto, pouco podem
fazer os trabalhadores. Os trabalhadores, surpreendidos pelas teias do
capital, são relativamente passivos, obedientes e trabalham duramente.
A lógica salarial substitui a capacidade e o controlo até então exercidos
pelo trabalhador.
Muito embora Braverman não se refira explicitamente a isto, o currí-
culo oculto diferenciado da escola tem servido para preparar convenien-
temente os trabalhadores, dado ser essa a lógica incontornável do con-
trolo capitalista, devemos contar com o facto de os trabalhadores
necessitarem de normas e princípios específicos para operarem adequa-
damente na hierarquia do mercado de trabalho. Necessitarão de hábitos
que contribuam para o fluxo sereno e racional da produção. Terão de
obedecer a autoridade do "perito". Não necessitarão de ter qualquer tipo
de compromisso colectivo, nem a menor espécie de concepção sobre
determinada profissão, criatividade ou controlo.
.
Ibid pp 33-34
'Ibid p 34 -
'OIbid, p 40 Vide tarnbbm a analise sobre o "fracasso" do taylorismo em Noble. David (1977). America by Desiqn, New i1
York Alfred A Knopf i1
" Montgomery, David (1979) Workers' Control in America p 24 ' 11
128 cc
1
O outro lado do curriculo oculto
CCPP-EP-09
-
estático que existiu e que, posteriormente, numa determinada fase, dei-
xou de existir. Pelo contrário, foi e é uma luta contínua, a qual tem
assumido uma "multiplicidade de formas"15.
Uma comprovação parcial das questões que aqui levanto - de que os
trabalhadores, aos mais variados níveis, resistiram e têm, frequente-
mente, resistido, de uma forma subassumida, que não são inteira e ver-
dadeiramente socializados para serem operacionais obedientes, tal
como pretendem deixar transparecer as teorias de correspondência -
pode ser encontrada na literatura sobre controlo burocrático. Esta
questão surge resumida num trabalho recente de investigação, condu-
zido por Daniel Clawson, sobre o aumento dos mecanismos burocráti-
cos no local de trabalho. Após uma extensiva revisão em torno das
investigações relacionadas com o tema em questão, Clawson destaca
que o rápido crescimento dos controlos burocráticos comprova a luta
levada a cabo pelos trabalhadores das fábricas e escritórios. Com efeito,
se todos os trabalhadores fossem obedientes, respeitassem a autoridade,
se trabalhassem tão arduamente quanto pudessem, se não "levassem
consigo materiais que não Ihes pertencem" e se fizessem sempre tudo o
que a administração pretende que façam, não seria necessário pagar os
enormes custos que advêm de uma supervisão e controlo burocráticos e
hierarquizados16.
Tal perspectiva é largamente reiterada por outros investigadores,
muito embora se corra o risco de uma sobrevalorização. Por exemplo,
um determinado número de autores têm defendido que a burocratiza-
ção crescente do local de trabalho não só deve ser vista como uma res-
posta aos esforços dos trabalhadores em manter um determinado con-
trolo, como também o próprio controlo burocrático, frequentemente,
tem gerado ainda mais conflito.
Richard Edwards retrata esta questão muito bem:
"hsim, o controlo burocrático tem criado, entre os trabalhadores
americanos, i m m o descontentamento, insatisfação,indignação, frus-
tração e aborrecimento com o trabalho. Não precisamos de inumerar
aqui os muitos estudos que medem a alienação: o célebre relatório
' 5 1 b ~ dp.. 10
l6 Clawson. Daniel (1978) "Class Struggle and the Rise of Bureaucracy" Tese de doutoramento (policopiada) State Un.-
versity of New York at Stony Brook A relaçáo estabelecida entre o crescimento da administração burocrática e o cor
trolo do trabalho surge também bem documentada no trabalho de Clawson A este propósito vide, também. Edwara
Richard (1979). Contested Terra~n,New York Basic Books
O outro lado do curriculo oculto
'O Ibid
" Benson. Susan Porter (1978) "The Clerking Sisterhmd Rationalization and the Work Culture of Saleswornen in Arnerican
Department Stores . RadcalAmerica XII. 41 A ênfase 6 da minha responsabilidade
O outro lado do curriculo oculto
Aronowitz, Stanley (1978) "Marx. Braverman and the Logic of Capital'; Jhe Insurgent Sociologat VIII. p 142
Citado por Aronowitz "Marx. Braverman and the Logic of Capital'. p 142 Vide tambem Packard. Steve (1978).
SIeelmill Blues, San Pedro. California Singlejack Books. e Theriault. Reg (1978). Longshoring on the San Francisco
Waterfront, San Pedro, California Singlejack Books
Para dizer o bastante, aqui está um exemplo fantástico de que o capi-
tal não controla completamente os trabalhadores. A vida cultural não
retratada no seio da fábrica e o poder de cooperação dos trabalhadores
permitem um controlo significativo da parte dos trabalhadores sobre as
normas relativas ao lucro, a autoridade e a produtividade desejadas pela
entidade patronalz4.
Frequentemente, e tal como pudemos verificar, a resistência anterior-
mente referida tem optado por perspectivas claramente economicistas.
As greves surgem reivindicando questões relativas aos salários e benefí-
cios sociais e não propriamente como mecanismo para ganhar mais
controlo e poderz5. Obviamente que em determinadas indústrias - como
por exemplo nas minas de carvão - a prática de manifestas formas de
resistência é ainda mais explícita. Além disso, manifestações explícitas
ou formalmente organizadas de resistência (ou mesmo, por vezes, uma
ausência relativa de tais manifestações) não são tão significativas para a
análise que realizo como as manifestações de resistência informal ao
controlo, no local da produçãoz6.
De facto, e tal como destaca Nobel, ao invés de nos encontrarmos
sujeitos à força motriz imposta pelo capital, por um lado, e à impotên-
cia e desespero total, por outro, deparamo-nos, novamente, com exem-
plos opostos, ocorridos ao nível das práticas informais. Assim, por
exemplo, ao longo dos anos foram-se desenvolvendo novas tecnologias
na indústria metalúrgica com o propósito claro de aumentar a produ-
ção e desqualificar ocupações. Desta forma, a taxa de acumulação do
capital aumentaria de duas formas - mais mercadoria vendida e menos
salários a pagar aos trabalhadores, que agora apenas se limitam a "car-
regar em determinados botões". Nas últimas décadas, uma das tecnolo-
gias mais significativas relaciona-se com o desenvolvimento do con-
trolo numérico. Muito resumidamente, o controlo numérico garante
que as especificações de uma determinada peça que está prestes a ser
produzida na máquina reduzem-se a uma representação matemática
dessa mesma peça. Desta forma, tais representações são elas próprias
- - Noble. David (1979). "Social Choice in Machine Design" (artigo não publicado). p. 1 1
muitos contratos colectivos de trabalho. Deste modo, para lidar de
forma eficaz com as dinâmicas inerentes a automatização, devemos
atacar outro dos ingredientes essenciais do sindicalismo empresarial:
a ideia implícita na expressão 'deixem os gestores administrar a
empresa: A introdução deste equipamento [de controlo numérico]
obriga a um combate de tais ideia^.'''^
Mulheres no trabalho
Até agora - e a fim de esclarecer se a literatura em torno da questão
do currículo oculto perspectiva correctamente a correspondência entre
o que é pressupostamente ensinado às crianças da classe trabalhadora
nas escolas e o que é ('exigido" na sua participação posterior num mer-
Ibid , p 48
.
Ibid pp 45-46
O outro lado d o curriculo oculto
Montgomery, Workers' Control of Machine Production in the Nineteenth Century. pp. 500-501
" Vide Rothman, Shela (1978). Wornan's Proper Piace, New York Basic Books; e Altbach, Edith (1974). Women in
Arnerfca, Lexington: D. C Heath.
plesmente recusadas ou informalmente contestadas. As vendedoras,
quando arranjam uma montra, propositadamente fazem-no de forma
descuidada ou de uma forma "excêntrica". Enquanto grupo, podem
recuperar as horas que a administração lhes extraiu com horas extraor-
dinárias durante a hora de almoço. Ou mesmo, podem explicitamente
1 confrontar a autoridade da administração, por exemplo, ignorando
propositadamente os requisitos impostos pelos códigos da loja de ves-
tuárid2.
Por norma, as contraposições da cultura do trabalho vão muito mais
longe. Dado que grande parte do trabalho das vendedoras é directa-
mente com o público e dado realizar-se nas lojas, implicando não só um
afastamento da administração como um contacto directo com as pes-
soas, muitas das vendedoras desenvolvem mecanismos habilidosos
como forma de ripostar a hostilidade e abusos de autoridade por parte
da administração. As vendedoras podem com toda a naturalidade emba-
raçar um cliente ou o gerente da loja em frente de um superior ou de
um cliente importante. Além do mais, a solidariedade contra as directri-
zes e controlo da administração era repetidamente reforçada com san-
ções informais. Uma vendedora que viole a cultura do trabalho pode,
com toda a naturalidade, encontrar a mercadoria da sua secção total-
mente desarrumada. As canelas podem ser golpeadas pelas gavetas. E tal
como acontece com os gerentes da loja, também a transgressora pode
ser embaraçada à frente de clientes ou dos órgãos da admini~tração~~.
Tudo isto não abona em nada a imagem de trabalhadoras que interiori-
zam e respeitam os imperativos das normas e dos valores impostos pela
ideologia da administração.
Em muitas lojas, a resistência e o compromisso colectivo vão ainda
mais longe. A cultura do trabalho na secção de vendas desenvolveu
importantes formas de controlar o ritmo e o significado do trabalho, as
quais reflectem as formas que encontrámos na análise inicial que tive
ocasião de efectuar sobre o dia-a-dia numa loja. Tal como na fábrica,
onde os trabalhadores encontraram formas que provocassem efectiva-
mente uma transformação, recusa ou oposição aos requisitos exigidos
pela administração, também os trabalhadores e trabalhadoras com
empregos em escritórios desenvolveram uma determinada cultura de q'
I
'' Benson, The Clerking Sisterhood, p. 49.
'' Ibid.
O outro lado do currículo oculto A
Contra o romantismo
Neste capítulo, procurei reunir um conjunto de contra-exemplos no
sentido de demonstrar a parcialidade das análises sobre o currículo
oculto nas escolas. Defendi que as teorias da correspondência - mesmo
que desenvolvam u m sofisticado instrumento etnográfico e estatístico
para descobrir o que as escolas efectivamente ensinam - "dependem da
exactidão" da análise que efectuam ao processo de trabalho. Contudo, o
uso exclusivo da metáfora da reprodução leva-as a aceitar a ideologia
capitalista (ou seja, os trabalhadores são sempre orientados pela relação
salarial, pela autoridade, pela planificação efectuada pelos peritos, pelas
normas de pontualidade e produtividade) como a descrição efectiva do
que acontece fora da escola. Quando a metáfora da reprodução surge
complementada por investigações que descrevem outros modos de
determinação, como a mediação e transformação, etc., e quando exami-
namos a organização e controlo efectivo do processo de trabalho,
encontramos um quadro bem diferente em aspectos importantes da vida
do dia-a-dia daquele que esperaríamos encontrar.
Em vez de um processo de trabalho totalmente controlado pelos per-
gaminhos ideológicos, técnicos e administrativos do capital, em vez de
estruturas rígidas e implacáveis de autoridade e de normas de pontuali-
dade e obediência, verificamos uma complexa cultura do trabalho.
Tal cultura providencia condições importantes para a resistência do tra-
balhador, para a acção colectiva, para o controlo informal do ritmo de
trabalho e das destrezas e para a reafirmação da própria humanidade.
Nos contra-exemplos aqui descritos, homens e mulheres trabalhadores
O outro lado do currículo oculto a
'Uma análise mais pormenorizada das instituições como se fossem caixas-negras pode ser venficada em Apple. Michael
(ed.) (1 982). Cultural and Economic Reproduction in Education, London: Routledge & Kegan Paul
" Brecher. Jererny (1978). "Uncovering the Hidden History of the American Workplace" Renew of Rad~calPolitical
EconornicsX. 3
'a Castells, Manuel (1980). The Econornic Crisis and American Society. Princeton Princeton University Press. p. 48.
/ E importante recordar que tais formas de resistgncia mudar20 com o tempo, dependendo todavia da alteração das con-
diçòes materiais e ideológicas
quer ideológicas quer económicas, revelando um potencial transformador,
precisamos de recordar constantemente que o poder "é" frequentemente
desigual nas fábricas, nos escritórios, nas lojas e nos grandes estabeleci-
mentos. Na realidade, a luta e conflito podem existir; contudo, isso não sig-
nifica o seu êxito. O êxito é determinado pelas limitações estruturais e
pelos processos de selecção que ocorrem no nosso dia-a-dia.
Há elementos poderosos dentro e fora do processo produtivo que mili-
tam contra um determinado sentido de colectividade e que exacerbam a
ideia de isolamento e passividade. A "organização da produção em
cadeia", em que as linhas de montagem espalham os trabalhadores pelo
amplo interior das fábricas (e agora em muitos escritórios), é disso
exemplo evidente3'. Esta questão surge associada às distinções de esta-
tuto e de nível no seio do local de trabalho, de modo que mesmo em
zonas marcadamente diferentes da fábrica - por exemplo, nos hospitais
- "existem, com frequência, imposições contra a camaradagem entre
39EhrenreichJohn: Ehrenreich Barbara (1976). "Work and Consciousness", h R. Baxendall et a/. (eds ). Technology, rhe
Labor Process and the Workfng Class. New York: Monthly Review Press. p. 13.
" Ibid., p 14.
" Relacionado com a criacão de um individuo abstracto como forma ideologica. vide Apple, Michael (1978). Ideology and
Form in Curriculum Evaluation". in George Willis (ed ). Oualitative Evaluarion, Berkeley McCutchan. Apple, Ideology
and Curriculum, Williams. Raymond (1961). The Long Revolution. London Chatto & Windus, e Lukes. Steven (1973).
hdiv~dualism,Oxford Basil Blackwel
O outro lado do currículo oculto *
'' Brecher "Uncovering the Hidden Hirtory of the American Workplace". pp 7-14.
6' A literatura relacionada com a criação e recriação da hegemonia ideológica tem-se tornado muito extensa e 6 obvia-
mente essencial para esclarecer esta questão. De entre as análises mais recentes que podem ser úteis a adordagem
desta questão encontram-se: Williams. Raymond (1977). Marxism and Literature New York: Oxford University Press.
Williams. Raymond (1975). Teievision: Technology and Cultural Form. New York: Schocken; Wright, Will (1975) 51.-
guns and Society Berkeley University of California Press; Connell, R. W 11977).Rukng Ciass, Ruling Culture New York.
Cambridge University Press, Centre for Contemporary Cultural Studies. (1977). On ldeology Working Paper in Cuitural
Studies X. Birmingham. Univer<ty of Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, Brenkman. John (1979)
Mass Media. Froin Collective Experience to the Culture of Privatization, Social Text, 1. pp 94-109; Aronowitz, Stanley
(1979). "Film - The Art Form of Late Capitalism. Social Text 1, pp. 110-29: Jameson, Frederic (1979). Refication and
Utopia n Mass Culture". Social Texl 1, pp 130-48. e Gitlin, Todd "Television's Screens: Hegemony in Transition". ~n
Aple (ed.), Cuiturai and Economic Reproduction in Education.
O outro lado do currículo oculto -
I
pelas quais a cultura do trabalho pode mediar as pressões e a ideologia
da administração podem virar-se contra os próprios trabalhadores. Esta
questão é muito importante.
A título de exemplo, em algumas fábricas os operários "reapoderam-
-se" do tempo e do controlo utilizando as máquinas na criação de objec-
tos inúteis, embora por vezes complexos, "para benefício próprio". Ou
encontram formas de fazer jogos complicados entre eles, usando as
máquinas. Muitas vezes a gerência tem conhecimento quer dos jogos
quer da elaboração de tais objectos, no entanto, não intervém, dado que
tais eventos mantêm os operários ocupados e felizes no local trabalho
não prejudicando muito, e de forma geral, a produção. Em essência, a
resistência dos operários à monotonia e ao controlo técnicoladministra-
tivo "e" as suas próprias formas culturais vividas produzem aquilo que
Michael Burawoy denominou por fuga ~tópica'~. O ócio é definido como
1 ocupando o tempo fabricando objectos inúteis; toma-se na ausência de
I umtrabalho significativo sério. A luta no local de trabalho transforma-
-se, pelo processo de produção individual de mercadorias, na prática de
jogos de diversão. Muito embora, neste caso específico, o Iúdico possa
ser culturalmente criativo - e esta questão não pode ser de todo mini-
mizada -, em última análise, o efeito contraditório pode ser o de conti-
nuar a despolitização da relação entre o trabalho das pessoas, os produ-
tos, o processo e o controlo da produção.
Deste modo, e tal como tenho defendido, a questão que se deve colo-
car é se as referidas normas e práticas, relativamente autónomas, de
resistência existem, onde, quando, e como, "especificamente", podem
acabar por ser contraditórias, provavelmente reforçando inclusive as
rubricas ideológicas e económicas de uma forma ainda mais pro-
) funda.4RNão será fácil responder a esta questão; todavia, sem a formu-
larmos não podemos entender nem o currículo oculto nem o processo
de trabalho.
A procura de uma compreensão deste tipo exige, no mínimo, que
consideremos com mais seriedade a ideia de que a esfera cultural não
se reduz totalmente a económica. Paul Willis comprova esta questão
de uma forma esplêndida, desafiando a tendência dominante na
A9 Will~s,Paul (1979). "Shop Floor Culture, Masculinity and the Wage Forrn". in John Clarke. Chas Critcher & Richard
Johnson (eds.). Workhg Class Culture. Studies in Historyand Theory. London: Hutchinson. p. 187.
O outro lado do currículo oculto -
Acção educativa
Estes argumentos podem parecer muito desfasados da realidade prá-
tica da sala de aulas e da actividade curricular. Além do mais, o debate
académico sobre questões conceituais e justificações empíricas relacio-
nadas com o currículo oculto, em parte, não passa disso mesmo - um
debate académico sobre como interpretar o que acontece nas escolas.
Todavia, e não obstante a comparação entre aquilo que acontece nas
escolas e os supostos efeitos (ou relação) com o que acontece fora
delas, há, na verdade, uma série de aspectos que necessitam de ser
compreendidos. Como tive ocasião de afirmar atrás, existem relações
bem vincadas e explícitas entre a concepção e a acção. Tal como frisei
na ocasião, uma visão que admite uma degradação efectiva do trabalho
aceita involuntariamente, numa plataforma conceptual, a ideologia
capitalista que, no plano político, pode levar ao cinismo ou ao pessi-
mismo relativamente às possibilidades de sucesso de qualquer acção,
quer no campo socioeconómico, quer na escola. Ou, então, pode-nos
fazer esperar por u m cataclismo que, repentinamente, transforme
tudo. Qualquer das hipóteses conduz-nos, em última instância, à inac-
tividade.
Tendo tudo isto em consideração, regressemos à postura pessimista
que destaquei inicialmente neste capítulo. Tal reitera que as escolas não
podem ser mais que meros espelhos reprodutivos. Por esse motivo, qual-
quer acção no seu seio está, a partida, condenada ao fracasso. Se a análise
que formulei se encontra correcta - ou seja, que em quase todas as situa-
ções de trabalho há elementos de contradição, resistência e autonomia
relativa que têm um potencial transformativo - então, o mesmo se aplica
em relação às escolas. Se ignorarmos estas instituições, negligenciamos
algo de pertinente e que, aliás, devo retomar no capítulo quinto, ou seja,
o aspecto elementar que é o facto de milhões de pessoas se encontrarem
a trabalhar nelas. Devido à sua posição estrutural na qualidade de funcio-
nários do Estado, as condições de trabalho podem levá-los a iniciar uma
avaliação séria do poder e do controlo na sociedade. A medida que
aumenta a crise fiscal do Estado, à medida que as condições dos funcio-
nários do Estado se tornam mais instáveis devido à "crise de acumula-
ção", à medida que o trabalho educacional invade, cada vez mais, as áreas
política e económica, tal como prevejo que de facto irá acontecer,
aumenta também a possibilidade de uma determinada acção organizada
a u t o c o n ~ c i e n t e Mesmo
~~. ao nível do trabalho informal, a cultura de
trabalho dos professores (que, sem dúvida, existe, como o comprova a
minha experiência pessoal) pode ser utilizada com fins educativos. Pode
ser empregue num processo de educação política, utilizando os seus pró-
prios elementos como paradigmas da possibilidade de reconquistar, nem
que seja de uma forma parcial, o controlo sobre as condições do próprio
trabalho, clarificando as determinações estruturais que estipulam os
limites a actividade pedagógica progressista51.
Contudo, a acção deve ser levada a cabo não apenas no longo e lento
processo que habilita os professores a compreenderem a sua situação. Há
também uma enorme necessidade de acção curricular. Neste caso, não
acrescentarei muito mais ao que já foi referido por outras pessoas que
tiveram que lutar muito e arduamente para introduzir, nas escolas,
material controverso, honesto, racial, sexual e economicamente progres-
sista5'. Se encontramos resistências, se mesmo apenas numa plataforma
informal encontramos homens e mulheres nas empresas, fábricas e
outros lugares lutando pela manutenção dos seus conhecimentos, huma-
nidade e dignidade, então a acção curricular pode ser "mais" importante
do que supomos. Com efeito, os estudantes necessitam de ver a história e
a legitimidade destas lutas. O ensino da verdadeira história do trabalho,
organizado em torno das normas de oposição geradas por homens e
mulheres que resistiram ao currículo oculto, pode, neste caso concreto,
constituir uma estratégia efectiva para a acção educativa. Tal como nos
recorda Raymond Williams, o triunfo sobre o que ele denominou por
"tradição selectiva" é essencial para uma prática emancipatória actual"53.
De qualquer modo, tudo o que perdemos devido a tradição selectiva
pode ser constatado na seguinte citação de Montgomery:
"Os trabalhadores não só resistiam persistentemente aos esforços da
entidade patronal no sentido de introduzir cronómetros e pagamentos
de acordo com a produção, 'como frequentemente também formula-
vam as suas próprias contrapropostas' para a reorganização industrial.
Vide O'Connor, James (1978). Jhe Fiscal Crisis o f the State, New York St. Martin's Press; Wright. Eric Olin (1978)
Class, Crisis and the State London: New Left Books. e Castells, Jhe Economic Criws and American Society.
Neste contexto, é muito interessante a andlise proposta por Hinton. Vide Hinton. William (1966). Fanshen, New York:
Vintage
51 A este respeito, devemos destacar. de entre as andlises curriculares mais convencionais. o acentuado relevo que Fred
Newmann coloca nos problemas públicos e programas de acção comunitária. Vide, tambbm, a este propósito. a andlise
que efectuo com Newmann i n Weller. Richard (1977) (ed.), Humanistic Education, Berkeley. McCutchan.
Williams. M a n s m and Literature.
O outro lado do currículo oculto 5
"Neste capítulo, e com o intuito de facilitar a leitura. propositadamente subteorizei a minha análise A nível teórico, as
questões que aqui levanto são parte integrante de um debate mais amplo no seio da análise da relação entre reprodu-
ção cultural e economica. Essencialmente, pretendo reclamar que "não" se trata apenas de uma possibilidade episte-
mológica. mas sim de evidenciar que um grande numero de trabalhadores pode. na verdade, construir formas de
conhecimento alternativas e "relativamente aut6nomas". que não são meramente representações de "categorias
sociais burguesas". Isto acontece mesmo perante o poder do capital económico e cultural das classes dominantes e do
aparelho do Estado nas mais distintas formas. Neste contexto, a minha posição e semelhante as de Willis e Aronowitz,
que se insurgem também contra as tradicionais fórmulas "base-superstrutura" e contra as teorias claramente determi-
nistas de Althusser, a escola da I6gica capitalista e outras. Vide, por exemplo, Willis. Paul (1077). Learning to Labor,
Lexington: D. C. Heath, Willis, Paul (1979). Class Struggle, Syrnbol and Discourse. Artigo não publicado. University of
Birm~ngham:Aronowitz. Mau, Braverrnan and the Logfc o f Capitdl.
O outro lado do currículo oculto i
Podemos descobrir que acontecem muito mais coisas para além das
que se podem constatar à vista desarmada ou para além daquelas que
alguns dos deterministas mais teóricos do currículo oculto nos querem
fazer crer. Se as determinações são entendidas como não reflectindo
propriamente a imagem pura, mas estabelecendo limites contraditó-
rios", que ao nível da prática são, frequentemente, mediados (e podem
"potencialmente" transformar) pela acção informal (e algumas vezes
consciente) de pessoas, então podemos explorar as formas através das
quais tais limites começam agora a ser contestados. No decorrer do pro-
cesso, podemos encontrar espaços em que os limites se dissolvem.
Há poucas coisas que conseguem ser mais nobres que este esforço.
' Gostaria de deixar aqui expresw o meu agradecimento a Geoff Whitty da Universidade de Londres pela ajuda prestada
no esclarecimento dos argumentos desenvolv~dosneste capitulo.
de que não se pode reduzir a esfera cultural a um mero "reflexo" epife-
nomenal da esfera económica facultará a chave para a análise que pre-
tendo efectuar neste capítulo sobre o modo como são vividas as culturas
de classe nas escolas. Além do mais, neste capítulo, quando abordar a
resposta da escola a cultura vivida dos estudantes e as pressões prove-
nientes das esferas económica e política, emergirá, também, e de outra
forma, a questão da autonomia relativa.
A semelhança dos capítulos anteriores, defenderei que a reprodução
social é, em essência, um processo contraditório, não é algo que sim-
plesmente ocorre sem conflito2. Para tal, terei que examinar, de uma
forma empiricamente detalhada, a natureza das contradições que se
encontram ao nível cultural na escola e aprofundarei ainda mais a
minha abordagem sobre as "necessidades" do Estado. Com isto revelarei
como as contradições que os estudantes vivem no dia-a-dia podem aca-
bar por apoiar as ideologias e as instituições que a partida parecem
opor-se, oferecendo simultaneamente condições para a acção.
Finalmente, e à luz da apreciação das contradições no seio da cultura,
da economia e do Estado, analisarei algumas das propostas mais signifi-
cativas para a reforma educativa que surgem como resultado da inter-
venção do Estado na "resolução" de problemas gerados por estas lutas e
contradições - propostas como financiamentos educativos, apoios fis-
cais, etc. Isto permitir-nos-á avaliar até que ponto tais propostas servem
os propósitos pretendidos ou, pelo contrário, se acabam, em última ins-
tância, por servir os interesses da classe dominante na economia e no
Estado e não os interesses dos grupos desfavorecidos para os quais se
dirigem.
Tal como teremos ocasião de verificar, os dois aspectos existentes na
expressão de Althusser, "aparelhos ideológicos de Estado" - a ideologia
e o Estado - serão necessários para tentar entender a escola e as pro-
postas que actualmente se formulam para a reformular. Todavia, tam-
bém aqui a análise apresentada exigirá que abordemos quer a ideologia
quer a classe quer ainda a questão da autonomia relativa de uma outra
'As dificuldades que surgem com os modelos mais economicistas utilizados hoje em dia para descrever este processo de
reproduqao são abordadas com mais detalhe em Apple, Michael (ed) (1982). Cultural and Economic Reproduction in
Education. London Routedge & Kegan Paul. É importante salientar uma questão óbvia, pese embora frequentemente
esquecida. A reprodu(ão cultural e económica não acontece apenas na esfera capitalista. Neste contexto, as questões
mais pertinentes sáo: Que padrões culturais e estruturas sociais e especificas sáo reproduzidos? Para o beneficio de
quem? E até que ponto existe uma consciQncia crítica nos grupos afectados daquilo que é efectivamente reproduzido?
Resistenciae contradi$óes na classe, cultura e Estado
'Aronowitz. Stanley (1979). "Marx, Bravernan and the Logic of Capital". The Insurgent 50c;ologist VIII, pp. 126-146;
Wright. Class, Crisis and the State, capítulo 1; vide também Will~ams.Raymond (1977). Marxism and Literature. New
York. Oxford University Press; Apple, Micbael (1979), Ideology and Curriculum. London: Routlede & Kegan Paul; e ainda
o excelente trabalho sobre algumas das dispares tradiçoes em Centre for Conternporary Cultural Studies (1977).
On Ideology. Working Papers in Cultiiral Studies, 10, Birminghani: University of Birmingharn - Centre for Contemporary
Cultural Studies.
lohnson, Richard (1979). "Histories of Culturellheories of Ideoloqy". in Michele Barrett et a1 (eds.), Ideology and Cultural
Pmduction. New York: St Martin's Press, p 43.
lb1d. p. 75
Resistencia e contradi~õesna classe. cultura e Estado
'Abordei a controvérsia culturalista/estruturalista e o seu infeliz impacto na investiga@~educativa em: Apple. Michael, i
Cultural and Economic Reproduction in Education A analise de Richard Johnson sobre esta cesura é exemplar Mde.
1
Johnson. Histories of Culture, Theories of Ideology f
Desta forma, e no que se segue da discussão que aqui apresento, pre-
tendo fazer uma análise sobre as possíveis formas através das quais
podemos integrar tais elementos numa abordagem coerente que conti-
nue a superar as teorias mecanicistas de determinação. Socorrer-me-ei
de uma série de estudos interessantes, em particular da investigação de
Paul Willis, que se encontra no seu livro Learning to L U ~ O UaPanálise
,
de Robert Everhart sobre uma escola secundária norte-americana que
se encontra no seu livro The In-Between Yearsge ainda a investigação de
Angela McRobbie sobre meninas da classe operária nas escolas1". Tais
trabalhos facultam uma base importante a partir da qual podemos ques-
tionar a relação entre as características internas das escolas, a cultura
vivida dos estudantes no seu seio e as necessidades de acumulação e
legitimação as quais as escolas devem responder. Ajudam-nos a esclare-
cer o que acontece, realmente, nas escolas e quais são as verdadeiras
experiências dos alunos. Simultaneamente, providenciam, novamente,
importantes correctivos às abordagens marcadamente deterministas
que alguns de nós, na esquerda, temos vindo a adoptar com relativa
facilidade.
Determinações e contradições
Qualquer pessoa familiarizada com a investigação actual relacionada
com a escolarização e com a desigualdade encontra-se inquestionavel-
mente familiarizada também com o rápido crescimento da evidência de
como as escolas actuam como agentes na reprodução económica e cul-
tural de uma sociedade desigual". Nem tão-pouco há díivida alguma
sobre a existência de um currículo oculto nas escolas que tacitamente
tentam ensinar aos estudantes normas e valores relacionados com o tra-
balho na sociedade desigual1'. Além disso, o argumento que desenvolvi
Willis, Paul (1977). Learning to Labour. How Working Class Kids Get Working Classlobs Lexington: D. C. Heath.
Everhart, Robert (1979). The In-between Years. Student Life in a lunior High School. Santa Barbara: Graduate School of
Education. University of California.
'O McRobbie. Angela (1978). "Working Class Girls and the Culture of Femininity" ln Woman's Studies Group (eds.).
Women Take Issue London: Hutchinson. pp. 96-108.
" Vide, por exemplo, Apple (ed.), Cultural and Economic Reprcduction in Education; Apple, Ideology and Curriculum,
Bowles. Sarnuel, & Gintis. Herbert (1976). Schooling in Capitabt Arnerica, New York: Basic Books, Karabel, Jerome, &
Halsey, A. H. (eds.) (1977). Power and Ideology in Education, New York: Oxford University Press; e Persell. Caroline
Hodges (1 977). Inequaltyand Education, New York: Free Press
" Entre outros. vide, Apple. Michael, & King. Nancy (1977), CurriculumInquiry VI (4). pp 341-358; Jackson, Philip (1967).
Life in Classroorns. New York: Holt Reinhart & Winston; Young. Michael, & Whitty. Geoff (eds.) (1977). Society, 5rale
and5chooling. Guilford. Falmer Press. e Anyon. Jean (1980). "Social Class and Hidden Curriculum of Work", Thelour-
na1 o f Education CLXII, pp. 67-92
Resistência e contradições na classe, cultura e Estado +
" Parauma abordagem mais alargada sobre como, inclusivamente, algumas das análises que se centram na contradiçSo
não revelam significativa profundidade vide, Wexler. Philip, "Structure, Text and Subject a Critical Sociology of School
Knowledge", m Apple (ed.), Cultural and Economic Reproduction in Educatfon.
pontualidade, asseio, obediência e outras normas e valores de raiz mais C
económica. A verdadeira missão dos alunos é sobreviverem até ao toque
da campainha14. 4
Assim, a exemplo do local de trabalho, qualquer teoria do papel da ii
escola na reprodução económica e cultural deve reconhecer a rejeição R
por parte de muitos estudantes das normas que orientam a vida escolar. si
Na verdade, a referida rejeição dos currículos oculto e explícito oferece ci
um dos princípios mais significativos a partir do qual podemos analisar
o papel das instituições educativas na reprodução da divisão social do
trabalho e da desigualdade nas sociedades capitalistas.
I i:
Si
Na sua maioria, o modo como as escolas funcionam para produzir de tc
alguma forma o conhecimento e os agentes para o mercado de traba- t 11
lho encontra-se relacionado não propriamente com uma correspon- P(
dência forte e inflexível entre as características que as empresas ca
supõem desejar da parte dos seus trabalhadores e os valores que a re
escola ensina, mas, pelo menos no que se relaciona com determinados sc
segmentos da classe trabalhadora, com uma rejeição, por parte dos aZ:
próprios estudantes, das mensagens da escola e inclusive dos currícu- at
10s mais criativamente elaborados. Análises em torno desta rejeição
podem facultar-nos pistas que nos ajudem a desenvolver a compreen- Co
.ie
significados, as normas e os valores que os estudantes, professores e
'e)
outras pessoas experienciam nas escolas. Só após esta etapa podemos
nt
então constatar as hipóteses de mediação que existem "entre" o sector
económico da sociedade e as outras instituições. Em essência, a escola
'L11
torna-se numa instituição fundamental para analisar as relações e
t
tensões dialécticas entre as esferas económica, política e cultural. E a
;c
escola é o palco para desenvolver tais relações e tensões tal como
de
Willis, Everhart, McRobbie e outros têm sublinhado.
l4 Habitualmente. isto assume a forma de uma negociaçáo cínica entre professores e alunos. Vide. McNeil. Linda (1977). rst
"Economic Dimensions of Social Studies Curriculum. Curriculum as Institutionalized Knowledge". Tese de doutora- -'a
mento náo publicada. Madison: University of Wisconsin - Madison
160 1 =I
Resistência e contradições na classe, cultura e Estado ig
Willis, Learning to Labour, p 175. Assim. grande parte do seu argumento pode ser lido como um debate explícito entre
estruturalistas-marxistas, como Althusser e Nicos Poulantzas. Vide o texto de Aithusser, LOUIS."ldeology and Ideological
State Apparatuses", in L. Aithusser (1971). Lenin and Philosophy and other Essays. London: New Left Books.
pp. 127-186; e Poulantzas. Nicos (1975). Classes in Conternporay Capitakm, London. New Left Books, p 19.
educativa, o conhecimento técnico, as classificações e os certificados.
Quase tudo o que se relaciona com os "bem-comportados" é rejeitado
pelos "rapazes". As roupas e os cortes de cabelo dos "bem-comporta-
dos", a conformidade quer dos valores quer do currículo da escola, as
relações afáveis com os professores, tudo isto são atributos de u m
mundo que os "rapazes" rejeitam. Tal mundo não é real; revela pouca
semelhança com o mundo do trabalho com o qual se familiarizam,
com a forma de sobrevivência económica numa comunidade industrial,
com a rua. Em vez disso, viram-se para "o mundo adulto, especifica-
mente o mundo do operário adulto masculino como manancial de
materiais para a resistência e exclusão"'~Para os "rapazes", a "vida
real" necessita de ser constrastada com a "adolescência oprimida''
representada pelo comportamento tanto dos professores como dos
"bem- comportado^"'^. Quer se trate das relações aceites pela escola, do
ensino formal daquilo que a escola considera como sendo conheci-
mento curricular legítimo, quer das normas que gerem o próprio edifí-
cio escolar, tudo é interpretado, não só como oportunidades, mas como
desafios para aumentar a mobilidade individual no recinto escolar, para
se encontrarem uns com os outros ou, basicamente, para passarem um
momento alegre.
Todavia, o que é que acontece relativamente a determinadas particula-
ridades do currículo formal que tendem a ser directamente "relevan-
tes"? Nem mesmo algo como a educação vocacional ou até currículos
que lhe são associados parece ter melhor sorte. Muito embora o currí-
culo escolar tente descrever postos de trabalho, oferecendo oportunida-
des de mobilidade, para gratificação pessoal, os "rapazes" não irão ter
acesso a nada disso. Na verdade, já experienciaram o mundo do trabalho
a partir do trabalho levado a cabo pelos pais, pelos seus próprios conhe-
cimentos, e nos próprios empregos em "part-time". Na verdade, tal
experiência contradiz as mensagens da escola que são assim vistas de
uma forma cínica. Apesar de possuírem uma vaga consciência em rela-
ção a essa matéria, os "rapazes" já "sabem" que estão destinados a um
1 =rning TO Labour, p 1 DO
Braverrnan, Harry (1974) Labor and Monopoly Capital New York Monthly Review Press
"rapazes" alimentam a diferença que se encontra no âmago das relações
sociais de produção. No entanto, tal não pode ser visto como um acto uni-
lateral. Existem, na verdade, pontos fortes e fracos - paradoxo e contradi-
ção - na actuação dos "rapazes" relativamente a essa diferença.
Com Willis, podemos utilizar duas grandes categorias para analisar as
contradições e os paradoxos da vida destes estudantes e da classe econó-
mica que representam: penetração e limitação20.A penetração refere-se
aos casos em que os estudantes desenvolvem respostas relacionadas
com a escola e com o trabalho, descrevendo a realidade desigual que
enfrentam. Tal rejeição de uma significativa parte do conteúdo e da
forma do dia-a-dia da vida educativa repousa na compreensão, quase
inconsciente, de que, enquanto classe, a escola não os deixará progredir
muito mais para além do espaço onde se encontram. Na verdade, a cul-
tura que os "rapazes" criam dentro e fora da escola constitui uma ava-
liação muito realista das recompensas da obediência e do conformismo
que a escola procura extrair dos jovens da classe trabalhadora. Na linha
de estudiosos como Bernstein e Bourdieu, para Willis o capital cultural
veiculado nas escolas assegura o sucesso dos jovens que pertencem aos
grupos dominantes da sociedadez1.O repúdio que os "rapazes" revelam
perante as ideias das classificações, dos diplomas e da submissão penetra
quase no âmago de tal realidade. O conformismo pode ajudar o indiví-
duo (mas, repito, não ajuda a classe trabalhadora em geral); mas os
"rapazes" conferem muito mais relevo ao seu próprio grupo informal e
não ao conformismo do modelo de realização individual representado
pela escola. Deste modo, penetram na ideologia do individualismo e da
competição que sustenta a economia.
Tal penetração não é, decerto, uma opção consciente, uma escolha
explícita representativa da solidariedade ideológica do movimento da
classe trabalhadora. Antes, é uma resposta às condições vividas dentro e
fora da escola, às condições vividas pelos "rapazes" em casa, na fábrica, no
'O Novamente. sou prudente no uso de um conceito como penetraçso dado o papel que as metáíoras sexistas desempe-
nham na organtzação da Iinguagem Todavia. continuarei aqui a empregar os próprios termos de Willis Tal cor
Bisseret recentemente demonstrou, as relacóes de genero podem bem ser reproduzidas no sistema referenc -
codificado na Iinguagem Vide Bsseret, Nicole (1979). Education, Class Language and Ideology, London. Routledgt .
Kegan Paul
" Bourdieu, Pierre. Passeron, Jean Claude (1977) Reproduction in Education Society and Culture Beverly Hills Sao
Publications, Bernstein, Basil (1977) C/as, Codes and Control, volume 3. London Routledge & Kegan Paul, App -
Ideology and Curriculum, Bernstein, Basil. "Codes, Moral Ties and Cultural Reproduction- a Model, in Apple, Cu1tu.-
and Econornic Re~roductionin Education
seio da cultura contra-escolar e noutros espaços. É uma resposta da cul-
tura informal as condições ideológicas e económicas e as tensões que
7
Resistência e contradi(6es na classe, cultura e Estado
que tive oportunidade de analisar no capítulo 2 Vide, também. Noble, David (1971). America by Design- Sc~ence,
iechnology and the Rise o f Corporate Capitalism, New York. Alfred Knopf.
167
"Os processos culturais e institucionais [das escolas] - considerados
no seu todo - tendem a produzir grande número de trabalhadores que
se aproximam deste tipo. A natureza das 'penetrações parciais' que
observamos permitem, precisamente, desvalorizar e desacreditar ati-
tudes mais antigas em relação ao trabalho, sentimentos de controlo e
sentido no trabalho. Sob determinados aspectos, e em relação ao capi-
tal monopolista, tais desenvolvimentos são profícuos, possibilitando a
oferta de trabalhadores instrumentais, flexíveis, desiludidos, 'perspica-
zes: desqualificados mas bem socializados, necessários para integra-
rem os crescentes processos socializado^."^^
Neste caso, e tal como tivemos ocasião de reparar, opera-se uma verda-
deira contradição. A manutenção da economia capitalista implica que
não se deve exagerar na rejeição tanto das atitudes antigas em relação ao
trabalho, como das destrezas antigas. Se os trabalhadores rejeitam o tra-
balho moderno, ou têm uma compreensão completa da falta de sentido
da maior parte do trabalho que são chamados a desenvolver, tal pode
facilmente degenerar numa falta de lealdade e numa erosão de motivação
para trabalhar num mundo industrial cada vez mais centralizado e racio-
nalizado. A necessidade que o monopólio moderno tem de uma força de
trabalho menos estática e menos qualificada pode também resultar num
grupo de trabalhadores "permeáveis a perspectivas políticas críticas de
massas", sobretudo nas épocas de acentuada crise económica. De que
forma este sentido crítico da realidade do mundo do trabalho, protagoni-
zado por alguns trabalhadores, é impedido de se transformar num sen-
tido de solidariedade, numa perspectiva económica e política relacionada
com a sua própria falta de poder? É exactamente aqui que a escola
desempenha um papel importantíssimo. Com efeito, pese embora a cul-
tura informal de estudantes como os "rapazes" lhes faculte penetrar
quase no âmago dessa realidade, tal cultura contra-escolar por eles
gerada de certa forma actua também contra eles próprios. Em última
instância, acabam por se tornar nos trabalhadores exigidos por uma eco-
nomia desigual, mais habilitados para enfrentar o poder no local de tra-
balho, revelando com ele algumas aparências, mas que, em última aná-
lise, aplicam categorias e distinções que são, em essência, aspectos da
hegemonia ideológica exigida pela economia que começaram a penetrar.
-
destes "miúdos" (tal como Everhart os denomina) a medida que reali-
zam o seu trabalho, respondem as tarefas escolares e, basicamente,
apreendem normas de submissão e de relativa docilidade que lhes per-
mitirá assumir uma posição concreta no mercado de trabalho, não é tão
objectiva quanto julgamos.
Como o comprovam muitos outros estudos, a maior parte do tempo
que os referidos estudantes despendem na escola não é gasto em "tra-
balho" (naquilo a que os professores pensam ser o propósito da
escola), mas na geração de uma cultura vivida específica - falar sobre
desporto, discutir e planear actividades exteriores a escola - com ami-
I gos, falando sobre coisas "não académicas" que efectuam na escolaz7.
Tal como os "rapazes", grande parte do tempo é despendido no sentido
de encontrar mecanismos para "matar o tempo", tornar as aulas mais
interessantes, ganhar uma determinada margem de controlo sobre o
padrão das interacções quotidianas que é tão estandardizada na escola.
Na verdade, como revela Everhart, praticamente metade do tempo
passado na escola relaciona-se não com ['trabalho", mas com essoutras
actividades.
Contrariamente aos "rapazes", a maior parte destes grupos de miúdos
cumpriam, efectivamente, as exigências veiculadas pela escola. Faziam-
-no "não obstante um interesse profundo pelas suas próprias actividades
e da forma, de certo modo ambivalente, como lidavam com tudo o que
se relacionasse com o campo académico". Todavia, dada a sua abrangên-
cia e natureza burocrática e dada a grande quantidade de estudantes
com os quais a escola tinha de lidar, na verdade a escola exigia relativa-
mente pouco de tais estudantes. De facto, muitos deles podiam comple-
tar o trabalho exigido em muito pouco tempo (ou podiam copiar, e
copiavam, com facilidade, por outros), sobrando assim uma grande
quantidade de tempo para realizarem actividades culturais colectivas.
Os estudantes entregavam a escola, apenas, o mínimo exigido, nada
mais do que issoz8.
O mesmo acontece também em relação à conduta. Registavam-se não
só casos esporádicos de desrespeito para com um determinado professor
ou membro afecto à administração da escola, como também eram escas-
T l b i d , p 218
I b ~ d p. 220
Ibid, p 260
(muito embora, naturalmente, não sejam decisões conscientes). Uma
delas, enquanto estudante, é aceitar tal definição e permanecer aborre-
cido a maior parte do tempo. A outra é encontrar brechas no controlo
organizacional, explorá-las para assim manter alguma margem de poder
sobre a vida diária. Caso a rejeição explícita das mensagens ideológicas
da escola, do seu conhecimento e autoridade seja muito arriscada,
podem usar-se as fissuras existentes, desenvolvendo-as sempre que pos-
sível, ou inclusive criando-as, caso não existam.
De facto, os estudantes mais bem sucedidos em mediar as exigências
impostas pelo trabalho mínimo e em explorar as referidas cesuras eram
vistos pelos colegas como modelos. Desta forma, a maioria dos estu-
dantes mais bem vistos perante os seus colegas eram os que combina-
vam dois atributos, importantes para perceber a ideologia e as suas
contradições numa situação deste género. "Os miúdos que eram 'esper-
tos' (ou seja, que conseguiam boas notas e que pouco faziam)" pare-
ciam ser os que se destacavam aos olhos dos colegas. Se fosse possível
obter um bom desempenho escolar com o mínimo de esforço e mesmo
assim ter tempo para a paródia, isso significava sucesso32.Assim,
o estudante ideal parecia aceitar os objectivos e procedimentos da
escola, mas ao mesmo tempo utilizava-os com propósitos próprios que,
frequentemente, eram profundamente opostos aos veiculados pela ins-
ti tuição.
Reparem no que se está aqui a passar. Muito embora os miúdos exer-
çam nitidamente uma boa dose de poder informal no seio da escola - ao
matar tempo, arreliando os professores, etc. - tal como os "rapazes",
tanto participam das ideologias hegemónicas como as reproduzem, pelo
menos parcialmente, quando de facto estas ideologias podem não ser
nada benéficas. Nas palavras de Everhart:
"Enquanto forma de conhecimento, enquanto sistema cultural não
muito distinto de padrões semelhantes registados em outros contex-
tos, o excercício do poder desta forma indica como as formas cultu-
rais são frequentemente reprodutivas e como os participantes, atra-
vés da oposição, na verdade participam dessa mesma prática
reprodutiva."33
Obviamente que estes jovens não são todos iguais. Para alguns alu-
nos desta escola secundária, as práticas de oposição são maciças. Pas-
sam todo o tempo sem fazer nada, "fumando droga1'ou simplesmente
"fugindo" as aulas. Tal como os "rapazes", estes alunos recriam as con-
dições do seu futuro como trabalhadores generalistas. Todavia, a um
outro plano, embora a cultura tenha um impacto diferenciado sobre
os estudantes, o futuro de todos é parcialmente "determinado" pela
cultura que os estudantes criam. Como adianta Everhart, a criação e
o surgimento destas formas culturais tendem a afectar todos os estu-
dantes:
"e serve para reforçar a interpretação de que os sistemas de relações
sociais não devem ser confrontados e criticamente analisados, mas,
pelo contrário, devem ser obstaculizados mediante tais formas de opo-
sição. E, na verdade, no surgimento das próprias formas, o significado
que transportam, o sistema básico de relacões sociais... permanece
intocável, não examinado... Parece então que /as verdadeiras formas
de conhecimento culturalgeradas pelos jovens], embora se encontrem
presentes nas formas de resistência, estão também presentes como
elementos reprodutivos do próprio sistema ao qual se opõem. Como
participantes, como criadores de tais formas culturais, os estudantes
reproduzem formas que os condenarão a expressões de reacção, mas
não desenvolverão uma oposição crítica. Nesta construção da cultura, I
I I
pela via do humor e da formação de uma cultura informal de grupo - as
condições ideológicas que conduzem ao reforço de tal processo são
reproduzidas a partir da cultura estudantil, sob formas contraditórias e
complexas, em escolas deste géneroJ5.
Sob formas provavelmente menos explícitas que as dos "rapazes",
estes alunos "bem-comportados" já "sabem" as normas de sistematica-
mente "fazer ronhal' no trabalho, de procurar formas de gerar prazer e
sentimento colectivo e de ludibriar o sistema, aumentando o seu con-
trolo sobre a situação. Paralelamente, envolvem-se nas contradições,
nas limitações da sua própria resposta cultural vivida. Com efeito, a
manutenção de algum poder e autonomia na fábrica ou no escritório
não desafia necessariamente os requisitos do capital caso as exigências
mínimas de produção sejam, habitualmente, satisfeitas. Desta forma,
embora muitos destes estudantes da classe trabalhadora se encaminhem
para empregos mais qualificados ou de estatuto mais elevado que os dos
"rapazes", encontram-se também activamente envolvidos na recriação
das relações sociais que predominam no processo de produção capitalista.
Neste processo de produção o trabalho não necessita de ter sentido.
Encontra-se simplesmente ali para satisfazer as necessidades de outras
pessoas, necessidades essas que estão satisfeitas quando o trabalho está ter-
minado. Trabalha-se por dinheiro e porque o trabalho cria condições para
uma resposta cultural colectiva vivida uma vez que se está empregado. As
sementes da reprodução ideológica estão lançadas. Será uma reprodução
prenhe de contradições, que será continuamente contestada pela resposta
cultural dos jovens à medida que forem entrando no mundo do trabalho.
no entanto, permanecerá também relativamente improdutiva desde que
as penetrações na natureza do trabalho e do controlo geradas pelos jovens
da classe trabalhadora e pelos pais sejam desorganizadas e despolitizadas.
35 Ibfd. p 451 Com efeito, a existir qualquer correspondéncia estrutural seria entre o local de trabalho e as escolas e
precisamente a este nivel
Resistência e contradições na classe. cultura e Estado
" Brake. Mike (1 980). The Sociology o f Youth Culture and Youth Subcuhures. London: Routledge & Kegm Paul. p. 142.
?'Vide Gail. Kelly and Nihlen. Ann, "Schooling and the Reproduction of Patriarchy", in Apple (ed.). Cultural and
Econornic Reproduction.
conjuntos de significados e de práticas relativamente autónomas. Está
envolvida tanto na reprodução como na contestação. Nas suas palavras,
'
devemos interpretar esta questão num plano de autonomia relativa por-
que, independentemente das formas, a cultura das jovens:
'hão [é] de forma alguma uma configuração que exista em liberdade
plena. Pelo contrário, [encontra-se] vinculada e, em parte, determi-
k nada, muito embora não de uma forma mecanicista, pela posição
material ocupada pelas jovens na sociedade; a classe social, o futuro
papel na produção, o papel actual e futuro na reprodução doméstica e
a dependência económica dos pais. E porque as culturas, apesar de se
i referirem as capacidades essencialmente e.~pressivasdo grupo em
questão, não se criam a partir do nada pelo grupo mas, em vez disso,
corporificam a 'trajectória de vida do grupo através da história, sem-
pre sob condições e com matéria-prima própria: então [é] importante
situar as jovens, logo a partida, no contexto de uma cultura pré-exis-
tente de feminilidade em que, enquanto mulheres numa sociedade
patriarcal, nasceram, sendo-lhes transmitida constantemente, ao
longo dos anos, pelas mães, irmãs, tias, avós, vizinhas, e t ~ . " ~ '
38 McRobbie Working Class Girls and the Culture o f Fernininity, p 97. Vide também MacDonald, Madeleine (1981
"Schooling and the Reproduction of Classe and Gender Relations", in Roger Dale. Geoff Esland, Ross Fergusson anr
Madeleine MacDonald íeds ). Educat~onand the State, volume 1, Sussex: Falmer Press; e MacDonald, Madele~r-
(1980). "Socio-Cultural Reproduction and Women's Education", in Rosemary Deem (ed.), Schooling for Wornen
Work, New York: London & Kegan Paul.
jP McRobbie. Work~ngClass Girls and rhe Culture o f Fernininity. p. 98.
Resistencia e contradicks na classe, cultura e Estado L
'O lbid.. p. 101. Vide tambern a analise de Rayrnond Williams sobre as culturas residuais e emergentes em Marxism and
Literature.
Ibid.. p. I02 !hde lambem a interessante analise em Seccornbe, Wally (1980). "Domestic Labour and the Working
Class Household". e Seccornbe, Wally, "The Expanded Reproducton Cycle of Labour Power in Twentieth Century Capi-
talisrn", ambos, i n Bonnie Fox (ed.), Hidden n the Household Wornen's Domesric Labour Uridrr Capitabsrn. Toronto:
The Wornen's Press
lhid., p. 105
assumirem a sua oposição ao comportamento, linguagem, vestuário e
normas da classe média, estas jovens da classe trabalhadora procura-
vam transformar a escola num espaço para expandir a sua vida social,
"construindo fantasias relacionadas com os rapazes", ensinando umas
às outras as últimas danças, "ludibriando os professores", juntando-se
para fumar um cigarro, falar de música e de estrelas de rock, etc. Neste
conjunto de práticas oposicionistas, o seu próprio feminismo permitia-
lhes um distanciamento muito maior das jovens vistas como sendo
"snobs", ou seja, as jovens da classe média mais favorecidas material-
mente. De acordo com a sua perspectiva, as "snobs" da classe média, ao
aceitarem a ideologia e o conhecimento da escola, eram claramente
mais valorizadas pelos professores. Todavia, apesar de as jovens da
classe trabalhadora, de certa forma, se sentirem como um "fracasso" na
escola, o facto é que também são hostis a aplicação ao trabalho e à rigi-
dez das "snobs". Os antagonismos de classe são evidentes nos seus sen-
timentos de que as jovens da classe média não têm estilo, têm mau
gosto a respeito de rapazes, adulam os professores e utilizam uma lin-
guagem
Estas práticas de oposição são descritas por McRobbie da seguinte
forma:
"Uma das formas pelas quais as jovens combatem as características
opressivas da escola com base na classe é através da afirmação da sua
'qualidade de fêmea: pela introdução na sala de aula da sua sexuali-
dade e da sua maturidade tisica, de tal forma que obrigue os professo-
res a repararem. Assim, u m instinto de classe encontra a sua expres-
são no abandono da ideologia oficial destinada as jovens na escola
(asseio, diligência, aplicação, feminilidade, passividade, etc.) e na sua
substituição por uma ideologia mais feminina, inclusive mais sexual.
Deste modo, as jovens tinham prazer em utilizar maquilhagem na
escola, passar grande parte do tempo durante as aulas a conversar em
voz alta sobre os namorados, utilizando tudo isto com o intuito de
perturbar a aula...
Casamento, vida de família, moda e beleza, tudo isto contribuía para
esta cultura antiescolar feminina e, por conseguinte, ilustra perfeita-
mente as contradições inerentes às denominadas actividades de oposi-
ção. Afinal, não estarão as jovens a fazer exactamente o que delas se
" Ibid
Resistência e contradições na classe, cultura e Estado I
das nesta redoma não se conseguem ver a não ser como esposas e mães45.
Neste contexto, as mulheres da classe trabalhadora não são ingénuas.
Frequentemente, são muito conscientes relativamente às restrições do
casamento e dos papéis "tradicionais" que ele acarreta. Pelo contrário,
são também realistas a esse respeito. A posição económica e as condições
de opressão de género nas quais se encontram significam que uma rejei-
ção do casamento pode arrastar consigo elevados custos económicos e
emocionais. O culto do romance protege-as desses custos, confere-lhes,
na verdade, poder efectivo junto da família, enquanto reproduz em parte
as restrições dos papéis tradicionais económicos e de g é n e r ~ ~ ~ .
A análise de Mike Brake sumaria alguns destes argumentos e remete
para a dominação contínua da "feminilidade", como forma cultural
auto-seleccionada.
"As subculturas emergem como tentativas de resolução colectiva de
problemas vividos, como resultado de contradições na estrutura
social. /Elas] geram uma forma de identidade colectiz~a,a partir da
qual pode ser atingida uma determinada identidade individual fora da
que é imputada pela classe, pela educação e pela ocupação. Tal solu-
ção é quase sempre temporária e de modo algum é uma solução mate-
rial, mas sim uma solução que é resolvida no nível cultural. A s cultu-
ras jovens interagem /não de forma determinista] com as culturas
populares manufacturadas e seus artefactos... No conjunto, as cultu-
ras jovens tendem a ser uma determinada forma de exploração da
masculinidade. São, assim, machistas e /devemos] considerar os seus
efeitos sobre as raparigas... /Um] sinal distintivo da emancipação das
jovens do culto do romance e do casamento como verdadeira vocação
repousa no desenvolvimento de subculturas que explorem uma nova
forma de feminilidade. Perante o lugar material conferido as mulheres
na sociedade, actualmente, provavelmente, esta questão demorará
ainda o seu tempo."47
'Brake, Mike (1980). Jhe Sociology of Youth Culture and Youth Subcultures. London: Routledge & Kegan Paul. p. 166.
" Ibid.. p7. Brake, na análise que efectua a literatura fundamental em torno das subculturas da classe trabalhadora e da
juventude. acrescenta que uma das razoes que levam a formaçáo de tais grupos repousa no facto de as "subculturas
tentarem recuperar elementos socialmente coesos perdidos e destruidos na cultura-padrào. combinando-os com
elementos de outros segmentos de classe. simbolizando uma ou outra das opções em confronto". p. 67.
Resistência e contradições na classe. cultura e Estado
a Wornen's Studies Group (1978) (ed.). Wornen Take Issue London: Hutchinson, p. 10.
e Bland, Lucy; Brunsdon, Charlotte; Hobson, Dorothy; Winship, Janice (1978). "Wornen 'Inside' and 'Outside' the Relations
of ProduRion", in Wornen Take Issue, Women's Studies Group (ed.). p. 61. "(de também Michael Apple (ed.), Cultural
and Econornic Reproductionin Education
culturais predominantes na juventude da classe trabalhadora, especial-
mente nos homens, encontra-se uma celebração da masculinidade, de
fazer por parecer o "homem viril". Isto é notório nos padrões de resis-
tência cultural dos "rapazes" de Willis e encontra-se parcialmente
reflectido na criação e recriação de uma cultura da feminilidade por
parte das "raparigas" de McRobbie. Uma outra forma, bem visível nas
escolas das áreas urbanas de ambos os lados do Atlântico, é a prática de
se "manter indiferente". Esta prática envolve a abstracção da sua posi-
ção de classe, mediante um urdido processo de afastamento expresso no
vestuário, na postura, no andar e, cada vez mais, na linguagem5'. Tal
processo cultural criativo providencia uma base importante para a con-
testação dos padrões predominantes de exploração e de dominação de
género, classe e raça.
Por exemplo, entre os jovens negros, na Inglaterra, os padrões de contes-
tação e de luta encontram-se no desenvolvimento de uma cultura de resis-
tência especificamente afro-caraíbica, em muitos aspectos semelhante a
que se verifica nos guetos dos "decadentes" centros das cidades norte-ame-
ricanas. A cultura vivida desses jovens é um indicativo subtil da "consciên-
cia" de que a cultura da escola e o conhecimento formal expressos no cur-
rículo não respondem à história ou a experiência negra. Por tal facto,
muitos estudantes readoptaram o crioulo como língua, quer como sinal de
exclusão, quer como mecanismo de solidariedade.
Uma vez que o tipo de educação que os referidos estudantes não bran-
cos recebem "conduz a uma diminuição das oportunidades gerais de
emprego e de desenvolvimento educativo" - uma educação que "repro-
duz o trabalhador jovem não branco num plano educativo e de destrezas
inferior - fala-se o crioulo como parte de um processo complexo de con-
testação e de afirmação ao nível cultural. A cultura mais individualista
da escola, agora rejeitada, age como cenário cultural contra o qual se
desenvolve a resistência linguística51.
Todavia, emerge novamente uma situação semelhante à dos "rapazes".
"miúdos" e "raparigas". O crioulo actua como um "índice vivo" da
extensão da alienação negra relativamente às normas, valores e objecti-
vos daqueles grupos de pessoas que ocupam posições mais privilegiadas
na sociedade. No entanto, e paralelamente ao "reconhecimento" claro
"Sobre estes padrões culturais vide a andlise de Brake em Sooology o f Youth Culture and Youth Subcultures.
''Ib1d.pp 118-119
Resistência e contradições na classe, cultura e Estado '
daquilo que o futuro reserva para esses jovens negros e mulatos, provi-
denciando os fundamentos para a solidariedade no trabalho, o facto é
que os condena a posições salariais baixas e de exploração, idênticas as
que conseguiriam mediante a sua escolarização. Perante isto, muitos
deste jovens pura e simplesmente rejeitam eles próprios estas posições
económicas. Contudo, e independentemente da forma como isso é cons-
truído pela direita política, tal não significa uma rejeição ao trabalho em
si, mas uma recusa em aceitar os tipos de trabalho e respectivas condi-
ções laborais oferecidas. Na sua consciência vivida sobre o que as esco-
las lhes podem oferecer. enquanto grupo que sofre uma dupla opressão
- negro, ou mulato (ou vermelho, nos Estados Unidos) e pobre -, a sua
resistência a escola e o desenvolvimento das suas formas culturais reve-
lam também uma consciência de como as escolas e o trabalho ajudam a
definir a identidade de um indivíduo. Em face disto, os jovens negros e
mulatos como os que têm vindo a ser referidos procuram, habitual-
mente, uma "identidade dignificada num mundo que lhes exibe opres-
são, rejeição e humilhação"52. Força e fraqueza são realidades vividas
diariamente desta forma.
Muito embora não tenha a intenção de entrar em detalhes, as condi-
ções objectivas em que vivem as jovens negras e mulatas da classe tra-
balhadora contribuem para a produção de ideologias contraditórias
idênticas as das jovens que tive ocasião de analisar. Elementos da cul-
tura da classe trabalhadora, de culturas específicas de género e de tradi-
ções étnicas fundir-se-ão num complexo processo de criação e determi-
nação cultural, em que uma pequena parte de tal processo pode ser
directamente relacionada, de uma forma abstracta, com as forças econó-
m i c a ~ O~ género,
~. a classe e a raça, no seu conjunto, constituirão a cul-
tura das jovens. Neste caso, também a cultura da feminilidade, cujas raí-
zes se encontram na experiência das relações patriarcais, nas quais se
construíram e se transformaram, em parte, a lógica e as relações sociais
do capital, desempenhará um papel preponderante.
Brake revela a abrangência do impacto que têm os aspectos económi-
cos da actual crise estrutural sobre estas jovens e especialmente sobre
as jovens das "minorias". Tomando como exemplo o caso da Inglaterra,
M ,pp 135-136
I' Therborn, Goran (1980) The Idedogy of Powrand the Power Idmlogy Discurso proferido na Universidade de Wisconsin.
a 17 de Outubro
embora os números não sejam muito diferentes dos que se verificam
nos Estados Unidos, Canadá e outros lugares, Brake sublinha o
seguinte:
"/É importante recordar] a relação das mulheres com a produção.
Para os jovens da classe trabalhadora tem sido difícil encontrar traba-
lho. A s minorias, em particular, têm sentido dificuldades em encon-
trar emprego, sobretudo as jovens. A 'Manpouler Semices Commission'
adianta um aumento de 120% no desemprego entre a juventude para
os cinco anos anteriores a 1977, em contraste com 45% entre a popu-
lação como um todo, especialmente para jovens negros (350%).
O desemprego feminino cresceu rapidamente entre o grupo etário dos
18 aos 24 anos, tanto para negros como para brancos, contudo, regis-
tou-se um crescimento de 30% entre as mulheres negras, contra 22%
para todas as mulheres. Perante estes números, pode-se começar a
perceber a importância do culto da feminilidade (isto é, da identidade
dominada não-trabalho)para [muitas]j0~en.s."~~
A actividade das jovens ao lidar com tudo isto e a dos jovens que tive
oportunidade de aqui analisar são um exemplo vivo da profunda comple-
xidade da esfera cultural. O bom e o mau senso coexistem. A hegemonia
ideológica é parte integrante de um terreno contestado, contestação esta
que ocorre no próprio plano cultural. Sim, as escolas podem ser espaços
onde é recriada a distinção entre o trabalho mental e manual, onde se
reproduzem as divisões de raça, sexo e classe; no entanto, ocorrem mui-
tas outras coisas. Muito embora as escolas possam fazê-lo como parte
integrante da sua actividade, em "produzir estudantes" de acordo com as
categorias de desajustamento que são, na sua maior parte, provocadas
pelas suas funções na produção do capital cultural e técnico e na repro-
dução da divisão do trabalho, ignorar o papel que os estudantes desempe-
nham nesse processo implica perder por completo o poder e as limita-
ções existentes na esfera cultural.
Compreender a reprodução
Alonguei-me um pouco documentando algo que é muito importante
para a compreensão das escolas enquanto locais de reprodução econó-
mica e cultural. Observámos o que se ganha ao se entrar nas discussões
Brake. in 50c;ology of Youth Culture and Youth Subcultures. pp. 137-1 38.
Resistência e contradiqões na classe, cultura e Estado '
55 Johnson. Lesley (1979). The Cultural Critics. London. Routledge & Kegan Paul. p. 206.
16 Johnson, Richard. Histories o f CulturflTheorres o f Ideology. p 74.
- uma reprodução com "êxito"] têm que ser continuamente conquistadas
-ou perdidas - nos conflitos e lutas específicos5'.
Os estudantes para os quais dirigi a nossa atenção corporizam estas
questões. Ajudaram a reproduzir os resultados inerentemente contradi-
tórios da instituição, mas só através da luta. Vivem a classe como uma
força activa, simultaneamente criativa e limitadora.
Nesta análise, a noção de consentimento, de autocriação se assim pre-
ferirem, é importante. De facto, como Willis, Everhart e McRobbie
demonstram, há um momento de apropriação activa a operar em pro-
cessos deste género. Podemos observar a hegemonia ideológica em todo
o seu poder e contradições, na forma, por exemplo, pela qual os jovens
da classe operária no estudo de Willis, de forma literal, praticamente
celebram a sua entrada futura no trabalho manual5! Só percebendo isto
estaremos em condições de compreender completamente os resultados
produzidos pela escola.
Este ponto é muito importante. Alguém poderia contrapor que a aná-
lise que realizo descreve o processo através do qual estudantes como os
rapazes, miúdos e raparigas acabam como perdedores, o processo atra-
vés do qual eles são subtilmente determinados, a forma pela qual "a eco-
nomia controla a cultura". No entanto, convém não esquecer a própria
natureza das determinações e contradições que procurei esclarecer
neste capítulo, socorrendo-me dos trabalhos de Willis, Everhart e
McRobbie. Com efeito, a ideologia hegemónica da sociedade em que
vivemos é "profunda e essencialmente conflituosa" num determinado
número de aspectos, aspectos estes que continuarão a provocar confli-
tos que podem ter uma resolução difícil no seio das relações e fronteiras
de poder existentes. Tal como salienta Todd Gitlin, por exemplo, as for-
mas ideológicas predominantes nas economias como a nossa obrigam as
pessoas a trabalhar arduamente; no entanto, simultaneamente, tais for-
mas propõem que a verdadeira satisfação seja encontrada não propria-
mente no trabalho, mas no lazer, uma área "que ostensivamente subs-
tancia valores opostos aos do trabalhon5! Por exemplo, este conflito é
notório no caso dos "rapazes" de Willis e dos rapazes de Everhart e
constitui-se naquilo que poderia ser melhor denominado como uma
I' .
Ibid p 70.
" Ib~d. p. 75
I9Gitlin, Todd (1979). "Prime Time Ideology: The Hegernonic Process in Television Entertainrnent" Social Problems WI.
D. 264.
Resistência e contradi<õesna classe, cultura e Estado 7
Reprodução e reforma
A questão da definição da nossa posição relativamente as reformas
propostas não é uma questão despiciente, dado que, actualmente, têm
vindo a ser propostas reformas educativas que eliminariam, argumenta-
-se, algumas das condições económicas e culturais que temos visto
serem "reproduzidas" no dia-a-dia dos estudantes do ensino básico e
secundário que analisámos. Devemos compreender o sentido de tais
reformas se quisermos rejeitá-las ou apoiá-las.
187
Não precisamos de participar na análise do papel da escola na repro-
dução económica e cultural das estruturas de classe, género e raça em
que se encontram os rapazes, meninos e meninas para compreender
que existe actualmente um intenso conflito entre outros grupos em
torno da escola. Industriais e burocratas do Estado pretendem tornar as
escolas mais eficientes de forma a satisfazerem as exigências ideológicas
e de "mão-de-obra" da economia. Os problemas fiscais provocados pela
crise económica contribuem em muito para as tentativas desenvolvidas
por essas pessoas para tornar a educação mais eficiente6". Ao mesmo
tempo, devido à crise de legitimação, verifica-se uma pressão de "baixo",
a partir de muitos dos pais de estudantes com base na classe, género,
raça e grupos de interesse com o objectivo de dotar as escolas de capaci-
dade de resposta perante as conflituosas necessidades de cada um desses
grupos.
i Poderíamos continuar indefinidamente, elaborando uma listagem das
reivindicações em termos de tempo, políticas e recursos escolares. E
poderia ser utilizada a mesma quantidade de papel listando as propostas
para alterar a forma através da qual as escolas funcionam actualmente,
de forma a corresponderem, o mais possível, a essas reivindicações con-
flituosas. Todavia, entre as propostas mais evidentes, as do género pro-
gramas com subsídios educativos e benefícios fiscais" têm provocado
/ uma enorme discussão ao nível governamental. Se as escolas concreti-
zam todos estes aspectos sociais, tal como afirmam pessoas como
Althusser, Bowles e Gintis, Apple, McRobbie, Willis, Everhart e outros, e
se não têm capacidade de dar resposta aos interesses económicos e ideo-
lógicos em competição, então, argumenta-se, devem abrir-se ao mer-
cado. Se as escolas actuam como sítios importantes de produção e
reprodução da cultura e da economia, então devolvamos o controlo, por
exemplo, aos pais. Reduza-se o controlo do Estado, entregando aos pais
subsídios educativos mediante os quais podem escolher e pagar o tipo de
educação e de escola que pretendem para os filhos. Desta forma, prova-
velmente, poder-se-á reduzir o tamanho e a natureza burocrática da ins-
tituição e torná-la mais "relevante" para grupos maiores de crianças e
pais. Aqui os pais seriam basicamente livres para escolher entre pratica-
m O'Connor, James (1 973) The FiscalCrisis of the State. New York St Martin's Press
"Argumentos mais bem estruturados sobre propostas como, por exemplo. o plano dos subsídios educativos podem
ser encontrados em Coons, John. e Sugarman, Stephen D. (1978). Education by Choice: The Case for Farnily Control,
Berkeley-University of California Press.
Resistência e contradiçóes na classe. cultura e Estado +
" Collins, Randall (1979). The CredentialSociety New York: Academic Press.
63 Wright, Ciass, Cris~sand the State; e Castells. Manuel (1 980). The Econornic Crisis and Arnerican Society. Princeton.
Princeton University Press.
Resistência e contradi~óesna classe, cultura e Estado "
i
O desenvolvimento gradual do discurso em torno dos direitos indivi-
\
duais na própria esfera política tem um grande impacto na esfera econó-
i 'i
mica. Ajuda-nos a compreender o motivo pelo qual surgem as propostas
O(
de subsídios educativos e de benefícios fiscais e a razão pela qual tais
planos podem contar com o apoio de muitos grupos, incluindo os pais
E:
Jc
de estudantes da classe trabalhadora como meninos, meninas e rapazes.
\
Gintis, ao analisar o lugar histórico que a ideia dos direitos individuais
o
(o que denomina por discurso liberal) teve nos conflitos de classe,
i
avança com uma tese muito provocante:
nr
'H luta de classes no capitalismo desenvolvido do século XX tem sido
realizada utilizando instrumentos do discurso do liberalismo, o
discurso dos direitos naturais. Tais instrumentos, embora apropriados
-
-
G
RÍ
I
Gintis, Herbert (1980). "Cornrnunication and Pditics: Manisrn and the 'Problern' of Liberal Dernocracy", Sociaiist
Review X, p 191. hfase de Gintis.
65 Ib~d.,pp. 194-195.
CCPP-EP-13
política e económica governada por práticas formalmente democrá-
t i c a ~ " ~Essencialmente,
. a luta de classes tem transformado e tem sido
transformada pelo discurso liberal, orientado pelos direitos do indiví-
duo. Para citar Gintis novamente, frequentemente "os avanços políticos
da esquerda têm-se expressado, justificado e organizado não em termos
[de categorias tradicionais marxistas], mas em termos de extensões do
discurso liberal'57.Adianta Gintis:
'TO]conteúdo da luta de classes provém, em parte, da sua forma; isto
é, dos mecanismos do discurso comunicativo, linguagem e outros
tipos de expressão simbólica - disponíveis na sociedade para a contex-
tualização de projectos e para a criação de solidariedade e unidade de
direcção no seio de uma colectividade. Os mecanismos de discurso
b- comunicativo não reflectema consci&ncia; pelo contrário, a consciên-
cia dos indivíduos e grupos é enquadrada pelas formas de discurso que
apropriam e utilizam nas lutas... Assim um aspecto crítico da luta de
classes envolve a reprodução e transformaçãodos próprios instrumen-
tos de discurso na qual se opera a luta de classes. Desta forma, o dis-
curso liberal moderno, o idioma dos direitos não é uma expressão da
hegemonia da burguesia. Antes, é um produto da luta de classes, subs-
tancialmente distinta em períodos históricos diferentes e interna-
mente contraditórios, dada a infiltração por elementos discrepantes
no curso de confrontações de classe específicas.Decorrem daqui as
possibilidades emancipatória~."~~
" Gamble, Andrew (1979) "The Free Economy and the String State. The Rise of the Social Market Economy". in Ralp
Miliband and John Saville (eds 1, The Socialist RegEter London Merlin Press. p. 22
'I Ibid.
Resistència e contradições na classe, cultura e Estado 1.
dentro do Estado. Aponta, com efeito, para uma quebra parcial do con-
trolo h e g e m ó n i ~ o ~ ~ .
'' Sobre a natureza e o impacto da contestação no seio do Estado, vide Sassoon Showstack. Ann (1978). "Hegemony and
Political Intervention", in Saliy Hibbin (ed ). Pol~tics,Ideologyand the State, London: Lawrence & Wishart. pp. 9-39.
' Ibid., p. 39
Como parte do desenvolvimento de uma determinada proposta polí-
tica alternativa, a construção de um modelo pedagógico e curricular
claro a partir do qual e sobre o qual, por exemplo, os pais, sindicatos
progressistas e outros possam trabalhar poderia ser um importante
ponto de partida na articulação de um programa colectivo.
Os subsídios educativos poderiam ajudar ainda de uma outra forma. As
mudanças estruturais na sociedade devem ser ensaiadas através de expe-
riências ao nível local. Isto é, as destrezas e as normas de controlo demo-
crático das instituições em que trabalhamos e a sua reorganização de
modo a que beneficiem a maioria da população precisam de ser aprendidas
e testadas na prática. A criação de benefícios fiscais e subsídios educativos
pode propiciar um passo limitado nesta direcção caso se permita que as
pessoas se tornem, cada vez mais, profundamente envolvidas no dia-a-dia
da planificação e operação democráticos das instituições que as rodeiam.
Provavelmente, são estas as possibilidades mais positivas para o uso
progressista de tais reformas. No entanto, em muitos aspectos são
demasiado utópicas e, julgo eu, podem não contrabalançar o poder desi-
gual com que as instituições são controladas e atribuídos padrões de
benefícios desiguais. Perante tais condições, a mudança organizacional,
independentemente do seu grau de interesse, pode não ser suficiente.
Por este motivo, e embora possamos e devamos explorar o potencial
existente nas referidas reformas, penso que precisamos de ser por um
lado honestos relativamente a outras possíveis consequências negativas,
a longo prazo, das propostas fomentadas pelo Estado, e por outro procu-
rar estratégias alternativas coerentes para construir uma base mais
poderosa, com base na qual se desenvolverá a acção.
As estratégias apropriadas incluem formar alianças, acções políticas
concretas e alterar as práticas curriculares das escolas. Precisamos, por
exemplo, de prosseguir o lento e prudente trabalho de educação política
dos professores e outros trabalhadores no seio do Estado, tal como se
encontra organizado. Não quero com isto apresentar uma visão utópica.
Neste caso, os problemas orçamentais dos sistemas educativos em cida-
des como Chicago, Cleveland e outras, cujos professores deixaram de
receber pelo trabalho desenvolvido ou devem trabalhar em instalações
que progressivamente se vão degradando, têm importantes implicações.
Estas condições podem permitir uma análise político-económica mais
apurada entre os trabalhadores do Estado e podem providenciar boas
oportunidades de luta ao nível local.
I Resistência e contradições na classe, cultura e Estado
'I No que respeita a sugestões para o uso das lutas actuais dos trabalhadores, e outros, para fins pedag6gicos e curriculares
vide Dreier. Peter (1980). "Socialism and Cynicism An Essay on Politics Scholarship and Teaching", Socialist Rewew X
pp 105-131
Resistência e contradições na classe, cultura e Estado '
I 201
nosso apoio e defesa. Um grupo cada vez maior de jovens trabalhadores
progressistas e trabalhadores sociais nos Estados Unidos, Inglaterra e
América Latina tem uma longa história de engajamento neste género
de acções. No decorrer do processo desenvolveram determinadas des-
trezas, organizando jovens negros, mulatos e brancos e estimulando o
crescimento de lideranças politicamente sensíveis entre esses jovens77.
Os educadores têm muito a aprender com estes jovens.
A contestação ao nível cultural e os elementos de bom senso no seu
interior possibilitam ainda outras oportunidades. Os temas de consciên-
cia feminista que começaram a emergir na cultura de algumas rapari-
gas da classe trabalhadora podem também ser realçados e utilizados.
Neste contexto, McRobbie apresenta uma análise interessante. Uma vez
que o ensino tem sido, frequentemente, uma carreira aberta as mulhe-
res, pode também ser possível que no preciso momento em que os
modelos tradicionais de ocupação forem apresentados aos estudantes, a
noção de uma identidade independente fora do lar e do casamento pode
também ser apresentada, contradizendo assim algumas das mensagens
ideológicas.
Além do mais, uma vez que a maior parte dos docentes são mulheres,
as mensagens de luta e resistência podem estar a ser difundidas sem no
entanto serem politizadas. Como salienta a autora, "a possibilidade que
a escola oferece para a introdução de críticas feministas na sala de aula
não deve ser subestimada, u m potencial que tem vindo actualmente a
ser explorado por grupos de professoras feminista^"^^.
Mais uma vez, é visível a importância de coligações entre pessoas
comprometidas. Grupos de activistas nas comunidades negras, hispâni-
cas, índios, nas comunidades de saúde e do direito, assim como um
determinado número de sindicatos progressistas e grupos feministas
têm vindo a considerar tudo isto com muita seriedade. Claramente.
uma quantidade substantiva de trabalho colaborativo necessita de ser
levada a cabo tanto ao nível educativo como ao nível político. Dada a
variedade de resistências que actualmente se vão construindo no local
de trabalho, essas coligações podem ser conseguidas com alguma facili-
" Brake, ihe Sociology of Youth Culture and Youth Subcultures p. 171. Vide rambem a discussão proposta por Brake
sobre o uso do rock e de outros elementos da cultura popular com o intuito de ganhar espaços a cultura dominante.
pp. 155.161 Estas probabilidades sáo também avançadas por Willis, Paul (1978). Profane Culture, London: Routledge
& Kegan Paul
" McRobbie, Working Class Girls and the Culture o f Fern~ninity,pp. 102-103.
Resistênciae contradyões na classe, cultura e Estado *
Conclusões
Nesta parte final do capítulo tracei, muito sumariamente, algumas
das principais críticas em torno das reformas propostas e ainda aquilo
que percebi como algumas das estratégias devem ser consideradas.
Como sublinhei, reformas como a dos benefícios fiscais e a dos siste-
mas de subsídios educativos são contraditórias. Uma vez que podem ser
transformadas, como tem sido historicamente todo o discurso liberal
no decorrer do seu uso pelas "classes populares", podem, na verdade,
conduzir ao crescimento de instituições alternativas, que podem ajudar
no desenvolvimento de modelos pedagógicos e curriculares socialistas
interessantes e viáveis. Esta questão não deve ser ignorada leviana-
mente.
Ao afirmar isto também digo que a planificação, a construção e a
administração de uma instituição deste género podem ser importantes
por permitirem que as pessoas aprendam as destrezas e as normas eco-
nómicas, políticas e organizacionais exigidas para o funcionamento
mais democrático das instituições. Todavia, e isto é muito importante,
esta questão pressupõe que tais grupos progressistas possam controlar e
organizar os programas que desejam. Assim, os referidos grupos devem
ser muito prudentes no caso de, eventualmente, não poderem controlar
o programa que se encontra proposto.
Se os planos de subsídios educativos, em vez de unirem determinados
grupos específicos, fragmentam-nos, a sua aceitação deve ser seria-
mente reconsiderada. Além do mais, a questão sobre como tais grupos
ganharão mais poder utilizando planos de subsídios educativos é cru-
cial. Por exemplo, nas propostas que estão a ser consideradas na Califór-
nia e noutros estados, muita coisa se encontra por explicar. Não se espe-
cificam os mecanismos específicos através dos quais grupos
pertencentes a classes menos favorecidas podem controlá-los e asse-
gurá-los. Perante o que Navarro e outros revelaram sobre o modo como
os lobbies, o poder e os benefícios desiguais operam ao nível do governo
local e estadual, tais planos, em vez de atenuarem os padrões de desi-
gualdade, podem levar a sua recriação. Perante isto, e até prova em con-
trário, deve-se ser muito céptico.
Numa escala mais abrangente, tive oportunidade de constatar que as
referidas propostas, não só podem permitir que o Estado exporte a sua
crise de legitimação, como também podem expor ainda mais uma parte
significativa das nossas vidas à reorganização com base nos princípios
das relações sociais capitalistas. Daí que tenha também argumentado
que ao permitir que o Estado exporte a sua crise e ao isolar pequenos
grupos de professores e da "comunidade" de actores da mesma classe, as
reformas propostas podem dificultar muito mais o desenvolvimento da
organização e da acção políticas. Finalmente, frisei que a acção política
e pedagógica organizada, a partir do nível local, mas relacionada com as
acções dos vários grupos progressistas engajados na luta por um con-
junto mais justo de arranjos institucionais, é uma condição prévia no
sentido de uma acção séria.
Ao afirmar isto, implicitamente realço que não há princípios gerais,
respostas fáceis sobre quando e onde devemos apoiar ou opor-nos a
reformas deste género. Tal depende decididamente do equilíbrio de for-
ças existente no seio de uma área específica. Só mediante uma análise
da especificidade de cada espaço individual podemos tomar uma decisão
relativa as estratégias apropriadas. Em alguns espaços, o "discurso libe-
ral" das referidas reformas pode, na realidade, providenciar a primeira
verdadeira oportunidade para que os grupos oprimidos organizem e
controlem as suas próprias instituições e desenvolvam as destrezas
organizacionais necessárias, com o intuito de transferirem tais princí-
pios e práticas para outras instituições no seio da sua comunidade. Nou-
tros espaços, pode muito bem suceder que tanto os benefícios fiscais,
como os subsídios educativos produzam precisamente o efeito contrá-
rio. A longo prazo, podem fragmentar grupos progressistas, tornando os
esforços colectivos e concertados muito mais difíceis. Só no contexto de
uma análise sobre as condições e as forças objectivas e ideológicas que
existem em cada local, em particular, e no Estado, em geral, estaremos
em condições de construir uma abordagem viável. De u m modo geral,
argumentaria contra o apoio a tais reformas. A um nível mais específico,
por vezes vejo-as como permitindo o início de acções mais progressis-
tas, mas apenas se se encontrarem satisfeitas determinadas condições
prévias que garantam u m controlo e u m poder efectivos. Deste modo, os
Resistência e contradiçbes na classe, cultura e Estado :'
I
' Ryerson, J.; Son. Inc (sld). The Ryerson Plan: A Teacher Work-Learn Program. Chicago: Ryerson and Son, Inc. (Artigo
náo publicado). Agradeço a Linda McNeil por me ter dado a conhecer este material.
210
A forma curricular e a lógica d o controlo técnico a3
quadro mais positivo da indústria aos alunos: alunos que são habi-
tualmente muito críticos, muito descrentes e basicamente ignorantes
em relação ao funcionamento da grande indústria a~tual."~
'Ib~d
' Downing. Diane (1979). "Soft Choices: Teaching Materials for Teaching Free Enterprise". Austin. Texas: University of
Texas. Institute of Constructive Capitalism, policopiado
'Tal nao significa negar a importància de se analisarem documentos oficiais emanados do Estado. O ensaio de James
Donald sobre o "Green Paper" observado acima oferece um excelente exemplo do poder da análise do discurso, por
exemplo, para se descobrir o que significam e que papel desempenham tais documentos.
Williams. Raymond (1977). Marxisrn and Literatiire. New York. Oxford University Press
aspectos concretos da vida curricular e pedagógica da mesma maneira
que fazemos com as declarações proferidas pelos porta-vozes do Estado
- ou da indústria. Citando Finn, Grant e Johnson, precisamos de analisar
não só as ideologias "sobre" a educação, mas também as ideologias "na"
educaçãos.
Com isto não pretendo afirmar que o nível da prática nas escolas é
fundamentalmente controlado, de forma algo mecânica, pela empresa
privada. Como sector do Estado, a escola medeia e transforma um vasto
leque de pressões económicas, políticas e culturais por parte de classes e
segmentos de classe que se encontram em competição. No entanto, ten-
demos a esquecer que isso não significa que as lógicas, os discursos ou
os modos de controlo do capital não provocarão um impacto crescente
no dia-a-dia das instituições educativas, sobretudo em épocas de "crise
fiscal do Estado"! Este impacto, claramente visível nos Estados Unidos
(embora também se esteja a tornar predominante na Europa e na Amé-
rica Latina), é especialmente evidente no currículo, essencialmente em
alguns dos aspectos mais importantes dos materiais com que alunos e
professores interactuam.
Neste capítulo estarei particularmente interessado na forma e não no
conteúdo curricular. Isto é, a minha preocupação não repousará naquilo
que é realmente ensinado, mas na maneira como o ensino se encontra
organizado. Como tem sido defendido por um determinado número de
analistas culturais marxistas, o modo como funciona a ideologia pode
ser mais bem constatado ao nível da forma, assim como ao nível daquilo
que essa mesma forma contémlO.Tal como defendi neste capítulo, esta
questão é uma das chaves que esclarecem o papel da ideologia "na" edu-
cação.
De forma a compreender parte do que se está a passar na escola e as
pressões ideológicas e económicas que têm vindo a incidir sobre ela e
que a permeiam, tal como tivemos oportunidade de verificar ao longo
dos capítulos 2, 3 e 4, há que situá-la no seio de determinadas tendên-
cias de longo prazo no processo de acumulação de capital e verificar a
'Finn, Dan; Grant, Neil; Johnson, Richard and the CCCS Education Group (1978) "Social Democracy. Education and the
Crisis" Birmingham: University of Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies. p. 34, policopiado
'O'Connor, James (1973). The Fiscal Crisis o f the State New York: St Martin's Press.
''A titulo de exemplo vide Jarneson, Fredric (1971). Marxism and Forrn, Princeton. Princeton University Press; Williams,
Marxisrn and Literature, e Apple, Michael, "ldeology and Form in Curriculum Evaluation", in George Willis (ed) (1978).
%/!tative Evaluation. Berkeley: McCutchan, pp. 495-521
A forma curricular e a lógica d o controlo técnico -;
Desqualificação e requalificação
Antes demais vou abordar superficialmente a natureza desse tipo de
controlo. Na produção capitalista, as empresas compram a força do tra-
balho. Ou seja, compram a capacidade que um indivíduo tem de realizar
trabalho e, obviamente, procuram expandir a utilização do trabalho tor-
nando-o mais produtivo. Esta questão tem, no entanto, um lado oposto.
Com a compra da força de trabalho, adquire-se também o "direito" de
estipular (dentro de determinados limites) como deve ser manuseada,
sem muita interferência ou participação dos trabalhadores na con-
cepção e planificação do trabalho1" Naturalmente, a forma como esta
" Clarke, John (1979). "Capital and Culture The Post War Working Class Revisited", in John Clarke, Chas Critcher e
Richard Johnson (eds.), Work~ngClass Culture, London: Hutchinson. Vide também as importantes analises em Braver-
man, Harry (1979). Labor and Monopoly Capital, New York Monthly Review Press; e Burawoy, Michael (1979).
"Toward a Marxist Theory of the Labor Process: Braverman and Beyond", in Politfcs and Sooety VIII (314)
Edwards. Richard (1979) Contested Terrain: The Transfonnation of the Workplace in the Twenrieth Century New York:
Basic Books. p. 17.
estratégia tem sido conduzida varia ao longo do tempo. Empiricamente,
tem havido uma transformação na lógica de controlo, que tem procu-
rado atingir tais propósitos.
Perante este facto, convém diferenciar os tipos de controlo que têm
sido utilizados. No sentido de uma melhor compreensão, vou simplificar
esta questão, usando tipos ideais básicos.
Podemos distinguir três tipos de controlo que têm sido usados com o
intuito de ajudar a conseguir mais trabalho - simples, técnico e buro-
crático. O controlo simples é exactamente isso, dizendo-se simples-
mente a um indivíduo que se decidiu o que deve ser feito e que, ou ele
obedece, ou sofre as consequências. Os controlos técnicos não são tão
óbvios. São controlos inseridos na estrutura física do trabalho. Mais
uma vez, um bom exemplo é o da tecnologia de controlo numérico na
indústria de máquinas, na qual um trabalhador insere um cartão numa
máquina que determina o ritmo e o nível de destreza da operação. Desta
forma, o trabalhador limita-se a ser um simples assistente da máquina.
Por último, o controlo burocrático significa uma determinada estrutura
social em que o controlo é menos visível, dado que os princípios do con-
trolo se encontram nas relações sociais hierárquicas do local de traba-
lho. As regras impessoais e burocráticas relacionadas com a orientação
do trabalho de cada um, os procedimentos de avaliação do trabalho, as
sanções e recompensas são medidas oficial e previamente aprovadas13.
Tem-se apurado, ao longo dos anos, cada um destes modos de controlo,
embora o controlo simples tenda a tornar-se menos importante a
medida que aumentam o volume e a complexidade da produção.
O longo período de experimentação por parte da indústria dos modos
mais eficazes de controlar a produção tem levado a uma série de conclu-
sões. Em detrimento de um controlo simples exercido explicitamente
pelos supewisores ou pessoas com autoridade para tal (e poderia, por-
tanto, ser subvertido pelos trabalhadores), o poder pode-se "tornar invi-
sível" ao ser incorporado na própria estrutura do trabalho. Tal levanta as
seguintes questões: Deve o controlo provir daquilo que parece ser uma
estrutura global legítima? Deve incidir no verdadeiro trabalho e não se
basear em factores que lhe são estranhos (por exemplo, favoritismos,
etc.)? Powentura ainda mais importante, o emprego, o processo e o pro-
214
A forma curricular e a logica do controlo técnico
duto devem ser definidos de uma forma tão precisa quanto possível,
com base no controlo da gerência, não do trabalhador, do conhecimento
especializado necessário para realizar o trabalho14? Habitualmente, esta
questão implica o desenvolvimento do controlo técnico.
O controlo técnico e a desqualificação tendem a caminhar lado a lado.
Como observámos no terceiro capítulo, a desqualificação faz parte de
u m longo processo em que o trabalho é dividido e posteriormente redi-
vidido com o propósito de aumentar a produtividade, reduzir a "inefi-
ciência" e controlar quer o custo quer o impacto do trabalho. Tem
implicado, com frequência, assumir trabalhos relativamente complexos
(a maior parte dos trabalhos são mais complexos e exigem muito mais
tomadas de decisão do que geralmente se imagina), trabalhos que exi-
gem uma enorme destreza, tomada de decisões, e uma divisão em
acções específicas, com resultados concretos, de forma que os trabalha-
dores menos qualificados e mais baratos possam ser utilizados, ou de
modo que o controlo do ritmo do trabalho e do resultado se intensifi-
que. Naturalmente, a linha de montagem é um dos arquétipos de tal
processo. Inicialmente, a desqualificação tendia a envolver técnicas
como o taylorismo e vários estudos de tempo e movimento. Muito
embora tais estratégias para a divisão e controlo do trabalho não fossem
muito eficazes (geraram, contudo, enorme resistência e conflito^)'^,
tiveram êxito ao ajudar a legitimar um estilo de controlo apoiado, em
grande parte, na desqualificação.
Uma das estratégias mais eficazes tem sido a incorporação do controlo
no processo de produção. Desta forma, hoje em dia, a maquinaria nas
fábricas é muitas vezes planeada de forma que o operador não tenha que
fazer mais do que carregar e descarregar a máquina. Nos escritórios, a
tecnologia de processamento de texto é utilizada com o propósito de
reduzir os custos do trabalho e desqualificar as mulheres trabalhadoras.
Assim, a administração tenta controlar não apenas o ritmo de trabalho,
como também as destrezas requeridas para aumentar, de forma mais efi-
caz, as margens de lucro ou a produtividade. Mais uma vez, tal como o
comprova a história da resistência formal ou informal dos trabalhadores,
este género de estratégia - a construção de mecanismos de controlo na
Ibid., p. 1 10
li Vide Noble, David (1977). America By Design. Science, Technology and the Rise of Corporate Capitalism. New York:
Alfred A Knopf; e Burawoy. "Toward a Marxist Theory of the Labor Process".
própria rede e trama do processo de produção - tem sido contestadaI6.
Contudo, é bem explícito o crescente requinte no recurso aos procedi-
mentos de controlo técnico por parte dos empresários e dos burocratas17.
Como frisei, a desqualificação é um processo complexo à medida que
penetra numa variedade de instituições económicas e culturais. No
entanto, não é difícil captar um dos seus mais importantes aspectos.
Quando os trabalhos são desqualificados, o conhecimento que os coad-
juvava, que era controlado e utilizado pelos trabalhadores no dia-a-dia
nos postos de trabalho, desloca-se para algum local. Como analisei no
capítulo terceiro, a gestão tenta (com vários níveis de sucesso) acumu-
lar e controlar esta amálgama de destrezas e de conhecimento. Dito de
outro modo, tenta separar a concepção da execução. O controlo do
conhecimento permite que os órgãos de gestão planifiquem; ideal-
mente, o trabalhador deveria simplesmente realizar as referidas planifi-
cações de acordo com as especificações e o ritmo estabelecidos por pes-
soas distantes do verdadeiro centro da produção.
Contudo, a desqualificação faz-se acompanhar de algo mais, por
aquilo que se poderia denominar por requalificação. São necessárias
novas técnicas que garantam o funcionamento das novas máquinas;
novas ocupações são criadas à medida que se avança com a redivisão do
trabalho. É necessário u m reduzido número de profissionais qualifica-
dos e a grande quantidade de trabalhadores até então existentes é subs-
tituída por u m pequeno número de técnicos com diferentes habilita-
ções que supervisionam as máquinas18. Habitualmente, este processo
de desqualificação e requalificação encontra-se largamente distribuído
pelo campo da economia, o que dificulta um rastreio das relações que
provoca. Não é muito comum vê-lo operar a u m nível de especificidade
tal que se torne explícito, uma vez que enquanto um grupo se encontra
sujeito a processos de desqualificação, um outro grupo, muitas vezes
separado no tempo e no espaço, encontra-se submetido a processos de
requalificação. Todavia, uma determinada instituição - a escola - provi-
dencia u m excepcional microcosmos através do qual podemos consta-
tar estes tipos de mecanismos de controlo em funcionamento.
i t z , (1978). "Marx. Braverman and the Logic of Capital". The Insugent Scciologist VIII. pp. 126-146; e
' 6 A r ~ n ~ ~ Stanley
Montgomery. David (1979). Worker's Control in Arnerica. New York: Carnbridge University Press.
" Edwards, Contested Jerrain.
'' Barker. Jane: Downing, Hazel (1979). "Word Processing and the Transformation of Patriarchal Relations". Birmingham:
University of Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies. Artigo não publicado.
A forma curricular e a lógica d o controlo técnico ;ir
'' Dale, Roger (1979). "The Politicization of School Deviance". In Len Barton & Roland Meighan (eds ). School, Pupils and
Deviance. Driffield. Nafferton Books, pp 95-1 12
'O Gitlin. Todd (1979) "Prime Time Ideology. The Hegemonic Process in Television Entertainment" Social Problems XXVII.
pp 251-66. Neste caso é ainda importante o livro de Wexler Philip. Crrtrcal Social Psychology. London. Roiitledge &
Kegan Paul, no prelo, sobre a discussão da mercantilização das rela(-óesintimas.
" Este fenómeno náo se circunscreve apenas a realidade norte-americana. As subsidiárias estrangeiras das companhias
que produzem tais materiais transferem e comercializam os produtos no Terceiro Mundo e noutros mercados. Fm mui-
tos aspectos. e semelhante ao imperialismo cultural da Walt Disney Productions. Vide. por exemplo, Dorfman. Ar~el.e
Mattelart, Armand (1975), How To Read Donald Duck, New York: International General Editions.
conteúdo curricular e material necessário, pré-especificação das acções
, dos professores e das respostas adequadas dos alunos e testes de diag-
nóstico e de desempenho coordenados com o sistema. Geralmente,
estes testes implicam um conhecimento curricular "reduzido" a "apro-
priação" de destrezas e comportamentos. Esta ênfase colocada nas des-
trezas revelar-se-á extremamente importante na análise que vou fazer
mais adiante.
Deixem-me dar um exemplo, a partir de um dos sistemas curricula-
res mais largamente utilizados, entre o grande conjunto de materiais
que se tornaram estandardizados nas escolas básicas norte-americanas.
O exemplo é extraído do "Módulo 1 de Ciência: Uma Abordagem de
Processo". A noção "módulo" é aqui muito importante. O material
encontra-se pré-empacotado em caixas de papelão com cores atractivas.
Está dividido em 105 módulos separados, cada um deles incluindo um
conjunto de conceitos predeterminados a serem ensinados. O material
especifica todos os objectivos. Inclui tudo o que um professor "neces-
sita" para ensinar, contém já as etapas pedagógicas que um professor
deve dar de forma a atingir tais objectivos e também inclui processos
de avaliação. Mas isto não é tudo. Não só pré-especifica quase tudo o
que o professor deve saber, dizer e fazer, como ainda, frequentemente,
oferece um quadro sobre as respostas adequadas dos alunos a tais ele-
mentos.
Com o propósito de esclarecer ainda mais esta questão, eis uma
sequência retirada do material que descreve o procedimento institucio-
nal, a resposta do aluno e a actividade avaliativa. Relaciona-se com as
cores:
"Assim que a criança chegar a escola prenda u m rectângulo de
papel vermelho, amarelo ou azul na sua roupa... e faça um comentá-
rio sobre a cor do papel, pedindo a criança para dizer o nome da cor
que tem...
Coloque trinta quadrados de papel amarelo, vermelho ou azul num
saco grande ou numa pequena caka. Mostre as crianças três fichas de
papel: uma vermelha, outra amarela e outra azul. (Para sugestões
sobre como devem ser pintadas, ver "Materiais".)Estas cores devem
ser exactamente as mesmas que se encontram no saco. Peça & crian-
ças que se dirijam, poucas de cada vez, para a frente da sala de aula e
faça com que cada uma tire um quadrado do saco colocando-osobre a
ficha marcada com a cor correspondente. [Precisamente para que o
A forma curricular e a lógica do controlo técnico 41
Esta tarefa é feita para cada cor. Posteriormente, após colocar os cubos
laranja, verde e roxo em frente de uma criança, o material prossegue:
Tarefa4: Diga: Coloca o dedo sobre o cubo laranja.
Tarefa 5: Diga: Coloca o dedo sobre o cubo verde.
Tarefa 6: Diga: Coloca o dedo sobre o cubo roxo".
" Science, A Process Approach: Module One (Lexington: Ginn & Co.. 1974). pp. 3-4.
" Ibid, p. 7 .
" Ibid.
Alonguei-me um pouco na transcrição do exemplo para dar a ideia da
abrangência do controlo técnico na vida da escola. Muito pouco daquilo
que poderia ser metaforicamente denominado por "processo de produ-
ção" é deixado ao acaso. Em muitos aspectos, poder-se-ia considerá-lo
como a descrição de um processo de desqualificação. Observemos esta
questão mais detalhadamente.
Neste caso, o meu objectivo não é o de argumentar contra o conteúdo
curricular ou pedagógico específico desse tipo de material, muito
embora uma análise desse género pudesse ser interessante'". Pelo con-
trário, pretendo debruçar-me sobre a forma. Que impacto provoca?
Repare no que acontece aqui. Os objectivos, o processo, o resultado e os
critérios de avaliação são definidos o mais precisamente possível por
pessoas externas a situação. No caso da avaliação de competências no
final do módulo, tal inclui a especificação precisa das palavras que
devem ser proferidas pelo professor.
Repare também no processo de desqualificação em vigor. As destrezas
de que os docentes habitualmente necessitavam, tidas como essenciais
para a arte de trabalhar com crianças - tais como a planificação e a
deliberação do currículo, a planificação de estratégias curriculares
e de ensino para grupos e indivíduos específicos, com base n u m
conhecimento íntimo das referidas pessoas -, já não são necessárias.
Com o fluxo massivo de materiais pré-empacotados, a planificação
separa-se da execução. A planificação realiza-se ao nível da produção,
tanto das regras para a utilização do material, como do próprio
material. A execução é empreendida pelo docente. No decorrer do
processo, aquilo que previamente se considerava como destreza válida,
gradualmente, vai-se atrofiando, porque são exigidas com menor
frequênciaz6.
A título de exemplo, wde a análise que realizo sobre os currículos de Ciências em Apple, Michael (1979). Ideology and
Curr~culurn,London Routledge & Kegan Paul
'6Todavia, não 6 minha intencao romantizar aquele passado. Muitos professores provavelmente simplesmente seguiam
antes o manual. Contudo, o nível de especificidade e a integracão dos aspectos curriculares. pedagógicos e avaliativos
da vida na sala de aula num sistema e acentuadamente diferente A utilização do sistema transporta consigo muito
mais controlo técnico de cada aspecto do ensino do que os currículos anteriores baseados no manual Obviamente.
alguns professores não seguirão as normas do sistema Mas. face ao nível de integração, será indiscutivelmente muito
mais difícil ignorá-lo dado muitos sistemas constituírem o programa central ou unico naquela area curricular em toda a
escola ou distrito Desta forma, a responsabilidade perante o próximo nível escolar e a prestação de contas aos gestores
dificultam a possibilidade de ignorá-lo Regressarei mais a frente a esta questão
Para uma interessante análise teórica sobre o desenvolvimento histórico e das razões que levaram outros a denominar
por "alienação do professor a partir dos seus produtos" no decorrer do referido processo de desqualificação. vide
Levin, Henry (1980). "Education Production Theory and Teacher Inputs", in Charles Bidwell e Douglas Windham (eds ).
The Analysa of Educat~onalProductiv~ty, volume 11, Cambridge, Mass Ballinger Press, pp. 203-231
A forma curricular e a lógica do controlo técnico -
" Isto pode ser semelhante ao que sucedeu nas primeiras fdbricas na Nova Inglaterra. quando os processos estandardiza-
dos de produção diminuíram abruptamente o contacto entre os trabalhadores. Vide Edwards. Contested Terrain, p. 114.
Todavia, um recente trabalho da autoria de Andrew Gitlin descreve que nalguns ambientes a interacção aumenta. con-
tudo. relativamente as questões tecnicas levantadas pelo material. No referido trabalho, os professores lidam inicial-
mente com problemas de eficiencia organizacional face As pressões da própria forma curricular. Vide Gitlin, Andrew
(1980). Understanding the Work o f Teachers, University of Wisconsin, Madison. Tese de doutoramento não publicada
A forma curricular e a lógica do controlo técnico *
" Apple. Ideology and Curriculurn. e Noble, Arnerica By Design Poder-se-ia também argumentar que as escolas operam
para criar um valor de uso e não um valor de troca. Erik Olin Wright, comunicaçáo pessoal
O' Olin Wright, Erik (1978). Class, Crisis and theState. London: New Left Books.
'' Assim, quaisquer resultados da escolarizaçao devem ser analisados como os "produtos" das resistências culturais. poli-
ticas e econ6micas e ainda como conjuntos de determinações estruturais, tal como tive oportunidade de referir no capi-
tulo 4. Vide Apple, Michael W. (1980). "Analyzing Determinations: Understanding and Evaluating the Production of
Social Outcomes in Schools", Curriculurn Inquiry X, pp 55-76
" Náo pretendo ignorar a questso da relaçáo entre capitalismo e burocracia. Weber e outros não estavam errados
quando salientaram que há necessidades de racionalizaçáoespecíficas das próprias formas burocraticas.Todavia, nem a
forma como a burocracia cresceu nas economias corporativas. nem os seus efeitos foram neutros. Esta questão surge
tratada mais pormenorizadamente em Clawson. Daniel C. (1978). Class Struggle and the Rise o f Bureaucracy, State
University of New York, Stony Brook. Tese de doutoramento não publicada. Vide, tambem. Wright. Class. Crisn and the
State.
A forma curricular e a lógica do controlo técnico
Barker e Downing. "Word Processing and the Transformation of Patriarchal Relations". Vide também Noble, America
By Design, e a sua opiniáo sobre a estandardizaçáoe a sua relação com a acurnulaçáo de capital.
A introdução original de material pré-empacotado foi estimulada por
uma rede específica de forças políticas, culturais e económicas nos
anos 50 e 60, nos Estados Unidos. A perspectiva, por parte dos académi-
cos, de que o docente não revela preparação em muitas áreas do currí-
culo "obrigava" à criação daquilo que se denominou por "materiais à
prova de professor". O clima de guerra fria (na sua maior parte, criado
e estimulado pelo Estado) levou a uma ênfase na produção eficiente de
cientistas e de técnicos, bem como à criação de uma força de trabalho
significativamente estabilizada; deste modo, tornava-se assim cada vez
mais importante a "garantia" de tal produção através do currículo esco-
lar34. A acrescentar a tudo isto, a decisão do aparelho educativo do
Estado, através do National Defense Education Act, providenciando o
equivalente a benefícios financeiros às Direcções Regionais na compra
de novos currículos criados pelo "sector privado", a fim de aumentar
a eficiência. Simultaneamente, as dinâmicas internas da educação
desempenhavam o seu papel, uma vez que a psicologia comportamen-
tal e da aprendizagem - cujos princípios fundamentam muitos destes
sistemas - adquiriam um prestígio crescente num campo como o edu-
cativo, em que ser considerado como uma ciência era um acto critica-
mente importante, quer para a obtenção de financiamentos, quer para
desviar a crítica35,fortalecendo, desta forma, a sua legitimidade no seio
do aparelho de Estado e no público. Num passado mais recente, a
influência crescente do capital industrial dentro dos ramos executivo e
legislativo do governo, bem como a burocracia auxiliar36, constitui,
sem dúvida, um elemento essencial, dado existir uma evidência recente
de que o governo federal tem recuado na produção e distribuição gene-
ralizada de currículos de grande escala, preferindo estimular o "sector
privado" de modo que este se envolva mais profundamente em tal pro-
d~ção~~.
Isto permite-nos uma visão rápida da história, no entanto, por que
razão tal movimento perdura ainda actualmente? Um elemento-chave.
' mente, a sua aceitação por parte de uma vasta gama de classes e grupos
de interesses.
O indivíduo possessivo
Tenho vindo a analisar o aumento no trabalho dos professores de sis-
temas de controlo técnico que se encontram incorporados na forma
curricular. No entanto, os professores não são os únicos actores presen-
tes no quadro em que encontramos o referido material. Existem tam-
bém os alunos.
Vários autores têm salientado que cada tipo de formação social
"requer" um tipo particular de indivíduo. Williams e outros, por exem-
plo, têm-nos ajudado a descrever o desenvolvimento de um indivíduo
abstracto, nascido das práticas teóricas, culturais e económicas do capi-
t a l i ~ m o Não
~ ~ . estamos perante meras mudanças na definição de indiví-
duo, mas perante transformações nos verdadeiros modos de produção,
reprodução e consumo material e cultural. Ser indivíduo na sociedade
significa uma inter-relação complexa entre os significados e as práticas
diárias e um modo "externo" de produção. Muito embora não pretenda
''Todavia. conforme tive ocasião de salientar anteriormente, deveríamos recordar-nos que a acumulação e a legitimaçáo
podem, por vezes, estar em conflito entre si. Vide Wright, Class, Crisis and the State, para uma análise de possíveis con-
tradiçóes e para uma abordagem da crucialidade de se compreender o modo como o Estado e as burocracias medeiam
e retroagem sobre "determinações econ6micas". Muito embora não tenha especificamente afirmado isto aqui, a trans-
formação do discurso nas escolas e semelhante e precisa ser analisada a luz do processo descrito por Habermas na sua
análise sobre os interesses constitutivos da acção intencionallracional Abordo esta questáo com alguma profundidade
em Apple. Ideology and Curriculum
'' Clarke, Capital and Culture The Post War Working Class Revisited, p 241
'Williams, Raymond (1961). The Long Revolution London Chatto & Windus, e MacPherson, C. 0. (1972) The Political
iheory o f Possessive Individualism New York Oxford University Press
A forma curricular e a lógica do controlo técnico -
Johnson, Richard (1978) "Three Problematics. Elements of a Theory of Working Class Culture". In John Clarke. Chas
Critcher e Richard Johnson (eds.), Working Class Culture. London: Hutchinson, p. 232
" Wright, WiII (1975) S~xgunsand Society Berkeley: University of California Press. p. 187.
Um exame efectuado a estes "sistemas" curriculares revela a ampli-
tude em que ocorre esse tipo de movimento ideológico, através de for-
mas curriculares, cada vez mais dominantes. Em tais sistemas, a cadên-
cia em que um estudante avança é individualizada; todavia, tanto o
verdadeiro produto obtido, como o próprio processo são especificados
pelo próprio material". Deste modo, não é "só" o professor que enfrenta
a invasão do controlo técnico e a desqualificação. As respostas dos alu-
nos são também profundamente pré-especificadas. A maior parte do
leque crescente de materiais tenta, o mais possível, especificar não só a
linguagem, mas também a acção adequada do aluno, frequentemente
reduzindo-as à aprendizagem de conjuntos de competências ou de des-
trezas. Neste contexto, parece-me correcta a análise de Wright.
A ideia de reduzir o currículo a um conjunto de destrezas é importante,
uma vez que se insere num processo mais abrangente através do qual a
lógica do capital apoia a construção de identidades e transforma significa-
dos e práticas culturais em mercadorias4'j.Ou seja, se o conhecimento em
todos os seus aspectos (do tipo lógico como "quê", "como" ou "para quê" -
isto é, informação, processos e predisposições ou tendências) é fragmen-
tado e mercantilizado, então, e à semelhança do que acontece com o capi-
tal económico, também pode ser acumulado. O estigma de um bom aluno
é a posse e acumulação de uma vasta quantidade de destrezas ao serviço
dos interesses técnicos. Esta questão é muito interessante enquanto meca-
nismo ideológico de manutenção da hegemonia. As pessoas, numa socie-
dade mais ampla, consomem como indivíduos isolados. O seu valor é
determinado pela posse de bens materiais ou, como Will Wright salientou,
de destrezas técnicas. A acumulação de tais bens ou do "capital cultural"
de competência técnica - neste caso, fracções atomísticas de conheci-
mento e destrezas medidas por pré-testes e pós-testes - é um procedi-
mento técnico que exige apenas a aprendizagem de destrezas técnicas pré-
vias necessárias e tempo suficiente para o cumprimento das regras, de
acordo com um determinado ritmo, até à conclusão. É a mensagem da
nova pequena burguesia que extravasa para o campo ideológico da escola,
mensagem que pode, na verdade, conduzir à sua rejeição por parte dos
estudantes de outras classes ou segmentos de classe no dia-a-dia da escola.
O trabalho de Bernstein sobre classe e c6digos educacionais e aqui interessante Tal como salienta o autor, "o ritmo do
conhecimento educativo baseia-se na classe" Bernsteln, Basil (1977) Class, Codes and Control, volume 3 London
Routledge & Kegan Paul, p 113
4 6 A r ~ n ~ Stanley
~ ~ t z ,(1973) Fake Promises New York McGraw-HiII. p 95
A forma curricular e a logica do controlo tecnico
Resistências
A perspectiva que apresentei não é nada optimista. Tal como as activi-
dades dos alunos são progressivamente especificadas e como as regras,
processos e resultados padronizados se vão integrando nos materiais
curriculares e vão sendo por eles adaptados, também os professores são
desqualificados, requalificados e votados ao anonimato. Os alunos
apoiam-se em materiais cuja forma tanto isola os indivíduos uns dos
outros, como estabelece condições para a existência do indivíduo pos-
%Edward. Contested Terrain, p. 151 Naturalmente, isto náo significa que não irão suceder importantes resistências e
praticas contrárias Como demonstrei no capítulo 3. frequentemente, sucede precisamente o contrario. Todavia.
ocorrem, habitualmente, no terreno estabelecido em grande parte pelo capital
I
A forma curricular e a logica do controlo tecnico ei
.
sessivo: os conteúdos do material curricular e a natureza do processo
de controlo técnico têm praticamente o mesmo impacto junto do pro-
fessor. Envolvida numa lógica específica de controlo, a força objectiva
das relações sociais inseridas na própria forma tende a ser muito mais
poderosa.
No entanto, não defendo uma espécie de perspectiva funcionalista em
bruto, em que tudo se encontra medido ou se dirige para a capacidade
de reproduzir uma sociedade estática. A criação do tipo de hegemonia
ideológica "provocada" pela introdução galopante do controlo técnico
não é "naturalmente" predeterminada. É algo ganho ou perdido em
lutas e conflitos específicos5'.
Por u m lado, os professores serão controlados. Tal como destacou
uma professora a respeito de um conjunto muito utilizado de materiais
escolares, muito mais específico e orientado do que aqueles que tive
oportunidade de analisar anteriormente: "Olha, não tenho escolha. Pes-
soalmente, não gosto do material, mas todas as escolas da Direcção
Regional têm que o utilizar. Tento fazer também outras coisas, no
entanto, em essência, o currículo fundamenta-se nestes materiais."
Por outro lado, as resistências estarão lá. Essa mesma professora que
discorda de tal currículo, mas que, no entanto, o utiliza, em parte, tam-
bém o subverte de formas interessantes. A referida professora utiliza-o,
apenas, três vezes por semana e não nos cinco dias, como se encontra
especificado. Como diz a própria professora: "Se nós trabalhássemos
arduamente, concluiríamos todo este material em dois ou três meses;
além do mais, é confuso e maçudo. Assim, tanto quanto possível, tento
ir um pouco mais além, desde que não ensine a matéria que irá ser lec-
cionada no próximo ano lectivo". Como podemos constatar da parte
final do comentário desta professora, as condições internas fazem com
que as resistências explícitas sejam de muito difícil concretização.
Entretanto, tais condições internas não devem constituir u m obstá-
culo para os professores se apropriarem dessas formas mercantiliza-
das, de provocar respostas criativas às ideologias dominantes, de
algum modo, idênticas às que os grupos de estudo contraculturais
realizados pelos etnógrafos marxistas efectuaram à mercantilização
da cultura.
Johnson. Richard (1970) ' Historles of Culturefiheories of Ideology Notes on an Irnpasse", in Michele Barrett et a1
I'
233
A
Tais grupos transformavam e reinterpretavam os produtos que com-
pravam e utilizavam tornando-os em ferramentas para a criação de espa-
ços alternativos de r e ~ i s t ê n c i a ~Alunos
~. e professores podem também
encontrar métodos de utilização criativa de tais sistemas de formas ini-
magináveis, quer pelos burocratas do Estado, quer pelas editoras capita-
listas. (Todavia, devo admitir que as repetidas observações de salas de
aula que tenho efectuado ao longo dos últimos anos não me deixam
muito optimista quanto a possibilidade de tal acontecer com frequência).
No entanto, outros elementos inseridos no referido contexto podem
permitir um espaço para que significados e práticas distintos se desen-
volvam no seio da própria forma curricular. Com efeito, devemos
recordar que podem existir elementos progressistas dentro do con-
teúdo do currículo contradizendo as mensagens da forma53. O próprio
facto de os industriais se mostrarem interessados no conteúdo denun-
cia a crucialidade do conteúdo numa área polémica. E é na interacção
do conteúdo da forma e da cultura vivida dos estudantes que se for-
mam as subjectividades. Nenhum elemento desse conjunto de relações
pode ser ignorado.
Muito embora tivesse aqui salientado a forma do material escolar, é
importante especificar mais pormenorizadamente o que está em ques-
tão ao analisar as possíveis contradições que existem entre a forma e o
conteúdo. Uma "leitura" ideológica de qualquer material não é uma
questão simples. De facto, uma leitura desse género não se pode limitar
a uma análise de conteúdo, ao que um "texto" simples e abertamente
"diz", sobretudo se estivermos interessados nas bases a partir das quais
se pode gerar a resistência. A esse respeito, as análises podem vir a bene-
ficiar muito da interpretação do trabalho de autores como Barthes,
Macherey, Derrida e outros investigadores do processo de significação e
do impacto da ideologia sobre a produção cultural. Deste modo, com-
pletar a análise do conteúdo implica o envolvimento numa leitura
semiológica do artefacto cultural com o intuito de "extrair a estrutura
de significações no seio do objecto que oferece um parâmetro" para as
suas possíveis leituras54.Tal não significa que todas as leituras possíveis
possam ser especificadas. Devemos ter presente, como argumenta
Willis, Paul (1978). Profane Cultvre. London: Routledge & Kegan Paul.
I3 Geoff Whitty ajudou-me muito a compreender esta questão.
" Summer. Colin (1 979) Reading Mmlogies. New York Academic Press, p. 134
A forma curricular e a lógica do controlo técnico
Ibid., p 149.
56 HIII, John (1979). "ldeology. Economy and the British Cinema". in Michele Barreii et al. (eds ), ldeology and Cultural
Production. New York: St. Martin's Press, p. 114
'' Ibid.. p. 1 1 5.
Tal como afirma Hill na citação anteriormente referida, o "signifi-
cado" do conteúdo não deve ser procurado apenas no texto ou no pro-
"
duto cultural em si, nos códigos e regularidades (muito embora uma
leitura nesses termos seja parte essencial de uma análise completa).
O significado é também constituído "na interacção do texto e dos seus
u t i l i z a d ~ r e s " neste
~ ~ , caso, entre o conteúdo do currículo e o aluno.
No entanto, esta questão está ainda incompleta. Como Hill também
salienta, a noção de exclusão é um elemento-chave. Os produtos cultu-
rais não só "dizem", como também "não dizem". O facto de precisarmos
de investigar não apenas "o que o material diz" e o respectivo excedente
de significado, mas também o que exclui, é salientado por autores como
Macherey e Eagleton. Como ambos frisaram, qualquer texto não é
necessariamente constituído por significados imediatamente explícitos
- as tais positividades destacadas anteriormente na citação de Hill - e
facilmente constatados por qualquer observador. Pelo contrário, u m
texto "traz inscrito no seu interior as marcas de certas ausências deter-
minadas, que transformam as suas significações num conflito e contra-
dição". O que não é dito num texto é tão importante quanto o que é
dito, dado que "a ideologia encontra-se presente no texto na forma dos
seus eloquentes silêncio^"^^.
Desta forma, e resumindo, para examinar adequadamente as possíveis
contradições entre forma e conteúdo nos materiais curriculares, preci-
samos de descodificar o que se encontra presente e ausente no próprio
conteúdo, que estruturas fornecem os parâmetros para as suas possíveis
leituras, que "dissonâncias" e contradições existem no seu seio que
podem remeter para leituras alternativas e, finalmente, as interacções
de conteúdo e cultura vivida do leitor".
Este último ponto relativo a cultura vivida dos actores, os próprios
estudantes, deve ser realçado, uma vez que precisamos de recordar as
suas culturas vividas anteriormente descritas. Devemos esperar resistên-
"1b1d.p 122.
'' Eagleton. Terry (1976). Critfc~smandldmlogy London: New Left Books, p 89.
Naturalmente. estas leituras internas podem ir longe de mais. Com efeito, centrar a atenção apenas sobre as contradi-
~ ó e se ideologias no seio de e produzidas por tal matéria, ou sobre as contradiçoes produzidas pela relação entre forma
e conteúdo. acarreta um perigo sério Podemos negligenciar o quanto sáo fundamentais as for~asque "determinam" a
verdadeira produção do material curricular sob essa forma. uma questão que abordei previamente na andlise sobre o
modo como a escola se tornou num mercado muito lucrativo. A titulo de exemplo, vide os ensaios sobre a
economia política da produção cultural por Golding e Murdock e outros em Barrett e t a1 (eds ), Ideology and Cultural
Rcduct~on.
A forma currtcular e a lógica do controlo tecnico -
os orçamentos das escolas são cada vez mais reduzidos, não há dinheiro
disponível para comprar novos materiais ou para substituir os obsole-
tos. Qualquer "excedente" em dinheiro tende a ser canalizado para a
compra contínua do material consumível exigido pelo currículo pré-
empacotado. Gradualmente, acabam por ficar com "dinossauros" caros.
É importante entender as questões económicas de tal processo, caso
pretendamos perceber as pressões contraditórias que origina. Uma vez
que o aparelho do Estado tem ampliado o leque de participação no pro-
cesso de tomada de decisão curricular, criando comissões de selecção de
materiais (as quais, em alguns casos, incluem agora pais, bem como
professores), embora os materiais seleccionados não possam, na maior
parte dos casos, ser posteriormente substituídos dado o custo envolvido,
o Estado abre novos espaços de oposiçãoa. 0 crescimento do discurso
sobre os direitos de selecção (um direito que não pode, actualmente, ser
exercido de nenhuma forma significativa) surge objectivamente em
desacordo com o contexto económico em que o Estado presentemente
se encontra. Transforma, desta forma, a questão numa questão poten-
cialmente volátil, de uma forma muito semelhante a que foi retratada
na análise que efectuei no capítulo 4, relativa à relação contraditória
entre o discurso liberal dos direitos da pessoa e as "necessidades" do
capitalismo avançado64.
Todavia, tais conflitos potenciais podem ser enfraquecidos pelas con-
dições económicas e ideológicas muito poderosas que se revelam tão
explicitamente para os que trabalham no seio do aparelho do Estado. E
as referidas pressões podem provocar implicações importantes e idênti-
cas para aqueles professores que, na realidade, podem reconhecer o
impacto que a racionalização e o controlo têm sobre si próprios.
Com muita facilidade se esquece uma questão: que não atravessa-
mos uma boa época, ideológica ou economicamente, para professores
que se envolvem em actos explícitos de resistência. Actualmente,
perante o difícil clima ideológico e a situação de emprego entre os
professores - com milhares de demitidos ou vivendo sob a ameaça
de demissão - a perda do controlo pode desenvolver-se quase sem
qualquer oposição. Desqualificação e requalificação, processos de
- 239
anonimato e racionalização progressivas, a transformação do trabalho
educativo, todas estas questões parecem de algum modo menos
importantes que as preocupações económicas, como por exemplo a
segurança no emprego, o salário, etc., mesmo que nos pareçam ser,
claramente, parte integrante da mesma dinâmica.
No entanto, ao afirmarmos isto, devemos reconhecer que tais mensa-
gens sociais poderosas, muito embora imbricadas nas verdadeiras expe-
riências dos professores e dos alunos, a medida que se sucede o seu dia-
-a-dia nas salas de aula, são profundamente mediadas por outros ele-
mentos. O facto de os professores individualmente, tal como a maioria
dos trabalhadores, poderem desenvolver padrões de resistência aos
padrões de controlo técnico, ao nível cultural informal, altera as referi-
das mensagens. As ideologias contraditórias do individualismo e da co-
operação, geradas naturalmente a partir das condições de sobrelotação
de muitas salas de aula (não se pode ser um indivíduo isolado o tempo
todo, quando existem vinte ou trinta pessoas com as quais o professor
deve lidar), providenciam também possibilidades de acção contraditórias.
E por último, do mesmo modo que os trabalhadores das fábricas e dos
escritórios têm encontrado, constantemente, formas para assegurar a
sua humanidade, lutando ininterruptamente para integrar a concepção
e a execução no trabalho desenvolvido (quanto mais não seja, pelo
menos, para aliviar a monotonia), digamos que também os professores e
os alunos podem encontrar plataformas, nas brechas, para fazer as mes-
mas coisas. A verdadeira questão não é a de saber se tal resistência
existe efectivamente - como tenho demonstrado neste livro, nunca se
encontram muito longe da superfície - mas se são, em si, contraditó-
rias, se conduzem a algum lugar para além da reprodução da hegemo-
nia ideológica das classes mais poderosas da sociedade, se podem ser
utilizadas na educação e em intervenção política.
A primeira tarefa é encontrá-las. Há que, de alguma forma, dar vida às
resistências, às lutas. O que fiz aqui foi apontar para o terreno dentro
das escolas (a transformação do trabalho, a desqualificação e a requalifi-
cação, o controlo técnico, etc.) onde se estabelecem as referidas lutas.
As resistências podem ser informais, não inteiramente organizadas ou,
inclusive, inconscientes; no entanto, tal não significa que não terão
qualquer efeito. Na verdade, como nos recordam Gramsci e J ~ h n s o na~ ~ ,
I
activamente.
A análise do processo através do qual o conhecimento técnico-admi-
nistrativo é reintroduzido na escola, pelas formas curriculares domi-
nantes, remete para algumas das estratégias de acção que oportuna-
, mente analisei nos capítulos anteriores. Como salientei, a expansão de
lógicas particulares de controlo do processo de trabalho gera efeitos
66 Vide, como exemplo, alguns dos materiais sugeridos em Wolf-Wasserman Miriam, & Hutchinson, Kate (1978). Teaching
Hurnan Dignity Minneapolis Education Exploration Center Tarnhem se revela pertinente neste caso o trabalho de Shor
Ira (1980). Critical Teaching andEveryday Life Boston South End Press
243
Trabalho educativo e político
Será possível o êxito?
Reconstruindo a tradição
Ao longo deste livro tentei fazer uma série de coisas. Grande parte dos
meus argumentos envolveram uma crítica conceptual e empírica sobre
as teorias mecanicistas da reprodução, não negando as efectivas "deter-
minações" que existem. Defendi que não se podem simplesmente redu-
zir todos os aspectos da forma e do conteúdo do currículo explícito e do
currículo oculto veiculado nas escolas a expressões directas das necessi-
dades económicas. Mesmo quando a educação "opera" apoiando a
manutenção do modo de produção actual, os motivos de tal actuação
são profundamente mediados e corporizam "sempre"mais do que uma
simples funcionalidade. Em grande parte, tal problemática deve-se ao
facto de que não se pode ler a cultura e a política como se fossem ima-
gens-espelho que passivamente reflectem os interesses da classe domi-
nante. Uma abordagem deste género não só seria inerentemente não
dialéctica, como também significaria ignorar a importância crucial e a
dinâmica do patriarcado.
Obviamente, existem relações importantes entre as esferas cultural,
política e económica, sendo esta última muito poderosa. E é ainda igual-
mente óbvio que há condições materiais e ideológicas que favorecem con-
dições de existência de uma parte significativa da nossa formação social.
Contudo, paralelamente a isto, a natureza "relativamente"autónoma de
tais esferas, as contradições existentes entre elas e no seu próprio seio e as
suas complexas interpenetrações desperdiçar-se-ão caso não desafiemos as
teorias claramente deterministas que dominam as análises contemporâ-
neas da educação. Igualmente importante é o facto de ao ignorarmos as
contradições reduzirmos de forma irrealista as áreas em que a verdadeira
acção educativa e política pode e deve desenvolver-se.
Por outro lado, se entendermos a cultura e a política como espaços de
luta, o trabalho contra-hegemónico no seio de tais esferas torna-se
muito importante. Se a forma e o conteúdo culturais e o Estado (bem
como a economia) são inerentemente contraditórios, e se as referidas
contradições são vividas na própria escola por professores e alunos, o
leque de acções possíveis aumenta consideravelmente.
Todavia, neste caso concreto é aconselhável salvaguardarmos um
aspecto. Neste livro, não tive intenção de refutar ou ignorar totalmente o
trabalho desenvolvido pelos economistas políticos da educação ou pelos
teóricos da reprodução cultural. Tal como comprovam os argumentos
que tive oportunidade de expor, algumas das suas reivindicações, e inclu-
sive alguns aspectos relacionados com o seu aparato conceptual, preci-
sam de ser questionadas. Contudo, fazê-lo de uma forma generalista sig-
nificaria ignorar o quanto os referidos autores nos permitiram avançar e
o quanto Ihes devemos. Pelo contrário, precisamos de construir a nossa
I
análise a partir do seu trabalho, rejeitando o que parece agora demasiado
simplista ou incorrecto, e estender a nossa abordagem a áreas para as
quais eles não se encontravam preparados para abordar.
Deste modo, necessita-se, neste caso, de um tipo específico de disci-
plina que não só seja crítica das categorias explicitamente redutoras e
economicistas que, a longo prazo, se revelaram prejudiciais à tradição
marxista, como também - simultaneamente - problematize a escola
com o intuito de denunciar as raízes da dominação e da exploração
que, sem dúvida, existem. É um caminho difícil a percorrer. Implica
criticar uma determinada tradição e, ao mesmo tempo, utilizá-la. Con-
tudo, na verdade não é assim tão difícil, como qualquer leitura da
recente literatura de esquerda de imediato documenta - vivemos um
período de intenso debate teórico e político dentro da tradição. Tais
debates ajudaram a criar (na verdade, a recriar) muito mais flexibili-
dade e abertura e repetidamente influenciaram as análises levadas a
cabo neste livro1.
' Abordei
estes debates de uma forma consideravelmente mais detalhada em Apple, M (ed ) (1982). Cultural and
Economic Reproduction in Education, London Routledge & Kegan Paul
246
Trabalho educativo e político *c
Tal como salientam Finn, Grant e Johnson, uma das maiores fragilida-
des conceptuais e políticas de muitas teorias da reprodução (Althusser é
um dos principais exemplos) é que "parecem dar pouco espaço à capaci-
dade para a resistência a qual pode ser exercida por crianças e professo-
res nas e s c ~ l a s " Assim,
~. embora seja importante compreender que as
escolas contribuem para reproduzir relações de género e relações
sociais de produção, "elas também reproduzem, historicamente, 'de um
modo indirecto', formas específicas de resistêncian3. Obviamente que
tais pontos não se limitam as discussões que efectuamos sobre as esco-
las, mas estendem-se também ao local de trabalho, a família, etc.
Philip Wexler desenvolveu um argumento idêntico na sua crítica rela-
tiva as limitações de uma parte significativa dos estudos encetados pela
esquerda. Tal como adianta Wexler, muitos dos modelos conceptuais
utilizados actualmente "rendem-se antecipadamente a capacidade
humana para a apropriação e transformação das necessidades de um sis-
tema para o qual os indivíduos são meros suportes e~truturais"~.
Existirão, naturalmente, correspondências entre as características
"internas" das escolas e as instituições "externasn5. Na verdade, sur-
preender-nos-íamos caso não existissem. Contudo, tais correspondên-
cias, quando encontradas, não expressam um princípio orientador cujo
percurso se faz do exterior para o interior de forma algo mecânica. Em
vez disso, são construídas com base nas interacções internas de actores
reais no seio de uma determinada cultura vivida, actores que lutam,
contestam e actuam de variadas formas podendo contradizer a corres-
pondência "necessárian6.
Por estes motivos, e devido às próprias necessidades do Estado rela-
cionadas quer com o processo de acumulação de capital quer com a sua
-
'Finn, Dan, Grant, Neil, Johnson, Richard e o CCCS Education Group (1978) "Social Democracy. Education and the Crisis".
Birmingham, England: Univenity of Birmingham: Centre for Contemporary Cultural Studies. policopiado, p. 4.
ibid., p. 34.
Wexler, Philip "Structure, Text and Subject: A Critical Sociology of School Knowledge". in Apple (ed ), Cultural and
Economn Reproduction in Educatlon.
Vide também Giroux Henry (1980) "Beyond the Correspondence Theory: Notes on the Dynamics of Educational
Reproduction and Transformation". Curriculurnhquiry. X, pp. 225-247.
Na realidade, poder-se-ia alegar que tais correspondências são, na verdade, mais claras, actualmente, tace ao poder
emergente da nova direita e do capital na crise estrutural vigente. Vide, a titulo de exemplo, Dale, Roger (1979). "The
Politicization of School Deviance", in Barton. Len, & Meighan. Roland (eds.) (1979). Schools, Pupils and Deviance. in
Driffield. Natferton Books, pp. 95-1 12.
Neste contexto, 6 muito importante o papel dos "media" na construção dos problemas sobre os quais as pessoas
actuam. Wde a interessante discussão em CCCS Education Group (1980). Unpopukr Education: Schooling and Social
Democracy in England Since 1944. London: Hutchinson.
legitimação e a do processo em si, argumentei ao longo da minha aná-
lise que a escola é um local de reprodução e produção. No entanto, tal
perspectiva não significa simplesmente a reprodução e a produção de
agentes, conhecimento e ideologias, mas de tendências contraditórias
numa série de esferas, cada uma das quais com um efeito significativo
sobre as restantesi. Com base nesta perspectiva, sugeri estratégias e
acções numa variedade de frentes: nas escolas e nas universidades
envolvendo o currículo, a democratização do conhecimento técnico,
utilizando e politizando a cultura vivida dos alunos e dos professores,
etc.; e fora da escola, envolvendo tanto práticas educativas em sindicatos
progressistas, grupos políticos e feministas, entre outros, como uma
acção política que construa um movimento socialista e democrático de
massas nos Estados Unidos.
Desta forma, na sua maior parte a análise que aqui desenhei pretende
responder ao que para mim constitui uma das mais importantes ques-
tões que podemos colocar. Pode ser feita alguma coisa neste momento?
Com efeito, se a educação não é mais do que um simples reflexo da eco-
nomia e das exigências ideológicas da burguesia e da nova pequena bur-
guesia, então, é na economia que devemos colocar todas as nossas aten-
ções. Neste livro, ao questionar as escolas de formas distintas -
focalizando os conflitos de classe, as formas culturais de resistência, o
local de trabalho, a escola como um aparelho contraditório de Estado, o
papel do sistema educativo formal, não só na reprodução e distribuição,
como também na produção - estou ainda mais convencido de que uma
análise desse género efectuada a educação revela a sua importância
como um processo e como um conjunto de instituições. Numa guerra
de posição, ignoramos isto em detrimento do nosso prejuízo.
Entretanto, e mesmo que esteja parcialmente errado, mesmo que as
lutas económicas ofereçam a única resposta as condições (e a muitas
outras) que descrevi no capítulo 1, não podemos ignorar a educação. Na
verdade, mesmo que, por exemplo, as lutas relativas ao modo de produ-
ção, no local de trabalho e no centro da produção, sejam a resposta
principal, tal não atenuaria a importância da escola. Como tive ocasião
' A necessidade de observar a totalidade das condições culturais, políticas e económicas 6 salientada por Hogan, David,
"Education and Class Formation: The Peculiarites of the Americans". in Apple (ed ). Culturai and Economic Reproduc-
tion in Education. Para uma análise mais profunda sobre o impacto que uma acção efectuada na "superstrutura" tem
sobre a "base". vide também Carnoy, Martin. "Education, Economy and the State". in Apple (ed ), Cuitumi dnd Econo-
rnic Reproductron !n Educatron
Trabalho educativo e político 3
BAgradeço ao meu colega leffrey Lukowsky por me relembrar a importância do pensamento de Habermas na nossa
tentativa de teorizar tais problemas.
classe. A subteorização de tal dinâmica constitui uma das maiores fragi-
lidades das análises anteriores efectuadas a escola.
Um dos elementos principais que constitui o quadro teórico desenvol-
vido ao longo deste livro repousa numa investigação das relações entre a
cultura mercantilizada e vivida, relações que causam um determinado
impacto na escola e que contribuem, na realidade, para construí-la
como um local de conflito de classe, raça e género. Pese embora a "cir-
culação" do conhecimento técnico-administrativo como uma forma de
capital (e como um conjunto de complexas relações sociais de explora-
ção) não seja linear, entendi ser útil pensar nele empregando a própria
metáfora da circulação. Sumariando, como observámos, o aparato edu-
cativo encontra-se organizado de tal maneira que acaba por se consti-
tuir num importante local para a produção de conhecimento técnico-
-administrativo, através dos seus agentes, programas de investigação e
compromissos. Tal não surge "coercivamente" sobre o aparelho educa-
tivo, mas é, na sua maior parte, devido às "funções" contraditórias em
que tais instituições se encontram envolvidas. Este conhecimento é
mercantilizado e acumulado como forma de capital cultural pelos mais
poderosos interesses ao nível da economia e do Estado. As técnicas de
controlo e as formas de relações sociais daí geradas são empregadas
numa percentagem crescente de locais de trabalho na sociedade, no
controlo humano e na publicidade, nas comunicações, na família e na
culturaY.É mediado, sofre resistência e é, por vezes, transformado.
Desenvolvem-se novas formas tornando-se, no decorrer do processo,
mais refinado e "humano".
Entretanto, a sua própria utilização confere-lhe legitimidade, aumen-
tando desta forma a sua difusão posterior em instituições do Estado
como é o caso da escola. Esta condição reforça-se e o seu ritmo é acele-
rado, face à crise nos processos de acumulação e legitimação como um
todo. A medida que se espalha na sociedade como um conjunto de técni-
cas e uma ideologia de "prestação de contas" e de controlo, o referido
capital cultural corporifica-se na nova pequena burguesia empregada
como burocratas de nível médio, engenheiros, técnicos, supervisores,
gerentes e profissionais na indústria, no sector da prestação de serviços
*Para um estudo perspicaz relativo ao modo como o conhecimento técnico especializado 6 utilizado na família. sobre-
tudo MS mulheres. vjde. Apple. Rima, D. (1980). "To be used only under the direction of a physician commercial infant
feeding and medical practice 1870-1940". Bulletni of the History of Med~crneLIV, pp. 402-41 7.
Trabalho educativo e ~ o l í t i c o
+
"Uma questao identica é levantada por Bernstein i n Bernstein. Basil (1977). Class, Codes and Control, volume 3.
London. Routledge & Kegan Paul A literatura sobre a "nova classe media" e também útil aqui. Vide o debate em
Walker, Pat (ed) (1 979). Between Labor and Capital, Boston South End Press
" Todavia. um dos resultados da crise na acumulação e que as possibilidades de emprego para essas pessoas serão tam-
bém significativamente mais reduzidas. Tal como tive opoitunidade de referir no capitulo 2. desde que o conhecimento
tecnico/administrativo se torne acessível pdrd USO por parte do capital. n3o é realmente imperativo que se empregue
uma grande percentagem de individuos detentores de tal conhecimento, a não ser que tais individuos se revelem
necessBrios ao controlo do trabalho Com efeito, o facto é que o crescimento de emprego mais vertiginoso nos Estados
Unidos tem-se verificado no sector da prestação de serviços em que é necessdrio uni nuiiiero significativamente redu-
zido de supervisores A razão pela qual tal se verifica pode ser constatada no crescimento que se tem registado no sec-
tor de "fast food" Grande parte do trabalho e mecanizado utilizando-se mecanismos de controlo tecnico para a cozi-
nha, etc Deste modo, pese embora seja crucial que tais indústrias assimilem um fluxo continuo de novas técnicas e de
conhecimento. a sua incorporaçáo com êxito pode. realmente, constituir uma ameaca ao crescimento de posições para
a nova pequeiid burguesia. Csta questao criara os seus prõprios problema5 de legitimação. Sobre o crescimento do sec-
tor da prestação de serviços e o declínio da necessidade de superv'sores. vide Rothschild, Emma (1980). "Reagan and
the Real America". New York Review of Books XXVIII (February, 5). pp. 12-18.
"Por exemplo, o desenvolvimento da investigação científica exige
u m investimento maciço em educação cujo lucro só se verifica a
longo prazo. Deste modo, também a introdução da informação
como uma força produtiva implica uma grande autonomia no
processo de tomada de decisão e produz uma situação que é total-
mente contraditória a disciplina que o capital impõe aos traba-
Ihadore~."~~
"Tal como o demonstra este exemplo, a produção e a utilização do
conhecimento técnico-administrativo é, ao mesmo tempo, reprodu-
tivo e não reprodutivo. Assim, podemos novamente constatar que a
sociedade não é meramente 'um sistema de auto-reprodução estru-
tural'. Pelo contrário, é uma estrutura instável e contraditória de
relações assimétricas multidimensionais. "I3
" Castells, Manuel (1 980) The Economic Crisa and American Soc~etyPrinceton Princeton University Press. p 51
'' Ibid , P 47
Trabalho educativo e ~ o l i t i c o
I6Ibid p 215
crescente da classe trabalhadora encontra-se já envolvido na "luta emer-
gente por um poder demo~rático"'~.
Acrescenta ainda Edwards:
"Assim, a defesa da democracia implica uma exigência da sua aplica-
ção a todos os níveis e esferas da sociedade. Este é um ponto crucial,
uma vez que emerge aqui o tema nuclear de todos os programas
socialistas: a defesa da democracia política é simplesmente o corolário
lógico da exigência da democracia no local de trabalho e de controlo
social do processo de produção. Uma vez que os trabalhadores come-
cem a contestar o sistema de controlo vigente na empresa, irão com-
tatar, através da sua experiência, o conteúdo comum de tais lutas. Em
última instância, a defesa e a extemão da democracia podem repousar
nos esforços da classe trabalhadora para [reorganizar e democratizar]
os meios de produção e para organizar, através de um governo demo-
crático, os recursos materiais da sociedade em benefício de todos.
Deste modo, a democracia toma-se no mote não só para unir as várias
fracções da classe trabalhadora, como também para unificar as lutas
políticas e económicas dessa classe."'"
Isto pouco ou nada tem a ver quer com a lógica quer com a política do
capital.
Rache1 Sharp estende esta problemática às escolas, destacando que, se
pretendemos manter a democracia, devemos bater-nos continuamente
pela democratização dos procedimentos de tomada de decisãoz0.Os
esforços crescentes por parte de grupos de professores - tais como o
Rank and File na Inglaterra, o Wommis Educational Fress no Canadá, e
o Boston Womm's Teachers Group nos Estados Unidos - no propósito de
combinar acções contra as relações patriarcais, contra o racismo e a
intromissão de técnicas e interesses ideológicos levados a cabo pela
direita, contra processos de tomada de decisão antidemocráticos nos
serviços sociais, pela construção de alternativas efectivas e viáveis para
os conteúdos e métodos educativos actuais e por um movimento contí-
nuo interagindo com outros grupos, apontam para a consciência que
muitos educadores têm perante estas questões no seu dia-a-dia.
É muito importante apoiar tais perspectivas contrabalançando desta
forma as tendências opostas em educação. Na Inglaterra, por exemplo,
as reformas promovidas pelo Estado ao longo das últimas três décadas
"ajudaram a afastar... os professores dos alunos e dos pais da classe tra-
b a l h a d ~ r a " ~Muitos
~. dos professores já admitem isto. Se a análise que
efectuo neste livro estiver correcta, este aspecto pode e precisa de ser
criticado e questionado.
j9 Carnoy. Manin e Shearer, Derek (1980) EconornicDernocracy White Plains, New York M.E. Sharpe. p. 360.
O' Sharp. Rache1 (1980) Knowledge, ldeoiogy and the Politics of Schooling. London Routledge & Kegan Paul. p. 164. Isso
/ :'
M o diz respito apenas aos professores Com efeito, t a poderia ~ubverteralgumas das condições de um programa de
transiçáo. t u incluiria. neste quadro, a juventudeda classe operária e os respectivos pais.
CCCS Education Group, Unpopular Education, p. 67.
Todavia, não basta criticar o funcionamento do sistema. A crítica pre-
cisa de ser coadjuvada por "propostas específicas de um modelo social
alternativo (que pode, caso pretendamos, denominar-se por socialista)".
Tais propostas não devem ser decalcadas, no seu todo, de outros países,
mas precisam ser adaptadas às condições actuais, no meu caso, do povo
americano e em oposição aos interesses do capital. Sem isto, repito,
pouco haverá a esperar de uma mudança estrutural orientada de uma
forma séria e progressista2'.
Como tem sido documentado por vários autores, há alternativas que
têm sido construídas e que têm vindo a aumentar. Tais exemplos contra-
-hegemónicos podem e devem ser utilizados com o objectivo de devol-
ver às pessoas um determinado sentido de possibilidade imaginativa.
Providenciam significativos pontos de referência demonstrando o que se
pode realizar actualmente no domínio do trabalho concretoz3. No
entanto, as referidas lutas levadas a cabo com êxito revelar-se-ão em
vão, caso não sejam comunicadas. Se pretendemos superar a apatia e o
cinismo, bem como os resultados da tradição selectiva, as reformas não
reformistas que as pessoas se encontram a implantar por toda a socie-
dade podem ser parte integrante das agendas apenas se outras pessoas
tiverem conhecimento delas. A este respeito, os activistas sindicais, os
professores universitários, e outros, podem desempenhar um papel pre-
ponderante. De certo modo, isto prende-se com a questão de se obter
aquilo que Gramsci imperiosamente sugeriu como a construção de um
grupo de "intelectuais" que se constituam como membros orgânicos das
"classes subordinadas".
Em parte, isto é uma questão que se relaciona com a pedagogia
política e com o ensino apropriado. Desta forma, como adianta Peter
Dreier:
"Os professores ajudam a moldar os pressupostos, os valores e as
escolhas dos seus alunos, tanto pelo que dizem como pelo que não
dizem. A existência de estudos marxistas, socialistas e radicais, agora
disponíveis em monografias, te,~tose antologias, periódicos e filmes,
revela-se um antídoto importante contra as análises dominantes na
sociedade. Contudo, independentemente da receptividade por parte
256
-
I, Trabalho educativo e politico
l4 Dreier. Peter (19801. "Socialism and Cynicism: An Essay on Politics, Scholarship. and Teaching", So«alist Revew LIII.
pp. 128.129.
" 0 filme excepcional Harlan Counfy USA denuncia quão vitais e vivas se encontram actualmente tais tradições.
I 'Vide. por exemplo. Cariioy e Shearer, Economic Democracy, p. 384
"Para uma discussão relativa aos princípios de organizaçao socialista feminista. vide Adlarn, Diana (1980). "Socialist
Ferninism and Contemporary Politics". n Pobtics and Power I.London. Routledge & Kegan Paul. pp. 81-1 02.
Não é apenas ao nível da acção política ou educativa que o trabalho
dever ser conduzido. É também necessária uma investigação num I
determinado número de áreas vitais. A título de exemplo, as verdadeiras
II
histórias das práticas educativas socialistas e de oposição encontram-se
ainda por contar28.Há que desenvolver discussões e análises sérias rela-
cionadas com os princípios dos modelos socialistas de currículo e
ensino, modelos que reduzam, por exemplo, a divisão entre a concepção
e a execução e entre o trabalho manual e o mental. Estamos também
perante uma questão prática. Não podemos esperar que o Estado, num
acto de magia, abra as suas portas - tal como nos planos de subsídios
educativos, com todas as contradições inerentes - ao desenvolvimento
I
de princípios, conteúdos e métodos socialistas. Precisamos urgente-
mente de modelos viáveis2'. Isto implica que comuniquemos uns aos
outros, formal e informalmente, o que nos encontramos a fazer.
Todavia, não basta comunicarmos com outros educadores. Pais e
jovens da classe trabalhadora, grupos organizados de trabalhadores, e
outros, deveriam ser inseridos na articulação e na crítica de tais propos-
tas. No decorrer do processo, os educadores podem simultaneamente
educar-se e educar os referidos grupos. Além do mais negar que os pro-
fessores sabem coisas que tendem a funcionar nas salas de aula é falta de
bom senso. Neste sentido, trabalhando conjuntamente com outros, a
prática de desenvolvimento dos nossos métodos e conteúdos corporifi-
cará também os compromissos sociais que pretendemos articular''.
O facto de a actividade educativa se tornar mais importante, e não
menos, é reforçada pelos membros do Educational Group at the Centre
for Contemporary Cultural Studies, da Universidade de Birmingham, na
Inglaterra. Tal como propõe o referido grupo: "A reprodução só se
encontra assegurada depois de um significativo trabalho ideológico e,
mesmo assim, está exposta a u m trabalho educativo de tipo contra-
'' Vide Reese William e Teitelbaum. Kenneth (1981). "American Socialist Pedagogy and Experimentation in the Progres-
sive Era The Socialist Sunday School Artigo nao publicado apresentado no Teachers College, Columbia University
Uma interessante descriç2o pode ser encontrada in Shor Ira (1981) Critical Jeaching and Everyday Life, Boston South
End Press Alguns defendem que Dewey oferece muito do que e necessario neste caso Naturalmente, uma parte
significativa pode ser aprendida a partir de Dewey nao obstante as debilidades politicas finais. wde Smith, Richard and
Knight John (eds ) (1980) "The Right Side A Reader in the Theory and Practice of Knowledge and Control" University
of Queensland Australia Artigo nao publicado
O' Isto envolvera sempre um equilibrio entre o ensino e a aprendizagem entre providenciar o liderar intelectual e politico,
e o seguir Desta forma e neste coritexto o papel dos intelectuais orgânicos nunca se encontra estabelecido, nunca
traduz um itinerario simples Sobre as analises da posiçao de Gramsci relacionadas com esta questao vide Chantal
Mouffe (ed ) (1979) Gramsci dndMarxlst Theory London Routledge & Kegan Paul
258
+
Trabalho educativo e ~ o l i t i c o"
I
quanto possível, deveria encontrar-se relacionado com as necessidades
quotidianas das pessoas; finalmente, o programa deveria reflectir o
espectro populacional que construiria u m movimento da maioria que
defenderia a mudança."35
260
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I Trabalho educativo e político W
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1 Escolas Democráticas
Iíiçhael W, Apple e James .I. Beane (orgs.)
2 Teorias do Currículo
Uma introdução crítica
Tomaz Tadeu da Silva
3 Políticas de Integração Curricular
José Augusto Pacheco (org.)
4 Investigação sobre Políticas Educacionais
Terreno de contestação
Jenny Ozga
5 Currículo, Género e Sexualidade
Guacira Lopes 1,ouro
6 Educação e Poder
blicharl W. Apple
7 Desenvolvimento Profissional de Professores
Os desafios da aprendizagem permanente
Christopher Day
8 Por que é que vale a pena lutar?
Nichilel Fullan e Andy Hargrt.avc.s
9 O Currículo em Mudança
Estudos na construção social do currículo
Ivor F. Goodson
Cakeção Cum'culo, Políticas e
-o e Poder
Thbsg L mn livra que rdecte um &o pakítico sobre a
em relação a mock> mmo o &imentu uiilimíb
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