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História de uma Alma

de
Santa Teresinha do Menino Jesus1
“Pouco tempo depois da minha primeira comunhão fiz outro retiro espiritual
para me preparar para receber o Sacramento da Confirmação…
«Notando que várias alunas se mostravam particularmente afeiçoadas a uma das
professoras e querendo ver se as imitava, nunca o pude conseguir: e ainda bem, pois
evitei com isso grandes inconvenientes! Que agradecida estou a Deus, que me não
deparou senão amargos de boca nas amizades da terra! Com um coração do feitio do
meu, ter-me-ia deixado prender e cortar as asas, ficando assim incapaz de voar e
descansar. Não, sinto que não é possível unir-se intimamente com Deus um coração
dominado por afetos terrenos. Aí estão a atestá-lo tantas almas que eu vi fascinadas por
esta falsa luz precipitarem-se nela como pobres mariposas, queimarem as asas, e só
depois de esfarrapadas e feridas voltarem a Jesus, fogo divino que arde sem consumir!...
A Nosso Senhor, que conhecia a minha muita fraqueza, devo o não me ter
exposto a tal perigo, pois com certeza me teria completamente abrasado à luz
enganadora das criaturas… Não tive pois nenhum merecimento em me não ter prendido
com estes frágeis laços, dos quais me preservou unicamente a infinita bondade e
misericórdia de Deus, sem cujo auxílio, confesso, poderia ter caído nos mesmos
abismos que Santa Maria Madalena. Sinto por isso na alma os ecos maviosos da
profunda sentença com que o Divino Mestre tapou a boca a Simão o fariseu. Sim, bem o
sei, aquele a quem menos se perdoa, menos ama; sei, porém, também que Jesus me
perdoou mais a mim do que a Santa Maria Madalena.
Para explicar o meu pensamento ocorre-me o seguinte exemplo: suponhamos
que um filho de um médico experimentado, ao ir seu caminho, topa numa pedra que o
faz cair e fraturar um braço. O pai acode prontamente, levanta-o com carinho e pensa-
lhe as feridas, empregando nisso todos os recursos da arte. O filho, vendo-se curado,
todo se desfaz em provas de gratidão, e não há dúvidas que sobram motivos de amar um
pai tão desvelado. Mas mudemos o caso, e suponhamos que o pai, sabendo que na
estrada que o filho há-de trilhar há uma pedra perigosa, tomando-lhe a dianteira remove
o tropeço sem que ninguém o veja. Com certeza o filho, objeto de tão cautelosa e terna
prevenção, se ignorar o desastre de que a mão paterna o preservou, não lhe
testemunhará sinal nenhum de reconhecimento, nem lhe terá tanto amor como se o
tivesse curado de alguma ferida mortal. Mas, se chegar a inteirar-se de tudo, não subirá
de ponto o seu amor filial? Pois eu sou esse filho, objeto do amor previdente de um pai,
que mandou o seu verbo à terra, não para salvar os justos mas os pecadores, e quer que
o ame porque me perdoou não muito, mas tudo. Sem esperar de mim que o amasse
muito, como Santa Maria Madalena, fez-me saber que me prevenira com um amor
inefável, para que eu agora o ame até à loucura!
Muitas vezes em retiros e fora deles ouvi dizer que nunca se viu uma alma pura
que amasse mais a Deus do que uma alma arrependida. Quem me dera poder desmentir
esta asserção!»”

1
Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma Alma. Livraria Apostolado da Imprensa, Porto.
1979, 10ª edição. Páginas: 91, 93, 94 e 95.

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