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Motricidade © FTCD/FIP-MOC

2012, vol. 8, n. 2, pp. 62-69 doi:10.6063/motricidade.8(2).715

Lesão esportiva: Um estudo sobre a síndrome dolorosa


femoropatelar
Sports injury: A patellofemoral pain syndrome study
D.S. Catelli, H.U. Kuriki, P.R.C. Nascimento
ARTIGO DE REVISÃO | REVIEW ARTICLE

RESUMO
A síndrome dolorosa femoropatelar (SDFP) é definida como dor anterior, ou retropatelar, na ausência
de outras enfermidades, e acomete até 25% da população em alguma fase da vida, sendo mais comum
em mulheres e pessoas com grau de treinamento mais elevado. Assim como outras lesões esportivas, a
SDFP tem sido um grande fator de interrupção do treinamento físico para muitos atletas de alto nível e
amadores. Com isto, o objetivo geral desse trabalho foi debater a ocorrência da SDFP como lesão
esportiva, suas possibilidades de prevenção e o treinamento adequado para recuperação pós-lesão,
demonstrado em diversas pesquisas. Para tanto, o trabalho foi desenvolvido diante de uma perspetiva
de revisão de literatura, abordando as características específicas da síndrome, o diagnóstico, população
alvo, como ocorre seu desenvolvimento, como ela afeta o treinamento e quais são as possibilidades de
prevenção e tratamento.
Palavras-chave: síndrome da dor patelofemoral, lesões esportivas, exercício

ABSTRACT
The patellofemoral pain syndrome (PFPS) is defined as a retropatellar or anterior knee pain, without
another disease. It affects until 25% of the population, being more common in women and trained
persons. As others pathologies, PFPS have been affected the training of elite and amateurs athletes.
Thereby, the general purpose of this study was discuss the occurrence of PFPS as a sports injury, there
prevention possibilities and the appropriate recovery training after injury. It had been developed a
literature review addressing the specific characteristics of the syndrome, its diagnosis, its target
population, its development, how it affects the training and which are their possibilities of prevention
and treatment.
Keywords: patellofemoral pain syndrome, sports injuries, exercise

Submetido: 12.09.2010 | Aceite: 28.03.2011 | Online:

Danilo Santos Catelli e Heloyse Uliam Kuriki. Programa de Pós-Graduação Interunidades em Bioengenharia –
EESC/IQSC/FMRP – USP, São Carlos, SP, Brasil.
Paulo Roberto Carvalho do Nascimento. Faculdade de Ciência e Tecnologia – Departamento de Fisioterapia –
UNESP, Presidente Prudente, SP, Brasil.
Endereço para correspondência: Danilo Santos Catelli, R. Cel. Bento Bicudo, 1167 – 32B, CEP: 02912-000 São
Paulo, SP, Brasil
E-mail: danilo_catelli@yahoo.com.br
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A síndrome dolorosa femoropatelar (SDFP) pode confiar naquela articulação/músculo que


é caracterizada por uma instabilidade patelar e foi lesionado ou gerando medo e um possível
seu desenvolvimento é multifatorial. Esta receio de utilização máxima (Oztekin, Boya,
síndrome tem uma alta incidência na popu- Ozcan, Zeren, & Pinar, 2009).
lação, como será abordado nesta revisão, O objetivo deste estudo foi debater a
acometendo principalmente indivíduos jovens ocorrência da SDFP como lesão esportiva, suas
e ativos, especialmente quando há um possibilidades de prevenção e o treinamento
movimento ou sobrecarga repetitiva nos adequado para recuperação pós-lesão; bem
membros inferiores (Crossley, Cowan, Bennell, como obter a atenção de profissionais de
& MacConnell, 2004). Para analisar e descrever Educação Física para a importância do estudo
as diferenças encontradas em indivíduos de lesões esportivas, abordando em cinco
portadores e não-portadores da síndrome, tópicos os aspetos que envolvem a SDFP.
muitos estudos vêm sendo desenvolvidos
(Kuriki, 2009; Souza & Powers, 2009; DESENVOLVIMENTO
Grenholm, Stensdotter, & Hager-Ross, 2009). Definição
O foco é principalmente na análise do início da A SDFP é definida como dor anterior ou
ativação dos músculos que compõem o retropatelar na ausência de outra patologia
quadríceps: reto femoral, vasto intermédio, (Crossley et al., 2004) e manifesta-se por uma
vasto lateral e vasto medial (Van Tiggelen, alteração na articulação femoropatelar prove-
Cowan, Coorevits, Duvigneaud, & Witvrouw, niente de uma instabilidade patelar que se
2009). O maior volume das pesquisas concen- caracteriza por inclinação ou lateralização da
tra-se no vasto lateral (VL) e vasto medial patela (Crossley et al., 2004). Esta lateralização
oblíquo (VMO), buscando verificar desequilí- pode ocorrer momentaneamente, sendo obser-
brio látero/medial da patela, que pode ou não vada em radiografias instantâneas como uma
estar associado ao comportamento anormal da posição de “fuga” ou subluxação em relação ao
tíbia ou do fêmur, estudados por meio de seu leito troclear. Porém, a patela pode estar
cinemetria e quantificação de força em nesta posição inclinada, numa forma estrutu-
contrações isométricas, utilizando eletromio- rada, fixa, sem episódio de luxação (Gouveia
grafia de superfície, para avaliar um eventual Sobrinho, 1992).
desequilíbrio na patela, o qual pode propiciar o
desenvolvimento da SDPF (Kuriki, 2009). Reconhecimento e diagnóstico
Após o estudo e acompanhamento de De acordo com Cosca e Navazio (2007), o
tantos trabalhos técnicos em desenvolvimento histórico do portador da SDFP, mostra uma
a respeito do assunto, não nos atentamos às dor difusa na parte anterior ou posterior do
interferências da SDFP durante um processo de joelho durante as atividades de corrida, saltos e
treinamento de um atleta, ou do surgimento ciclismo, dor durante a subida ou descida de
dela durante uma prática esportiva rotineira. degraus e rampas, além da dor apresentada ao
Além de suspensões por jogos, as lesões ficar na posição sentada, estando com os
esportivas são as causas que mais afastam joelhos flexionados, por tempo prolongado,
atletas dos campos, pistas ou quadras. As como por exemplo, durante uma peça de
lesões, de diferentes e distintos graus de teatro, no cinema, ou mesmo em sala da aula
intensidade, interrompem o processo de treina- (Cowan, Hodges, Bennell, & Crossley, 2002).
mento, o que pode trazer transtornos com Ainda é descrito que durante um exame físico,
relação ao desenvolvimento e ao entrosamento a articulação do joelho do portador de SDFP
da equipe, caso seja uma modalidade coletiva apresenta um desenho de “J”, devido a um
e, inclusive, afetar a relação psicológica do deslocamento e lateralização da patela quando
atleta pós-recuperado, seja por não saber se ocorre uma contração do músculo quadríceps,
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além da sensibilidade existente nas facetas por um desequilíbrio entre as forças de


femoropatelares, gerando dor em compressão direcionamento lateral em relação às forças de
patelar e uma crepitação da articulação em direcionamento medial que agem sobre a
atividade de extensão. patela (Cowan et al., 2002; Fonseca, Cruz,
Como forma de identificação da patologia Lima, & Seixas, 2001; Hanten & Schulthies,
por exames complementares de diagnóstico, as 1990; Karst & Willet, 1995; Voight & Wieder,
radiografias se apresentam frequentemente 1991; Zakaria, Harburn, & Kramer, 1997;).
normais, porém podem mostrar uma pequena Análises do aparelho locomotor em atividades
lateralização da patela ou uma subluxação da multiarticulares, descrevendo o comportamen-
mesma. Contudo, a tomografia computado- to de quadril, joelho e tornozelo em portadores
rizada e ressonância magnética, usualmente de SDFP, vêm sendo consideradas mais
não indicam alterações, porém podem revelar fidedignas na identificação das alterações res-
deslocamento patelar ou a ocorrência de ponsáveis pelo aparecimento da síndrome, já
condromalácia (Cosca & Navazio, 2007). que se caracterizam por atividades realizadas
As estruturas envolvidas na SDFP ainda não diariamente e não apenas em uma situação
são claramente estabelecidas, mas têm sido específica de laboratório. Estas análises
postuladas algumas causas biomecânicas para mostram que o joelho não pode ser visto
esta desordem (Crossley et al., 2004). Os fato- isoladamente das outras articulações, uma vez
res que podem levar ao mau alinhamento que as atividades funcionais (andar, correr,
patelar, à medida que a patela se move na linha agachar, ajoelhar) sempre envolvem todas as
troclear, são basicamente aqueles que aumen- articulações do membro inferior (Besier,
tam o efeito do arco do quadríceps como: pelve Fredericson, Gold, Beaupré, & Delp, 2009;
alargada, geno valgo, tubérculo tibial localizado Cowan, Crossley, & Bennell, 2009; Cowan &
lateralmente, patela alta, retináculo capsular Crossley, 2009).
medial frouxo, músculo VMO insuficiente,
podendo ter uma inserção alta na patela, Incidência
fraqueza ou atrofia por desuso, retináculo A SDFP é muito comum em adultos jovens,
capsular lateral retraído, pronação subtalar atingindo aproximadamente 25% das pessoas
excessiva, retrações musculares, dentre outros em alguma fase da vida (Wilk & Reinold,
(Kisner & Colby, 1998). Dentre os fatores 2001), sendo que numa população de jovens
etiológicos da SDFP em corredores, o aumento ativos e militares ocorre em 7 a 15% dos indi-
do ângulo Q tem sido observado, com maior víduos (Crossley et al., 2004) e esta incidência
apresentação no sexo feminino (Messier, aumenta ao se considerar uma população com
Davis, Curl, Lowery, & Pack, 1990). É bem nível de treinamento elevado (Laprade, Cul-
documentado que uma pronação excessiva é ham, & Brouwer, 1998), sendo causa de 30 a
um fator etiológico de desenvolvimento de 33% dos incidentes na medicina esportiva
lesões em corredores (Bates, Osternig, Mason, (Timm, 1998), atingindo principalmente mu-
& James, 1979; Brody, 1980; Clement, lheres jovens, adolescentes e atletas de ambos
Taunton, Smart, & McNicol, 1981), entretanto, os sexos (Cerny, 1995; Powers, Landel, &
esta não apresenta relação com o desenvol- Perry, 1996).
vimento da SDFP (Messier et al., 1990). O termo “joelho de corredor” é utilizado
Apesar da diversidade de fatores associados para se referir a SDFP, descrevendo a categoria
à SDFP, existe um consenso geral que o desa- de atletas que mais desenvolvem a síndrome
linhamento do mecanismo extensor do joelho (Cosca & Navazio, 2007). Porém, atividades de
combinado a uma movimentação lateral impacto realizadas ciclicamente, tais como
excessiva da patela, constitui sua principal saltos, ciclismo, corrida, subida e descida de
causa. Esta movimentação pode ser produzida degraus e rampas, ou mesmo ficar com os
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joelhos flexionados por um longo período de de idade, destes, 32% desenvolveram SDFP ao
tempo, são agravantes da síndrome (Cosca & longo do treinamento. Observou-se que antes
Navazio, 2007). Atividades repetitivas que do período de treinamento, estes indivíduos
envolvam a articulação do joelho principal- que desenvolveram a síndrome apresentavam
mente na presença de uma força compressiva atraso na ativação do VMO com relação
tíbio-femoral ou compressão da patela contra a àqueles que não apresentaram lesões. Antes do
articulação também podem predispor ao desen- período de treinamento, 20% dos indivíduos
volvimento da SDFP (Cowan et al., 2002; que continuaram sem lesões apresentaram
Besier et al., 2009). atraso na ativação do VMO, para os indivíduos
Muitos estudos tentam encontrar uma que posteriormente desenvolveram a síndrome
maneira de predizer quem está propenso a este número foi de 58%. Além disso, após o
desenvolver a SDFP, porém existe grande período de treinamento, um atraso significante
dificuldade em encontrar esta relação de forma no início da ativação do VMO foi observado em
concreta, para que um treinador, ou um pro- relação ao VL nos indivíduos que apresentaram
fissional de Educação Física possam prevenir o SDFP. Assim, concluiu-se que o atraso no
desenvolvimento da síndrome. Ao que parece, início da ativação do VMO é um dos fatores de
a população alvo do agravo está centrada como risco que contribui para o desenvolvimento da
sendo em sua maioria do sexo feminino, jovens SDFP.
e fisicamente ativas (Souza & Powers, 2009;
Grenholm et al., 2009). SDFP e o Treinamento
Em seu estudo prospetivo, Thijs et al., O fator indireto mais indesejado por um
(2008) buscando determinar os riscos intrín- treinador durante um ciclo de treinamento é a
secos de desenvolvimento da SDFP em corre- lesão. Uma lesão esportiva pode ser causada
dores novatos recreacionais, avaliou 102 por um desgaste muscular excessivo ou por
indivíduos destreinados, que iniciaram um sobrecarga (Cosca & Navazio, 2007), sendo
programa de corrida de dez semanas com o esta provavelmente associada a um descuido
objetivo de conseguir correr a distância de do treinador em relação ao desgaste gerado
cinco quilômetros ao fim do período de num treino específico, microciclo de treina-
treinamento. Durante o período de avaliação, mento ou numa recuperação não adequada ao
17% (sendo 94% mulheres) dos indivíduos estímulo. Quando a recuperação do treino é
desenvolveram SDFP. Esta observação mostra adequada, o indivíduo encontra-se em homeos-
que a corrida é um fator muito associado ao tasia, e estará propício a desenvolver um incre-
desenvolvimento da SDFP, sendo as mulheres mento de suas capacidades físicas, podendo
o maior alvo. trazer benefícios a sua saúde; já quando esta
Um outro estudo prospetivo (Van Tiggelen recuperação não é adequada, o indivíduo entra
et al., 2009) buscou respostas acerca do atraso em um processo de overtraining, e o corpo de-
do início de ativação muscular do VMO como monstra este processo com fadiga generalizada,
fator de risco para o desenvolvimento da SDFP. insônia, “pernas pesadas”, dores e lesões
Para isto, avaliaram o início de ativação dos (Cosca & Navazio, 2007).
músculos VMO e VL antes e após o período de O ciclo de treinamento é elaborado nas
treinamento militar básico de recrutas que prévias de uma temporada, sendo sua totali-
durou seis semanas e envolvia corrida, cami- dade nomeada macrociclo. Ele visa preparar o
nhada com mochilas de pesos nas costas (20- atleta quanto as suas capacidades e habilidades
30 kg), exercícios de repetição, exercícios de físicas gerais e específicas, para uma ou mais
táticas militares e tiros, num programa diário competições ou torneios, sendo preferencial-
de 12 a 15 horas de atividades programadas. mente desenvolvidos individualmente e respei-
Foram avaliados 79 indivíduos de 17 a 27 anos tando princípios básicos da prescrição do
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exercício. O macrociclo de treinamento en- ção de joelheira durante caminhadas, com o


contra-se subdividido em mesociclos, que são objetivo de aumentar o contato na articulação
temporalmente mensais, e estes por sua vez, femoropatelar, diminui o stress na articulação,
são subdivididos em microciclos semanais. demonstrando que ela pode ser de bom uso
Dentro dos microciclos existem as sessões de para a redução dos efeitos da SDFP (Powers,
treinamento, que são ministradas uma a uma Ward, Chen, Chan, & Terk, 2004). Já o
(Demenice, Gabarra, Rizzi, & Baldissera, fortalecimento muscular com utilização de
2007). A lesão esportiva, no caso a SDFP, afeta exercícios dinâmicos e isométricos (uni e
completamente a estrutura de elaboração do multiarticulares), é considerado eficiente para
processo de treinamento de toda uma tempo- diminuir a dor de portadores de SDFP, pois
rada. Uma sessão ou um microciclo de treina- mesmo quando associado a um tratamento de
mento perdidos, interferem diretamente na eletroestimulação obtém resultados igualmente
conduta e na disponibilidade do atleta estar em satisfatórios (Bily, Trimmel, Mödlin, & Kern,
sua ótima fase durante uma competição 2008). Estes exercícios podem ser favoráveis
esportiva (Oztekin et al., 2009). para possibilitar um início de ativação simul-
O treinamento das capacidades físicas de tâneo dos músculos VMO e VL, uma vez que o
resistência aeróbia e de potência anaeróbia são início prévio do VL em relação ao VMO é
provavelmente as mais lesivas e suscetíveis ao usualmente relatado como responsável pela
surgimento da SDFP (Cosca & Navazio, 2007; lateralização da patela (Cowan, Bennell, Hod-
Messier et al., 1990). O surgimento da SDFP ges, Crossley, & McConnell, 2003).
em um estágio inicial pode não ser um fator O treinamento neuromuscular é relatado
limitante ao exercício, porém com certeza como auxiliar na prevenção e tratamento da
gerará incômodo e uma insatisfação quanto à SDFP. Para avaliar o efeito deste tipo de treina-
execução do gesto motor específico, propi- mento nas lesões de joelho em mulheres
ciando uma eventual adaptação capaz de levar à atletas, estudantes foram monitorados durante
fadiga ou lesão de outras articulações e liga- uma temporada de um torneio escolar de
mentos. Seu efeito marcante quanto à inter- futebol, voleibol e basquetebol (Hewett, Lin-
ferência diante do ciclo de treinamento, obvia- denfeld, Riccobene, & Noyes, 1999). Os estu-
mente dependerá do quão grave está o estágio dantes foram divididos em três grupos:
da SDFP e da recuperação adequada feita após mulheres treinadas, mulheres destreinadas e
a constatação e confirmação diagnóstica homens destreinados antes da temporada. Dos
(Willson & Davis, 2008). Além disso, o surgi- 1263 estudantes avaliados, 14 apresentaram
mento da SDFP durante o ciclo de treinamento lesões nos joelhos, sendo 10 das 463 mulheres
afetará de maneira direta o planejamento do destreinadas, 2 das 366 mulheres treinadas e 2
macrociclo, culminando em perdas nas sessões dos 434 homens. Este estudo mostrou que
de treinamento e levando à reestruturação da mulheres são de fato mais propensas a
planilha de treinos. desenvolver lesão nos joelhos e que existe uma
menor incidência após um programa de
Prevenção e tratamento treinamento pliométrico específico. Assim, o
Devido à dificuldade em se predizer a SDFP, treinamento neuromuscular mostrou-se eficaz
evitando as dores e não comprometendo o para a prevenção de lesões.
treinamento, a prevenção à síndrome também Em sua pesquisa, Boling et al. (2006)
é dificultada. Assim, o tratamento pós-instau- submeteram indivíduos com SDFP a um
ração da patologia, com exercícios de fortaleci- programa de reabilitação com descarga de peso
mento tem sido frequentemente utilizado para para verificar os efeitos do fortalecimento
minimizar a dor, juntamente com o uso de muscular sobre a atividade eletromiográfica do
acessórios de estabilização articular. A utiliza- VMO e VL, dor e função nestes indivíduos.
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Participaram do estudo 14 indivíduos com quando comparados aos controles saudáveis.


SDFP e 14 controles saudáveis. O programa Assim, ficou confirmado que além de fatores
envolvia exercícios com descarga de peso extrínsecos, como o uso de joelheiras, fatores
focando no fortalecimento do quadríceps e da intrínsecos como fortalecimento e alonga-
musculatura abdutora do quadril. Antes e após mento muscular também são necessários para
a intervenção foram coletados os sinais eletro- tratamento e prevenção da síndrome.
miográficos do VMO e VL durante uma ativi-
dade de subida e descida de degraus para CONSIDERAÇÕES FINAIS
determinação do início da ativação muscular, e, Conforme descrito durante os tópicos da
a cada semana de intervenção, foram coletadas discussão, a SDFP como uma lesão esportiva é
informações sobre dor (escala visual analógica de completa relevância e importância para
de dor) e função (Functional Index Questionnaire). conhecimento e domínio de todos os profissio-
No pré-teste foi observado que os sujeitos do nais da saúde. Sendo uma das mais comuns
grupo SDFP apresentavam atraso na ativação condições ortopédicas encontradas, a SDFP
do VMO em relação ao VL, já o grupo controle pode ser identificada em indivíduos com um
apresentava ativação prévia do VMO. Após a ângulo Q aumentado, porém sua identificação
intervenção, sujeitos do grupo SDFP passaram não-clínica ainda é bastante dificultada (Wilk
a apresentar ativação prévia de VMO tal como & Reinold, 2001). É a lesão com maior
o grupo controle. A dor diminuiu significante- incidência entre corredores iniciantes princi-
mente após quatro semanas de reabilitação e a palmente no sexo feminino (Thijs et al., 2008).
função aumentou significantemente após a Assim, uma observação cuidadosa quanto à
segunda semana da intervenção. Assim, mos- técnica empregada pelas corredoras durante o
trou-se que um fortalecimento adequado pode treinamento é de fundamental importância
ser um tratamento eficaz para a SDFP. Fica para o educador físico responsável, além da
confirmado então, que os efeitos da SDFP análise correlativa entre a técnica empregada
podem ser minimizados, dadas as intervenções durante a corrida e a predisposição à SDFP ser
corretas quando existe um tratamento ade- um estudo de grande valia à ciência. Foi
quado e uma reeducação das atividades físicas verificado que a SDFP pode ter uma relação
diárias do portador (Syme, Rowe, Martin, & com o overtraining, porém para isto, um estudo
Daly, 2009; Mason, Leszko, Jonhson, & específico deveria ser realizado. Enquanto a
Komistek, 2008). identificação dos fatores precipitantes da
Há também evidências de que uma dimi- síndrome não é possível, a prevenção torna-se
nuição na flexibilidade esteja relacionada ao difícil, porém é recomendado que indivíduos
desenvolvimento da SDFP, assim, sugere-se (principalmente mulheres jovens) que prati-
utilizar alongamentos dos músculos da extre- quem atividades físicas regulares mantenham
midade inferior como forma de tratamento e uma rotina de atividades de fortalecimento
prevenção da síndrome. Para verificar se muscular para evitar o possível desencadea-
existem diferenças na flexibilidade dos múscu- mento da SDFP.
los dos membros inferiores, Piva et al., (2005),
avaliaram 30 indivíduos com SDFP e 30
controles normais com idade média e sexo Agradecimentos:
semelhantes. Foram mensurados os compri- Nada a declarar.
mentos do complexo da banda iliotibial/tensor
da fáscia lata, gastrocnêmio, sóleo, quadríceps
e ísquiotibiais. Os indivíduos com SDFP apre- Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
sentaram menores índices de flexibilidade no
gastrocnêmio, sóleo, quadríceps e ísquiotibiais
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21, 553-558. doi:10.1016/S0736-0266(02)00


Financiamento: 191-2.
Os autores declaram que receberam suporte da Cowan, S. M., Crossley, K. M., & Bennell K. L.
FAPESP (2008/02194-9) para suprir custos do (2009). Altered hip and trunk muscle function
presente estudo. in individuals with patellofemoral pain. British
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