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MikeCuryFogagnolo ResenhaV
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Resenha V
Desde o final do século XX, o mundo vem sofrendo uma grande transformação social,
impulsionada pelo rápido e profundo desenvolvimento tecnológico, sobretudo no âmbito das tecnologias
da comunicação. A internet, marco de nossos tempos, transformou a sociedade, colocou na palma de
nossas mãos dispositivos capazes de acessar e compartilhar uma enorme quantidade de conteúdo
instantaneamente, dando espaço para uma transformação na própria forma de se relacionar. Junto com
isso, poderosos algoritmos impulsionam o funcionamento dessas tecnologias, operando-as segundo
técnicas de colhimento e tratamento de dados e direcionamento de informações, ao que se deve a
enorme capacidade de veiculação de propagandas de diversos tipos. Por esse motivo, as informações
assim colhidas ganham um imenso valor econômico, uma vez que permitem o alcance extremamente
eficaz de uma mensagem ou produto a um público-alvo preciso, sendo capaz até mesmo de perceber as
reações dos destinatários e orientar seu conteúdo em conformidade com tendencias captadas com
rapidez e precisão. Além disso, importa reconhecer a força que essas tecnologias digitais possuem no que
diz respeito à formação de opiniões, à construção de ideologias e subjetividades. Por tais motivos,
evidencia-se o poder que implica essas novas ferramentas.
O núcleo do funcionamento dessas tecnologias, as quais estão cada vez mais imbricadas
estruturalmente na sociedade, é, justamente, a informação colhida dos usuários. Há, nos dias de hoje,
uma coleta massiva de dados pessoais, que vão desde informações básicas de identificação, até dados
sensíveis das pessoas, chegando-se ao ponto de ser possível conhecer os gostos, os hábitos, os traços de
personalidade, o núcleo de convivência etc. de indivíduos particulares, muitas vezes sem que eles tenham
consciência disso. É nesse contexto que vem à tona a preocupação com a circulação dessas informações.
Entre os mecanismos coletores de dados e os que operam seu tratamento e, de outro lado, os titulares
dessas informações, ou seja, as pessoas das quais os dados são extraídos, há uma relação desnivelada de
sujeição: de um lado, obtém-se as informações e as vantagens que isso implica, e, do outro, está-se sujeito
a essa exposição do conteúdo pessoal. A necessidade de regulação, por óbvio, fez-se premente nesse
contexto. Vejamos as linhas gerais da normatividade sobre o tema no Brasil.
No âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 traz importantes disposições a esse respeito.
A começar pelo artigo 1º, III, que estatui a dignidade humana dentre os fundamentos da República
Federativa do Brasil. O artigo 5, já no seu caput, declara o direito à liberdade e à igualdade, que são
centrais no balizamento da regulação dos fluxos de dados, uma vez que é um problema bastante relevante
a possibilidade do uso indevido de certas informações pessoais para fins discriminatórios. O mesmo artigo
5º, no seu inciso X, declara a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas, com previsão do direito de ver reparados os danos morais ou materiais causados pela ofensa a
essa esfera da vida privada.
De fundamental importância nos dias de hoje, nesse tema, é a Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de
Proteção de Dados (LGPD). O artigo 1º da Lei já apresenta seu objetivo, a saber, o de proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa
natural. O artigo 2º traz importante rol de princípios, contendo o respeito à privacidade (art. 2º, I), a
autodeterminação informativa (art. 2º, II), a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de
opinião (art. 3º, III), a inviolabilidade da honra e da imagem (art. 2º, IV), os direitos humanos, o livre
desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º,
VII), dentre outros.
Tais são os fundamentos legais da regulação e proteção dos dados. Essa proteção, como é de se
notar, ganha mais importância ainda a depender do aspecto da vida ao qual ela seja aplicada. É, nesse
sentido, de fundamental importância tomar conta da relação entre o fluxo de dados, sua proteção, e as
relações de trabalho. Isso porque o trabalho, como aspecto da vida humana, é núcleo de interesse a ser
protegido, uma vez que implica o sustento material, e, por vezes, emocional, da vida humana. A
integração de sistemas e bancos de dados no âmbito labora, tendo em vista, dentre outros fins, a melhor
e mais eficiente organização e coordenação do processo de trabalho, faz com que o trabalhador fique
mais exposto aos efeitos que um mau uso de seus dados pode acarretar. Tendo a relação de trabalho
natureza alimentar, há aqui uma situação sensível na qual o empregado dispõe de dados seus, a fim de
integrar-se no sistema de trabalho, cuja falta de opção demanda do Estado a devida ação para garantir
que os dados disponibilizados sejam tratados conforme os ditames constitucionais e legais mencionados.
Um mau uso dos dados pode submeter o empregado a situações discriminatórias, a exposição de suas
informações sensíveis, dificultando sua inserção no mercado de trabalho e até mesmo causando prejuízos
materiais e psicológicos ao trabalhador.
É por isso que surge uma primeira questão: a de saber qual o alcance da LGPD, se ela se aplica ao
direito do trabalho. Tal questão se deve a ter sido elaborada tendo por principal orientação o espaço geral
de interação entre as pessoas e os mecanismos digitais, sobretudo no ambiente da internet. Além disso,
conforme apontam José Pedro Pedrassani e Lucieli Breda ao comparar a LGPD com a lei europeia que lhe
serviu de paradigma que aquela, diferentemente desta, não traz de forma expressa a aplicabilidade às
relações de trabalho. Mas, os mesmos autores, defendem o alcance da LGPD a essas relações, por motivos
tais como ser ela uma lei geral de proteção de dados, devendo-se aplicar de forma geral, bem como pela
sua finalidade, que é a de proteção da privacidade da pessoa humana de forma geral. Nesse sentido, é
preciso fazer referência ao artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que traz como direito fundamental
social o direito ao trabalho. Assim, em conjunto com as mencionadas declarações de direitos do artigo 5º,
aqui já mencionadas, deve-se entender que a Constituição orienta a LGPD para abranger todos os ramos
jurídicos aos quais ela possa efetivamente ser aplicada, e, por isso, à relação de trabalho.
Os referidos autores também apontam para o uso da legislação europeia referida, uma vez que o
artigo 8º da CLT menciona a possibilidade de aplicação do direito comparado, e por a GDPR conter, em
seu artigo 88, diretrizes para seu processamento no contexto de emprego.
Além disso, Rocha e Pontini sustentam que a aplicação da lei se dá em todas as etapas da relação
de trabalho – fase pré-contratual, contratual e pós-contratual -, uma vez que em todas elas ocorre a
apropriação pelo empregador de dados do empregado, que são geralmente mantidos por certo tempo
em poder do empregador mesmo após o fim doo vínculo de trabalho. Os autores trazem também
indicações para a adaptação das empresas, como a adoção de um código de conduta, de um canal de
denúncias, e do treinamento e fiscalização de seus funcionários, elementos esses que devem ser
realizados por um eficiente sistema de complience.
Como se nota desse contexto geral aqui esboçado, a inserção da tecnologia digital na sociedade,
principalmente no mundo do trabalho, traz implicações de natureza personalíssima, relacionando-se com
a esfera dos direitos individuais, cujo núcleo é a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático
de Direito. Assim, a LGPD é importante lei na busca pela proteção, garantia e eficácia desses direitos,
devendo ser observada e cumprida, e devendo ser reconhecido que sua aplicação na relação de trabalho
é tanto mais relevante quanto mais sensível e fundamental é esta relação.