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Mike Cury Fogagnolo -8547262

Resenha V

Desde o final do século XX, o mundo vem sofrendo uma grande transformação social,
impulsionada pelo rápido e profundo desenvolvimento tecnológico, sobretudo no âmbito das tecnologias
da comunicação. A internet, marco de nossos tempos, transformou a sociedade, colocou na palma de
nossas mãos dispositivos capazes de acessar e compartilhar uma enorme quantidade de conteúdo
instantaneamente, dando espaço para uma transformação na própria forma de se relacionar. Junto com
isso, poderosos algoritmos impulsionam o funcionamento dessas tecnologias, operando-as segundo
técnicas de colhimento e tratamento de dados e direcionamento de informações, ao que se deve a
enorme capacidade de veiculação de propagandas de diversos tipos. Por esse motivo, as informações
assim colhidas ganham um imenso valor econômico, uma vez que permitem o alcance extremamente
eficaz de uma mensagem ou produto a um público-alvo preciso, sendo capaz até mesmo de perceber as
reações dos destinatários e orientar seu conteúdo em conformidade com tendencias captadas com
rapidez e precisão. Além disso, importa reconhecer a força que essas tecnologias digitais possuem no que
diz respeito à formação de opiniões, à construção de ideologias e subjetividades. Por tais motivos,
evidencia-se o poder que implica essas novas ferramentas.

O núcleo do funcionamento dessas tecnologias, as quais estão cada vez mais imbricadas
estruturalmente na sociedade, é, justamente, a informação colhida dos usuários. Há, nos dias de hoje,
uma coleta massiva de dados pessoais, que vão desde informações básicas de identificação, até dados
sensíveis das pessoas, chegando-se ao ponto de ser possível conhecer os gostos, os hábitos, os traços de
personalidade, o núcleo de convivência etc. de indivíduos particulares, muitas vezes sem que eles tenham
consciência disso. É nesse contexto que vem à tona a preocupação com a circulação dessas informações.
Entre os mecanismos coletores de dados e os que operam seu tratamento e, de outro lado, os titulares
dessas informações, ou seja, as pessoas das quais os dados são extraídos, há uma relação desnivelada de
sujeição: de um lado, obtém-se as informações e as vantagens que isso implica, e, do outro, está-se sujeito
a essa exposição do conteúdo pessoal. A necessidade de regulação, por óbvio, fez-se premente nesse
contexto. Vejamos as linhas gerais da normatividade sobre o tema no Brasil.

Em primeiro lugar, deve-se destacar que o contexto da regulação da circulação dessas


informações é orientado por valores relevantes à dignidade humana, uma vez que os dados são, em
grande parte, referentes às próprias pessoas, tendo natureza jurídica de direito da personalidade. Nesse
sentido, já se nota na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu artigo 12, o bem
jurídico a que os dados se relacionam – a privacidade e liberdade de autodeterminação humana. Como
se nota, esse artigo menciona, dentre outras coisas, a não interferência à vida privada das pessoas, com
destaque para a não interferência nas correspondências trocadas entre indivíduos. Aí se nota a relação
que as informações têm com os direitos fundamentais.

No âmbito nacional, a Constituição Federal de 1988 traz importantes disposições a esse respeito.
A começar pelo artigo 1º, III, que estatui a dignidade humana dentre os fundamentos da República
Federativa do Brasil. O artigo 5, já no seu caput, declara o direito à liberdade e à igualdade, que são
centrais no balizamento da regulação dos fluxos de dados, uma vez que é um problema bastante relevante
a possibilidade do uso indevido de certas informações pessoais para fins discriminatórios. O mesmo artigo
5º, no seu inciso X, declara a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas, com previsão do direito de ver reparados os danos morais ou materiais causados pela ofensa a
essa esfera da vida privada.

No nível infraconstitucional, importa mencionar o marco civil da internet (Lei nº 12.965/2014).


Essa lei busca regular o uso da internet no Brasil, declarando, já no caput do seu artigo 2º, o respeito à
liberdade de expressão como seu fundamento, elencando ainda, nos seus incisos, outros fundamentos,
como, por exemplo, os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania
em meios digitais (art. 2º, II), a pluralidade e a diversidade (art. 2º, III), e a defesa do consumidor. O artigo
3 da lei dispõe sobre seus princípios, cujo rol contempla a garantia da liberdade de expressão,
comunicação e manifestação do pensamento (art. 3, I), a proteção da privacidade (art. 3º, II), proteção
dos dados pessoais (art. 3º, III) dentre outros.

De fundamental importância nos dias de hoje, nesse tema, é a Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de
Proteção de Dados (LGPD). O artigo 1º da Lei já apresenta seu objetivo, a saber, o de proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa
natural. O artigo 2º traz importante rol de princípios, contendo o respeito à privacidade (art. 2º, I), a
autodeterminação informativa (art. 2º, II), a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de
opinião (art. 3º, III), a inviolabilidade da honra e da imagem (art. 2º, IV), os direitos humanos, o livre
desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º,
VII), dentre outros.
Tais são os fundamentos legais da regulação e proteção dos dados. Essa proteção, como é de se
notar, ganha mais importância ainda a depender do aspecto da vida ao qual ela seja aplicada. É, nesse
sentido, de fundamental importância tomar conta da relação entre o fluxo de dados, sua proteção, e as
relações de trabalho. Isso porque o trabalho, como aspecto da vida humana, é núcleo de interesse a ser
protegido, uma vez que implica o sustento material, e, por vezes, emocional, da vida humana. A
integração de sistemas e bancos de dados no âmbito labora, tendo em vista, dentre outros fins, a melhor
e mais eficiente organização e coordenação do processo de trabalho, faz com que o trabalhador fique
mais exposto aos efeitos que um mau uso de seus dados pode acarretar. Tendo a relação de trabalho
natureza alimentar, há aqui uma situação sensível na qual o empregado dispõe de dados seus, a fim de
integrar-se no sistema de trabalho, cuja falta de opção demanda do Estado a devida ação para garantir
que os dados disponibilizados sejam tratados conforme os ditames constitucionais e legais mencionados.
Um mau uso dos dados pode submeter o empregado a situações discriminatórias, a exposição de suas
informações sensíveis, dificultando sua inserção no mercado de trabalho e até mesmo causando prejuízos
materiais e psicológicos ao trabalhador.

É por isso que surge uma primeira questão: a de saber qual o alcance da LGPD, se ela se aplica ao
direito do trabalho. Tal questão se deve a ter sido elaborada tendo por principal orientação o espaço geral
de interação entre as pessoas e os mecanismos digitais, sobretudo no ambiente da internet. Além disso,
conforme apontam José Pedro Pedrassani e Lucieli Breda ao comparar a LGPD com a lei europeia que lhe
serviu de paradigma que aquela, diferentemente desta, não traz de forma expressa a aplicabilidade às
relações de trabalho. Mas, os mesmos autores, defendem o alcance da LGPD a essas relações, por motivos
tais como ser ela uma lei geral de proteção de dados, devendo-se aplicar de forma geral, bem como pela
sua finalidade, que é a de proteção da privacidade da pessoa humana de forma geral. Nesse sentido, é
preciso fazer referência ao artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que traz como direito fundamental
social o direito ao trabalho. Assim, em conjunto com as mencionadas declarações de direitos do artigo 5º,
aqui já mencionadas, deve-se entender que a Constituição orienta a LGPD para abranger todos os ramos
jurídicos aos quais ela possa efetivamente ser aplicada, e, por isso, à relação de trabalho.

Os referidos autores também apontam para o uso da legislação europeia referida, uma vez que o
artigo 8º da CLT menciona a possibilidade de aplicação do direito comparado, e por a GDPR conter, em
seu artigo 88, diretrizes para seu processamento no contexto de emprego.

Isso posto, ou seja, reconhecendo-se a aplicação da LGPD às relações de trabalho, é importante


buscar compreender o impacto que essa lei deve ter sobre o mundo laboral. Cláudio Jannotti da Rocha e
Milena Souza Pontini, ao tratar do assunto, apontam uma ainda maior relevância das políticas de
compliance das empresas, que devem buscar tomar certas precauções para realizar o tratamento dos
dados de seus empregados, bem como o de clientes, de forma a estar em acordo com a legislação. Vale,
nesse sentido, mencionar a classificação desses dados, que se dividem, conforme o disposto nos incisos
do artigo 5º da LGPD, em dado pessoal, dado pessoal sensível e dado anonimizado. Destacasse nessa
classificação os dados sensíveis, que são aqueles referentes a informações pessoais sobre origem racial
ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico (art. 5º, II).
Em relação a esse tipo de dados, há uma maior constrição das possibilidades de seu tratamento, cujas
hipóteses constam nos incisos do artigo 11 da LGPD. A restrição maior tem razão evidente de ser, já que
tais tipos de informação são as que podem causar maior impacto negativo na vida de seu titular em caso
de serem mau usados.

Além disso, Rocha e Pontini sustentam que a aplicação da lei se dá em todas as etapas da relação
de trabalho – fase pré-contratual, contratual e pós-contratual -, uma vez que em todas elas ocorre a
apropriação pelo empregador de dados do empregado, que são geralmente mantidos por certo tempo
em poder do empregador mesmo após o fim doo vínculo de trabalho. Os autores trazem também
indicações para a adaptação das empresas, como a adoção de um código de conduta, de um canal de
denúncias, e do treinamento e fiscalização de seus funcionários, elementos esses que devem ser
realizados por um eficiente sistema de complience.

Como se nota desse contexto geral aqui esboçado, a inserção da tecnologia digital na sociedade,
principalmente no mundo do trabalho, traz implicações de natureza personalíssima, relacionando-se com
a esfera dos direitos individuais, cujo núcleo é a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático
de Direito. Assim, a LGPD é importante lei na busca pela proteção, garantia e eficácia desses direitos,
devendo ser observada e cumprida, e devendo ser reconhecido que sua aplicação na relação de trabalho
é tanto mais relevante quanto mais sensível e fundamental é esta relação.

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