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DWORKIN, R. “Modelo de Regras I”. In: DWORKIN; BOEIRA, 2010, p. 50–72.

Lucas Taborda dos Santos Barbosa

Capítulo 5: O poder discricionário

1. Para Dworkin, o conceito de “poder discricionário” está sempre deslocado de seu


“habitat” natural. Para ele, “o conceito de poder discricionário só está perfeitamente à
vontade em apenas um tipo de contexto: quando alguém é em geral encarregado de
tomar decisões de acordo com padrões estabelecidos por uma determinada
autoridade.” (p. 50) (grifo meu).

1.1. O conceito de “poder discricionário” é um conceito relativo, sendo que as


respostas para a definição desse contexto normalmente são fornecidas pelo
contexto no qual ele se insere. Para Dworkin existem três tipos de classificação
para o poder discricionário: um primeiro sentido fraco, um segundo sentido
fraco e um sentido forte.

1.1.1. O poder discricionário em seu primeiro sentido fraco se refere aos


padrões que uma autoridade pública deve aplicar não de maneira
mecânica, automática, mas exigindo o uso da capacidade de julgar da
autoridade.

1.1.1.1. Ex.: Um chefe manda o seu empregado escolher dois dos seus
estagiários mais competentes para realizarem um auxílio ao
chefe durante um congresso acadêmico.1

1.1.2. O poder discricionário em seu segundo sentido fraco se volta à quando


algum funcionário público possui a autoridade para tomar uma decisão
em última instância e essa decisão não pode ser revista e cancelada por
nenhum outro funcionário. Trata-se de esferas diferentes de autoridades.

1.1.2.1. Ex.: O bandeirinha declara o gol realizado pelo atacante como


inválido por estar o jogador impedido. O árbitro principal não
pode anular a decisão do bandeirinha.2

1.1.3. O poder discricionário em sentido forte faz menção aos casos em que o
agente não está limitado pelos padrões da autoridade em questão.

1.1.3.1. Ex.: Uma professora é chamada para escolher os cinco alunos da


sala.3

1.1.3.2. Caso a autoridade receba ordens que delimitem ou dirijam a sua


escolha, não se tem um poder discricionário em sentido forte.

1
Esse exemplo não consta no livro, tendo sido criado por mim.
2
Exemplo autoral como o anterior.
3
Exemplo autoral como o anterior.
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1.1.3.2.1. Se a diretora determinasse que a professora escolhesse,
dentre cinco alunos, três dos mais inteligentes, essa
discricionariedade seria a do segundo tipo fraco e não a
do tipo forte, uma vez que mesmo sendo a diretora a
autoridade superior, ela não possui a autoridade para
revogar a escolha da professora, pois ela não conhece os
alunos assim como a outra.

1.1.3.3. O poder discricionário em sentido forte não se equivale à


licenciosidade ou está isento de críticas.

1.1.3.3.1. Todos os atos das pessoas demandam algum grau de


racionalidade, equidade e eficiência.

1.1.3.3.2. “O poder discricionário de um funcionário não significa


que ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões
de bom senso e equidade, mas apenas que sua decisão
não é controlada por um padrão formulado pela
autoridade particular que temos em mente quando
colocamos a questão do poder discricionário.” (p. 53)
(grifo meu).

2. Qual dos sentidos de “poder discricionário” se adota na teoria do poder discricionário


do juiz?

2.1. Alguns nominalistas utilizam o segundo sentido fraco para explicar que os
juízes sempre possuem um poder discricionário pois eles são os árbitros
definitivos da lei4.

2.2. Para os positivistas, não se tem um poder discricionário quando se tem uma
regra clara e estabelecida à disposição do juiz. Existem duas interpretações para
o uso do poder discricionário na doutrina positivista.

2.2.1. A primeira, para Dworkin, é a qual os argumentos tendem a justificativa


por meio do primeiro tipo fraco, uma vez que às vezes, os juízes devem
formar seu próprio juízo ao aplicar os padrões jurídicos.

2.2.1.1. Segundo o autor, essa conclusão é uma tautologia do próprio


enunciado posto em questão: se não há uma regra clara
disponível, não há outra alternativa a não ser um poder
discricionário.

2.2.2. A segunda é que os positivistas entendem o poder discricionário como


sendo equivalente ao seu sentido forte, ou seja, “…quando um juiz

4
Sendo que a autoridade superior não pode revogar a decisão tomada pelo juiz, então se tem esse segundo tipo
fraco do poder discricionário.
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esgota as regras à sua disposição, ele possui o poder discricionário, no
sentido de que ele não está obrigado por quaisquer padrões derivados
da autoridade da lei.” (p. 55).

3. Dworkin analisa a doutrina do poder discricionário do juiz com base em seu sentido
forte. Para tal, ele apresenta três argumentos que um positivista poderia utilizar para
sustentar a sua tese do poder discricionário do juiz:

3.1. Primeiro argumento positivista: os princípios não podem ser vinculantes ou


obrigatórios.

3.1.1. Não há nada no caráter lógico de um princípio que o torne incapaz


de ser obrigatório ou vinculante.

3.1.1.1. Qual a diferença entre obrigações pautadas por princípios e por


regras claras? Isso justifica a classificação dos princípios e
políticas como à parte do direito, sendo apenas padrões
extrajurídicos comumente adotados nas cortes?

3.2. Segundo argumento positivista: embora alguns princípios sejam obrigatórios,


vinculantes, eles não podem prescrever um resultado particular.

3.2.1. O que significa “prescrever um resultado”?

3.2.1.1. Se isso significa determinar um resultado sempre que for


possível, então está se dizendo que princípios são regras5.

3.2.1.2. Regras não podem ser contraditas. Já os princípios, se se adota


determinado princípio, mesmo havendo outro em sentido
contrário, não há necessariamente um problema. O princípio
não se torna inválido por haver outro em sentido contrário.

3.2.1.3. Os princípios indicam uma direção para a decisão, mas não


de maneira conclusiva e exaustiva.

3.2.1.4. Se um juiz se encontra em uma situação de aparente


discricionariedade, e ele possui princípios que pode utilizar,
sendo que um conjunto de princípios pode ditar um resultado, e
determinado grupo de princípios possui mais peso do que o
grupo em sentido contrário, havendo a obrigação em reconhecer
tais princípios, então não há discricionariedade do juiz.

3.3. Terceiro argumento positivista: os princípios não podem valer como lei, pois
sua autoridade e seu peso são controversos.

5
Se teria uma formulação do tipo “Se A então B”, o que é típico da formulação se regras claras.
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3.3.1. Não existe um teste infalível para se averiguar o peso dos argumentos.
Assim, o questionamento acerca da autoridade dos princípios se dá em
função das partes arrazoadas no debate que precisam chegar a uma
compreensão, controversa ou não, a respeito do que suas ordens ou as
regras exigem e agir com base nesse entendimento.

3.3.2. “…se os princípios não podem ser submetidos a um teste, então ele deve
apresentar alguma outra razão por que eles não podem contar com
parte do direito.” (p. 58)

3.4. Um contra-argumento à doutrina do poder discricionário do juiz: “a não ser


que pelo menos alguns princípios sejam reconhecidos como obrigatórios pelos
juízes e considerados, no seu conjunto, como necessários para chegar a certas
decisões, nenhuma regra ou muito poucas regras poderão ser então
consideradas como obrigatórias para eles. (p. 59)

3.4.1. No sistema do common law, os tribunais podem revogar leis pelas suas
decisões judiciais. Se as cortes possuíssem de fato um poder
discricionário, as regras não seriam obrigatórias e não haveria um direito
positivo. Quais são os padrões que então devem existir para a
revogação ou alteração de uma regra estabelecida pelo legislador por
meio da decisão do juiz?

3.4.1.1. Os princípios aparecem em duas respostas. A primeira se refere


à necessidade, embora não seja suficiente, que o juiz considere o
favorecimento de um princípio a partir da mudança. Assim,
o princípio justifica a mudança.

3.4.1.1.1. “É preciso que existam alguns princípios com


importância e outros sem importância e é preciso que
existam alguns princípios mais importantes que outros.”
(p. 60).

3.4.1.1.1.1. Essa diferenciação não pode ficar em função das


preferências pessoais do juiz.

3.4.1.2. A segunda resposta faz menção à consideração de padrões


importantes que se opõe à mudança pretendida pelo juiz.

3.4.1.2.1. São exemplos disso dois princípios: o da “supremacia do


Poder Legislativo” e o da “doutrina do precedente”.

3.4.1.2.2. Nesse sentido, os princípios e políticas são tratados como


leis, uma vez que regras são leis; são padrões
obrigatórios para as autoridades de determinada
comunidade, regulando suas decisões a propósito de
direitos e obrigações jurídicas.
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4. Se a teoria do poder discricionário do juiz não possui argumentos fortes que a
sustentem, por que tantos juristas inteligentes a adotam?

4.1. Há uma tendência natural de associação entre leis e regras, e assim, pensar o
direito como uma coleção ou sistema de regras. Duas conclusões são possíveis:

4.1.1. A primeira é, sendo o direito um sistema de regras, regras velhas são


suplantadas por regras novas. Chega-se assim à teoria do poder
discricionário no seu sentido forte.

4.1.2. A segunda é: princípios não são regras. Quando se pensa que algo é
um padrão de direito, por ser o direito um sistema de regras, então esse
“algo” é uma regra. Essa é a teoria do “direito de nível superior”,
segundo a qual esses princípios são regras de uma lei acerca do direito.

4.1.2.1. Existem princípios contraditórios. Não é possível haver regras


contraditórias; nesse caso, uma é válida e a outra não. Princípios
não deixam de existir por coexistirem com seus contrários.

4.1.2.2. O positivista chega a duas conclusões: a primeira, correta, é


que princípios não são regras. A segunda, falsa, é que
princípios são padrões extrajurídicos que cada juiz seleciona
de acordo com suas próprias luzes, no exercício de seu poder
discricionário.

Capítulo 6: A regra de reconhecimento

5. Dworkin agora realiza a análise da teoria do poder discricionário a partir da primeira


interpretação6, sendo necessário abandonar a doutrina do poder discricionário.

5.1. “Se os princípios do tipo encontrado nos casos Riggs e Henningsen tiverem que
ser considerados como pertencentes à esfera do direito e, ainda assim,
quisermos preservar a noção de uma regra suprema para o direito, deveremos
ser capazes de formular algum teste que possa ser satisfeito por todos os
princípios que fazer parte do direito (e apenas por eles).” (p. 64) (grifo meu).

6. Para Hart, as regras de direito são válidas porque foram promulgadas pela autoridade
competente.

6.1. Os princípios adotados nos casos Riggs e Henningsen tem origem na


compreensão do que é apropriado, desenvolvida ao longo do tempo pelo público
e pelos juristas.

6
Vide ponto 2.2.1.
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6.1.1. Desse modo os princípios podem se modificar ao longo do tempo e
do contexto social no qual se encontram.

7. Quando um princípio se torna um princípio jurídico?

7.1. Não há um teste infalível para determinar essa transição. O que se faz é
argumentar com base em padrões que dizem respeito à responsabilidade
institucional, à interpretação das leis, à força persuasiva dos precedentes, à
relação entre as práticas morais vigentes e esses fatores.

7.1.1. Não é possível aglutinar todos esses fatores em uma única regra tal qual
a regra de reconhecimento de Hart. Se fosse, ela se referiria a “’alguma
característica ou características, cuja posse por parte de uma regra
sugerida é tomada como uma indicação afirmativa e conclusiva de que
se trata de uma regra…’” (p. 65).

7.2. Os argumentos adotados para justificar determinado princípio não se encontram


em um plano distinto dos próprios princípios que sustentam. Não há uma
diferença entre aceitação e validade. Os princípios apoiam-se mutuamente e,
com isso, conferem ainda mais peso para si mesmos.

7.3. “Desse modo, mesmo que os princípios encontrem apoio em atos oficiais de
instituições jurídicas, eles não têm uma conexão suficientemente simples ou
direta com esses atos que lhes permita enquadrar essa conexão em termos dos
critérios especificados por alguma regra suprema de reconhecimento.” (p. 66)

8. Quanto ao costume, Hart reconhece que eles podem estabelecer regras por meio da
regra de reconhecimento.

8.1. Hart não desenvolve critérios para o reconhecimento da vinculação legal dos
costumes pela regra de reconhecimento por três motivos:

8.1.1. O primeiro motivo é que esse critério não pode ser unicamente a
aceitação moral de obrigatoriedade da prática, pois não seria possível
distinguir regras jurídicas costumeiras de regras morais costumeiras.

8.1.2. O segundo motivo é a elipse da regra de reconhecimento pelos


costumes.

8.1.2.1. Se a regra de reconhecimento diz que todas as outras regras


aceitas como juridicamente obrigatórias assim o são por sê-lo,
então ela não fornece nenhum teste a ser aplicado, exceto o teste
que se aplicou para reconhecer a vinculação à regra de
reconhecimento.

8.1.2.1.1. Os costumes são o ponto falho da teoria de Hart uma vez


que são regras que não foram determinadas pela
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regra de reconhecimento, e seguem o mesmo critério
dela: o reconhecimento moral por parte da sociedade.

8.1.2.1.2. “Desse modo, não é possível adaptar a versão de Hart


do positivismo, modificando sua regra de
reconhecimento para incluir princípios. Nenhum teste de
pedigree que associe princípios a atos que geram
legislação pode ser formulado nem seu conceito de
direito oriundo do costume, em si mesmo uma exceção à
primeira tese do positivismo, pode ser tornado útil sem o
abandono integral dessa tese.” (p. 69).

8.1.3. O terceiro motivo é um questionamento de Dworkin: e se os princípios


forem a última instância e constituírem a regra de reconhecimento?

8.1.3.1. Chegar-se-ia em outra tautologia: o conjunto dos elementos de


direito que constituem o direito são o direito.

8.1.3.2. Não é possível a confecção de rol taxativo com os princípios pois


são inúmeros, muitas vezes conflituosos, com pesos diferentes e
em constante mudança em decorrência do contexto social.

9. Conclusão:

9.1. “…se tratamos os princípios como direito, devemos rejeitar a primeira


doutrina positivista, aquela segundo a qual o direito de uma comunidade se
distingue de outros padrões sociais através de algum teste que toma a forma de
regra suprema.” (p. 70)

9.2. “Já decidimos que nesse caso devemos abandonar a segunda doutrina – a
doutrina do poder discricionário do judicial – ou esclarecê-la a ponto de torná-
la trivial.” (p. 70).

9.3. Quanto à teoria da obrigação jurídica, ela defende que uma obrigação jurídica
existe se e somente uma regra de direito estabelecida impõe tal obrigação.
Assim, não há obrigação jurídica enquanto o juiz não criar uma nova regra para
o caso.

9.3.1. A doutrina do poder discricionário necessita dessa concepção de


obrigação jurídica pois só há um poder discricionário em sentido forte
quando não há um direcionamento da decisão a ser tomada – por um
direito ou obrigação jurídica.

9.3.1.1. No entanto, ao entender os princípios como direito, eles


também podem criar obrigações jurídicas, e o fazem quando
a sua somatória é maior no sentido de composição de uma
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obrigação jurídica do que em sentido contrário. E, portanto,
não há um poder discricionário.

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