Você está na página 1de 2

Mike Cury Fogagnolo - 8547262

Em primeiro lugar, vale apontar que há uma incongruência entre o artigo 216-B e o nome do
capítulo I-A (“da exposição da intimidade sexual”) no qual ele está incluso. Tal incongruência verifica-se
tanto no nome desse crime – registro não autorizado da intimidade sexual – quanto no seu conteúdo
verbal: em ambos, nome e conteúdo, não se fala de exposição da intimidade sexual a que se refere o
nome do capítulo, mas do seu registro. É evidente que registrar não é expor, conduta esta que demandaria
um tipo que contivesse como núcleo verbal ações alternativas, tal como aparece tanto no substitutivo ao
PL n. 5.555/13, quanto na nota técnica do NDIS, como, por exemplo, divulgar, publicar, oferecer etc. Quem
registra ou quem faz montagem, a princípio, guarda o conteúdo assim produzido para si, podendo ou não
o disponibilizar a terceiros em momento posterior.

Assim, permanece a lacuna apontada pela nota técnica no ordenamento quanto à ausência de
uma adequada tipificação legal que proteja a dignidade sexual, ou melhor, a liberdade de
autodeterminação sexual em face do cenário atual, cujo perigo se agravou pelo atual contexto digital no
qual as redes sociais são poderoso ambiente de disseminação de conteúdos que podem violar direitos da
personalidade. O ato de divulgar conteúdo que viole a intimidade sexual alheia carece, portanto, de
proteção adequada.

Disso resulta que a proteção para essa situação se dá pelos crimes contra a honra previstos nos
artigos 139 e 140 do Código Penal. Há problemas nisso. Em primeiro lugar, como aponta a referida nota
técnica do NDIS, persiste assim uma inadequação quanto ao bem jurídico tutelado. Os crimes contra a
honra protegem não a liberdade de autodeterminação, como é o caso dos crimes contra a dignidade
sexual, mas sim a imagem da pessoa, seja em relação a sua autoestima, seja socialmente, ou seja, sua
reputação. Entretanto, a vítima de um crime de exposição de sua intimidade sexual não tem sua honra
ofendida, pois não há nada de desonroso nisso. Esse problema quanto ao bem jurídico tutelado faz com
que a vítima esteja mais sujeita a preconceitos morais, seja por parte da sociedade, seja pelo próprio juiz,
podendo acarretar maiores danos a ela, tanto de natureza moral, psicológica ou mesmo material, já que,
por exemplo, isso abre margem para que o preconceito de um juiz a impeça de ser indenizada.

Além disso, sendo a situação tutelada pelos crimes contra a honra, a ação penal é privada,
podendo dificultar o acesso à justiça, sendo que, tivesse havido a devida tipificação do crime de exposição
da intimidade sexual, tratar-se-ia de crime processado mediante ação penal pública condicionada, dando
mais garantia de que a vitima pudesse ver seu agressor processado, bem como não seria prejudicada sua
liberdade de escolha em processá-lo, fato esse que ampliaria, inclusive, suas possibilidades de composição
com o agente infrator.

Diga-se ainda, que o artigo 216-B contém em seu tipo a necessidade de autorização do registro
por parte dos participantes. Isso faz com que, como aponta a nota técnica mencionada, o ônus de provar
que não houve tal autorização é de quem acusa, uma vez que a este incumbe demonstrar a ocorrência de
todos os elementos que configuram o crime. Exigir da vítima a não ocorrência da autorização, porém, é
incumbi-la de uma prova diabólica, situação em que praticamente não terá chances de provar sua
alegação, impedindo, dessa forma, seu acesso à justiça, e deixando o autor do crime impune. A nota
técnica traz uma oportuna recomendação de colocar a necessidade de autorização fora do tipo penal,
invertendo assim o ônus da prova.
Tendo essas questões em vista, pode-se concluir que a Lei 13.772 de 2018 andou mal, mostrando-
se ineficiente, incoerente e deixando uma importante lacuna no ordenamento, com todas as mencionadas
consequências negativas que isso acarreta e que deixa, principalmente as mulheres (pois estas são as
vitimas mais comuns do crime de violação da intimidade sexual, bem como são as mais vitimizadas em
face do machismo e moralismo que ainda são muito fortes na sociedade), expostas a uma situação que
melhor seria tratada se o legislador houvesse se atentado a nota técnica do NDIS.

Você também pode gostar