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VERBICARO, Dennis; PENNA E SILVA, João Vitor; LEAL, Pastora do Socorro Teixeira. O
mito da indústria do dano moral e a banalização da proteção jurídica do consumidor pelo
Judiciário brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 114, ano. 26, p.
75-99, nov-dez. 2017.
Resenha por Eugênia Luiza Passos Pinheiro (DI9NA)

O objeto desta resenha é o artigo “O mito da indústria do dano moral e a banalização


da proteção jurídica do consumidor pelo Judiciário brasileiro”. O autor Dennis Verbicaro é
procurador do Estado do Pará e renomado advogado. Possui doutorado em Direito do
Consumidor pela Universidade de Salamanca (Espanha), e é Mestre em Direito do
Consumidor pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Além de tais feitos, é professor da
Graduação e dos Programas de Pós-Graduação da UFPA e do Centro Universitário do Pará –
CESUPA, e líder do Grupo de Pesquisa “Consumo e cidadania” (CNPQ).

João Vitor Penna e Silva, o segundo autor, é Mestre em Direito pelo programa de
pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA) e Bacharel em
Direito pela mesma instituição, com período de mobilidade acadêmica na Universidade de
Lisboa em Portugal. Também é membro fundador da Liga Acadêmica Jurídica do Pará –
LAJUPA.

Por último, a autora Pastora do Socorro Teixeira Leal é respeitável Desembargadora


do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, bem como é Professora de graduação e
de pós-graduação da UFPA e da Universidade da Amazônia (UNAMA). É Pós-Doutora em
Direito pela Universidade Carlos III de Madri na Espanha. Também é Doutora em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, e Mestre e graduada em
Direito pela UFPA.

Pois bem, o artigo trata das facetas da "indústria do dano moral” e como o
entendimento pátrio atual acaba por desbalancear as relações de consumo, surgindo uma
sensação de impunidade nas empresas e um desamparo aos consumidores.

Os autores introduzem o tema ensinando que o instituto do dano moral está positivado
na Constituição Federal (art. 5º, V e X), contudo a legislação brasileira não é suficiente para
resolver os problemas fáticos, cabendo, portanto, a jurisprudência a função de tentar amarrar o
conceito de dano moral. Explicam, também, que há uma dúbia interpretação, onde se busca
proteger a dignidade da pessoa humana, mas também delimita-se as hipóteses de configuração
dos danos morais.
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Neste liame, os autores explicam que, para uma aplicação alegadamente mais justa dos
danos morais, a resposta jurisprudencial seria no sentido de uma tarifação legal (em contrário
ao enriquecimento sem causa) e a restrição das possibilidades de adequação enquanto dano
moral (banalização do dano moral).

Na questão da tarifação, os autores comprovaram empiricamente que resta infundado


o argumento de que a "indústria do dano moral” está apenas em busca de enriquecer às custas
do judiciário, o que não ocorre na prática. Já sobre a banalização do dano moral, criou-se a
figura do “mero aborrecimento”, na qual, de acordo com os autores, a não ocorrência da
indenização por “mero dissabor" e pela pequena monta, frustra a expectativa do consumidor
em ver o seu direito reparado.

Outra problemática, apontada pelos autos, nesse quesito é a estimulação dos


fornecedores para práticas violadoras, já que não haveria nenhum tipo de repercussão, ou na
hipótese de condenação, essa não seria o suficiente para lhe causar uma mudança
comportamental, pois seria uma indenização irrisória em comparação com os ganhos obtidos
com a atividade empresarial.

Portanto, há de se concordar com a lógica dos autores, posto ser fato a vulnerabilidade
do consumidor (Art. 4º, I, CDC), então falar de uma “indústria do dano moral” é questionável.
Em verdade, esse termo critica a atuação dos próprios juristas que o defendem, e ao banalizar
esse importante instituto permitem a violação do direito do consumidor a reparação por danos
morais, com o argumento infundado de “mero aborrecimento”.

Neste sentido, cita-se a decisão do STJ sobre atraso em voo:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ATRASO EM VOO


DOMÉSTICO NÃO SIGNIFICATIVO, INFERIOR A OITO HORAS, E SEM A
OCORRÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS GRAVES. COMPANHIA AÉREA QUE
FORNECEU ALTERNATIVAS RAZOÁVEIS PARA A RESOLUÇÃO DO
IMPASSE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. O cerne da questão reside
em saber se, diante da responsabilidade objetiva, a falha na prestação do serviço -
atraso em voo doméstico de aproximadamente oito horas - causou dano moral ao
recorrente. 2. A verificação do dano moral não reside exatamente na simples
ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento
jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito
seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de
maneira relevante. Daí porque doutrina e jurisprudência têm afirmado, de
forma uníssona, que o mero inadimplemento contratual - que é um ato ilícito -
não se revela, por si só, bastante para gerar dano moral. 3. Partindo-se da
premissa de que o dano moral é sempre presumido - in re ipsa (ínsito à própria
ofensa) -, cumpre analisar a situação jurídica controvertida e, a partir dela, afirmar se
há ou não dano moral indenizável. 4. No caso em exame, tanto o Juízo de piso
quanto o Tribunal de origem afirmaram que, em virtude do atraso do voo - que,
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segundo o autor, foi de aproximadamente oito horas -, não ficou demonstrado


qualquer prejuízo daí decorrente, sendo que a empresa não deixou os passageiros à
própria sorte e ofereceu duas alternativas para o problema, quais sejam, a estadia em
hotel custeado pela companhia aérea, com a ida em outro voo para a capital gaúcha
no início da tarde do dia seguinte, ou a realização de parte do trajeto de ônibus até
Florianópolis, de onde partiria um voo para Porto Alegre pela manhã. Não há, pois,
nenhuma prova efetiva, como consignado pelo acórdão, de ofensa à dignidade da
pessoa humana do autor. 5. O aborrecimento, sem consequências graves, por ser
inerente à vida em sociedade - notadamente para quem escolheu viver em grandes
centros urbanos -, é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em vista que este
depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do
magistrado, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. Como leciona
a melhor doutrina, só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o
sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira
intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe
aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Precedentes. 6. Ante a moldura
fática trazida pelo acórdão, forçoso concluir que, no caso, ocorreu dissabor que não
rende ensejo à reparação por dano moral, decorrente de mero atraso de voo, sem
maiores consequências, de menos de oito horas - que não é considerado significativo
-, havendo a companhia aérea oferecido alternativas razoáveis para a resolução do
impasse. 7. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no REsp: 1269246 RS 2011/0113658-0, Relator: Ministro LUIS


FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 20/05/2014, T4 - QUARTA TURMA,
Data de Publicação: DJe 27/05/2014) (grifos nossos)

Percebe-se que o entendimento jurisprudencial pátrio segue o raciocínio de que nem


todo o ilícito gera danos morais, por suposto haja vista que a própria legislação brasileira
apresenta meios diferentes de reparação de danos (ex: danos materiais). Mas isto reforça a
necessidade da conceituação para o que seria realmente os danos morais, para depois pensar
em suas nuances, vez que a falta desse conceito gera (e está gerando) insegurança jurídica.

Ou seja, um instituto que deveria desestimular a atuação predatória das empresas, está
transferindo o risco da atividade para o consumidor, o fazendo gastar o seu tempo num
moroso processo judicial onde a “compensação” depende das peculiaridades de cada caso e,
às vezes, resulta em valores simbólicos (OLIVEIRA, 2016) (PAULA; MOTTA, 2020).

Outro ponto duvidoso são os termos utilizados tanto pelos juristas quanto a doutrina
como, por exemplo, as palavras angústia e dissabor. Como é possível medir tais sensações da
esfera pessoal apenas com as provas (muitas vezes só documentais) colacionadas aos autos do
processo? Por que não recorrer a uma análise multidisciplinar antes de recusar o direito do
consumidor? E o questionamento levantado pelos autores sobre o que seriam essas “outras”
violações do interesse de um indivíduo, as quais não são consideradas para reparação por
danos morais?
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São perguntas que precisam de uma maior reflexão pelos profissionais do Direito, para
que haja a real tutela do interesse dos consumidores, ressalta-se que isto não afeta apenas um
indivíduo ou uma categoria, mas toda a sociedade.

Em relação a problemática das ações coletivas no âmbito do Direito do Consumidor,


além do problema trazido pelos autores sobre advogados atuantes preferirem ações
pulverizadas com o objetivo de auferir lucro, menciona-se que o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) publicou uma série chamada de “Justiça Pesquisa” e um dos temas abordados foram as
ações coletiva (2017). Foi feito um survey com diversos juízes de primeira instância, e
verificou-se que mais da metade reconheceu que o seu conhecimento sobre direitos coletivos
são parcialmente insuficientes. Os magistrados também afirmaram que as ações individuais
têm uma maior probabilidade de sucesso que as ações coletivas.

Assim, aponta-se que não só o pensamento tradicionalista de preferência das


demandas individuais, como o fato do pouco conhecimento sobre a tutela coletiva por parte
dos juristas, reforçam o argumento de que há uma lógica mercadológica lucrativa em cima das
violações sofridas pelos consumidores.

Por fim, propõe-se possíveis soluções para esta problemática: Educação para um
melhor entendimento do dano moral; Criação de um parâmetro legal para caracterização do
dano moral; Criação de um novo instituto para os ilícitos não reparáveis por dano moral
(“mero aborrecimento”); E a possibilidade de uma análise multidisciplinar no andamento do
processo.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº


1.269.246. Relator: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Brasília, . Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/25095801/inteiro-teor-25095802. Acesso em:
03 out. 2022.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Direitos e Garantias Fundamentais. Ações
Coletivas no Brasil: temas, atores e desafios da tutela coletiva. 2017. Série Justiça Pesquisa.
Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/9b3ba34c3dd4f6b44893444f7c29b2be.pd
f. Acesso em: 01 out. 2022.
OLIVEIRA, Amanda Flávio de. A indústria do mero aborrecimento. Conselho Federal da
OAB (site), 2016. Disponível em:
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https://www.oab.org.br/noticia/52130/artigo-a-industria-do-mero-aborrecimento. Acesso em:


01 out. 2022
PAULA, Ana Cristina Alves; MOTTA, Maiara. A indenização por danos morais nos juizados
especiais cíveis – democratização da justiça ou abuso? Brazilian Journal Of Development,
[S.L.], v. 6, n. 6, p. 35376-35394, jun. 2020. Brazilian Journal of Development. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv6n6-176. Acesso em: 01 out. 2022.

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