Você está na página 1de 45

Informativo comentado:

Informativo 642-STJ
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
 É possível que o magistrado condene o autor da ofensa a divulgar a sentença condenatória nos mesmos veículos de
comunicação em que foi cometida a ofensa à honra.

DIREITO CIVIL
USUCAPIÃO
 Não cabe oposição em ação de usucapião.

ALIMENTOS
 Somente incidirá correção monetária para atualização do valor da pensão alimentícia combinada no acordo se isso
estiver expressamente previsto no pacto.

DIREITO DO CONSUMIDOR
FORNECEDOR
 A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante direta do
produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


 Companhia aérea é civilmente responsável por não promover condições dignas de acessibilidade de pessoa
cadeirante ao interior da aeronave.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


 Concessionária de transporte ferroviário deve pagar indenização à passageira que sofreu assédio sexual praticado
por outro usuário no interior do trem?

PUBLICIDADE
 A inserção de cartões informativos no interior das embalagens de cigarros não constitui prática de publicidade
abusiva apta a caracterizar dano moral coletivo.

DIREITO EMPRESARIAL
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
 Reserva de 40% dos honorários do administrador judicial (art. 24, § 2º da Lei) se aplica apenas à falência, não à
recuperação.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


INTIMAÇÃO
 A habilitação de advogado em autos eletrônicos não é suficiente para a presunção de ciência inequívoca das
decisões, sendo inaplicável a lógica dos autos físicos.

ORDEM DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS


 Em caso de descumprimento do § 3º do art. 941 do CPC haverá nulidade do acórdão, mas não do julgamento.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1


Informativo
comentado

DIREITO PROCESSUAL PENAL


PRISÃO PREVENTIVA
 A SV 56 é inaplicável ao preso provisório (prisão preventiva) porque esse enunciado trata da situação do preso que
cumpre pena (preso definitivo ou em execução provisória da condenação).

COISA JULGADA
 Havendo duas sentenças transitadas em julgado envolvendo fatos idênticos, deverá prevalecer a que transitou em
julgado em primeiro lugar.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR


COMPETÊNCIA
 A Lei 13.491/2017 deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, respeitando-se os benefícios previstos
na legislação penal mais benéfica ao tempo do crime

DIREITO CONSTITUCIONAL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
É possível que o magistrado condene o autor da ofensa a divulgar a sentença condenatória nos
mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra

Importante!!!
O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da
República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento
da ADPF 130/DF.
O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da
indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da
responsabilidade civil.
Dessa forma, é possível que o magistrado condene o autor da ofensa a divulgar a sentença
condenatória nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra,
desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.866-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João publicou um livro contendo acusações contra Pedro (magistrado que estava, na época, como
Presidente de um Tribunal) de ter praticado atos espúrios no exercício de suas funções.
Pedro ajuizou ação contra João (autor do livro) e contra a editora que o publicou pedindo que os réus
fossem condenados a:
• pagar indenização por danos morais decorrentes da publicação da obra;
• publicar o inteiro teor da decisão condenatória e da petição inicial nas futuras edições do livro e em
revista de grande circulação.

Contestação
Os requeridos contestaram a demanda alegando que:
1) não houve ato ilícito, considerando que a publicação da obra estava amparada no direito constitucional
à liberdade de expressão;

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2


Informativo
comentado

2) o pedido para publicação da sentença condenatória não tem fundamento legal, considerando que essa
possibilidade estava prevista no art. 75 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67):
Art. 75. A publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será
decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou
através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida
ou condenada.

Ocorre que o STF, no julgamento da ADPF 130-DF, considerou que a Lei de Imprensa não foi recepcionada
pela CF/88. Logo, o pedido do autor para publicação da sentença condenatória não teria substrato jurídico.

O STJ concordou com os pedidos do autor?


SIM.

Respeito aos direitos da personalidade


De fato, o STF decidiu que a Lei de Imprensa, em sua inteireza, não foi recepcionada pela CF/88, sendo,
portanto, inválida: STF. Plenário. ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 30/04/2009.
Vale ressaltar, contudo, que a não recepção da Lei de Imprensa não exime os seus agentes (profissionais
da imprensa) de observar as regras civis para o exercício dessa atividade, devendo respeitar os direitos da
personalidade, que abarcam o nome, a honra e a intimidade.
Além disso, estão também sujeitos às normas que tratam sobre a responsabilidade civil, previstas nos arts.
186, 187 e 927 do Código Civil.

Elementos de ponderação para a tensão entre liberdade de expressão e os direitos da personalidade


O STJ estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da
personalidade, os seguintes elementos de ponderação:
a) o compromisso ético com a informação verossímil;
b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à
imagem, à privacidade e à intimidade; e
c) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa
(animus injuriandi vel diffamandi).
Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 801.109/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/6/2012.

Liberdade de expressão não é absoluta


A regra geral é a liberdade de informação. Entretanto, não se trata de liberdade absoluta. Seu exercício
encontra limites no dever de respeito aos demais direitos e garantias fundamentais também protegidos:
(...) 3. Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto,
encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade
da pessoa humana.
4. No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu
compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura injuriosa ou difamatória ao divulgar
fatos que possam macular a integridade moral do indivíduo. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.988/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/11/2018.

Narrativa de fatos verídicos ou verossímeis


Em princípio, não configuram ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, mesmo
que tais opiniões sejam severas, irônicas ou impiedosas.
Essa conclusão se mostra ainda mais forte em se tratando notícias ou críticas envolvendo a atividade
profissional de figuras públicas que exerçam cargos estatais, gerindo interesses da coletividade.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3


Informativo
comentado

Portanto, a assunção de cargos públicos, como a presidência de um Tribunal, torna o sujeito uma pessoa
pública, cujos atos estão sujeitos a maior exposição e mais suscetíveis à mitigação dos direitos de
personalidade.
No entanto, mesmo em tais hipóteses, a liberdade também não será absoluta.
Assim, se ficar demonstrado, no caso concreto, que o autor da obra não teve compromisso ético com a
informação verdadeira, violou direitos da personalidade e fez críticas com nítido propósito de difamar,
injuriar ou caluniar a pessoa atingida, estará plenamente configurado o ato ilícito capaz de ensejar a
condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Publicação da decisão judicial e da petição inicial


Conforme já vimos, a Lei de Imprensa não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico, não tendo sido
recepcionada pela CF/88. Por consequência, de fato, não é mais válida a previsão do art. 75 da Lei nº
5.250/67, que possibilitava a publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra,
a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação,
ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada.
Contudo, apesar disso, ainda existe fundamento constitucional e legal para que o juiz determine ao jornal,
revista ou editora a divulgação da íntegra da sentença que o condenar em danos morais. A isso se chama
“direito de retratação e de esclarecimento da verdade”.

Fundamentos do direito de retração e de esclarecimento da verdade


Os direitos ao esclarecimento da verdade, à retificação da informação inverídica ou à retratação não foram
banidos do ordenamento jurídico brasileiro com a declaração de não recepção da Lei de Imprensa.
Tais direitos continuaram existindo com amparo em outros dispositivos da legislação civil vigente.
Desse modo, ainda existem dispositivos que autorizam esses direitos. E quais seriam eles? Que dispositivos
o magistrado pode utilizar para fundamentar essa imposição? Arts. 927 e 944 do Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

O art. 927 do Código Civil impõe àquele que, cometendo ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de
repará-lo, ao passo que o art. 944 do mesmo diploma legal determina que a indenização seja medida pela
extensão do dano. Isso significa que a principal função da indenização é promover a reparação da vítima,
anulando, ao máximo, os efeitos do dano.
Especificamente sobre o dano moral, oportuno relembrar que ele decorre de um dever jurídico geral de
abstenção assumido por toda a coletividade perante o seu titular: o dever de não violar os direitos
inerentes à sua personalidade. Trata-se, pois, de regra primacial e elementar do convívio em sociedade,
cuja violação sujeita o agente às sanções jurídicas, dentre as quais a reparação.
Assim, violado esse dever de abstenção, ocasionando a ofensa à honra e à imagem do recorrente, cabe a
ele a pretensão de restaurar o seu direito. Por sua vez, a jurisdição deve dispor de meios para garantir a
pacificação social, o que inclui afastar ou mitigar os efeitos nefastos do dano.
Por isso, a reparação deve ser buscada de forma ampla, admitindo não só a pecúnia, mas também a
reparação in natura, nos casos em que ela se mostrar proporcional, possível e adequada.
Nessa linha de raciocínio, tal entendimento foi cristalizado no Enunciado 589 da VII Jornada de Direito
Civil: “a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida
a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.”
O CC/2002 determina que a pessoa que causar dano a outrem fica obrigada a repará-lo.
Quando o juiz condena o jornal/revista a publicar em suas páginas, na íntegra, a sentença condenatória,
isso configura uma forma de reparação específica da honra do autor.
A reparação dos danos morais com pagamento de dinheiro é apenas uma compensação pelo sofrimento
causado à vítima. No entanto, a publicação da sentença que condena o jornal/revista é um modo de
Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4
Informativo
comentado

divulgar, para a coletividade, que a honra daquela pessoa deve ser respeitada e que o órgão de imprensa
praticou um ato ilícito.
Em suma, a divulgação da sentença condenatória é considerada como uma forma de reparação específica
do dano moral.
Desse modo, é possível que sentença condenatória determine a sua divulgação nos mesmos veículos de
comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais
diversos da Lei de Imprensa.

Em suma:
O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e
na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.866-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

Não é censura
Vale ressaltar, por fim, que não se trata de censura ou controle prévio dos meios de comunicação social e
da liberdade de expressão, pois não se está impondo nenhuma proibição de comercialização da obra
literária, nem mesmo se determinando que as edições até então produzidas sejam recolhidas ou
destruídas, o que seria de todo contrário ao ordenamento jurídico.

Direito de retração x direito de resposta


Oportuno ressaltar, ainda, que o direito de publicação da sentença não pode ser confundido com o direito
de resposta.

DIREITO CIVIL

USUCAPIÃO
Não cabe oposição em ação de usucapião

Importante!!!
Não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição na ação de usucapião.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.726.292-CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

USUCAPIÃO
Conceito
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Ação de usucapião
O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião.
O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial
deverá seguir o procedimento comum.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5


Informativo
comentado

Em uma ação de usucapião, o autor deve pedir a citação de quem? Quem deve ser citado?
• o indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel,
segundo o cartório de registro de imóveis;
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes, ou seja, os vizinhos que fazem fronteira com o
imóvel que se almeja na ação. Em se tratando de casa, em geral, são três confinantes: o vizinho da
esquerda, o da direita e o vizinho de trás;
• a citação, por edital, de eventuais interessados (art. 259, I, do CPC/2015).

OPOSIÇÃO
Conceito
A oposição consiste em...
- uma ação proposta por um terceiro
- na qual ele pede o mesmo bem ou direito
- que já está sendo discutido em outro processo que está tramitando

Exemplo
Francisco ajuizou ação reivindicatória contra Raimundo afirmando que é proprietário do sítio “Bela Vista”,
que está sendo ocupado pelo réu.
Antônio não estava participando deste processo, no entanto, soube informalmente da sua existência.
Antônio entende que ele é o real proprietário do sítio.
Diante disso, Antônio (classificado juridicamente como “terceiro”, por não fazer parte originalmente da
ação) poderá apresentar “oposição” alegando que nem Francisco (autor) nem Raimundo (réu) tem direito,
considerando que o imóvel em discussão pertence a ele.

Em uma frase: “A” e “B” estão disputando o bem “X”. “C” ingressa no processo afirmando que ele é o
titular de “X”.

Previsão
A oposição está prevista no art. 682 do CPC/2015:
Art. 682. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor
e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Natureza jurídica
No CPC/1973: era uma espécie de intervenção de terceiros.
No CPC/2015: foi tratada como uma ação autônoma.

NÃO CABE OPOSIÇÃO EM AÇÃO DE USUCAPIÃO


Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com ação de usucapião de um determinado imóvel, alegando preencher os requisitos legais
para a aquisição originária dessa área.
Foram citados:
• Belchior (indivíduo em nome do qual se encontra registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel,
segundo o cartório de registro de imóveis);
• os proprietários ou possuidores dos imóveis confinantes (“vizinhos”);
• eventuais interessados (citados por edital).

Oposição
No curso do processo, Pedro apresentou oposição (art. 682 do CPC) afirmando que ele é o legítimo
proprietário do bem, ainda que seu nome não esteja no registro imobiliário.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6


Informativo
comentado

Desse modo, Pedro requereu que o pedido de João fosse julgado improcedente.

O pedido de Pedro terá êxito?


NÃO. Isso porque não cabe oposição em ação de usucapião.
O CPC prevê que na ação de usucapião deverá ser publicado um edital convocando quaisquer interessados
que tenham interesse de impugnar o pedido formulado pelo autor (art. 259, I).

Qual é o meio processual para que o interessado impugne esse pedido do autor da ação de usucapião?
Contestação.
Assim, se Pedro entendeu que ele é quem tinha direito de usucapir o imóvel e que, portanto, o pedido de
João deveria ser julgado improcedente, ele deveria ter exercido a sua pretensão por meio de uma
contestação (e não por intermédio de oposição).

Falta de interesse processual


A oposição, como vimos, é uma ação judicial. Logo, somente deve ser conhecida se preencher as condições
da ação e os pressupostos processuais.
Entre as condições da ação, está o interesse processual (ou interesse de agir).
Se o autor não tinha “necessidade” de ajuizar a ação que foi proposta, isso significa que essa ação não
deverá ser conhecida por falta de interesse processual.
Assim, conclui-se que Pedro não tinha interesse processual para oferecer oposição porque a tutela por ele
buscada podia ser alcançada pela simples contestação.
O indivíduo não tem necessidade de ingressar com oposição em uma ação de usucapião porque basta que
ele apresente uma contestação. Se ele não tem necessidade, significa dizer que, se ajuizar oposição na
ação de usucapião, esta oposição não deverá ser admitida por falta de interesse processual.
Essa é também a posição da doutrina:
“(...) cabe indagar se na ação de usucapião é possível que o terceiro se utilize da oposição como
forma de demonstrar a existência de pretensão contraditória àquela formulada pelo autor.
Posicionamo-nos pela negativa, justamente pela universalidade do juízo do usucapião. A citação
nesse procedimento revela um ato complexo, e a manifestação de qualquer terceiro interessado
revelara autêntica contestação, com a concretização do procedimento edital (art. 259 do CPC),
que não se confunde com a citação por edital. Desta forma, a intervenção do terceiro nasce por
força do ato citatório de caráter universal. Sendo ultrapassada a fase para a impugnarão, não
poderá o terceiro valer-se da oposição”. (ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 414-415)

Aquele que se opõe ao pedido do autor na ação de usucapião não é terceiro


Além do argumento acima, podemos também enunciar outro para não admitir a oposição: Pedro não pode
ser considerado “terceiro” em relação ao direito material discutido na ação de usucapião.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de
usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
Ora, se a lei determina a citação por edital de todos os interessados e Pedro ingressa no feito dizendo que
é interessado, então ele é parte no processo (e não terceiro).
Só o terceiro pode apresentar oposição. Se o indivíduo é parte, sua manifestação no processo nunca
poderá ser feita por meio de oposição.

Em suma:
Não cabe oposição em ação de usucapião.
O indivíduo não tem interesse processual para oferecer oposição na ação de usucapião porque, estando
tal ação incluída nos chamados juízos universais (em que são convocados a integrar o polo passivo por

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7


Informativo
comentado

meio de edital toda a universalidade de eventuais interessados), sua pretensão poderia ser deduzida
por meio de contestação.
Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de
usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.
STJ. 3ª Turma. REsp 1726292/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/02/2019.

ALIMENTOS
Somente incidirá correção monetária para atualização do valor da pensão alimentícia
combinada no acordo se isso estiver expressamente previsto no pacto

Importante!!!
O acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges possui natureza consensual
e, portanto, a incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do
tempo deve estar expressamente prevista no contrato.
Os alimentos acordados voluntariamente entre ex-cônjuges, por se encontrarem na esfera de
sua estrita disponibilidade, devem ser considerados como verdadeiro contrato, cuja validade
e eficácia dependem exclusivamente da higidez da manifestação de vontade das partes
apostas no acordo.
Não confundir:
• acordo de alimentos entre ex-cônjuges não prevê atualização monetária da pensão alimentícia
ao longo do tempo: o valor da obrigação se mantém pelo valor histórico (valor original).
• decisão judicial não prevê atualização monetária da pensão alimentícia: mesmo assim a
prestação deverá ser corrigida, atualizando-se o valor historicamente fixado.
Observação: a correção monetária explicada acima diz respeito à atualização da obrigação
original fixada no contrato e paga na data do vencimento. Não se estava tratando sobre
correção monetária de parcelas pagas em atraso. Mesmo que o contrato não preveja, haverá
incidência de correção monetária caso o alimentante pague a pensão alimentícia após a data
do vencimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.669-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

SITUAÇÃO 1
Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas ajuizou ação de alimentos contra seu pai (Pedro).
O juiz proferiu sentença condenando o genitor a pagar R$ 2 mil, mensalmente, ao autor.

Nesta sentença, o magistrado deverá fixar um índice de correção monetária para atualização periódica
do valor da pensão alimentícia? Caso o juiz não tenha fixado, Lucas poderá recorrer pedindo que o
Tribunal imponha esse índice?
SIM. O STJ assim já decidiu:
(...) 5. Por ser a correção monetária mera recomposição do valor real da pensão alimentícia, é de rigor que
conste, expressamente, da decisão concessiva de alimentos – sejam provisórios ou definitivos -, o índice
de atualização monetária, conforme determina o art. 1.710 do Código Civil. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.258.824/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 30/5/2014.

Suponhamos que o juiz não fixou nem houve recurso, tendo havido o trânsito em julgado. O que
acontece neste caso?

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8


Informativo
comentado

Mesmo que a decisão judicial tenha sido silente (omissa) quanto ao índice de correção monetária, ainda
assim a prestação alimentícia deverá ser corrigida, mantendo-se atualizado o valor historicamente fixado.
Em outras palavras, mesmo que o juiz não fixe, deverá incidir correção monetária. Isso porque há uma
determinação legal expressa nesse sentido no art. 1.710 do Código Civil:
Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice
oficial regularmente estabelecido.

Pode-se mencionar também o art. 1º da Lei nº 6.899/81:


Art. 1º A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive
sobre custas e honorários advocatícios.

O que isso significa, na prática?


Que Lucas receberá R$ 2 mil no primeiro mês e, nos meses seguintes, terá direito de receber 2 mil + o
índice de correção monetária verificado no período. Em outras palavras, esse valor original de R$ 2 mil vai
sendo “atualizado” com o passar do tempo.

Mesmo que o pai pague pontualmente (na data do vencimento)?


SIM. Aqui, a correção monetária que estamos tratando não é das parcelas em atraso, mas sim a correção
monetária da obrigação original fixada.
Assim, no segundo mês, ainda que João pague na data correta, ele já terá que pagar R$ 2 mil mais o índice
de correção monetária.

SITUAÇÃO 2
Imagine agora uma situação diferente:
João e Maria eram casados e decidiram, consensualmente, se divorciar.
Em fevereiro/2017, eles celebram um acordo de divórcio no qual ficou estabelecido que João pagaria a
Maria o valor mensal de R$ 2 mil, a partir de março/2017.

Neste acordo, as partes poderiam ter fixado um índice de correção monetária para atualização periódica
do valor da pensão alimentícia?
SIM. A legislação prevê que é possível a fixação de correção monetária em caso de obrigações envolvendo
prestações de trato sucessivo com prazo superior a 1 ano (arts. 1º e 2º da Lei nº 10.192/2001).

Suponhamos que o acordo não previu índice de correção monetária. O que acontece neste caso? Diante
do silêncio do contrato, mesmo assim será devida a incidência de correção monetária?
NÃO.
Somente incidirá correção monetária para atualização do valor da pensão alimentícia combinada no
acordo se isso estiver expressamente previsto no pacto.
O acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges possui natureza consensual e,
portanto, a incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do tempo deve
estar expressamente prevista no contrato.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.669-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

O regime jurídico envolvendo os contratos é notoriamente distinto daquele estabelecido para as


obrigações judicialmente fixadas. Assim, há diferenças em caso de obrigação alimentar fixada por contrato
ou por decisão judicial.
Além disso, o direito aos alimentos entre ex-cônjuges tem matriz ontológica distinta do dever de alimentos
devidos aos descendentes, menores ou incapazes.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9


Informativo
comentado

Diante dessas peculiaridades, caso o título seja omisso quanto à fixação da correção monetária, a solução
será diferente para os casos de obrigações contratuais e judiciais:
• silente o contrato quanto à incidência de correção monetária para a apuração do quantum devido, o
valor da obrigação se mantém pelo valor histórico;
• por outro lado, silente a decisão judicial quanto ao índice aplicável, deverá, mesmo assim, a prestação
ser corrigida, atualizando-se o valor historicamente fixado.

Não confundir com a correção monetária das parcelas em atraso


Irei insistir novamente em um importante ponto. A correção monetária explicada acima diz respeito à
atualização da obrigação original fixada no contrato e paga na data do vencimento.
Não se estava tratando sobre correção monetária de parcelas pagas em atraso.
Mesmo que o contrato não preveja, haverá incidência de correção monetária caso o alimentante pague a
pensão alimentícia após a data do vencimento.
Assim, ainda que o contrato entre João e Maria não preveja correção monetária, se ele atrasar 15 dias,
por exemplo, terá que pagar R$ 2 mil + o índice de correção monetária referente a esses 15 dias.
Isso porque a atualização monetária do valor atrasado (mora) decorre de imposição legal.
O Código Civil prevê que o devedor responda por todos os danos decorrentes do não adimplemento
oportuno da obrigação, inclusive pela correção monetária. Veja:
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização
dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.

Todavia, esse raciocínio do art. 395 do CC não pode ser meramente transportado para impor a atualização
monetária do valor original das obrigações ajustadas.
Assim, a correção monetária da prestação inadimplida a tempo e modo (prestação em atraso) não se
confunde com a atualização monetária do valor histórico da prestação de trato sucessivo. São situações
diferentes.

DIREITO DO CONSUMIDOR

FORNECEDOR
A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a
fabricante direta do produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente

O conceito legal de “fornecedor” previsto no art. 3º do CDC abrange também a figura do


“fornecedor aparente”, que consiste naquele que, embora não tendo participado diretamente
do processo de fabricação, apresenta-se como tal por ostentar nome, marca ou outro sinal de
identificação em comum com o bem que foi fabricado por um terceiro, assumindo a posição
de real fabricante do produto perante o mercado consumidor.
O fornecedor aparente, em prol das vantagens da utilização de marca internacionalmente
reconhecida, não pode se eximir dos ônus daí decorrentes, em atenção à teoria do risco da
atividade adotada pelo CDC. Dessa forma, reconhece-se a responsabilidade solidária do
fornecedor aparente para arcar com os danos causados pelos bens comercializados sob a
mesma identificação (nome/marca), de modo que resta configurada sua legitimidade passiva
para a respectiva ação de indenização em razão do fato ou vício do produto ou serviço.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.580.432-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/12/2018 (Info 642).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


Informativo
comentado

Imagine a seguinte situação hipotética:


João comprou um notebook da marca Toshiba.
Dois meses após a aquisição, o computador apresentou “defeito” (vício), ficando sem sinal e tela de
imagem, impossibilitando o acesso aos arquivos produzidos.
O consumidor levou várias vezes até a assistência técnica, mas não conseguiu resolver o problema, além
de ter perdido todos os seus arquivos, incluindo fotos pessoais e trabalhos escolares.
Diante disso, João ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a sociedade
empresária SEMP TOSHIBA INFORMÁTICA LTDA.

Ilegitimidade
A SEMP TOSHIBA INFORMÁTICA LTDA apresentou contestação e, em preliminar, suscitou a carência da
ação por ilegitimidade passiva ad causam. Isso porque o computador TOSHIBA adquirido pelo autor é
importado, tendo sido produzido pela Toshiba Internacional.
A SEMP TOSHIBA INFORMÁTICA LTDA não produziu ou comercializou o equipamento adquirido pelo autor
e, portanto, sustentou que não lhe incumbe a responsabilidade pela sua manutenção ou conserto.

O argumento da ré foi acolhido pelo STJ?


NÃO.

Elementos da relação de consumo


Uma relação de consumo possui três elementos:
1) o consumidor (art. 2º);
2) o fornecedor (art. 3º);
3) o fornecimento de um produto ou a prestação de um serviço que se destina à satisfação de uma
necessidade pessoal do consumidor.

Fornecedor
O conceito de fornecedor está presente no art. 3º do CDC, nos seguintes termos:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

Extrai-se da norma, portanto, que será considerado como fornecedor de produtos ou serviços:
- toda pessoa física ou jurídica
- que desenvolve atividade mediante remuneração (desempenho de atividade mercantil ou civil)
- e de forma habitual,
- seja ela pública ou privada,
- nacional ou estrangeira e
- até mesmo entes despersonalizados.

“Fornecedor é aquele que atua profissionalmente no mercado, recebendo remuneração direta ou indireta
pela produção, distribuição e comercialização de bens e serviços” (BESSA, Leonardo. Fornecedor
Equiparado in Doutrinas Essenciais Direito do Consumidor. Volume I. São Paulo: RT, 2011, p. 1.023).

A lei traz uma definição ampliada do conceito de fornecedor, considerando que nele inclui todos os
membros da cadeia de fornecimento.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


Informativo
comentado

Espécies de fornecedor
A doutrina aponta a existência de quatro espécies de fornecedor:
a) Fornecedor real:
O fornecedor real é aquele que, efetivamente, participa do processo de fabricação ou produção do
produto, de um dos seus componentes ou de sua matéria-prima.
É, portanto, aquele que participa efetivamente da realização e criação do produto, envolvendo o próprio
fabricante, o produtor, o construtor.

b) Fornecedor presumido:
Não participa diretamente do processo de fabricação ou produção do produto, mas atua como
intermediário entre o fornecedor real e o consumidor. Está previsto no art. 13 do CDC:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou
importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

c) Fornecedor equiparado:
São as entidades que, embora não se encontrem diretamente na conceituação prevista pelo art. 3º do
CDC, podem ser enquadrados como fornecedor em razão da natureza da atividade que desenvolvem.
Exemplos: o banco de dados e os cadastros de consumidores (art. 43 do CDC), o anunciante, a agência
publicitária e o veículo em relação às atividades publicitárias (art. 37 do CDC).

d) Fornecedor aparente:
É aquele que, embora não tendo participado do processo de fabricação, apresenta-se como fornecedor pela
colocação do seu nome, marca ou outro sinal de identificação no produto que foi fabricado por um terceiro.
O fornecedor aparente não participa do processo de fabricação do produto, porém, ele associa seu nome
a essa marca e, portanto, passa a ser entendido, aos olhos do consumidor, como se fosse uma mesma
empresa.
É nessa aparência que reside o fundamento para a responsabilização deste fornecedor.
Não se exige do consumidor, vítima de evento lesivo, que investigue para saber se são empresas
autônomas ou não, nem quem foi o real fabricante daquele produto.
Assim, a legislação consumerista abraçou a teoria da aparência para responsabilizar aquele que, a despeito
de não participar diretamente do processo de fabricação do produto, por ostentar a marca por ele
utilizada, passa a ser responsabilizado pelos danos decorrentes dessa relação.
A teoria da aparência, amplamente adotada no direito brasileiro, foi estruturada para proteção do terceiro
de boa-fé, prestigiando aquele que se porta com lealdade em nome da segurança jurídica.

Deve-se aplicar a teoria da aparência neste caso


O produto defeituoso adquirido pelo autor ostenta a mesma marca da empresa ré. Esta, apesar de não
ser a fabricante direta do produto, beneficia-se do nome, da confiança e da propaganda TOSHIBA com o
intuito de melhorar seu desempenho no mercado consumidor.
Dessa forma, a partir da teoria da aparência, é possível concluir que existe uma coligação entre as
empresas, notadamente em decorrência da utilização pela ré da mesma marca da empresa fabricante do
produto defeituoso.
Logo, é possível afirmar que a empresa SEMP TOSHIBA INFORMÁTICA LTDA, mesmo não tendo produzido
ou comercializado o produto, pode ser considerada como “fornecedora” na relação jurídica em debate e,
portanto, parte legítima para responder a ação de reparação de danos.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


Informativo
comentado

Assim, é possível incluir, na relação de consumo, como fornecedora, uma empresa que legitimamente se
utiliza de marca de renome mundial para comercializar seus produtos, mesmo não sendo a fabricante
direta do bem defeituoso.

Ressalva
Não se está dizendo que haverá a responsabilização de todo e qualquer fornecedor que ostentar a mesma
marca de uma empresa globalmente reconhecida.
O vínculo restará caracterizado quando, aos olhos do consumidor hipossuficiente, a relação da empresa
com a cadeia de fornecimento for, conforme o caso acima explicado, indissociável ou não houver
informação clara e suficiente que lhe permita a correta e perfeita identificação do real
fabricante/fornecedor.

Em suma:
A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante
direta do produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente.
O conceito legal de “fornecedor” previsto no art. 3º do CDC abrange também a figura do “fornecedor
aparente”, que consiste naquele que, embora não tendo participado diretamente do processo de
fabricação, apresenta-se como tal por ostentar nome, marca ou outro sinal de identificação em comum
com o bem que foi fabricado por um terceiro, assumindo a posição de real fabricante do produto
perante o mercado consumidor.
O fornecedor aparente, em prol das vantagens da utilização de marca internacionalmente reconhecida,
não pode se eximir dos ônus daí decorrentes, em atenção à teoria do risco da atividade adotada pelo
CDC. Dessa forma, reconhece-se a responsabilidade solidária do fornecedor aparente para arcar com os
danos causados pelos bens comercializados sob a mesma identificação (nome/marca), de modo que
resta configurada sua legitimidade passiva para a respectiva ação de indenização em razão do fato ou
vício do produto ou serviço.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.580.432-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/12/2018 (Info 642).

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


Companhia aérea é civilmente responsável por não promover condições dignas
de acessibilidade de pessoa cadeirante ao interior da aeronave

Importante!!!
A sociedade empresária atuante no ramo da aviação civil possui a obrigação de providenciar
a acessibilidade do cadeirante no processo de embarque quando indisponível ponte de
conexão ao terminal aeroportuário (“finger”).
Se não houver meio adequado (com segurança e dignidade) para o acesso do cadeirante ao
interior da aeronave, isso configura defeito na prestação do serviço, ensejando reparação por
danos morais.
Assim, caso a pessoa com deficiência (“cadeirante”) tenha que ser carregado pelos
funcionários da companhia aérea para entrar no avião, este fato configura defeito na
prestação do serviço, gerando indenização por danos morais.
A companhia aérea não se exime do pagamento da indenização alegando que o dever de fornecer
o equipamento para a entrada da pessoa com deficiência na aeronave seria da ANAC. Isso porque
a companhia aérea integra a cadeia de fornecimento, de forma que possui responsabilidade
solidária em caso de fato do serviço, nos termos do art. 14 do CDC. Ademais, tal alegação não se
amolda à excludente de responsabilidade por fato de terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.611.915-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/12/2018 (Info 642).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


Informativo
comentado

Imagine a seguinte situação hipotética:


João possui paraplegia dos membros inferiores e, em razão disso, necessita de cadeira de rodas.
Ele adquiriu uma passagem aérea de Porto Alegre (RS) para Brasília (DF).
No momento do embarque, no entanto, houve um problema para João entrar na aeronave.
A entrada neste voo não ocorreu por meio da ponte de embarque (conhecida como “finger”), ou seja,
aquela ponte que faz a ligação entre o terminal e o avião e que fica na mesma altura da entrada da
aeronave, de forma que os passageiros precisam apenas andar por uma espécie de “túnel” até a entrada
do avião.
Como a aeronave estava pousada longe do terminal, o embarque ocorreu do modo “antigo”, ou seja, os
passageiros pegaram um ônibus que os levou até o avião e, lá chegando, tiveram que subir as escadas
para entrar na aeronave.
João foi no ônibus até o avião, mas, lá chegando, não havia nenhum mecanismo adequado para permitir
que ele ingressasse na aeronave. E quais seriam esses mecanismos?
Poderia ser uma rampa móvel:

Ou um “ambulift”, que é um veículo com uma plataforma que eleva a pessoa com cadeira de rodas para
que ela fique na mesma altura da aeronave e entre normalmente no avião:

Como não havia rampa móvel ou “ambulift”, os funcionários na companhia aérea subiram as escadas
carregando João no colo.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


Informativo
comentado

Alguns dias após esse fato, João ajuizou ação de indenização por danos morais contra a companhia aérea
argumentando que o tratamento dispensado para que ele ingressasse na aeronave foi inseguro e
vexatório, tendo havido má prestação dos serviços.
A companhia aérea apresentou contestação na qual alegou que o defeito no serviço decorreu da culpa de
terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC). Isso porque seria da INFRAERO (empresa pública federal responsável
pela administração do aeroporto) o dever de disponibilizar os meios de acesso à aeronave.

O STJ concordou com o pedido formulado pelo consumidor?


SIM.

Da garantia de acessibilidade à pessoa com deficiência no ordenamento jurídico brasileiro


A proteção aos direitos humanos passou de uma fase de universalização para a atual etapa de
especificação, na qual é feita a individualização dos grupos titulares de tais prerrogativas dentro de suas
especificidades, aprimorando-se os instrumentos de proteção às minorias.
Parte-se, então, para um esforço conjunto dos atores globais para valorizar de forma singularizada o
sujeito de direitos.
É diante desse contexto que surge a preocupação específica com as pessoas com deficiência, promovendo-
se políticas para assegurar a tais indivíduos o gozo da vida de maneira mais próxima possível da plenitude.

Documentos de proteção às pessoas com deficiência


Essa preocupação manifestou-se no cenário internacional e nacional, sendo possível destacar alguns atos
normativos editados com o propósito de proteger as pessoas com deficiência:
Convenção Interamericana sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Pessoas com
Deficiência (1999):
Promulgada pelo Decreto nº 3.956/2001.
Este instrumento previu o comprometimento dos países signatários em adotar medidas legislativas para
promover a integração da pessoa acometida por dificuldades, em toda sorte de serviços e instalações
público e privados, especialmente o transporte.

Lei nº 10.098/2000:
Com o propósito de cumprir a determinação da Convenção Interamericana, o Congresso Nacional editou
a Lei nº 10.098/2000, cuja função foi disciplinar os critérios para a promoção da acessibilidade para as
pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 5.296/2004.
No que tange à aviação civil, o Decreto estabeleceu o seguinte:
Da Acessibilidade no Transporte Coletivo Aéreo
Art. 44. No prazo de até trinta e seis meses, a contar da data da publicação deste Decreto, os
serviços de transporte coletivo aéreo e os equipamentos de acesso às aeronaves estarão
acessíveis e disponíveis para serem operados de forma a garantir o seu uso por pessoas portadoras
de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Parágrafo único. A acessibilidade nos serviços de transporte coletivo aéreo obedecerá ao disposto
na Norma de Serviço da Instrução da Aviação Civil NOSER/IAC - 2508-0796, de 1º de novembro de
1995, expedida pelo Departamento de Aviação Civil do Comando da Aeronáutica, e nas normas
técnicas de acessibilidade da ABNT.

Convenção Internacional dos Direitos da Pessoas com Deficiência:


Promulgada pelo Decreto 6.949/2009, com status de emenda constitucional, considerando que foi
submetida ao tratamento previsto no art. 5º, § 3º, da CF/88.
Nele se observa a preocupação acentuada em assegurar a acessibilidade do portador de cuidados
especiais, de forma a afastar tratamento discriminatório, realçando não só a pura adequação dos meios

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


Informativo
comentado

para sua concretização, mas também que permitam a independência do indivíduo ao executar as tarefas
do cotidiano.
Esse enfoque na autodeterminação é a tônica atual dada à proteção dos direitos das pessoas com
deficiência. Com isso, abandona-se a antiquada e reprovável visão que tratava esses indivíduos como mero
assunto de saúde pública.
A intenção atual, portanto, é de garantir ao máximo a integração das pessoas com deficiência com vida
comum, reduzindo situações embaraçosas e permitindo deslocamentos sem obstáculos. O objetivo final
de tudo isso é promover a máxima inclusão.
A Flávia Piovesan resume bem as quatro fases na história da construção dos direitos humanos das pessoas
com deficiência:
1ª fase: foi uma época de intolerância em relação às pessoas com deficiência. A deficiência simbolizava
impureza, pecado ou, mesmo, castigo divino;
2ª fase: marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência;
3ª fase: baseada em uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a
deficiência era uma “doença a ser curada”, sendo o foco centrado no indivíduo “portador da
enfermidade”;
4ª fase: orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social,
com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na
necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que
impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nesta quarta fase, o problema passa a ser a relação
do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva. Nesse sentido, esta mudança
paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno
exercício de direito das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades,
com autonomia e participação. (PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 8ª ed. São Paulo: Saraiva,
2015, p. 483)

Acessibilidade
A acessibilidade é princípio fundamental assumido pelo Brasil na Convenção Internacional dos Direitos da
Pessoas com Deficiência que, conforme já explicado, possui status de norma constitucional.

Resolução da ANAC
Em âmbito infralegal, a questão é atualmente regulamentada pela Resolução nº 280/2013, da ANAC, que
dispõe sobre os procedimentos relativos à acessibilidade de passageiros com necessidade de assistência
especial ao transporte aéreo.
O art. 20 da Resolução prevê:
Art. 20. O embarque e o desembarque do PNAE que dependa de assistência do tipo STCR, WCHS
ou WCHC devem ser realizados preferencialmente por pontes de embarque, podendo também
ser realizados por equipamento de ascenso e descenso ou rampa.
§ 1º O equipamento de ascenso e descenso ou rampa previstos no caput devem ser
disponibilizados e operados pelo operador aeroportuário, podendo ser cobrado preço específico
dos operadores aéreos.
(...)

O § 4º do art. 20 da Resolução prevê que é “vedado carregar manualmente o passageiro, exceto nas
situações que exijam a evacuação de emergência da aeronave.”

Companhias áreas são solidariamente responsáveis


Como vimos acima, o § 1º do art. 20 afirma que a obrigação de fornecer o equipamento para embarque
ou desembarque do passageiro com deficiência é do operador aeroportuário (em regra, a ANAC).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


Informativo
comentado

Apesar disso, o STJ afirma que essa previsão não tem o condão de eximir a companhia aérea da obrigação
de garantir o embarque seguro e com dignidade da pessoa com dificuldade de locomoção.
Afinal de contas, a companhia aérea integra a cadeia de fornecimento, de forma que possui
responsabilidade solidária em caso de fato do serviço, nos termos do art. 14 do CDC.
O embarque ou desembarque indevido de pessoa com deficiência – que é carregado por não se dispor de
mecanismo adequado para seu transporte – é caracterizado como fato do serviço (art. 14 do CDC). Isso
porque se trata de defeito que ultrapassa a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a
incolumidade física ou moral, considerando o tratamento vexatório a que é submetido.
Logo, nos termos do art. 14 do CDC, o fornecedor de serviços (empresa de aviação) responde,
objetivamente, pela reparação dos danos causados.

Não se trata de causa excludente de responsabilidade (fato de terceiro)


A companhia aérea não poderá se eximir alegando fato de terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC). Isso porque
o fato de terceiro somente será considerado excludente da responsabilidade civil do fornecedor quando
for:
a) inevitável;
b) imprevisível; e
c) não guardar qualquer relação com a atividade empreendida pelo fornecedor.

Na hipótese, o constrangimento sofrido pelo passageiro guarda direta e estreita relação com o contrato
de transporte firmado com a companhia de aviação.
As empresas de aviação sabem que, todos os dias, pessoas com deficiência pegam voos e, portanto,
problemas com a sua acessibilidade estão na margem de previsibilidade e de risco desta atividade.
Neste contexto, não há como a concessionária de transporte aéreo invocar excludente de causalidade (art.
14, § 3º, II, do CDC), ao argumento de recair sobre terceiro a responsabilidade de assegurar a
acessibilidade do cadeirante na aeronave, no caso a INFRAERO.

Em suma:
Companhia aérea é civilmente responsável por não promover condições dignas de acessibilidade de
pessoa cadeirante ao interior da aeronave.
A sociedade empresária atuante no ramo da aviação civil possui a obrigação de providenciar a
acessibilidade do cadeirante no processo de embarque quando indisponível ponte de conexão ao
terminal aeroportuário (“finger”).
Se não houver meio adequado (com segurança e dignidade) para o acesso do cadeirante ao interior da
aeronave, isso configura defeito na prestação do serviço, ensejando reparação por danos morais.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.611.915-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/12/2018 (Info 642).

Curiosidade: no caso concreto, foi fixada a indenização em R$ 15 mil.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


Informativo
comentado

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


Concessionária de transporte ferroviário deve pagar indenização à passageira
que sofreu assédio sexual praticado por outro usuário no interior do trem?

Importante!!!
Atualize o Info 628-STJ
Concessionária de transporte ferroviário deve pagar indenização à passageira que sofreu
assédio sexual praticado por outro usuário no interior do trem?
O STJ está dividido sobre o tema:
• 3ª Turma do STJ: SIM:
A concessionária de transporte ferroviário pode responder por dano moral sofrido por
passageira, vítima de assédio sexual, praticado por outro usuário no interior do trem.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.662.551-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 628).

• 4ª Turma do STJ: NÃO.


A concessionária de transporte ferroviário não responde por ato ilícito cometido por terceiro
e estranho ao contrato de transporte.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.748.295-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, julgado
em 13/12/2018 (Info 642).

Imagine a seguinte situação adaptada:


Maria estava voltando para casa, por volta das 18h, em um trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos), na cidade de São Paulo/SP.
Ela estava em pé dentro do vagão e, de repente, “foi importunada por um homem que se postou atrás da
mesma, esfregando-se na região de suas nádegas”, sendo que, ao se queixar com o agressor, verificou que
ele “estava com o órgão genital ereto”.
Vale ressaltar que, na parada seguinte, Maria informou o fato à equipe da CPTM, que localizou e conduziu
o agressor à delegacia.
A vítima ficou muito abalada emocionalmente com o episódio e ingressou com ação de indenização por
danos morais contra a CPTM, empresa concessionária do transporte ferroviário, alegando que não foi
oferecida a devida segurança a ela enquanto passageira.

A questão chegou até o STJ. A empresa concessionária tem o dever de indenizar neste caso?
O STJ está dividido sobre o tema:
• 3ª Turma do STJ: SIM.
• 4ª Turma do STJ: NÃO.

DECISÃO DA 3ª TURMA

A concessionária de transporte ferroviário pode responder por dano moral sofrido por passageira,
vítima de assédio sexual, praticado por outro usuário no interior do trem.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.662.551-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 628).

Contrato de transporte de pessoas


O transporte de pessoas consiste em contrato pelo qual o transportador se obriga a transportar, com
segurança e presteza, pessoas e suas bagagens, de um ponto a outro, mediante o pagamento da
passagem.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


Informativo
comentado

Cláusula de incolumidade
Existe uma cláusula que está implícita nos contratos de transporte. Trata-se da chamada “cláusula de
incolumidade”, segundo a qual se impõe ao transportador, mesmo que implicitamente, o dever de zelar
pela incolumidade do passageiro, levando-o, a salvo e em segurança, até o local de destino.
Conforme explica Sérgio Cavalieri Filho, “a característica mais importante do contrato de transporte é a
cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador não é apenas de meio, e
não só de resultado, mas também de segurança. Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas
necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito” (Programa
de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 12ª ed., 2015, p. 398).

Responsabilidade objetiva do transportador


O art. 734 do Código Civil estabelece, inclusive, a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos
causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior:
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da
responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o
limite da indenização.
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é
elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Responsabilidade objetiva enquanto fornecedor de serviços


A empresa concessionária é fornecedora de serviços e possui responsabilidade civil decorrente do Código
de Defesa do Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar,
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Concessionária de serviço público


Além do Código Civil e do CDC, vale ressaltar que as concessionárias de serviço público também possuem
responsabilidade objetiva por força do art. 37, § 6º da CF/88.
Segundo entende o STF, as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, respondem
objetivamente pelos prejuízos que causarem a terceiros, sejam eles usuários ou não usuários do serviço.
Ex: um ônibus de uma empresa de transporte coletivo se envolve em um acidente de trânsito, essa
empresa concessionária de serviço público terá responsabilidade objetiva tanto em relação aos

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


Informativo
comentado

passageiros (usuários do serviço) como também em relação aos eventuais pedestres que o ônibus atingiu
(não usuários do serviço).
Essa foi a tese fixada pelo STF:
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da
Constituição Federal.
STF. Plenário. RE 591874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/08/2009 (repercussão geral).

Fato de terceiro como excludente do nexo de causalidade


Apesar de a responsabilidade ser objetiva, é possível que o fato de terceiro seja uma causa excludente de
responsabilidade quando houver rompimento do nexo causal.
Vale ressaltar, no entanto, que o fato de terceiro somente será caracterizado como excludente de
responsabilidade quando ele for inteiramente independente ao transporte em si, afastando-se, com isso,
a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros.
Assim, no que concerne à culpa de terceiro, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de
somente reconhecer o rompimento do nexo causal quando a conduta praticada pelo terceiro não
apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade desenvolvida pelo
transportador. Diz-se, nessa hipótese, que o fato de terceiro se equipara ao fortuito externo, apto a elidir
a responsabilidade do transportador. Veja:
Fortuito INTERNO Fortuito EXTERNO
Está relacionado com a organização da empresa. Não está relacionado com a organização da
É um fato ligado aos riscos da atividade empresa.
desenvolvida pelo fornecedor. É um fato que não guarda nenhuma relação de
causalidade com a atividade desenvolvida pelo
fornecedor.
É uma situação absolutamente estranha ao
produto ou ao serviço fornecido.
Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus
de transporte coletivo; coletivo (não é parte da organização da empresa
de ônibus garantir a segurança dos passageiros
Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue contra assaltos);
transferir dinheiro da conta de um cliente;
Ex2: um terremoto faz com que o telhado do
Ex3: durante o transporte da matriz para uma das banco caia, causando danos aos clientes que lá
agências, ocorre um roubo e são subtraídos estavam.
diversos talões de cheque (trata-se de um fato que
se liga à organização da empresa e aos riscos da
própria atividade desenvolvida).
O fortuito interno NÃO exclui a obrigação do O fortuito externo é uma causa excludente de
fornecedor de indenizar o consumidor. responsabilidade.

Desse modo, o fato de terceiro pode ser:


• fortuito externo: apto à exclusão do dever de indenizar do transportador;
• fortuito interno: quando se insere dentre os riscos inerentes à prestação do serviço, atraindo a
responsabilidade da empresa de transportes.

A análise é casuística, sendo necessário avaliar, na hipótese trazida a julgamento, se o dano sofrido pelo
passageiro extrapola ou não os limites da cláusula de incolumidade do contrato.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


Informativo
comentado

Exemplos nos quais o STJ reconheceu que o fato de terceiro era causa excludente da responsabilidade
(fortuito EXTERNO):
• dano sofrido pelo passageiro em virtude de uma pedra que foi arremessada contra o ônibus ou trem
(AgInt nos EREsp 1.325.225/SP, DJe de 19/09/2016);
• assalto a mão armada no interior do veículo de transporte coletivo (AgRg no REsp 620.259/MG, DJe de
26/10/2009);
• assalto a mão armada nas dependências da estação metroviária (REsp 974.138/SP, DJe de 09/12/2016);
• morte de usuário do transporte coletivo, vítima de “bala perdida” (AgRg no REsp 1.049.090/SP, DJe de
19/08/2014);
• danos decorrentes de explosão de bomba em composição de trem (AgRg nos EDcl nos EREsp
1.200.369/SP, DJe de 16/12/2013).

Assédio sexual em transportes públicos: fortuito INTERNO (necessidade de proteção da incolumidade


físico-psíquica das mulheres)
Ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro
de um serviço de transporte de pessoas.
Este evento configura fortuito interno porque a ocorrência desse assédio sexual tem relação com a
prestação do serviço de transporte de passageiros.
Os casos de assédio sexual têm sido comuns no transporte ferroviário de São Paulo, em especial, nesta
linha.
Embora a CPTM tenha localizado e conduzido o agressor à delegacia, nada mais fez para evitar que esses
fatos ocorram.
Há uma série de soluções que podem talvez não evitar, mas ao menos reduzir a ocorrência deste evento
ultrajante, tais como a disponibilização de mais vagões, uma maior fiscalização por parte da empresa etc.
Por envolver, necessariamente, uma grande aglomeração de pessoas em um mesmo espaço físico, aliados
à baixa qualidade do serviço prestado, incluído a pouca quantidade de vagões ou ônibus postos à
disposição do público, a prestação do serviço de transporte de passageiros vem propiciando a ocorrência
de eventos de assédio sexual. Em outros termos, mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte
público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual.
Nesse sentido, percebe-se que esse tipo de situação está diretamente ligada à prestação do serviço de
transporte público, tornando-se, assim, mais um risco da atividade, ao qual todos os passageiros, em
especial as mulheres, tornam-se vítimas.

Valor da indenização
No caso concreto, o STJ condenou a CPTM a pagar R$ 20 mil a título de indenização por danos morais.

DECISÃO DA 4ª TURMA

A concessionária de transporte ferroviário não responde por ato ilícito cometido por terceiro e estranho
ao contrato de transporte.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.748.295-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, julgado em
13/12/2018 (Info 642).

No caso concreto, ao perceber um homem se esfregar em seu corpo, a mulher buscou socorro e
funcionários da CPTM a conduziram à delegacia para que fosse feito o registro da ocorrência.
Posteriormente, ela ajuizou uma ação de indenização por danos morais contra a empresa alegando que,
mesmo pedindo ajuda, não foi prontamente socorrida após o atentado.
O juízo de primeiro grau condenou a CPTM a pagar R$ 10 mil por danos morais. Entretanto, o Tribunal de
Justiça de São Paulo deu provimento à apelação da companhia para afastar a responsabilização por atos
de terceiros estranhos à prestação do serviço.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


Informativo
comentado

A 4ª Turma do STJ concordou com o acórdão do TJ/SP.

Responsabilidade objetiva do transportador


É dever da transportadora preservar a integridade física do passageiro e transportá-lo com segurança até
o seu destino.
Assim, no contrato de transporte de pessoas, o transportador possui responsabilidade civil objetiva. Isso
significa que o transportador deverá responder, independentemente de culpa, pelos danos causados às
pessoas transportadas e suas bagagens, salvo a existência de alguma excludente de responsabilidade:
A responsabilidade do transportador é objetiva, nos termos do art. 750 do CC/2002, podendo ser elidida tão
somente pela ocorrência de força maior ou fortuito externo, isto é, estranho à organização da atividade.
STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1551484/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/02/2016.

A responsabilidade do transportador em relação aos passageiros é objetiva, somente podendo ser elidida
por fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e exclusivo de terceiro -
quando este não guardar conexidade com a atividade de transporte.
STJ. 4ª Turma. REsp 974.138/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/11/2016.

Fato de terceiro
A culpa de terceiro rompe o nexo causal entre o dano e a conduta do transportador quando o modo de
agir daquele (terceiro) puder ser equiparado a caso fortuito, isto é, quando for imprevisível e autônomo,
sem origem ou relação com o comportamento da própria empresa.
Assim, o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada, é fato
estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força
maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor.

Exemplo: roubo dentro do ônibus


Nessa linha de entendimento, por exemplo, a jurisprudência do STJ reconhece que o roubo dentro de ônibus
configura hipótese de fortuito externo, por se tratar de fato de terceiro inteiramente independente ao
transporte em si, afastando-se, com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados
aos passageiros (STJ. 3ª Turma. REsp 1728068/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/06/2018).

Prática de crime exclui a responsabilidade do transportador


Segundo concluiu a 4ª Turma do STJ, a prática de crime (ato ilícito) – seja ele roubo, furto, lesão corporal,
por terceiro em veículo de transporte público, afasta a responsabilidade da concessionária de indenizar a
vítima, em razão deste episódio configurar fato de terceiro.
Esse entendimento do STJ para roubo, furto, lesão corporal etc. deve também ser aplicado para outros
crimes, como é o caso da importunação ofensiva ao pudor (art. 215-A do CP).
Para o Min. Marco Buzzi, não pode haver diferenciação quanto ao tratamento da questão apenas à luz da
natureza dos delitos. Todos são graves, de forma que o STJ dever manter ou afastar a excludente de
responsabilidade contratual por delito praticado por terceiro em todos os casos, independentemente do
alcance midiático do caso ou do peso da opinião pública, pois não lhe cabe criar exceções.

Não houve negligência da concessionária


Não é possível também imputar à transportadora eventual negligência, considerando que, após a vítima
informar o fato à equipe da CPTM, o agente foi localizado, preso e levado à delegacia pelos seguranças da
concessionária.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


Informativo
comentado

PUBLICIDADE
A inserção de cartões informativos no interior das embalagens de cigarros não constitui prática
de publicidade abusiva apta a caracterizar dano moral coletivo

A Lei nº 9.294/96 estabelece que as fabricantes de cigarro são obrigadas a inserir, nas
embalagens e nos maços do produto, uma imagem e uma mensagem informando sobre os
malefícios do tabaco para a saúde.
O que algumas fabricantes de cigarro começaram a fazer? Inseriram, dentro das embalagens,
um “cartão” móvel, de papel, do tamanho exato da embalagem. Um dos lados do cartão traz a
mensagem e a foto determinados pelo Ministério da Saúde. No entanto, é possível virar o
cartão e, neste outro lado, há o logotipo da empresa. Assim, o consumidor pode retirar do
plástico esse cartão e virar o seu lado, de forma que a mensagem e a imagem de advertência
ficarão cobertos.
O STJ entendeu que a inserção de cartões informativos no interior das embalagens de cigarros
não constitui prática de publicidade abusiva apta a caracterizar dano moral coletivo.
O suposto dano moral coletivo estaria alicerçado na possibilidade de o consumidor utilizar os
cartões para obstruir a advertência sobre os malefícios do cigarro. Assim, a responsabilidade
civil estaria sendo imputada a alguém que não praticou o ato, além do dano ser presumido,
uma vez que não se tem notícia que algum consumidor os teria utilizado para encobrir as
advertências. O fumante que se utiliza dos cartões inserts ou onserts quer tampar a visão do
aviso dos malefícios que ele sabe que o cigarro causa à saúde.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.703.077-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em
11/12/2018 (Info 642).

Publicidade do tabaco
Por se tratar de produto nocivo à saúde, a publicidade do tabaco foi proibida por completo em
determinados países. No Brasil ela é, em tese, permitida, mas com inúmeras restrições impostas pela Lei
nº 9.294/96.

Embalagem de cigarro
Um dos pontos de destaque dessa lei foi a previsão de que as embalagens e maços de produtos fumígenos
devem conter advertência sobre os malefícios do fumo, por intermédio de frases acompanhadas de figuras
que ilustrem seus efeitos deletérios sobre a saúde do fumante e das pessoas dele próximas (art. 3º, § 3º).
Ainda segundo a Lei, essa advertência deve constar de forma legível e ostensivamente destacada nos
“maços, carteiras ou pacotes que sejam habitualmente comercializados diretamente ao consumidor” e
“em 100% (cem por cento) de sua face posterior”.
Assim, as fabricantes de cigarro são obrigadas a inserir, nas embalagens e nos maços do produto, uma
mensagem informando sobre os malefícios do tabaco para a saúde.
Esse dever é imposto pelo § 3º do art. 3º da Lei nº 9.294/96:
Art. 3º (...)
§ 2º A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características,
advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa.
§ 3º As embalagens e os maços de produtos fumígenos, com exceção dos destinados à exportação,
e o material de propaganda referido no caput deste artigo conterão a advertência mencionada no
§ 2º acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


Informativo
comentado

Assim, os compradores encontram algumas imagens e frases bem impactantes nas embalagens. Alguns
exemplos:
Ministério da Saúde adverte: “Fumar causa aborto espontâneo”, “Fumar causa câncer”, “Fumar causa
impotência sexual”, entre outras.

Vale ressaltar que essa advertência encontra também fundamento na própria Constituição Federal:
Art. 220 (...)
§ 3º Compete à lei federal:
(...)
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem
de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem
como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias
estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre
que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Cartões inseridos no interior das embalagens


O que algumas fabricantes de cigarro começaram a fazer? Inseriram, dentro das embalagens, um “cartão”
móvel, de papel, do tamanho exato da embalagem.
Um dos lados do cartão traz a mensagem e a foto determinados pelo Ministério da Saúde. No entanto, é
possível virar o cartão e, neste outro lado, há o logotipo da empresa.
Assim, o consumidor pode retirar do plástico esse cartão e virar o seu lado, de forma que a mensagem e
a imagem de advertência ficarão cobertos.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


Informativo
comentado

Ação civil pública


O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública pedindo a condenação dessas empresas a pagar
indenização por danos morais coletivos alegando que esse material publicitário (cartões/cupons
destinados a propagar publicidade institucional) tinham por real objetivo encobrir a imagem de veiculação
obrigatória que difunde mensagem de saúde pública.
Em suma, o Parquet alegou elas estariam praticando publicidade abusiva e pediu a condenação por danos
morais coletivos.
Segundo a descrição contida na petição inicial do MPF, as empresas têm se utilizado de dois modelos de
cartão:
• um tipo “onsert”, colocado nas embalagens do maço do cigarro e inseridos entre a parte externa da
referida embalagem e o plástico que o envolve;
• outro tipo “insert”, que é colocado nas embalagens de box (caixa rígida) dos cigarros.

O pedido foi acolhido pelo STJ? A inserção de “cartões informativos” nas embalagens de cigarros, que
também poderiam ser utilizados para ocultar as advertências dos efeitos nocivos do fumo, de divulgação
obrigatória determinada pela Lei nº 9.294/96, constitui prática de publicidade abusiva apta a
caracterizar o dano moral coletivo?
NÃO.
A inserção de cartões informativos no interior das embalagens de cigarros, que também poderiam ser
utilizados para ocultar as advertências dos efeitos nocivos do fumo, de divulgação obrigatória
determinada pela Lei nº 9.294/96, não constitui prática de publicidade abusiva apta a caracterizar o
dano moral coletivo.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.703.077-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em
11/12/2018 (Info 642).

Conceito de publicidade
Publicidade pode ser definida como qualquer forma de transmissão difusa de dados e informações com o
intuito de motivar a aquisição de produtos e serviços no mercado de consumo (TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito do Consumidor, 6ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 445).

Assim, a publicidade é o meio de propagar produtos e serviços disponíveis no mercado, visando atrair o
público alvo para o seu consumo.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


Informativo
comentado

Diante da natureza da publicidade, seus anúncios se perfazem de forma ativa, para entusiasmar o
destinatário a adquirir o produto ou serviço, muitas vezes utilizando-se de métodos da psicologia, da
persuasão, além de elementos sensoriais que aguçam a visão, olfato, paladar e audição, tais como cores,
cheiros, gostos e forma de expressão de palavras e frases.

Esses cartões não configuram publicidade


Para o STJ, esses cartões “inserts” ou “onserts” não caracterizam publicidade, uma vez que se encontram
no interior das embalagens de cigarro, ou seja, não têm o condão de transmitir nenhum elemento de
persuasão ao consumidor, por impossibilidade física do objeto.

Mesmo que fossem publicidade, não haveria abusividade


Ainda que se considerem os cartões como forma de publicidade, não se vislumbra abusividade na sua
veiculação.
O § 4º do art. 220 da Constituição Federal determina que a propaganda comercial de tabaco, “estará
sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário,
advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.
A Lei nº 9.294/96, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, por sua
vez, proíbe a propaganda comercial de cigarros ou assemelhados, exceto nos locais de venda, e sempre
com o aviso dos prejuízos causados à saúde, devendo conter nas embalagens, além da advertência escrita,
imagens ou figuras que ilustrem o malefício (art. 3º, §§ 2º e 3º).
O § 1º da referida legislação determina que, nas propagandas comerciais permitidas, não se pode associar
o cigarro ou seus assemelhados a situações prazerosas ou relaxantes, que inspirem vigor e entusiasmo,
tampouco com a participação de menores de idade.
A intenção da lei (mens legis) ao impor essas restrições na publicidade de produtos fumígenos e na
imposição dessas mensagens de advertência é a de reduzir o consumo do cigarro ao mínimo possível,
promovendo a consciência nos consumidores de que se trata de produto nocivo.
Contudo, os cartões “inserts” ou “onserts” não proporcionam nenhum incentivo ao fumo. Logo, não
violam as restrições impostas pela Lei nº 9.294/96, razão pela qual não geram dano moral coletivo.

Se alguém utilizar o cartão para encobrir, a responsabilidade não é da fabricante


O MP pede a condenação por dano moral coletivo em razão da possibilidade de o consumidor utilizar os
“inserts” ou “onserts” para obstruir a advertência sobre os malefícios do cigarro.
Para o STJ, isso significaria imputar a responsabilidade civil a alguém que não praticou o ato.
Além disso, o dano estaria sendo presumido, uma vez que não se tem notícia de que algum consumidor
teria utilizado os “inserts” ou “onserts” para encobrir as advertências.
Segundo argumentou o Ministro Relator,
“(...) a conduta mais esperada do consumidor médio ao abrir a embalagem é imediatamente fumar um
dos cigarros nela acondicionados, descartando qualquer empecilho de acesso.
Vale dizer, fumante algum está preocupado em esconder o aviso sobre o perigo de fumar.
Aliás, se o fizer, será o pior cego, aquele que não quer ver.
E não quer ver aquilo que já sabe, ou seja, o malefício do fumo.”

Multa administrativa
Vale ressaltar que a ANVISA lavrou autos de infração contra as empresas fabricantes de cigarro por conta
dessa prática. No entanto, tais penalidades administrativas foram anuladas sob o argumento de que essa
conduta não viola a Lei nº 9.294/96. O STJ, em outro processo, manteve essa anulação, tendo havido
trânsito em julgado.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


Informativo
comentado

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Reserva de 40% dos honorários do administrador judicial (art. 24, § 2º da Lei)
se aplica apenas à falência, não à recuperação

A reserva de 40% dos honorários do administrador judicial, prevista no art. 24, § 2º, da Lei nº
11.101/2005, não se aplica no âmbito da recuperação judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.700.700-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019 (Info 642).

Administrador judicial
Administrador judicial é uma pessoa escolhida pelo juiz para auxiliá-lo na condução do processo de
falência praticando determinados atos que estão elencados no art. 22 da Lei nº 11.101/2005.
Na antiga Lei de Falências, o administrador judicial era chamado de “síndico”.
O administrador judicial deve ser um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista,
administrador de empresas ou contador. Pode ser também uma pessoa jurídica especializada neste tipo
de atividade (art. 21 da Lei).

Remuneração do administrador judicial


O administrador judicial é um profissional (ou uma empresa) e precisará, obviamente, ser remunerado
pelos serviços que prestar em prol do processo de falência.
O valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial são fixados pelo juiz,
observados alguns critérios estabelecidos pelo art. 24 da Lei:
• capacidade de pagamento do devedor;
• grau de complexidade do trabalho; e
• os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.

Os parágrafos do art. 24 trazem outras regras específicas sobre a remuneração do administrador judicial.

Quem é responsável pelo pagamento da remuneração do administrador judicial?


Em regra, caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas à remuneração do
administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-lo (art. 25 da Lei).
Temos, no entanto, uma exceção:
É possível impor ao credor que requereu a falência da sociedade empresária a obrigação de adiantar as
despesas relativas à remuneração do administrador judicial, quando a referida pessoa jurídica não for
encontrada - o que resultou na sua citação por edital e na decretação, incontinenti, da falência - e existirem
dúvidas se os bens a serem arrecadados serão suficientes para arcar com a mencionada dívida.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.526.790-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2016 (Info 580).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


Nata Indústria S/A ingressou com pedido de recuperação judicial.
O juiz deferiu o processamento.
Durante a tramitação do feito, o magistrado proferiu decisão interlocutória determinando que a
recuperanda efetuasse o imediato depósito em juízo de 40% dos honorários do administrador judicial para
que ficasse reservada a quantia, nos termos do art. 24, § 2º da Lei nº 11.101/2005:
Art. 24. (...)
§ 2º Será reservado 40% (quarenta por cento) do montante devido ao administrador judicial para
pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta Lei.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


Informativo
comentado

Assim, a Lei determina que 40% da remuneração do administrador judicial deve ser reservado para
pagamento posterior, após atendidas as previsões dos arts. 154 e 155:
• O art. 154 prevê que, após a realização do ativo e de ser distribuído o produto entre os credores, o
administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 dias.
• O art. 155 afirma que, depois de o magistrado julgar as contas do administrador judicial, ele apresentará
o relatório final da falência no prazo de 10 dias.

Recurso
Voltando ao exemplo.
A empresa não concordou com a determinação do juiz para fazer o depósito prévio e interpôs agravo de
instrumento contra a decisão.
No recurso, a empresa alegou que esta necessidade de depósito prévio dos 40%, prevista no art. 24, § 2º,
somente incide no caso de falência, não se aplicando para a recuperação judicial.

A tese da empresa está correta?


SIM.
A regra do art. 24, § 2º, da Lei nº 11.101/2005, que exige a reserva de 40% dos honorários do
administrador judicial, não se aplica aos processos de recuperação judicial.
Tal dispositivo incide apenas nos casos de falência.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.700.700-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019 (Info 642).

Conforme vimos acima, o art. 24, § 2º da Lei nº 11.101/2005 determina o depósito prévio de 40% da
remuneração do administrador judicial e afirma que esse dinheiro será pago a ele após as providências
dos arts. 154 e 155.
Ocorre que os arts. 154 e 155 estão localizados topograficamente na seção XII do capítulo V, ou seja, na parte
da lei que trata especificamente do “Encerramento da Falência e da Extinção das Obrigações do Falido”.
Desse modo, uma vez que o art. 24, § 2º, da LFRE diz que o pagamento dos honorários somente pode ser
feito após a realização de procedimentos que estão relacionados diretamente com a falência, o que se
conclui é que este dispositivo não se aplica para os processos de recuperação judicial.
A apresentação das contas e do relatório em caso de recuperação judicial são providências previstas no
art. 63 da Lei.
Isso significa que se o legislador quisesse que a reserva de 40% da remuneração devida ao administrador
fosse regra aplicável também aos processos de recuperação judicial, ele teria mencionado no art. 24, § 2º
expressamente o art. 63 da Lei. No entanto, ele não fez isso, e o art. 24, § 2º fala apenas nos arts. 154 e
155 (que se aplicam apenas à falência).
Essa é também a opinião da doutrina:
“A reserva de 40% da remuneração devida ao administrador judicial para pagamento apenas após a
aprovação de suas contas é aplicável unicamente na falência. Isso decorre da própria literalidade do
dispositivo abrigado no § 2º do artigo objeto de comentário, que se remete a normas exclusivas do
processo falimentar em sentido estrito. Na recuperação judicial, a remuneração do administrador
judicial é paga à vista ou a prazo e nas datas definidas pelo juízo recuperacional.” (COELHO, Fábio
Ulhoa. Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 13ª ed., São Paulo: RT, p. 112)

“Atento a esse aspecto da remuneração, o § 2º estabeleceu critério novo, determinando a reserva


de 40% do devido ao administrador, para pagamento após a realização do ativo e o julgamento de
suas contas. A parcela de 60% deverá ser paga na ordem legal estabelecida no inc. I do art. 84; só
depois é que serão pagos os 40% restantes, ou seja, após julgadas e aprovadas as contas do
administrador. O valor correspondente a 40%, porém, já terá sido reservado anteriormente. Esta

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


Informativo
comentado

reserva aplica-se apenas a casos de falência, não aplicável a casos de recuperação judicial, até
porque na recuperação não ocorre a fase dos arts. 154 e 155, exclusivos do procedimento
falimentar. Ademais, como tem sido praxe, os juízes em geral têm estabelecido a remuneração do
administrador judicial na recuperação, para pagamento em 24 parcelas, que é o período de
duração da fiscalização prevista no art. 61. (...)” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de
Recuperação de Empresas e Falência. 13ª ed. São Paulo: RT, p. 128-129)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

INTIMAÇÃO
A habilitação de advogado em autos eletrônicos não é suficiente para a presunção de ciência
inequívoca das decisões, sendo inaplicável a lógica dos autos físicos

A habilitação de advogado em autos eletrônicos não é suficiente para a presunção de ciência


inequívoca das decisões, sendo inaplicável a lógica dos autos físicos.
A lógica da presunção de ciência inequívoca do conteúdo de decisão constante de autos físicos,
quando da habilitação de advogado com a carga do processo, não se aplica nos processos
eletrônicos.
Para ter acesso ao conteúdo de decisão prolatada e não publicada nos autos eletrônicos, o
advogado deverá acessar a decisão, gerando, automaticamente, informação no movimento do
processo acerca da leitura do conteúdo da decisão.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.592.443-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
17/12/2018 (Info 642).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação contra Pedro.
O processo é eletrônico e tramita no sistema PROJUDI.
PROJUDI (Processo Judicial Digital) é um software de tramitação de processos judiciais mantido pelo CNJ.
Pedro foi citado no dia 05/02/2018.
Dois dias depois da citação, antes que Pedro apresentasse a contestação, João peticionou ao juiz
reiterando o pedido de tutela provisória de urgência.
No dia 21/02, o juiz deferiu o pedido de tutela provisória requerido pelo autor.
No dia 22/02, Dr. Rui, advogado de Pedro, pediu sua habilitação no processo e foi concedido a ele a senha
para que ele acessasse os autos eletrônicos.
No dia 23/02, Pedro, por intermédio do seu advogado, apresentou a contestação.
No dia 02/03, Pedro foi intimado da decisão interlocutória que deferiu a tutela provisória de urgência,
tendo o sistema registado a leitura da parte intimada nesta mesma data.
No dia 17/03, Pedro interpôs agravo de instrumento contra a decisão interlocutória.
João (agravado) alegou que o agravo de instrumento interposto foi intempestivo. Isso porque Pedro teria
tido ciência inequívoca da decisão proferida no dia 22/02, quando o seu advogado foi habilitado nos autos
eletrônicos e, assim, teve acesso integral ao processo.
Segundo João, a habilitação do advogado do réu significa acesso à integra do processo e isso deve ser
equiparado à antiga carga física dos autos. Logo, ao ter acesso integral aos autos, há uma presunção de
que o réu teve ciência da decisão recorrida no ato da habilitação.
João citou, em reforço ao seu argumento, o art. 9º, § 1º da Lei nº 11.419/2006:

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29


Informativo
comentado

Art. 9º No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda


Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.
§ 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo
correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais.
(...)

O STJ concordou com a tese de João?


NÃO.
A habilitação de advogado em autos eletrônicos não é suficiente para a presunção de ciência inequívoca
das decisões, sendo inaplicável a lógica dos autos físicos.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.592.443-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/12/2018
(Info 642).

Ao contrário do que ocorria nos processos físicos, o fato de o advogado ter se habilitado nos autos
eletrônicos não gera a presunção de que tenha havido ciência inequívoca do conteúdo da decisão.
Quando o advogado se habilita no processo eletrônico, ele recebe uma “chave” para ter acesso aos autos.
Entretanto, para ler o conteúdo de uma decisão prolatada e ainda não publicada, ele precisa,
necessariamente, clicar sobre ela, gerando uma intimação imediata do seu teor. Isso fica registrado no
sistema.
Se a intimação ainda não tinha sido determinada e o advogado não clicou na decisão, não se pode dizer
que ele tenha tido acesso a ela.
Assim, a habilitação em processo eletrônico não equivale à antiga carga em que o procurador tinha acesso
à integralidade dos autos do processo físico.
No caso dos autos, embora habilitado o advogado da parte, a leitura da decisão somente se deu no dia
02/03, conforme registro do sistema.
Logo, não se pode presumir que o advogado habilitado estivesse inequivocamente ciente do conteúdo da
decisão que não clicou para ler.
Enfim, a lógica da habilitação em autos físicos, com a carga, gerando a presunção de ciência das decisões
constantes no corpo do processo, não se aplica aos processos eletrônicos, onde, para ter acesso ao conteúdo
de uma decisão prolatada e não publicada, precisa, necessariamente, se intimar na via eletrônica, momento
em que inicia seu prazo recursal, constando do movimento do processo de tal ato do procurador da parte.

ORDEM DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS


Em caso de descumprimento do § 3º do art. 941 do CPC,
haverá nulidade do acórdão, mas não do julgamento

Importante!!!
Novo CPC
O § 3º do art. 941 do CPC/2015 prevê que:
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do
acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

Há nulidade do acórdão e do julgamento caso o § 3º do art. 941 do CPC seja descumprido? Há


nulidade se o voto vencido não tiver sido juntado ao acórdão?
• Haverá nulidade do acórdão.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


Informativo
comentado

• Não haverá nulidade do julgamento (salvo se o resultado proclamado não refletir a vontade
da maioria).
Em suma: haverá nulidade do acórdão que não contenha a totalidade dos votos declarados;
por outro lado, não haverá nulidade do julgamento se o resultado proclamado refletir, com
exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.143-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

Ordem dos processos nos Tribunais


Os arts. 929 a 946 trazem regras prevendo como serão os julgamentos dos processos nos Tribunais.
Esses dispositivos disciplinam tanto os processos originários como os recursos a serem julgados pelos
Tribunais.

Princípio da colegialidade das decisões dos Tribunais


Nos tribunais, os processos que lá tramitam devem ser julgados, em regra, por um grupo de magistrados,
cada um dando o seu voto sobre o tema, de forma que a decisão será o entendimento firmado pela maioria
(ou unanimidade) dos julgadores. Trata-se do princípio da colegialidade das decisões dos Tribunais.

Relator
Em todo processo que tramita em Tribunal será sorteado um julgador que exercerá a função de “relator”.
O “relator” será o magistrado que irá ter contato inicial e mais direto com os autos. O processo irá ser
distribuído para seu gabinete e lá ele preparará um relatório sobre o caso e o seu voto. O relator poderá
também requerer diligências, decidir pedidos de urgência, entre outras atribuições previstas no
Regimento Interno do Tribunal.

Atribuições do Relator
O art. 932 do CPC prevê as atribuições do Relator. Vale a pena conhecer:
Art. 932. Incumbe ao relator:
I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como,
quando for o caso, homologar autocomposição das partes;
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária
do tribunal;
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão
recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência;
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado
originariamente perante o tribunal;
VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31


Informativo
comentado

VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.


Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5
(cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Voto do Relator
Após estudar o processo, o Relator irá preparar o seu “voto”.
O voto é a análise jurídica feita pelo Desembargador (se for em TJ/TRF) ou Ministro (em caso de Tribunais
Superiores) a respeito daquele processo.

Inclusão em pauta
Depois que o Relator concluir o seu voto, ele deverá devolver os autos à Secretaria do Tribunal e esse
processo estará pronto para ser “pautado”, ou seja, já poderá ser marcada uma data para este processo
ser julgado pelo colegiado.
Art. 931. Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias,
depois de elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretaria.

Obs: o prazo do art. 931 é impróprio, ou seja, o seu descumprimento não gera consequências processuais.

Presidente do colegiado faz a pauta


Quem faz a pauta, isto é, quem define o dia em que o processo será levado a julgamento é o presidente
do colegiado:
Art. 934. Em seguida, os autos serão apresentados ao presidente, que designará dia para
julgamento, ordenando, em todas as hipóteses previstas neste Livro, a publicação da pauta no
órgão oficial.

Art. 935. Entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos,
o prazo de 5 (cinco) dias, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido julgados,
salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte.
§ 1º Às partes será permitida vista dos autos em cartório após a publicação da pauta de
julgamento.
§ 2º Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento.

Ordem de julgamento
Art. 936. Ressalvadas as preferências legais e regimentais, os recursos, a remessa necessária e os
processos de competência originária serão julgados na seguinte ordem:
I - aqueles nos quais houver sustentação oral, observada a ordem dos requerimentos;
II - os requerimentos de preferência apresentados até o início da sessão de julgamento;
III - aqueles cujo julgamento tenha iniciado em sessão anterior; e
IV - os demais casos.

Análise do voto do relator na sessão de julgamento


A conclusão exposta no voto do Relator não irá, necessariamente, prevalecer. Isso porque os demais
magistrados que compõem o colegiado poderão, durante a sessão de julgamento, discordar e apresentar
votos em sentido diferente.
Assim, o Relator irá ler o seu voto e os demais membros do colegiado irão dizer se concordam ou não com
as conclusões expostas.
O resultado do julgamento pode ser unânime (quando todos os membros do colegiado concordam entre
si) ou por maioria (quando no mínimo um magistrado discorda dos demais).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


Informativo
comentado

O que irá prevalecer é a posição da maioria (ou unanimidade).

Resultado do julgamento
Proferidos os votos, o presidente do colegiado anunciará o resultado do julgamento:
Ex1: a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, nos termos do voto do Desembargador
Relator Raimundo Nonato, deu provimento à apelação.
Ex2: a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, nos termos do voto do
Desembargador Federal Júlio Verne, negou provimento ao agravo de instrumento. Ficou vencida a
Desembargadora Federal Maria Esther de Bueno, que dava provimento ao agravo de instrumento.
Ex3: a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Relator, não conheceu da apelação.
Lavrará o acórdão o Desembargador Francisco Silva.

Desse modo, o presidente anuncia o resultado do julgamento e informa se:


• o voto do Relator foi acompanhado pela maioria ou unanimidade do colegiado (situação na qual ele
redigirá o acórdão); ou
• se o Relator ficou vencido, indicando, neste caso, qual será o magistrado que irá redigir o acórdão no
lugar do Relator. Talvez você já tenha visto um acórdão com essa situação. Fica registrado assim: “Redator
para acórdão Desembargador/Ministro Fulano de Tal”.

Redator para acórdão


Caso o Relator tenha sido vencido (seu voto não foi acompanhado pelos demais), o Redator para o acórdão
será o Desembargador/Ministro que, após o Relator ter apresentado seu voto, tenha sido o primeiro a
discordar apresentando posição divergente.
Veja o que diz o CPC:
Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para
redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

Voto vencido deve constar no acórdão


Como vimos acima, o resultado do julgamento pode ser:
• por unanimidade (quando todos os membros do colegiado concordam entre si); ou
• por maioria (quando no mínimo um magistrado discorda dos demais).

Se for por maioria, o(s) voto(s) vencido(s) deve(m) constar obrigatoriamente no acórdão. É o que
determina o § 3º do art. 941 do CPC:
Art. 941 (...)
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão
para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

Assim, segundo o CPC/2015, o acórdão é composto pela totalidade dos votos, ou seja, não apenas os votos
vencedores, mas também os vencidos. (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da ordem do processo nos
tribunais. In: WAMBIER, Teresa et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
p. 2.101)

Fundamentação das decisões judiciais


O § 3º do art. 941 do CPC existe para que o Poder Judiciário cumpra o seu dever de fundamentar as
decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/88), observando o devido processo legal.
Este dispositivo tem uma importância endo e extraprocessual.
• Sob o ponto de vista endoprocessual, o § 3º do art. 941 garante às partes o conhecimento integral do
debate prévio ao julgamento, permitindo o exercício pleno da ampla defesa;

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


Informativo
comentado

• Sob o aspecto extraprocessual, esta norma confere à sociedade o poder de controlar a atividade
jurisdicional, assegurando a independência e a imparcialidade do órgão julgador.

A publicação do(s) voto(s) vencido(s) permite que a comunidade jurídica possa conhecer outros
fundamentos diversos daquele que prevaleceu. Assim, embora os argumentos do voto vencido não
constituam a razão de decidir (ratio decidendi) do colegiado, eles têm o condão de instigar e ampliar a
discussão acerca das questões julgadas pelas Cortes brasileiras e pode, inclusive, sinalizar uma forte
tendência do tribunal à mudança de posicionamento.

Função atribuída ao voto vencido


Fredie Didier aponta as finalidades do voto vencido:
“a) Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a argumentação e as teses contrárias
àquela que restou vencedora; isso ajuda no desenvolvimento judicial do Direito, ao estabelecer
uma pauta a partir da qual se poderá identificar, no futuro, a viabilidade de superação do
precedente (art. 489, § 1º, VI, e art. 927, §§ 2º, 3º, e 4º, CPC).
b) O voto vencido, por isso, funciona como uma importante diretriz na interpretação da ratio
decidendi vencedora: ao se conhecer qual posição se considerou como vencida fica mais fácil
compreender, pelo confronto e pelo contraste, qual tese acabou prevalecendo no tribunal. Por
isso, o voto vencido ilumina a compreensão da ratio decidendi.
c) Além disso, o voto vencido demonstra a possibilidade de a tese vencedora ser revista mais
rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada qualquer eficácia vinculante, o que pode
fragilizar a base da confiança, pressuposto fático indispensável à incidência do princípio da
proteção da confiança (...). O voto vencido mantém a questão em debate, estimulando a
comunidade jurídica a discuti-la.
d) Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica regra imprescindível ao
microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: a necessidade de o acórdão
do julgamento de casos repetitivos reproduzir a íntegra de todos os argumentos contrários e
favoráveis à tese discutida.” (arts. 984, § 2º, e 1.038, § 3º, CPC). (Curso de Direito Processual Civil.
V. 3. 15ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 47)

Há nulidade do acórdão e do julgamento caso o § 3º do art. 941 do CPC seja descumprido? Há nulidade
se o voto vencido não tiver sido juntado ao acórdão?
• Haverá nulidade do acórdão.
• Não haverá nulidade do julgamento (salvo se o resultado proclamado não refletir a vontade da maioria).

A inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC constitui vício de atividade ou erro de procedimento
(error in procedendo). Isso porque se trata de um vício não relacionado com o teor do julgamento em si,
mas sim com a condução do procedimento de lavratura e publicação do acórdão.
O acórdão representa apenas a materialização do julgamento.
Assim, haverá a nulidade do acórdão (por não conter a totalidade dos votos declarados). No entanto, o
simples descumprimento do § 3º do art. 941 não gera a nulidade do julgamento se o resultado proclamado
refletir, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado.

O que significa isso, na prática?


Significa que, se o STJ reconhecer que o TJ ou TRF descumpriu o § 3º do art. 941, ele deverá:
• anular o acórdão proferido e
• determinar que o TJ ou TRF promova a republicação do acórdão após a juntada do(s) voto(s) vencido(s).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


Informativo
comentado

Por outro lado, não será necessário um novo julgamento, salvo se ficar demonstrado que, além de
descumprir o § 3º do art. 941, houve vício no próprio julgamento, ou seja, a tese vencedora não foi aquela
que constou como majoritária.

Resumindo:
O § 3º do art. 941 do CPC/2015 prevê que:
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para
todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

Há nulidade do acórdão e do julgamento caso o § 3º do art. 941 do CPC seja descumprido? Há nulidade
se o voto vencido não tiver sido juntado ao acórdão?
• Haverá nulidade do acórdão.
• Não haverá nulidade do julgamento (salvo se o resultado proclamado não refletir a vontade da
maioria).
Em suma: haverá nulidade do acórdão que não contenha a totalidade dos votos declarados; por outro
lado, não haverá nulidade do julgamento se o resultado proclamado refletir, com exatidão, a conjunção
dos votos proferidos pelos membros do colegiado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.143-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA
A SV 56 é inaplicável ao preso provisório (prisão preventiva) porque esse enunciado trata da
situação do preso que cumpre pena (preso definitivo ou em execução provisória da condenação)

Importante!!!
A SV 56 destina-se com exclusividade aos casos de cumprimento de pena, ou seja, aplica-se tão
somente ao preso definitivo ou àquele em execução provisória da condenação.
Não se pode estender a citada súmula vinculante ao preso provisório (prisão preventiva), eis que
se trata de situação distinta.
Por deter caráter cautelar, a prisão preventiva não se submete à distinção de diferentes regimes.
Assim, sequer é possível falar em regime mais ou menos gravoso ou estabelecer um sistema de
progressão ou regressão da prisão.
STJ. 5ª Turma. RHC 99.006-PA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/02/2019 (Info 642).

RELEMBRANDO A SV 56-STF
Em 2016, o STF editou uma súmula vinculante tratando sobre a situação do sistema prisional:
Súmula vinculante 56-STF: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros
fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320.

Vamos entender este enunciado.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


Informativo
comentado

Ausência de vagas na unidade prisional adequada e cumprimento da pena no regime mais gravoso
(primeira parte da súmula)
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, tendo o juiz fixado o regime semiaberto. Ocorre que,
no momento de cumprir a pena, verificou-se que não havia no local estabelecimento destinado ao regime
semiaberto que atendesse todos os requisitos da LEP.

João poderá cumprir a pena no regime fechado enquanto não há vagas no semiaberto?
NÃO. A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime
prisional mais gravoso. STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016
(repercussão geral) (Info 825).
No Brasil, adota-se o sistema progressivo. Assim, de acordo com o CP e com a LEP, as penas privativas de
liberdade deverão ser executadas (cumpridas) em forma progressiva, com a transferência do apenado de
regime mais gravoso para menos gravoso tão logo ele preencha os requisitos legais.
O STF destacou, no entanto, que este sistema progressivo de cumprimento de penas não está funcionando
na prática. Isso porque há falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto.
Desse modo, os presos dos referidos regimes estão sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos que
os presos em regime fechado e provisórios. Essa situação viola duas garantias constitucionais da mais alta
relevância: a individualização da pena (art. 5º, XLVI) e a legalidade (art. 5º, XXXIX).
A manutenção do condenado em regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como "excesso de
execução", havendo, no caso, violação ao direito do apenado.
Vale ressaltar que não é possível “relativizar” esse direito do condenado com base em argumentos ligados
à manutenção da segurança pública. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra
agressões injustas está na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. A execução de penas corporais
em nome da segurança pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir
que o Estado execute a pena de forma excessiva é negar não só o princípio da legalidade, mas a própria
dignidade humana dos condenados (art. 1º, III, da CF/88). Por mais grave que seja o crime, a condenação
não retira a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos,
os condenados não se tornam simples objetos de direito (art. 5º, XLIX, da CF/88).

Conceito de "estabelecimento similar" e de "estabelecimento adequado".


O Código Penal, ao tratar sobre os regimes semiaberto e aberto, prevê o seguinte:
Art. 33 (...)
§ 1º - Considera-se:
b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Há importante discussão acerca do que vêm a ser estabelecimento similar e estabelecimento adequado.
A Lei de Execuções Penais trata do tema nos arts. 91 a 95, mas também não define em que consistem tais
estabelecimentos. Na prática, existem pouquíssimas colônias agrícolas e industriais no país. Dessa forma,
alguns Estados mantêm os presos do regime semiaberto em estabelecimentos similares, ou seja, unidades
prisionais diferentes do regime semiaberto, onde os presos possuem um pouco mais de liberdade. De
igual forma, em muitos Estados não existem casas de albergado e os detentos que estão no regime aberto
ficam em unidades diferentes dos demais presos. Há discussão se essa prática é válida ou não.
O STF decidiu que os magistrados possuem competência para verificar, no caso concreto, se tais
estabelecimentos onde os presos do regime semiaberto e aberto ficam podem ser enquadrados como
“estabelecimento similar” ou “estabelecimento adequado”. Assim, os presos do regime semiaberto
podem ficar em outra unidade prisional que não seja colônia agrícola ou industrial, desde que se trate de
estabelecimento similar (adequado às características do semiaberto). De igual forma, os presos do regime

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


Informativo
comentado

aberto podem cumprir pena em outra unidade prisional que não seja casa de albergado, desde que se
trate de um estabelecimento adequado.
Veja como o STF resumiu este entendimento em uma tese:
Os juízes da execução penal podem avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e
aberto, para qualificação como adequados a tais regimes.
São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime
semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”,
do CP).
No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com
presos do regime fechado.
STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

Déficit de vagas no estabelecimento adequado e parâmetros adotados no RE 641.320/RS (parte final da


SV).
O que fazer em caso de déficit de vagas no estabelecimento adequado?
Havendo “déficit” de vagas, deve ser determinada:
1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão
domiciliar por falta de vagas;
3) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida ao regime
aberto.
O objetivo das medidas acima é o de que surjam novas vagas nos regimes semiaberto e aberto. As vagas
nos regimes semiaberto e aberto não são inexistentes, são insuficientes. Assim, de um modo geral, a falta
de vagas decorre do fato de que já há um sentenciado ocupando o lugar. Dessa forma, o STF determinou,
como alternativa para resolver o problema, antecipar a saída de sentenciados que já estão no regime
semiaberto ou aberto, abrindo vaga para aquele que acaba de progredir.

Exemplo de como essas medidas fazem surgir vaga no regime semiaberto:


João estava cumprindo pena no regime fechado e progrediu para o regime semiaberto. Ocorre que não
há vagas na unidade prisional destinada ao regime semiaberto. João não poderá continuar cumprindo
pena no fechado porque haveria excesso de execução. Nestes casos, o que acontecia normalmente é que
João seria colocado em prisão domiciliar. No entanto, o STF afirmou que essa alternativa (prisão
domiciliar) não deve ser a primeira opção para o caso. Diante disso, o STF entendeu que o juiz das
execuções penais deverá antecipar a saída de um detento que já estava no regime semiaberto, fazendo
com que surja a vaga para João. Em nosso exemplo, Francisco, que estava cumprindo pena no regime
semiaberto, só teria direito de ir para o regime aberto em 2020. No entanto, para dar lugar a João,
Francisco receberá o benefício da "saída antecipada" e ficará em liberdade eletronicamente monitorada,
ou seja, ficará livre para trabalhar e estudar, recolhendo-se em casa nos dias de folgas, sendo sempre
monitorado com tornozeleira eletrônica. Com isso, surgirá mais uma vaga no regime semiaberto e esta
será ocupada por João.

E se a ausência de vaga for no regime aberto? Ex: Pedro progrediu para o regime aberto, mas não há
vagas, o que fazer?
Neste caso, o Juiz deverá conceder a um preso que está no regime aberto a possibilidade de cumprir o restante
da pena não mais no regime aberto (pena privativa de liberdade), mas sim por meio de pena restritiva de
direitos e/ou estudo. Ex: Tiago, que estava no regime aberto, só acabaria de cumprir sua pena em 2020. No
entanto, para dar lugar a Pedro, o Juiz oferece a ele a oportunidade de sair do regime aberto e cumprir penas
restritivas de direito e/ou estudo. Com isso, surgirá nova vaga no aberto. Assim, se não há estabelecimentos
adequados ao regime aberto, a melhor alternativa não é a prisão domiciliar, mas a substituição da pena
privativa de liberdade que resta a cumprir por penas restritivas de direito e/ou estudo.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37


Informativo
comentado

Benefícios devem ser concedidos aos detentos que estão mais próximos de progredir ou de acabar a pena
Vale ressaltar que os apenados que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas
alternativas deverão ser escolhidos com base em critérios isonômicos. Assim, tais benefícios deverão ser
deferidos aos sentenciados que satisfaçam os requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam
mais próximos de satisfazer o requisito objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir
ou de encerrar a pena. Para isso, o STF determinou que o CNJ faça um "Cadastro Nacional de Presos", com
as informações sobre a execução penal de cada um deles. Isso permitirá verificar os apenados com
expectativa de progredir ou de encerrar a pena no menor tempo e, em consequência, organizar a fila de
saída com observação da igualdade.

Por que o STF afirma que a prisão domiciliar não pode ser a primeira opção, devendo-se adotar as
medidas acima propostas?
Segundo o STF, a prisão domiciliar apresenta vários inconvenientes, que irei aqui resumir:
1º) Para ter esse benefício, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem
sempre ele tem meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha.
2º) O recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico
e social. O sentenciado passa a necessitar de terceiros para satisfazer todas as suas necessidades – comida,
vestuário, lazer. De certa forma, há uma transferência da punição para a família, que terá que fazer todas
as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de constante comunicação com os órgãos de
execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento médico, manutenção da casa etc.
3º) Existe uma dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente cumprindo a restrição imposta.
4º) A prisão domiciliar pura e simples não garante a ressocialização porque é extremamente difícil para o
apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.

Recapitulando as teses que foram firmadas pelo STF no RE 641.320/RS:


a) A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime
prisional mais gravoso;
b) Os juízes da execução penal podem avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e
aberto para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se
qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou
estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”, do CP). No entanto, não deverá haver
alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado.
c) Havendo déficit de vagas, deverá determinar-se:
(i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
(ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em
prisão domiciliar por falta de vagas;
(iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto.
d) Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar
ao sentenciado.
STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

SV 56-STF E SUA INAPLICABILIDADE PARA PRESOS PROVISÓRIOS


Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro encontra-se preso preventivamente acusado da prática de determinado crime.
Ainda não há condenação contra ele nem mesmo de 1ª instância.
Pedro impetrou habeas corpus afirmando que é notória a precariedade da situação carcerária no país.
Diante disso, ele pede a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, invocando a aplicação da
SV 56.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38


Informativo
comentado

Alega, para tanto, que, se ao preso definitivo é assegurado o direito à prisão domiciliar, em caso de
superlotação carcerária e falta de vagas no regime fechado e semiaberto, esse mesmo raciocínio deve ser
aplicado a ele (preso provisório), que se encontra em regime fechado em um presídio onde há
superlotação carcerária.

O pedido de Pedro foi acolhido pelo STJ?


NÃO.
A SV 56 trata sobre a inexistência de estabelecimento adequado para o cumprimento de pena privativa
de liberdade nos regimes semiaberto e aberto, apontando quais serão as consequências nesse caso.
Desse modo, a SV 56 destina-se, com exclusividade, aos casos de efetivo cumprimento de pena.
Em outras palavras, a SV 56 somente se aplica:
• para o preso definitivo (condenação criminal transitada em julgado); ou
• para o preso que está em cumprimento provisório da condenação.
O objetivo da SV 56 é o de proibir que o indivíduo condenado cumpra pena em regime mais gravoso do
que aquele que teria direito em virtude de falha do Estado em oferecer vaga em local apropriado.
No caso, Pedro encontra presos preventivamente, acusado da prática de crime, não havendo ainda
condenação contra ele. Por isso, a sua situação não pode se equiparar a presos definitivos ou àqueles que
estejam em cumprimento provisório de condenação.
Não se pode estender a citada súmula vinculante ao preso provisório (prisão preventiva), eis que se trata
de situação distinta.
Por deter caráter cautelar, a prisão preventiva não se submete à distinção de diferentes regimes.
Assim, sequer é possível falar em regime mais ou menos gravoso ou estabelecer um sistema de progressão
ou regressão da prisão.
Ainda que fosse possível a incidência da referida súmula, não se aplicaria automaticamente a prisão
domiciliar. Como narra o próprio verbete, antes deveriam ser analisadas outras possibilidades, em
conformidade com o RE 641.320/RS.

Em suma:
A SV 56 destina-se com exclusividade aos casos de cumprimento de pena, ou seja, aplica-se tão somente
ao preso definitivo ou àquele em execução provisória da condenação.
Não se pode estender a citada súmula vinculante ao preso provisório (prisão preventiva).
STJ. 5ª Turma. RHC 99.006/PA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/02/2019.

COISA JULGADA
Havendo duas sentenças transitadas em julgado envolvendo fatos idênticos,
deverá prevalecer a que transitou em julgado em primeiro lugar

Importante!!!
Atualize o Info 616-STJ
Diante do duplo julgamento do mesmo fato, deve prevalecer a sentença que transitou em
julgado em primeiro lugar.
Diante do trânsito em julgado de duas sentenças condenatórias contra o mesmo condenado,
por fatos idênticos, deve prevalecer a condenação que transitou em primeiro lugar.
STJ. 6ª Turma. RHC 69.586-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 27/11/2018 (Info 642).

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39


Informativo
comentado

Imagine a seguinte situação hipotética:


João foi denunciado pela prática do crime de estupro de vulnerável, tendo sido condenado a 8 anos de
reclusão. Isso foi em março/2015. Como não houve recurso, a sentença transitou em julgado. Suponhamos
que este foi o processo 111/2015.
Ocorre que, por um equívoco, em outubro/2015, João foi denunciado novamente pelos mesmos fatos.
O processo tramitou à sua revelia, tendo ele sido, neste segundo processo, absolvido. Houve o trânsito
em julgado. Suponhamos que este foi o processo 222/2015.
Em suma, João foi denunciado e processado duas vezes em razão do mesmo fato delituoso.
A absurda situação foi descoberta e a Defensoria Pública impetrou habeas corpus pleiteando a
desconstituição da primeira sentença condenatória para que prevalecesse a decisão favorável ao réu, em
observância aos princípios do favor rei e favor libertatis.
O Ministério Público, por sua vez, pugnou o contrário, ou seja, anulação do segundo processo (processo
222/2015), considerando que, quando a sentença foi prolatada, já havia coisa julgada em relação ao
primeiro feito (processo 111/2015). Assim, a segunda sentença seria nula de pleno direito em virtude da
ofensa à coisa julgada.

Qual das duas teses foi acolhida pelo STJ: a da defesa ou a do MP? Havendo duas sentenças transitadas
em julgado envolvendo fatos idênticos, qual delas deverá ser anulada?
O STJ acolheu a tese do Ministério Público:
Diante do duplo julgamento do mesmo fato, deve prevalecer a sentença que transitou em julgado em
primeiro lugar.
STJ. 6ª Turma. RHC 69.586-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 27/11/2018 (Info 642).

A Constituição Federal elevou a coisa julgada à categoria de garantia fundamental:


Art. 5º (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Se lei não pode desrespeitar a coisa julgada, conforme prevê o art. 5º, XXXVI, da CF/88, muito menos a
decisão judicial poderá fazê-lo. Logo, a segunda decisão judicial, ao desrespeitar a coisa julgada formada
na primeira, é inválida por violar a própria Constituição Federal.
Vale ressaltar, no entanto, que a segunda coisa julgada não poderá se valer da proteção constitucional do
art. 5º, XXXVI, porque sua formação se deu justamente com a violação da Constituição Federal.

STF
Existe um precedente da 1ª Turma do STF no mesmo sentido do que foi explicado, ou seja, sustentando
que, em caso de dupla sentença transitada em julgado, deverá ser anulada a segunda, prevalecendo a
primeira. Isso porque o segundo processo nasceu de forma indevida, considerando que já existia o
primeiro. Logo, a instauração do segundo processo violou a litispendência (se o primeiro feito ainda estava
em curso) ou a coisa julgada (se o primeiro processo já havia encerrado). Confira a ementa:
Os institutos da litispendência e da coisa julgada direcionam à insubsistência do segundo processo e da
segunda sentença proferida, sendo imprópria a prevalência do que seja mais favorável ao acusado.
STF. 1ª Turma. HC 101131, Rel. Min. Luiz Fux, Rel p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 25/10/2011.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40


Informativo
comentado

DIREITO PENAL E
PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA
A Lei 13.491/2017 deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, respeitando-se os
benefícios previstos na legislação penal mais benéfica ao tempo do crime

Importante!!!
É possível a aplicação imediata da Lei nº 13.491/2017, que amplia a competência da Justiça
Militar e possui conteúdo híbrido (lei processual material), aos fatos perpetrados antes do seu
advento, mediante observância da legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica
ao tempo do crime.
STJ. 3ª Seção. CC 161.898-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/02/2019 (Info 642).

Competência da Justiça Militar


Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares.
A lei deve definir quais são os crimes militares.
Assim, compete à Justiça Militar julgar os crimes militares assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).
A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).
• No art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares em tempo de paz.
• No art. 10 do CPM são definidos os crimes militares em tempo de guerra.

Desse modo, para verificar se o fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto, de competência
da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses previstas nos arts. 9º e 10 do CPM.

Lei nº 13.491/2017
A Lei nº 13.491/2017 alterou o art. 9º do CPM ampliando o conceito de crime militar.
Veja abaixo um resumo das principais mudanças feitas pela Lei nº 13.491/2017, lembrando que estão
disponíveis no site do DOD comentários completos a respeito desta novidade legislativa.

Alteração 1
A primeira mudança ocorrida foi no inciso II do art. 9º. Veja:
Código Penal Militar
Redação original Redação dada pela Lei nº 13.491/2017
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo
de paz: de paz:
II - os crimes previstos neste Código, embora II - os crimes previstos neste Código e os previstos
também o sejam com igual definição na lei penal na legislação penal, quando praticados:
comum, quando praticados:

O que significa essa mudança?


• Antes da Lei: para se enquadrar como crime militar com base no inciso II do art. 9º, a conduta praticada
pelo agente deveria ser obrigatoriamente prevista como crime no Código Penal Militar.
• Agora: a conduta praticada pelo agente, para ser crime militar com base no inciso II do art. 9º, pode
estar prevista no Código Penal Militar ou na legislação penal “comum”.

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41


Informativo
comentado

Alteração 2
Se um militar, no exercício de sua função, pratica tentativa de homicídio (ou qualquer outro crime doloso
contra a vida) contra vítima civil, qual será o juízo competente?
Antes da Lei:
• REGRA: os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil eram julgados pela Justiça
comum (Tribunal do Júri). Isso com base na antiga redação do parágrafo único do art. 9º do CPM.
• EXCEÇÃO: se o militar, no exercício de sua função, praticasse tentativa de homicídio ou homicídio contra
vítima civil ao abater aeronave hostil (“Lei do Abate”), a competência seria da Justiça Militar. Tratava-se
da única exceção.

Depois da Lei:
• REGRA: em regra, os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil continuam sendo
julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base no novo § 1º do art. 9º do CPM:
Art. 9º (...)
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares
contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

Ocorre que a Lei nº 13.491/2017 trouxe um amplo rol de exceções.

• EXCEÇÕES:
Os crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças Armadas contra civil serão de
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo
Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não
beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem (GLO) ou de
atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da CF/88 e na forma dos
seguintes diplomas legais:
a) Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) LC 97/99;
c) Código de Processo Penal Militar; e
d) Código Eleitoral.

Isso está previsto no novo § 2º do art. 9º do CPM.


Obs: as exceções são tão grandes que, na prática, tirando os casos em que o militar não estava no exercício
de suas funções, quase todas as demais irão ser julgadas pela Justiça Militar por se enquadrarem em
alguma das exceções.

Vigência
A Lei nº 13.491/2017 entrou em vigor na data de sua publicação (16/10/2017).

Feita esta breve revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética na qual se discutiu a
aplicação temporal da Lei nº 13.491/2017:
Em agosto/2017, ou seja, antes da Lei nº 13.491/2017, João, militar, no exercício de suas funções, praticou
os crimes descritos no art. 3º, “b” e no art. 4º, “b”, da Lei nº 4.898/65 (Lei de abuso de autoridade):
Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
b) à inviolabilidade do domicílio;

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42


Informativo
comentado

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:


(...)
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado
em lei;

De quem é a competência para julgar o crime de abuso de autoridade praticado por militar no exercício
de suas funções?

ABUSO DE AUTORIDADE PRATICADO POR MILITAR EM SERVIÇO

Antes da Lei 13.491/2017: Depois da Lei 13.491/2017:


JUSTIÇA COMUM JUSTIÇA MILITAR
Antes da Lei nº 13.491/2017, a competência para A Lei nº 13.491/2017 deu nova redação ao CPM e
julgar este delito era da Justiça comum. Isso passou a prever que a conduta praticada pelo
porque o art. 9º, II, do CPM afirmava que somente agente, para ser crime militar com base no inciso
poderiam ser consideradas como crime militar as II do art. 9º, pode estar prevista no Código Penal
condutas que estivessem tipificadas no CPM. Militar ou na legislação penal “comum”.
Assim, como o abuso de autoridade não está Dessa forma, o abuso de autoridade, mesmo não
previsto no CPM, mas sim na Lei nº 4.898/65, este estando previsto no COM, pode agora ser
delito não podia ser considerado crime militar. considerado crime militar.
Como o abuso de autoridade não podia ser Como o abuso de autoridade pode agora ser
considerado crime militar, a competência para considerado crime militar, ele pode ser julgado
julgá-lo era da Justiça comum. pela Justiça Militar, com base no art. 9º, II, do CPM.
Súmula 172-STJ: Compete à justiça comum A Súmula 172 do STJ está SUPERADA e deve ser
processar e julgar militar por crime de abuso de cancelada futuramente.
autoridade, ainda que praticado em serviço.

Voltando ao nosso exemplo:


Como ainda não existia a Lei nº 13.491/2017, foi instaurado um processo na Justiça comum para apurar a
conduta de João.
Ocorre que, logo em seguida, entrou em vigor a nova Lei.
Diante disso, o membro do Ministério Público suscitou a incompetência da Justiça comum para processar
a ação penal, em decorrência da mudança operada pela Lei nº 13.491/2017.
Assim, o MP pediu a remessa dos autos à Justiça Militar argumentando que a Lei nº 13.491/2017 trata
sobre processo penal e as normas processuais possuem aplicação imediata, nos termos do art. 2º do CPP:
Art. 2º A lei processual penal aplicar se á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados
sob a vigência da lei anterior.

A defesa, por sua vez, manifestou-se contrariamente ao pedido, afirmando que essa providência agravaria
a situação do réu porque nem todos os benefícios previstos na legislação comum poderão ser aplicados
se o processo for para a Justiça Militar.
A defesa citou três exemplos:
1) No caso de crimes militares, haverá cúmulo material das penas, mesmo que os crimes tenham sido
praticados em continuidade delitiva (art. 80 do Código Penal Militar).

2) Na Justiça comum são possíveis as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/95, dentre elas
a suspensão condicional do processo. Já na Justiça Militar, tais medidas não seriam permitidas, conforme
prevê o art. 90-A da Lei nº 9.099/95:

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43


Informativo
comentado

Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.

3) Na Justiça comum é permitida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos,
nos moldes do art. 44 do CP. Essa mesma possibilidade não existe no processo penal militar.
Desse modo, a defesa argumentou que seria pior para o réu.

O que o STJ decidiu?


A Lei nº 13.491/2017 deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, ou seja, é possível a
remessa imediata do processo para a Justiça Militar mesmo que o fato tenha ocorrido antes da vigência
da nova lei.
No entanto, a Justiça Militar, ao receber esse processo, deverá aplicar a legislação penal mais benéfica
que vigorava ao tempo do crime, seja ela militar ou comum.
Em outras palavras, no caso de João, o processo deverá ser remetido para a Justiça Militar, mas, chegando
lá, poderão ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 e, em caso de condenação, a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme autoriza o art. 44 do Código
Penal comum.

Tempus regit actum


O art. 2º do CPP consagra a regra do tempus regit actum. Isso significa que a lei processual penal possui
aplicação imediata, de forma que os atos processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua
prática, não importando a data em que o crime foi praticado.
Ex: João praticou um delito em 2016, sendo instaurado um processo penal para apurá-lo; em 2017, entra
em vigor uma nova lei (lei “X”) tratando sobre cartas precatórias; esta nova lei, que tem caráter processual,
deve ser aplicada imediatamente; logo, se, em 2018, no processo penal desse réu, for necessária a
expedição de uma carta precatória, deverá ser observada a lei “X”, não importante que o crime tenha sido
praticado antes de sua vigência. Vale ressaltar, por outro lado, que, se foi expedida uma carta precatória
em 2016, este ato foi perfeito, não mudando nada o fato de ter entrado em vigor uma nova lei em 2017.
O ato processual é regido pela lei vigente ao tempo de sua prática (tempus regit actum).

Normas mistas (ou híbridas)


A regra do tempus regit actum vale apenas para as normas exclusivamente processuais.
Existem, no entanto, algumas normas que, ao mesmo tempo, possuem um caráter de direito processual,
mas também com fortes reflexos no direito material. São chamadas de normas mistas.
Exemplo de norma mista: a Lei nº 9.271/96 alterou o art. 366 do CPP, que trata sobre a citação por edital.
Esta Lei previu que, se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo nem constituir
advogado, o processo deverá ficar suspenso. Se fosse até aqui, a lei seria meramente processual. Ocorre
que ela também determinou que deveria ficar suspenso o curso do prazo prescricional. Ao fazer isso, a
norma tratou sobre a perda do direito de punir (prescrição). Logo, disciplinou também direito material.
Desse modo, esta lei é mista.

Lei nº 13.491/2017
A Lei nº 13.491/2017 não tratou apenas de ampliar a competência da Justiça Militar. Também ampliou o
conceito de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência
de um caráter de direito material na norma.
Esse aspecto, embora evidente, não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de
seu advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum para um delito de
natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do
princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (arts. 5º, XL, da CF/88 e 2º, I, do Código Penal).
Por outro lado, a modificação da competência, em alguns casos, pode ensejar consequências que
repercutem diretamente no jus libertatis, inclusive de forma mais gravosa ao réu. É o caso do exemplo
dado envolvendo João.
Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44
Informativo
comentado

Logo, é inegável que a Lei nº 13.491/2017 possuiu conteúdo híbrido (lei processual material) e que, em
alguns casos, a sua aplicação retroativa pode ensejar efeitos mais gravosos ao réu.

Mesmo assim, a Lei nº 13.491/2017 pode ser aplicada imediatamente


O fato de a Lei nº 13.491/2017 ser híbrida não pode impedir a sua aplicação imediata. É preciso, no entanto,
que se concilie a sua aplicação imediata com o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
Para isso, deve haver a incidência imediata da Lei nº 13.491/2017 aos fatos praticados antes do seu
advento, em observância ao princípio tempus regit actum, mas, por outro lado, deve ser observada a
legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime.
Ao se fazer a declinação da competência, essa ressalva deve ser feita expressamente.

Em suma:
É possível a aplicação imediata da Lei nº 13.491/2017, que amplia a competência da Justiça Militar e
possui conteúdo híbrido (lei processual material), aos fatos perpetrados antes do seu advento, mediante
observância da legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime.
STJ. 3ª Seção. CC 161.898-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/02/2019 (Info 642).

EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil,
não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF. ( )
2) Não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição na ação de usucapião. ( )
3) O acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges possui natureza consensual e, portanto, a
incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do tempo deve estar expressamente
prevista no contrato. ( )
4) A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante direta do
produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente. ( )
5) (ABIN 2010 CESPE) Os fornecedores sujeitos a participar no polo passivo da relação jurídica de responsabilidade
civil podem ser classificados como fornecedor real, fornecedor aparente e fornecedor presumido, sendo o
comerciante exemplo de fornecedor real. ( )
6) Companhia aérea é civilmente responsável por não promover condições dignas de acessibilidade de pessoa
cadeirante ao interior da aeronave. ( )
7) A inserção de cartões informativos no interior das embalagens de cigarros constitui prática de publicidade abusiva
apta a caracterizar dano moral coletivo. ( )
8) A reserva de 40% dos honorários do administrador judicial, prevista no art. 24, § 2º, da Lei nº 11.101/2005, aplica-
se também no âmbito da recuperação judicial. ( )
9) A habilitação de advogado em autos eletrônicos é suficiente para a presunção de ciência inequívoca das decisões. ( )
10) Haverá nulidade do acórdão que não contenha a totalidade dos votos declarados, mas não do julgamento, se o
resultado proclamado refletir, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado. ( )
11) A Súmula Vinculante n. 56/STF é inaplicável ao preso provisório. ( )
12) Diante do duplo julgamento do mesmo fato, deve prevalecer a sentença mais favorável ao réu em homenagem ao
princípio do favor rei. ( )
13) É possível a aplicação imediata da Lei nº 13.491/2017, que amplia a competência da Justiça Militar e possui
conteúdo híbrido (lei processual material), aos fatos perpetrados antes do seu advento, mediante observância da
legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime. ( )

Gabarito
1. C 2. C 3. C 4. C 5. E 6. C 7. E 8. E 9. E 10. C 11. C 12. E 13. C

Informativo 642-STJ (15/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45

Você também pode gostar