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Fábio Leite
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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All content following this page was uploaded by Fábio Leite on 15 July 2016.
1. Introdução
1
Doutor em Direito Público (UERJ), Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado (PUC-Rio).
Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq. Professor de Direito Constitucional dos cursos de
graduação, mestrado e doutorado da PUC-Rio. Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB-
RJ (2016- ). Assessor Jurídico da Reitoria da PUC-Rio.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
Há alguns anos, um pequeno jornal da cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, interior de
São Paulo, foi condenado a pagar o valor de R$ 593 mil de indenização a um juiz por
conta de uma reportagem em que se afirmava que a Prefeitura custeava os gastos do
magistrado com o aluguel de sua residência e sua conta telefônica 2 . O valor da
indenização correspondia a 2,5 anos de faturamento bruto da empresa, o que sugere que
a consequência desta condenação seria o fechamento definitivo do jornal. Deixando de
lado o mérito deste caso, não seria razoável supor que, se o dono do jornal soubesse que
a publicação da reportagem geraria uma condenação no valor de 593 mil reais, ele
preferiria não ter divulgado a matéria e assim mantido o seu jornal em funcionamento?
Em outras palavras, será que o próprio dono do jornal não preferiria uma proibição
prévia (a uma reportagem) do que uma condenação posterior (que implicaria, na prática,
o fim do jornal)? Se correta a suposição, então haveria uma vantagem em submeter-se a
um procedimento semelhante ao da censura do regime autoritário em lugar de desfrutar
de uma liberdade de expressão assegurada pela Constituição democrática.
Como ignorar que este é um quadro problemático, muito embora esteja de acordo com
as ideias em voga no Brasil sobre harmonização de direitos fundamentais em caso de
2
http://www.conjur.com.br/2009-jun-26/jornal-interior-sp-condenado-indenizar-juiz-593-mil. Acesso em
27/06/2009.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
conflito entre liberdade de expressão e direito à honra? O caso citado é extremo, sem
dúvida, mas o problema se repete em qualquer situação onde aquele que se manifestou,
no exercício da liberdade de expressão, preferiria não tê-lo feito se soubesse que seria
condenado a pagar uma indenização por isso.
Diante deste quadro, apresento quatro breves diretrizes apenas para dar início a uma
reflexão sobre a necessidade de uma alteração talvez radical na forma como estes
conflitos têm sido resolvidos pelo Poder Judiciário no Brasil: 1. compreender que a
censura judicial é ou pode ser semelhante à censura governamental em seus efeitos; 2.
reconhecer uma posição preferencial da Liberdade de expressão em conflito com o
direito à honra; 3. decidir estes conflitos com eficácia inter partes, mas com uma
perspectiva erga omnes; 4. considerar o direito de resposta como sanção preferencial.
3
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-e-denunciado-por-punir-criticas-a-
politicos,1091279,0.htm Acesso em 29/10/2013.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
Mas, além deste ponto, há ainda outra crítica a ser feita a esta concepção formalista da
liberdade de expressão. As razões que sustentam a doutrina das restrições prévias, de
acordo com Toller, podem ser resumidas basicamente às seguintes ideias: (i) que toda
expressão seja exposta ao menos uma vez e (ii) que é melhor penalizar os poucos que
abusam do que sufocar de antemão a todos. São boas razões, sem dúvida, que ressaltam
uma nítida preocupação com o regime democrático e a construção de um espaço público
de debate ou, para usar a consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte norte-
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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As expressões “free market place of ideas” ou apenas “market place of ideas” não são encontradas nas
obras de Stuart Mill, mas foram construídas a partir das ideias desenvolvidas pelo autor em seu livro “On
Liberty” (1859). O Justice Holmes utiliza a expressão “free trade in ideas” e recorre à analogia do
mercado (econômico) em seu voto divergente no caso Abrams v. US, julgado em 1919 pela Suprema
Corte: “But when men have realized that time has upset many fighting faiths, they may come to believe
even more than they believe the very foundations of their own conduct that the ultimate good desired is
better reached by free trade in ideas -- that the best test of truth is the power of the thought to get itself
accepted in the competition of the market, and that truth is the only ground upon which their wishes
safely can be carried out.” A expressão “market place of ideas” é citada pela primeira vez na
jurisprudência da Suprema Corte no voto concorrente do Justice Douglas, em US v. Rumely (1953):
“Like the publishers of newspapers, magazines, or books, this publisher bids for the minds of men in the
market place of ideas.”
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
Contudo, e a partir do exposto até aqui, deve-se indagar se é realmente válido falar-se
em harmonização nestes casos. Se a diferença entre restrição prévia e condenação
posterior não é tão simples como se imagina, podendo a segunda ser ainda pior, ao
agente, do que a primeira, como poderíamos reconhecer que num caso de condenação a
pagamento de indenização ou recolhimento de uma obra, a liberdade de expressão foi
realmente garantida? A doutrina brasileira, mesmo na seara constitucionalista,
negligencia este ponto, talvez por considerar que a aplicação do postulado da
proporcionalidade como método de solução ao conflito asseguraria a liberdade de
expressão na sua devida proporção. Mas a parte que cabe à liberdade de expressão,
nesta aparente harmonização de direitos fundamentais, continua limitada ao aspecto
formalista, sem qualquer consideração sobre a proteção do conteúdo daquilo que é
divulgado.
5
Este quadro talvez sofra uma alteração com o julgamento da ADI 4815, onde se discute a
constitucionalidade das biografias não autorizadas, já que o parecer emitido pela Procuradoria Geral da
República, pela inconstitucionalidade da exigência de autorização dos biografados nestes casos, recorre
ao argumento da posição preferencial da liberdade de expressão.
Trabalhos recentes, como os de Schreiber (2007), Chequer (2011) e Mello (2012), também contribuem
para que a discussão no Brasil incorpore estas reflexões.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
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constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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Algum avanço sobre este ponto pode ser notado na abordagem de Paulo Gustavo Gonet
Branco (Mendes e Branco, 2013, p. 315), como se verifica no seguinte trecho:
Esta proposta não torna o caso difícil; antes, devolve a ele a dificuldade que já lhe é (e
sempre foi) inerente e retira o julgador de uma imaginária zona de conforto
proporcionada pela ideia de harmonização de direitos. O caso é difícil justamente
porque uma das partes não terá o seu interesse atendido: ou aquele que se manifesta
estará impedido de fazê-lo ou aquele que sofreu o dano terá que suportá-lo. Em
princípio, não há meio termo (à exceção do direito de resposta, como será exposto
adiante).
6
Pode-se falar em harmonização nas situações em que aquele que foi ofendido em sua honra tem
assegurado o seu direito de resposta. Este ponto será abordado adiante.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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É por esta razão que se justifica uma tomada de posição a priori em favor de um destes
direitos, cabendo esclarecer apenas por que o direito privilegiado deve ser a liberdade
de expressão. A simples importação da doutrina norte-americana aqui esbarraria em
alguns problemas, já que a Suprema Corte confere uma posição preferencial aos direitos
previstos na Primeira Emenda (entre os quais se inclui a liberdade de expressão) quando
em confronto com outros direitos. No caso do Brasil, a Constituição não confere
nenhum destaque formal à liberdade de expressão. Encontrando-se no mesmo nível dos
demais direitos fundamentais, poder-se-ia entender que a preferência por um ou outro
seria decorrência da perspectiva do intérprete. Nesse sentido, a posição da Suprema
Corte seria apenas fruto de uma tradição histórica e cultural do direito norte-americano
– mas apenas uma dentre outras possíveis. No entanto, há também uma razão de ordem
material que justifica a posição preferencial da liberdade de expressão, que relaciona
este direito com a democracia, e que explica a adoção desta posição de destaque por
outras Cortes Constitucionais, como demonstra Claudio Chequer (2011, pp. 124-137),
deixando de ser uma peculiaridade norte-americana. Já o Brasil parece simplesmente
ignorar a própria expressão “posição preferencial da liberdade de expressão”, o que nos
afasta do nível deste debate em outros países.
De todo modo, diante dos limites estreitos deste trabalho, pretendo oferecer dois
argumentos (muito próximos) em favor da posição preferencial da liberdade de
expressão voltado exclusivamente para o confronto com o direito à honra, e que
portanto independeriam da adoção da doutrina norte-americana. Em primeiro lugar,
devemos considerar que a importância da liberdade de expressão, compreendida aqui
como a efetiva proteção do conteúdo, é diretamente proporcional ao tom crítico daquilo
que é divulgado. Quanto mais contundente e forte for o comentário, a opinião, a crítica,
podendo inclusive ser ofensivos (Dimoulis e Christopoulos, 2009), maior será a
importância da garantia da liberdade de expressão. Entender de outra forma significaria
reconhecer que a liberdade de expressão protege apenas o conteúdo que a ninguém
interessaria censurar. Portanto, a liberdade de expressão, nas situações em que se revela
importante, necessariamente ou provavelmente afeta a honra de alguém.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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O segundo ponto, e que se relaciona com o primeiro, é que a honra de uma pessoa
(física ou jurídica) só pode ser atingida pela manifestação de quem esteja exercendo sua
liberdade de expressão. É dizer, o direito à honra está diretamente relacionado à
liberdade de expressão – embora a recíproca não seja verdadeira. A liberdade de
expressão pode limitar e ser limitada por outros direitos (privacidade, intimidade,
direitos da criança e do adolescente, saúde pública), enquanto a honra só pode ser
limitada pela liberdade de expressão. Assim, entender que sempre que a honra de uma
pessoa é atingida deveria haver condenação ao pagamento de indenização por danos
morais seria tornar este um direito absoluto, e, na prática, reduzir a importância da
liberdade de expressão a pouco ou quase nada. Afinal, do ponto de vista do ofendido,
seria fácil demonstrar que qualquer manifestação contrária à sua honra lhe causaria um
dano.
4. Decidir estes conflitos com eficácia inter partes, mas com uma perspectiva erga
omnes
Uma pesquisa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça, levantando decisões (em
Recursos Especiais e apenas na esfera cível) sobre os conflitos entre liberdade de
7
Os problemas que decorrem de um julgamento onde há empatia foram apontados por Noel Struchiner
em seu trabalho “No Empathy Towards Empathy: Making the Case for Autistic Decision-Making”,
disponível em http://tnl.mcmaster.ca/conference/papers/Struchiner%20-
%20No%20Empathy%20Towards%20Empathy.pdf . Acesso em 20/11/2013.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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Este quadro sugere – recorrendo à dicotomia apresentada pelo argentino Nestor Pedro
Sagues – que a nossa jurisprudência é nitidamente mais civilista do que
constitucionalista9. Defendo, contudo, que isto não seria causa para explicar a nossa
jurisprudência, mas antes uma consequência de um modo de decidir.
8
Os relatórios desta pesquisa, por mim coordenada, estão disponíveis em:
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2013/relatorios_pdf/ccs/DIR/DIR-
Luisa%20Soares%20Ferreira%20Lobo.pdf
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JUR-
Paula%20Chueke%20Rabacov.pdf.
9
Em suas palavras: “Como observación general, puede sostenerse que los autores provenientes de
derecho civil son proclives a admitir hipótesis de censura judicial previa para proteger derechos
personalísimos concernientes a la privacidad, la dignidad personal, el honor, y también la propiedad, la
propia imagen y otros conexos. En este caso la censura judicial es una herramienta para reprimir
agresiones a tales derechos y un medio para defender las personas de ataques provenientes de
particulares o de los medios de difusión. Cuando hay una controversia entre aquellos derechos y la
libertad de expresión, consciente o subconscientemente se valora más a los primeros, subrayándose que
el concepto de dignidad de la persona es un valor jurídico relevante. Esto ha llevado a sostener por
ejemplo, que es valida la censura de toda biografía no autorizada por el sujeto descrito en ella.
Para los constitucionalistas, en cambio, la libertad de expresión cuenta con una cotización prevaleciente,
quizá con el máximo puntaje. (…)
El doble discurso (civilista y constitucionalista) que reina en el área provoca, además de cierta
esquizofrenia jurídica, un serio obstáculo para encontrar una respuesta uniforme y consensuada.”
(Sagués, 2006, pp. 966-967)
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
Embora tenham os réus edificado, em tal documento, uma frase afirmando que 'o
deputado Herneus tem uma facilidade incrível de mentir', tal construção, repita-se, não
possui em seu bojo, a meu sentir, o propósito de ofender a honra do requerente. Estas
expressões, por sinal, fazem parte do cotidiano das pessoas deste país e, ao se admitir
que sejam aforadas ações com vista à percepção de indenização por terem sido
chamadas de 'mentirosas', certamente os fóruns e tribunais estariam absolutamente
inviabilizados diante dos incontáveis pleitos nesse sentido. Aliás, não se pode perder de
vista que, via de regra, tais expressões são proferidas em momentos de defesa, de
insatisfação e de instabilidade emocional.
pelo pedido de indenização – cujos valores nunca são desprezíveis10. Ou seja, o direito
de resposta, na prática, não é considerado um direito autônomo, nem, em geral, é
“acompanhado” pelo pedido de indenização. Quando muito, aquele é que acompanha
este, numa certa inversão da leitura sugerida pelo art. 5º, V da Constituição.
De acordo com o que foi exposto nos tópicos anteriores, a lógica deveria ser outra. Em
regra, o dano à honra decorrente da liberdade de expressão deve ser suportado, já que a
possibilidade de a honra ser atingida é intrínseca à liberdade de expressão. Como
exceção, aquele que se expressa deve ser condenado a reparar o dano. Mas a
condenação deve, em regra, se limitar ao direito de resposta. E, em caráter excepcional,
incluir o direito à indenização (ou se limitar a este, quando aquele não couber ou não for
requerido)11. Em outras palavras, deve ser reconhecido o caráter de sanção preferencial
ao direito de resposta. E isso por ao menos três motivos.
O direito de resposta é a forma mais justa de o Estado assegurar o direito à honra, sem
se comprometer com o conteúdo que gerou o dano ou, mais especificamente, com a
reputação do ofendido diante de si próprio ou do meio social. Se o político A, num
debate público, diz que o político B “tem uma facilidade incrível de mentir”, não cabe
ao Estado tomar posição a respeito desta opinião de A a respeito de B, limitando-se,
quando muito (pois neste caso seria discutível), a assegurar um direito de resposta a B.
Afinal, das três, uma: ou o Estado reconhece que sequer um político (qualquer político)
pode afirmar que qualquer outro político “tem uma facilidade incrível de mentir” (como
parece ter feito o STJ no caso citado anteriormente), ou o Estado reconhece que
qualquer político pode afirmar que qualquer outro político “tem uma incrível facilidade
de mentir” (como entenderam o juiz e o Tribunal de Justiça-SC), ou o Estado vai
analisar caso a caso, avaliando se de fato o político em questão tem realmente uma
10
De acordo com relatório apresentado pela ONG Artigo 19, “em 2003, a média das indenizações
encontrava-se em trono de R$ 20.000. Em 2007 o valor médio das indenizações pulou para R$ 80.000.”
http://www.article19.org/data/files/pdfs/publications/brazil-mission-statement-port.pdf
Acesso em 20/10/2009.
11
Esta parece ser a ordem também defendida por Barroso, quando escreve que “[n]as questões
envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória
após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual
reparação do dano, quando seja o caso.” (Barroso, 2004)
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
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incrível facilidade de mentir (o que, a propósito, não poderia ser feito em Recurso
Especial). A primeira hipótese gera um risco à democracia; a última, um risco à
segurança jurídica, deixando a avaliação casuística sujeita a uma série de arbitrariedades
e subjetivismos.12
E se a honra de B foi violada pelas acusações feitas por A, quem melhor para contestá-
las do que o próprio B? O que o Estado pode e deve assegurar é a possibilidade de B
contestar as acusações – se este for o seu interesse. E de forma “proporcional ao
agravo” sofrido, como previsto no art. 5º, V da Constituição.
Ainda: o direito de resposta informa, ao contrário da indenização, que não somente nada
acrescenta ao debate público (nem tutela a honra do ofendido publicamente), como
ainda deixa o público ciente apenas das acusações lançadas pelo ofensor. Se A expõe
numa coluna de jornal sua opinião crítica sobre a conduta do juiz B no curso de um
processo judicial, sugerindo que este foi parcial no julgamento, e B move um processo
contra A, onde este é condenado a pagar uma indenização por danos morais no valor de
R$80.000,00 (oitenta mil reais) o resultado será: B terá um aumento considerável de sua
renda, A provavelmente deixará de tecer críticas aos membros de um dos Poderes da
República e o público terá razões para ao menos suspeitar que B realmente foi parcial
no processo que conduziu (já que nenhuma informação em sentido contrário foi
oferecida ao público). O direito de resposta, portanto, fomenta o debate público,
enquanto a indenização o reprime, gerando um sensível chilling effect a partir da
autocensura dos próprios cidadãos.
12
Para um estudo sobre arbitrariedades e subjetivismos a que estão sujeitos os juízes, v. Brando (2013) e
Tavares (2013).
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
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408.
6. Conclusão
Nem mesmo a mais civilista das abordagens ignora que a liberdade de expressão é
essencial à democracia. Mas defender a liberdade de expressão é aceitar as suas
consequências, e é neste ponto que o pensamento jurídico brasileiro parece vacilar. De
nada adianta enaltecer o valor da liberdade de expressão (como em geral fazem os
magistrados de forma preambular em suas decisões) se qualquer dano à honra, que já
deveria ser esperado, é logo reconhecido como um limite àquele direito. A facilidade
com a qual um dano sofrido por conta de ofensas é considerado um limite à liberdade de
expressão coloca em dúvida a importância da liberdade de expressão e, por fim, a
concepção que se tem de democracia.
As diretrizes aqui propostas foram apresentadas numa sequência que considerei a mais
adequada para o argumento pretendido, e não numa ordem de importância. Mas, em
sede de conclusão, destaco a proposta de “decidir estes conflitos com eficácia inter
partes, mas com uma perspectiva erga omnes” como a mais relevante (e talvez a mais
urgente), por entender que as demais surgiriam como decorrência. Adotar uma
perspectiva universalista, onde o direito aplicado num caso deveria valer para todas as
situações semelhantes, impõe ao julgador um ônus (desagradável, mas necessário) de
considerar aspectos que num caso concreto e isolado têm sua relevância diminuída.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.
Referências bibliográficas
MELLO, Rodrigo Gaspar de. A Censura Judicial como Meio de Restrição da Liberdade
de Expressão: Análise Comparativa da Jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, da Corte Suprema de Justiça da Nação argentina e do Supremo
Tribunal Federal. 2012. Dissertação (de Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
SCHREIBER, Simone. Liberdade de Expressão: Justificativa Teórica e a Doutrina da
Posição Preferencial no Ordenamento Jurídico. In A Reconstrução democrática do
direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
TAMANAHA, Brian. Z. On the rule of law: history, politics, theory. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
TAVARES, Rodrigo de Souza. DIREITO & SENSIBILIDADE: uma abordagem
sentimentalista das relações entre direito e moral. 2013. Tese (de Doutorado em
Direito). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
TOLLER, Fernando M.. O Formalismo na Liberdade de Expressão. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010.