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Liberdade de Expressão e direito à honra: novas diretrizes para um velho


problema

Chapter · January 2014

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Fábio Leite
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LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.

Liberdade de Expressão e direito à honra: novas diretrizes para um


velho problema

Fábio Carvalho Leite1

1. Introdução

O problema da liberdade de expressão no Brasil talvez seja a ideia de que não há


propriamente um problema a ser resolvido. Afinal, trata-se de um direito (essencial à
democracia) que foi restabelecido pela Constituição de 1988, que, de forma categórica,
baniu a censura do ordenamento jurídico do País (arts. 5º, IX, e 220, § 2º). Esta garantia,
contudo, limita-se a proibir restrições (a priori ou a posteriori) impostas pelos órgãos
de governo – sem dúvida um grande passo, se considerarmos a experiência vivenciada
sob o regime constitucional anterior, mas que nada (ou muito pouco) diz a respeito do
“conteúdo” protegido pela liberdade de expressão, livre de qualquer espécie de
condenação pelo poder público. Em outras palavras: há uma garantia de que um
discurso não será proibido pelo governo, mas nenhuma garantia de que não será
condenado pelo Poder Judiciário.

A restrição imposta pelo Poder Judiciário, no entanto, não é compreendida como um


problema sequer semelhante ao que decorre da censura. E isso, por uma série de razões:
(i) nestes casos é assegurada a liberdade de expressão, na medida em que não há
censura prévia; (ii) a liberdade de expressão não é nem poderia ser um direito absoluto;
(iii) a Constituição protege outros valores, como a honra, a imagem, a vida privada e a
intimidade (art. 5º, X); (iv) cabe ao Poder Judiciário a função justamente de dirimir uma
lide, dizendo o direito num caso concreto; (v) a própria Constituição, após estabelecer
que “é livre a manifestação do pensamento”, assegurou, como contrapartida, não apenas

1
Doutor em Direito Público (UERJ), Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado (PUC-Rio).
Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq. Professor de Direito Constitucional dos cursos de
graduação, mestrado e doutorado da PUC-Rio. Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB-
RJ (2016- ). Assessor Jurídico da Reitoria da PUC-Rio.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.

o “direito de resposta, proporcional ao agravo”, como a possibilidade de indenização


por dano material, moral ou à imagem.

Entende-se que há uma diferença entre proibir alguém de se expressar (censura ou


restrição judicial a priori) e condenar alguém por haver se expressado de determinada
forma (restrição judicial a posteriori), mas qual é real extensão desta diferença?

Há alguns anos, um pequeno jornal da cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, interior de
São Paulo, foi condenado a pagar o valor de R$ 593 mil de indenização a um juiz por
conta de uma reportagem em que se afirmava que a Prefeitura custeava os gastos do
magistrado com o aluguel de sua residência e sua conta telefônica 2 . O valor da
indenização correspondia a 2,5 anos de faturamento bruto da empresa, o que sugere que
a consequência desta condenação seria o fechamento definitivo do jornal. Deixando de
lado o mérito deste caso, não seria razoável supor que, se o dono do jornal soubesse que
a publicação da reportagem geraria uma condenação no valor de 593 mil reais, ele
preferiria não ter divulgado a matéria e assim mantido o seu jornal em funcionamento?
Em outras palavras, será que o próprio dono do jornal não preferiria uma proibição
prévia (a uma reportagem) do que uma condenação posterior (que implicaria, na prática,
o fim do jornal)? Se correta a suposição, então haveria uma vantagem em submeter-se a
um procedimento semelhante ao da censura do regime autoritário em lugar de desfrutar
de uma liberdade de expressão assegurada pela Constituição democrática.

Este quadro, embora resulte da efetiva aplicação da liberdade de expressão – em sua


visão mais corrente (a saber, uma garantia contra censura prévia) –, contraria justamente
uma das razões por trás desta concepção: o argumento de que seria preferível penalizar
os poucos que cometem eventual abuso do que penalizar a todos, suprimindo de
antemão o exercício da liberdade de expressão.

Como ignorar que este é um quadro problemático, muito embora esteja de acordo com
as ideias em voga no Brasil sobre harmonização de direitos fundamentais em caso de
2
http://www.conjur.com.br/2009-jun-26/jornal-interior-sp-condenado-indenizar-juiz-593-mil. Acesso em
27/06/2009.
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problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
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conflito entre liberdade de expressão e direito à honra? O caso citado é extremo, sem
dúvida, mas o problema se repete em qualquer situação onde aquele que se manifestou,
no exercício da liberdade de expressão, preferiria não tê-lo feito se soubesse que seria
condenado a pagar uma indenização por isso.

As ideias aqui apresentadas como meras diretrizes – mais apresentadas do que


propriamente desenvolvidas (o que iria requerer maior espaço) – não são
necessariamente originais. Qualifico como “novas” as diretrizes apenas porque os
aspectos que as sustentam têm sido negligenciados pela doutrina e pela jurisprudência –
isso quando são considerados.

É chegado o momento de reconhecermos há um problema a ser resolvido. Não se trata


de uma idiossincrasia ou de mera preferencia pessoal ou ideológica pela liberdade de
expressão. Contra este argumento, lembro que em 29 de outubro de 2013 o Brasil foi
denunciado junto à Corte Interamericana de Direitos justamente pelo fato de sua
legislação (ao menos da forma como tem sido aplicada) condenar críticas e denúncias
contra ocupantes de cargos públicos 3 – o que revela a que ponto extremo este
entendimento chegou.

Diante deste quadro, apresento quatro breves diretrizes apenas para dar início a uma
reflexão sobre a necessidade de uma alteração talvez radical na forma como estes
conflitos têm sido resolvidos pelo Poder Judiciário no Brasil: 1. compreender que a
censura judicial é ou pode ser semelhante à censura governamental em seus efeitos; 2.
reconhecer uma posição preferencial da Liberdade de expressão em conflito com o
direito à honra; 3. decidir estes conflitos com eficácia inter partes, mas com uma
perspectiva erga omnes; 4. considerar o direito de resposta como sanção preferencial.

2. Compreender que a sanção judicial é ou pode ser semelhante à censura


governamental em seus efeitos

3
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-e-denunciado-por-punir-criticas-a-
politicos,1091279,0.htm Acesso em 29/10/2013.
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constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
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O primeiro ponto a ser considerado na análise de qualquer caso envolvendo liberdade de


expressão é que a diferença entre restrição prévia (judicial ou mesmo governamental) e
sanção judicial posterior não apenas é pequena – certamente menor do que se imagina –
como, do ponto de visa de quem se expressa, a segunda pode ser pior do que a primeira,
ou tão ruim quanto. Se a assertiva estiver correta, devemos indagar por que
absolutamente todas as razões que justificam a vedação à censura prévia simplesmente
desaparecem quando se trata de impor sanção posterior.

Consideremos o caso de um livro biográfico, escrito por A, onde, em determinado


capítulo, é narrado um episódio que viola a honra de B, por conta da forma como é
retratado por A. Suponhamos que A tenha tomado ciência dos trechos da obra que
considera ofensivos à sua honra. Muitos certamente entenderiam que violaria a
liberdade de expressão de A uma decisão judicial que vedasse a distribuição da obra,
ainda na gráfica. Por outro lado, uma decisão judicial que determinasse a retirada de
circulação deste mesmo livro, já à venda nas livrarias há alguns meses, não causaria
tanto ou ao menos o mesmo espanto. Afinal, não teria havido restrição prévia. Mas se
esta é a compreensão acerca da liberdade de expressão, o que dizer da situação onde o
livro acabou de chegar às livrarias e imediatamente em seguida foi proibido? Neste
cenário, a restrição à obra teria ocorrido a posteriori, mas o conteúdo não teria
alcançado o público (a razão que justifica a vedação a priori). Seria então a liberdade de
expressão uma garantia meramente formal, que não resolve e apenas adia a questão que
deveria ser central, qual seja: saber se o conteúdo está ou não protegido pela ordem
jurídica? Do ponto de vista do autor do livro, o fato de a restrição judicial ter sido
posterior e não anterior seria indiferente neste caso. E a ideia de que o conteúdo ao
menos foi divulgado também não teria sentido aqui, pois o público sequer teve a
oportunidade de ter acesso à obra. E se, além da determinação de recolhimento da obra,
o autor A for também condenado ao pagamento de indenização, a sanção posterior pode
se tornar ainda pior do que a restrição prévia.
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É curioso constatar que, em geral, há uma defesa apaixonada a favor da liberdade de


expressão, compreendida esta apenas como uma garantia contra a censura prévia, mas
que é abandonada logo na primeira esquina quando o conteúdo em questão é divulgado.

Fernando Toller (2010) identificou a raiz deste reducionismo sobre a liberdade de


expressão na doutrina das restrições prévias (prior restraint doctrine) de William
Blackstone, que exerceu forte influência no constitucionalismo contemporâneo. De
acordo com Toller, o núcleo da doutrina blackstoniana pode ser identificado num
simples parágrafo de sua prestigiada obra Comentários sobre as Leis da Inglaterra
(1765), quando trata dos atos ilícitos do Direito Público e discorre sobre a situação do
Direito de imprensa inglês de sua época:

A liberdade de imprensa é, na verdade, essencial à natureza de um estado livre; mas ela


consiste em não impor restrições prévias às publicações, e não na liberdade relativa à
sanção por impressos criminais quando estes forem publicados. Todo homem livre tem
um direito indubitável a pôr diante do público as opiniões que lhe aprazerem: proibir
isto é destruir a liberdade de imprensa: mas, se ele publica o que é impróprio, malicioso
ou ilegal, deve assumir a consequência de sua própria temeridade. (apud. Toller, 2010,
p. 25)

Toller assume uma posição crítica em relação ao que chama de “formalismo da


liberdade de expressão”, que decorre desta doutrina das restrições prévias, e que associa
a liberdade de expressão a uma absoluta proibição de censura prévia, mas que admite a
possibilidade de uma responsabilização posterior (prior restraints and subsequent
punishments). A distinção entre restrições prévias e punições posteriores, contudo, é
mais frágil do que parece (Bertoni, 2007; Toller, 2010) – embora o entendimento
consolidado no Brasil continue ignorando este fato.

Mas, além deste ponto, há ainda outra crítica a ser feita a esta concepção formalista da
liberdade de expressão. As razões que sustentam a doutrina das restrições prévias, de
acordo com Toller, podem ser resumidas basicamente às seguintes ideias: (i) que toda
expressão seja exposta ao menos uma vez e (ii) que é melhor penalizar os poucos que
abusam do que sufocar de antemão a todos. São boas razões, sem dúvida, que ressaltam
uma nítida preocupação com o regime democrático e a construção de um espaço público
de debate ou, para usar a consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte norte-
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americana, a partir do pensamento de Stuart Mill, um livre mercado de ideias (free


marketplace of ideas)4. No entanto, se o bônus é compartilhado com o público, o ônus é
suportado exclusivamente por quem se expressa, e esse preço parece estar ocultado nas
reflexões sobre a doutrina das restrições prévias. Assim, se um cidadão, em seu blog,
faz duras e pesadas críticas ao modo como um juiz se comportou ao longo de um
processo ou como determinado jornal atuou na cobertura de uma campanha eleitoral, o
público terá se beneficiado das críticas feitas, mas, em caso de condenação (em valor de
50 mil reais, por exemplo), esta será suportada exclusivamente pelo autor das críticas.
Ou seja, na medida em que não se admite restrição prévia, não houve obstáculo ao livre
mercado de ideias e as críticas (duras e pesadas) contribuíram para o debate público. Do
ponto de vista da coletividade, a liberdade de expressão, na sua concepção formalista,
garantiu a livre circulação de ideias, de que tanto depende a democracia. Do ponto de
vista do autor das críticas, a difusão de seu pensamento custou-lhe uma quantia
considerável, que poderá fazer com que nunca mais manifeste suas opiniões –
justamente aquelas que foram importantes para o debate público.

A visão formalista da liberdade de expressão ataca a censura visível – a restrição prévia


–, mas abre as portas, sem qualquer receio ou reflexão, a uma censura invisível – a
autocensura –, que pode gerar o mesmo problema que a primeira: a ausência de um
debate público livre e aberto, ou, para usar expressão adotada pela doutrina norte-
americana, um chilling effect – efeito de resfriamento no debate público.

A atenção conferida a este aspecto explica, ao menos em parte, a postura da Suprema


Corte dos EUA nos casos envolvendo liberdade de expressão, que resulta numa

4
As expressões “free market place of ideas” ou apenas “market place of ideas” não são encontradas nas
obras de Stuart Mill, mas foram construídas a partir das ideias desenvolvidas pelo autor em seu livro “On
Liberty” (1859). O Justice Holmes utiliza a expressão “free trade in ideas” e recorre à analogia do
mercado (econômico) em seu voto divergente no caso Abrams v. US, julgado em 1919 pela Suprema
Corte: “But when men have realized that time has upset many fighting faiths, they may come to believe
even more than they believe the very foundations of their own conduct that the ultimate good desired is
better reached by free trade in ideas -- that the best test of truth is the power of the thought to get itself
accepted in the competition of the market, and that truth is the only ground upon which their wishes
safely can be carried out.” A expressão “market place of ideas” é citada pela primeira vez na
jurisprudência da Suprema Corte no voto concorrente do Justice Douglas, em US v. Rumely (1953):
“Like the publishers of newspapers, magazines, or books, this publisher bids for the minds of men in the
market place of ideas.”
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“posição preferencial da liberdade de expressão” (preferred position doctrine) diante de


outros direitos como o direito à honra e/ou à imagem.

3. Reconhecer uma posição preferencial da liberdade de expressão em conflito com


o direito à honra

A ideia de posição preferencial da liberdade de expressão é ainda pouco conhecida e


difundida no Brasil5. Uma explicação possível talvez seja o fato de se compreender que
os conflitos entre liberdade de expressão e direito à honra (ou mesmo direitos da
personalidade em geral) podem e devem ser resolvidos numa harmonização de direitos,
a partir da leitura dos incisos IV e V do art. 5º da Constituição. Não haveria assim um
“problema” a demandar uma solução aparentemente tão controversa e radical como a de
reconhecer a priori uma posição preferencial de um direito fundamental sobre outro (de
mesma hierarquia e importância).

Contudo, e a partir do exposto até aqui, deve-se indagar se é realmente válido falar-se
em harmonização nestes casos. Se a diferença entre restrição prévia e condenação
posterior não é tão simples como se imagina, podendo a segunda ser ainda pior, ao
agente, do que a primeira, como poderíamos reconhecer que num caso de condenação a
pagamento de indenização ou recolhimento de uma obra, a liberdade de expressão foi
realmente garantida? A doutrina brasileira, mesmo na seara constitucionalista,
negligencia este ponto, talvez por considerar que a aplicação do postulado da
proporcionalidade como método de solução ao conflito asseguraria a liberdade de
expressão na sua devida proporção. Mas a parte que cabe à liberdade de expressão,
nesta aparente harmonização de direitos fundamentais, continua limitada ao aspecto
formalista, sem qualquer consideração sobre a proteção do conteúdo daquilo que é
divulgado.

5
Este quadro talvez sofra uma alteração com o julgamento da ADI 4815, onde se discute a
constitucionalidade das biografias não autorizadas, já que o parecer emitido pela Procuradoria Geral da
República, pela inconstitucionalidade da exigência de autorização dos biografados nestes casos, recorre
ao argumento da posição preferencial da liberdade de expressão.
Trabalhos recentes, como os de Schreiber (2007), Chequer (2011) e Mello (2012), também contribuem
para que a discussão no Brasil incorpore estas reflexões.
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Algum avanço sobre este ponto pode ser notado na abordagem de Paulo Gustavo Gonet
Branco (Mendes e Branco, 2013, p. 315), como se verifica no seguinte trecho:

Se um individuo se defronta com iminente publicação de noticia que viola


indevidamente a sua privacidade ou a honra, há de se lhe reconhecer o direito de exigir,
pela via judiciária, que a matéria não seja divulgada. Não há por que cobrar que aguarde
a consumação do prejuízo ao seu direito fundamental, para, somente então, vir a buscar
uma compensação econômica. Veja-se que, quando se tem por assentado o bom
fundamento do pedido de indenização, isso significa que a matéria não tinha o abono do
Direito para ser publicada, antes mesmo de consumado o dano. (grifei)

Se entendermos, portanto, que não há em regra6 harmonização de valores nestes casos, e


que apenas um dos diretos em tensão poderá ser efetivamente tutelado, decidir em favor
dos direitos da personalidade torna-se uma tarefa mais difícil, pois implica afirmar que
determinado conteúdo não está protegido pelo ordenamento jurídico.

É compreensível a resistência à ideia de restrição prévia – sobretudo no Brasil, onde o


fim do regime autoritário é recente, contando pouco mais de duas décadas. Mas
devemos fazer o certo pelas razões certas, ou seja, impedir a restrição prévia para trazer
a garantia a quem se expressa de que seu discurso não será condenado, e não para
simplesmente procrastinar este juízo. Do ponto de vista de quem se manifesta (e,
indiretamente, para a própria democracia), é essencial a segurança jurídica a respeito da
licitude do conteúdo: ou o discurso está protegido ou não está!

Esta proposta não torna o caso difícil; antes, devolve a ele a dificuldade que já lhe é (e
sempre foi) inerente e retira o julgador de uma imaginária zona de conforto
proporcionada pela ideia de harmonização de direitos. O caso é difícil justamente
porque uma das partes não terá o seu interesse atendido: ou aquele que se manifesta
estará impedido de fazê-lo ou aquele que sofreu o dano terá que suportá-lo. Em
princípio, não há meio termo (à exceção do direito de resposta, como será exposto
adiante).

6
Pode-se falar em harmonização nas situações em que aquele que foi ofendido em sua honra tem
assegurado o seu direito de resposta. Este ponto será abordado adiante.
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É por esta razão que se justifica uma tomada de posição a priori em favor de um destes
direitos, cabendo esclarecer apenas por que o direito privilegiado deve ser a liberdade
de expressão. A simples importação da doutrina norte-americana aqui esbarraria em
alguns problemas, já que a Suprema Corte confere uma posição preferencial aos direitos
previstos na Primeira Emenda (entre os quais se inclui a liberdade de expressão) quando
em confronto com outros direitos. No caso do Brasil, a Constituição não confere
nenhum destaque formal à liberdade de expressão. Encontrando-se no mesmo nível dos
demais direitos fundamentais, poder-se-ia entender que a preferência por um ou outro
seria decorrência da perspectiva do intérprete. Nesse sentido, a posição da Suprema
Corte seria apenas fruto de uma tradição histórica e cultural do direito norte-americano
– mas apenas uma dentre outras possíveis. No entanto, há também uma razão de ordem
material que justifica a posição preferencial da liberdade de expressão, que relaciona
este direito com a democracia, e que explica a adoção desta posição de destaque por
outras Cortes Constitucionais, como demonstra Claudio Chequer (2011, pp. 124-137),
deixando de ser uma peculiaridade norte-americana. Já o Brasil parece simplesmente
ignorar a própria expressão “posição preferencial da liberdade de expressão”, o que nos
afasta do nível deste debate em outros países.

De todo modo, diante dos limites estreitos deste trabalho, pretendo oferecer dois
argumentos (muito próximos) em favor da posição preferencial da liberdade de
expressão voltado exclusivamente para o confronto com o direito à honra, e que
portanto independeriam da adoção da doutrina norte-americana. Em primeiro lugar,
devemos considerar que a importância da liberdade de expressão, compreendida aqui
como a efetiva proteção do conteúdo, é diretamente proporcional ao tom crítico daquilo
que é divulgado. Quanto mais contundente e forte for o comentário, a opinião, a crítica,
podendo inclusive ser ofensivos (Dimoulis e Christopoulos, 2009), maior será a
importância da garantia da liberdade de expressão. Entender de outra forma significaria
reconhecer que a liberdade de expressão protege apenas o conteúdo que a ninguém
interessaria censurar. Portanto, a liberdade de expressão, nas situações em que se revela
importante, necessariamente ou provavelmente afeta a honra de alguém.
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O segundo ponto, e que se relaciona com o primeiro, é que a honra de uma pessoa
(física ou jurídica) só pode ser atingida pela manifestação de quem esteja exercendo sua
liberdade de expressão. É dizer, o direito à honra está diretamente relacionado à
liberdade de expressão – embora a recíproca não seja verdadeira. A liberdade de
expressão pode limitar e ser limitada por outros direitos (privacidade, intimidade,
direitos da criança e do adolescente, saúde pública), enquanto a honra só pode ser
limitada pela liberdade de expressão. Assim, entender que sempre que a honra de uma
pessoa é atingida deveria haver condenação ao pagamento de indenização por danos
morais seria tornar este um direito absoluto, e, na prática, reduzir a importância da
liberdade de expressão a pouco ou quase nada. Afinal, do ponto de vista do ofendido,
seria fácil demonstrar que qualquer manifestação contrária à sua honra lhe causaria um
dano.

Portanto, defender a posição preferencial da liberdade de expressão significa reconhecer


que esta deve prevalecer, em princípio, apesar de eventual dano sofrido por alguém em
sua honra. Deve-se reconhecer que não é tarefa fácil, sobretudo quando estamos todos
sujeitos à empatia7, que nestes casos parece favorecer mais a vítima do que o autor da
expressão. Mas os conflitos relevantes no Direito não são fáceis (aliás, fácil parece ser a
solução a partir de uma suposta harmonização de direitos, aqui tão criticada). Contudo,
como evitar que, diante de casos concretos onde há conflito entre liberdade de
expressão e direito à honra, o julgador adote a perspectiva daquele que sofre o dano, se
não controlamos a empatia? Esta indagação nos conduz ao terceiro ponto.

4. Decidir estes conflitos com eficácia inter partes, mas com uma perspectiva erga
omnes

Uma pesquisa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça, levantando decisões (em
Recursos Especiais e apenas na esfera cível) sobre os conflitos entre liberdade de

7
Os problemas que decorrem de um julgamento onde há empatia foram apontados por Noel Struchiner
em seu trabalho “No Empathy Towards Empathy: Making the Case for Autistic Decision-Making”,
disponível em http://tnl.mcmaster.ca/conference/papers/Struchiner%20-
%20No%20Empathy%20Towards%20Empathy.pdf . Acesso em 20/11/2013.
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408.

expressão e direitos da personalidade em geral, no período de 2002-2010, revelou que,


num universo de 57 acórdãos, somente em 12 o tribunal entendeu que deveria
prevalecer o direito à liberdade de expressão8. Os números revelam uma prevalência da
tutela dos direitos da personalidade. Curiosamente, não há uma constância nos
processos se considerarmos as decisões das instâncias inferiores. É dizer, um caso
decidido pelo STJ em favor do direito à honra pode ter sido decidido pelo juiz e/ou pelo
tribunal em favor da liberdade de expressão, e vice-versa. Ainda assim, prevalecem
(com folga) as decisões em favor dos direitos da personalidade.

Este quadro sugere – recorrendo à dicotomia apresentada pelo argentino Nestor Pedro
Sagues – que a nossa jurisprudência é nitidamente mais civilista do que
constitucionalista9. Defendo, contudo, que isto não seria causa para explicar a nossa
jurisprudência, mas antes uma consequência de um modo de decidir.

Analisemos detidamente um desses casos (REsp 801249). Trata-se de uma ação de


indenização por danos morais ajuizada por um deputado estadual (de Santa Catarina)
por conta de uma nota veiculada numa rádio da cidade de Caibi-SC e depois distribuída
na própria cidade, onde se afirmava que o deputado “tem uma facilidade incrível de
mentir”. A nota havia sido divulgada por representantes partidários de oposição ao
deputado. O juiz de primeira instância havia julgado improcedente o pedido (decidiu,

8
Os relatórios desta pesquisa, por mim coordenada, estão disponíveis em:
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2013/relatorios_pdf/ccs/DIR/DIR-
Luisa%20Soares%20Ferreira%20Lobo.pdf
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JUR-
Paula%20Chueke%20Rabacov.pdf.
9
Em suas palavras: “Como observación general, puede sostenerse que los autores provenientes de
derecho civil son proclives a admitir hipótesis de censura judicial previa para proteger derechos
personalísimos concernientes a la privacidad, la dignidad personal, el honor, y también la propiedad, la
propia imagen y otros conexos. En este caso la censura judicial es una herramienta para reprimir
agresiones a tales derechos y un medio para defender las personas de ataques provenientes de
particulares o de los medios de difusión. Cuando hay una controversia entre aquellos derechos y la
libertad de expresión, consciente o subconscientemente se valora más a los primeros, subrayándose que
el concepto de dignidad de la persona es un valor jurídico relevante. Esto ha llevado a sostener por
ejemplo, que es valida la censura de toda biografía no autorizada por el sujeto descrito en ella.
Para los constitucionalistas, en cambio, la libertad de expresión cuenta con una cotización prevaleciente,
quizá con el máximo puntaje. (…)
El doble discurso (civilista y constitucionalista) que reina en el área provoca, además de cierta
esquizofrenia jurídica, un serio obstáculo para encontrar una respuesta uniforme y consensuada.”
(Sagués, 2006, pp. 966-967)
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408.

portanto, em favor da liberdade de expressão). O Tribunal de Justiça de Santa Catarina


manteve este entendimento, ressaltando que:

Embora tenham os réus edificado, em tal documento, uma frase afirmando que 'o
deputado Herneus tem uma facilidade incrível de mentir', tal construção, repita-se, não
possui em seu bojo, a meu sentir, o propósito de ofender a honra do requerente. Estas
expressões, por sinal, fazem parte do cotidiano das pessoas deste país e, ao se admitir
que sejam aforadas ações com vista à percepção de indenização por terem sido
chamadas de 'mentirosas', certamente os fóruns e tribunais estariam absolutamente
inviabilizados diante dos incontáveis pleitos nesse sentido. Aliás, não se pode perder de
vista que, via de regra, tais expressões são proferidas em momentos de defesa, de
insatisfação e de instabilidade emocional.

O argumento de que não haveria “propósito de ofender” é de difícil sustentação, mas


certamente facilita a decisão em favor da liberdade de expressão – o que seria aqui fazer
o certo pelas razões erradas. Mas deixo de lado este aspecto, que demanda um estudo a
parte. Interessa aqui a afirmação de que “ao se admitir que sejam aforadas ações com
vista à percepção de indenização por terem sido chamadas de 'mentirosas', certamente
os fóruns e tribunais estariam absolutamente inviabilizados diante dos incontáveis
pleitos nesse sentido.” Isso demonstra uma perspectiva universalista, necessária para
lidar com estes casos. Não se trata – e é importante esclarecer este ponto – de considerar
o número de processos a serem julgados, mas a quantidade de situações de conflito que
seriam consideradas ilícitas!

O STJ, contudo, em decisão unanime, deu provimento ao Recurso Especial e condenou


os réus (recorrentes) a pagar a quantia de R$ 20.000,00 a título de compensação pelos
danos morais. O curioso neste caso é que o STJ é um tribunal que, ao menos quando
exerce sua competência recursal especial, tem o propósito de uniformizar a
interpretação da legislação federal, ou seja, deveria adotar justamente a perspectiva
universalizante aqui defendida, ou, como se diz, olhar a floresta e não a árvore. E este
ponto foi até de certo modo reconhecido no voto da relatora, Min. Nancy Andrighi, ao
afirmar que “cinge-se a controvérsia, portanto, em saber se afirmar que alguém ‘tem
uma facilidade incrível de mentir’, em documento escrito e em público causa ou não
dano moral”. Isso poderia justamente contestar o que aqui se defende. Por outro lado, a
decisão tem eficácia inter partes, ainda que a Ministra reconheça que está considerando
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.

a questão em abstrato. E não há um meio seguro de avaliar em que medida o tribunal


efetivamente pensou com eficácia erga omnes, ainda que decidindo com eficácia inter
partes. A pergunta que deixo para reflexão é: seria o tribunal capaz de editar uma
súmula nestes termos? Teria a Corte adotado este entendimento se, tal como ocorre nos
EUA, sua decisão tivesse caráter vinculante às demais instâncias do Poder Judiciário? O
STJ considerou o impacto deste entendimento sobre os debates políticos, inclusive em
períodos eleitorais? Segurança jurídica a parir da previsibilidade das decisões judicias
não é um ônus imposto somente aos sistemas de common law, mas uma exigência de
qualquer Estado de Direito (Fuller, 1964; Tamanaha, 2004).

5. Direito de resposta como sanção preferencial

O direito de resposta poderia ser considerado um grande trunfo previsto na Constituição


para uma boa composição de danos em casos de conflito entre liberdade de expressão e
direito à honra. E até a forma como este direito encontra-se disposto no texto
constitucional poderia sugerir que esta seria a reparação mais imediata: é assegurado
direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material,
moral ou à imagem (art. 5º, V). Curiosamente, são raríssimos os casos em que a
condenação por ofensa à honra sequer “inclui” o direito de resposta. Considerando-se,
por exemplo, os 45 casos em que o STJ decidiu em favor dos direitos da personalidade
(no universo de 57 acórdãos citados acima), em absolutamente nenhum houve
condenação para assegurar o direito de resposta. O resultado poderia ser explicado pelo
fato de o direito de resposta não ser adequado em determinadas situações ou por não
terem os próprios autores requerido este direito. No universo em questão, no entanto, o
direito de resposta seria cabível em 33 dos 57 casos, mas só houve pedido em 7 deles (e
sempre de forma subsidiária).

Trata-se, na verdade, de um círculo vicioso. Os juízes não concedem porque os autores


não requerem. E os autores não requerem porque, pela ótica hegemônica, podem optar
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
problema. In: Clèmerson Merlin Clève; Alexandre Freire. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
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pelo pedido de indenização – cujos valores nunca são desprezíveis10. Ou seja, o direito
de resposta, na prática, não é considerado um direito autônomo, nem, em geral, é
“acompanhado” pelo pedido de indenização. Quando muito, aquele é que acompanha
este, numa certa inversão da leitura sugerida pelo art. 5º, V da Constituição.

De acordo com o que foi exposto nos tópicos anteriores, a lógica deveria ser outra. Em
regra, o dano à honra decorrente da liberdade de expressão deve ser suportado, já que a
possibilidade de a honra ser atingida é intrínseca à liberdade de expressão. Como
exceção, aquele que se expressa deve ser condenado a reparar o dano. Mas a
condenação deve, em regra, se limitar ao direito de resposta. E, em caráter excepcional,
incluir o direito à indenização (ou se limitar a este, quando aquele não couber ou não for
requerido)11. Em outras palavras, deve ser reconhecido o caráter de sanção preferencial
ao direito de resposta. E isso por ao menos três motivos.

O direito de resposta é a forma mais justa de o Estado assegurar o direito à honra, sem
se comprometer com o conteúdo que gerou o dano ou, mais especificamente, com a
reputação do ofendido diante de si próprio ou do meio social. Se o político A, num
debate público, diz que o político B “tem uma facilidade incrível de mentir”, não cabe
ao Estado tomar posição a respeito desta opinião de A a respeito de B, limitando-se,
quando muito (pois neste caso seria discutível), a assegurar um direito de resposta a B.
Afinal, das três, uma: ou o Estado reconhece que sequer um político (qualquer político)
pode afirmar que qualquer outro político “tem uma facilidade incrível de mentir” (como
parece ter feito o STJ no caso citado anteriormente), ou o Estado reconhece que
qualquer político pode afirmar que qualquer outro político “tem uma incrível facilidade
de mentir” (como entenderam o juiz e o Tribunal de Justiça-SC), ou o Estado vai
analisar caso a caso, avaliando se de fato o político em questão tem realmente uma

10
De acordo com relatório apresentado pela ONG Artigo 19, “em 2003, a média das indenizações
encontrava-se em trono de R$ 20.000. Em 2007 o valor médio das indenizações pulou para R$ 80.000.”
http://www.article19.org/data/files/pdfs/publications/brazil-mission-statement-port.pdf
Acesso em 20/10/2009.

11
Esta parece ser a ordem também defendida por Barroso, quando escreve que “[n]as questões
envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória
após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual
reparação do dano, quando seja o caso.” (Barroso, 2004)
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
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incrível facilidade de mentir (o que, a propósito, não poderia ser feito em Recurso
Especial). A primeira hipótese gera um risco à democracia; a última, um risco à
segurança jurídica, deixando a avaliação casuística sujeita a uma série de arbitrariedades
e subjetivismos.12

E se a honra de B foi violada pelas acusações feitas por A, quem melhor para contestá-
las do que o próprio B? O que o Estado pode e deve assegurar é a possibilidade de B
contestar as acusações – se este for o seu interesse. E de forma “proporcional ao
agravo” sofrido, como previsto no art. 5º, V da Constituição.

Ainda: o direito de resposta informa, ao contrário da indenização, que não somente nada
acrescenta ao debate público (nem tutela a honra do ofendido publicamente), como
ainda deixa o público ciente apenas das acusações lançadas pelo ofensor. Se A expõe
numa coluna de jornal sua opinião crítica sobre a conduta do juiz B no curso de um
processo judicial, sugerindo que este foi parcial no julgamento, e B move um processo
contra A, onde este é condenado a pagar uma indenização por danos morais no valor de
R$80.000,00 (oitenta mil reais) o resultado será: B terá um aumento considerável de sua
renda, A provavelmente deixará de tecer críticas aos membros de um dos Poderes da
República e o público terá razões para ao menos suspeitar que B realmente foi parcial
no processo que conduziu (já que nenhuma informação em sentido contrário foi
oferecida ao público). O direito de resposta, portanto, fomenta o debate público,
enquanto a indenização o reprime, gerando um sensível chilling effect a partir da
autocensura dos próprios cidadãos.

Além disso, o direito de resposta é um poderoso inibidor dos “abusos da liberdade de


expressão” (para usar uma expressão corrente). Afinal, uma resposta pode (dependendo
do caso, é claro) gerar um considerável descrédito para o ofensor. As indenizações
podem ser suportáveis financeiramente para um grande jornal, ou podem significar o
seu fim (como no caso do jornal da cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, ou um simples

12
Para um estudo sobre arbitrariedades e subjetivismos a que estão sujeitos os juízes, v. Brando (2013) e
Tavares (2013).
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constitucional: análise, crítica e contribuições. 1ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. , p. 395-
408.

blog), gerando de todo modo um chilling effect, em diferentes níveis; já o direito de


resposta, efetivamente proporcional ao agravo, mantém o veículo informativo, mas
permite que o público leitor questione a sua credibilidade.

6. Conclusão

Nem mesmo a mais civilista das abordagens ignora que a liberdade de expressão é
essencial à democracia. Mas defender a liberdade de expressão é aceitar as suas
consequências, e é neste ponto que o pensamento jurídico brasileiro parece vacilar. De
nada adianta enaltecer o valor da liberdade de expressão (como em geral fazem os
magistrados de forma preambular em suas decisões) se qualquer dano à honra, que já
deveria ser esperado, é logo reconhecido como um limite àquele direito. A facilidade
com a qual um dano sofrido por conta de ofensas é considerado um limite à liberdade de
expressão coloca em dúvida a importância da liberdade de expressão e, por fim, a
concepção que se tem de democracia.

Democracia pressupõe conflito – de opiniões, de visão de mundo, de ideologia – e este


deve ser enfrentado no meio social e não simplesmente anulado pelo Poder Público. A
suposta harmonização, a partir de uma ideia de máxima efetividade dos direitos em
conflito, não funciona neste caso. Apenas camufla uma realidade que vai sendo
construída aos poucos, onde os cidadãos, por receio ou insegurança, sentem-se
impedidos de manifestar publicamente a sua opinião.

As diretrizes aqui propostas foram apresentadas numa sequência que considerei a mais
adequada para o argumento pretendido, e não numa ordem de importância. Mas, em
sede de conclusão, destaco a proposta de “decidir estes conflitos com eficácia inter
partes, mas com uma perspectiva erga omnes” como a mais relevante (e talvez a mais
urgente), por entender que as demais surgiriam como decorrência. Adotar uma
perspectiva universalista, onde o direito aplicado num caso deveria valer para todas as
situações semelhantes, impõe ao julgador um ônus (desagradável, mas necessário) de
considerar aspectos que num caso concreto e isolado têm sua relevância diminuída.
LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Expressão e Direito à honra: novas diretrizes para um velho
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408.

Defendo que a perspectiva universalista altera radicalmente o valor atribuído aos


direitos em conflito porque obriga o julgador a avaliar (ou avaliar melhor) em que
medida um conteúdo efetivamente deve ser totalmente excluído do debate público (o
que é uma responsabilidade considerável a ser assumida) e em que medida certos danos
devem ser compreendidos como inevitáveis em qualquer sociedade que se pretenda
pluralista.

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