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DIREITO

CONSTITUCIONAL
Aula 15
Liberdade de expressão

Professor
Luís Henrique Linhares Zouein

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Introdução: conceito, pressupostos e fundamentos.

A liberdade de expressão é um direito absoluto?


Esse material será basicamente de casos concretos. Um pouquinho de teoria,
mais a análise casos concretos, para entender a dogmática da liberdade de expressão.
Definitivamente a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Vimos,
inclusive, que a relatividade é uma das características dos direitos fundamentais e, nem
mesmo o direito à vida, é absoluto.
Vamos começar por um conceito. O que é liberdade de expressão? Eu gosto
desse conceito do Bernardo Gonçalves.
“Por liberdade de pensamento e de manifestação entendemos a
tutela (proteção) constitucional a toda mensagem passível de
comunicação, assim como toda opinião, convicção, comentário,
avaliação ou julgamento sobre qualquer temática, seja essa
relevante ou não aos olhos do interesse público, ou mesmo dotada
– ou não, de valor. Por isso mesmo, não é apenas a transmissão
da mensagem falada ou escrita que encontra proteção
constitucional, como ainda a mensagem veiculada por meio de
gestos e expressões corporais.”

Percebam, portanto, a amplitude da liberdade de expressão, que não


abrange apenas a linguagem falada ou escrita. Tanto é assim que, em 2016, o STF
entendeu pela inconstitucionalidade e pela ilegalidade da vedação, em editais, da
aprovação de candidatos com tatuagem. Isso era muito comum em concursos para
carreiras militares ou policiais. Edital, e nem mesmo lei, pode vedar o ingresso de
indivíduos na carreira pública, única e exclusivamente, porque têm tatuagem, salvo se
essa tatuagem for incompatível com os valore constitucionais. Imaginem um símbolo
nazifascista no antebraço. E, um dos fundamentos do ministro relator, Luís Fux, na
oportunidade foi justamente que a tatuagem é um mecanismo de exercício da liberdade
de expressão.

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Caso Gerald Thomas:
Também no STF tem um caso curioso, o caso Gerald Thomas, julgado em
2004. Gerald Thomas era um famoso diretor de teatro, e na estreia de uma de suas peças
foi vaiado pelo público. Ao ser vaiado, baixou a calça e mostrou as nádegas. Ele foi
processado por ato obsceno. A questão chegou por meio de HC ao STF, que entendeu
pela atipicidade da conduta, que estaria protegida pela liberdade de expressão, à luz
daquele contexto.
Aquela peça teatral que estreava naquela noite, era uma peça que tinha cenas
de simulação de sexo, por isso mesmo, apenas para maiores de 18 anos, que começou
meia-noite e se deu na madrugada. Então o público era adulto, numa peça que tinha cenas
de sexo, na madrugada. E me parece que ele não foi apenas vaiado, ele foi muito xingado.
Como resposta, mostrou as nádegas. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que não se
tratava de ato obsceno, poderia ser um exercício ilegítimo, mas não criminoso, da sua
liberdade de expressão. Então, mostrar as nádegas está abrangido pela liberdade de
expressão, a depender do contexto.

Limites à liberdade de expressão:


Todavia a liberdade de expressão, definitivamente, não é um direito absoluto.
Essa encontra limites na moral, mas também na ordem jurídica. Para trabalhar os limites
da liberdade de expressão, que eu quero apresentar desde já, trago dois vetores: o
argumento humanista e o argumento democrático. A liberdade de expressão é um bem
da vida, é um direito fundamental. Mas ela tem uma forte carga instrumental, porque é
pressuposto para o exercício de outros tantos direitos.
Quando eu falo em argumento humanista, eu afirmo que a liberdade de
expressão é pressuposto para a formação da personalidade do indivíduo. Porque é
somente por meio da liberdade de expressão que o indivíduo interage com o mundo e
pode externalizar sua personalidade já existente – pode apresentar para o mundo quem
ele é –, ademais, é por meio do contato da liberdade de expressão dos demais que ele tem
acesso a novos conteúdos, que constantemente formam e ressignificam a sua própria
personalidade.
Percebam, portanto, que o exercício da liberdade de expressão numa
dimensão individual e numa dimensão social é pressuposto para a formação da

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personalidade do indivíduo, por isso integrante de um núcleo importante da dignidade
da pessoa humana. Sendo assim, a liberdade de expressão merece especial proteção e,
também porque tem uma carga instrumental, argumento humanista, quando ela é
utilizada, instrumentalizada para atentar, justamente, contra a dignidade humana de
outrem, ela pode esbarrar em barreiras, em restrições morais e também jurídicas.
Da mesma forma, a liberdade de expressão é um pressuposto para a
democracia, o que eu chamo de argumento democrático. Somente por meio da desta
são exercidas as mais diversas manifestações dos direitos políticos. E só há democracia
com autonomia para o exercício dos direitos políticos, o que abrange, por exemplo, o
direito à crítica, por mais ácida que seja.

Caso Daniel Silveira:


Por isso mesmo, diante dessa carga instrumental – argumento democrático –
a liberdade de expressão tende a encontrar restrições quando ela é utilizada justamente
contra a própria democracia. Se o argumento humanista traz limites à liberdade de
expressão, que vão levar aos limites do discurso de ódio, o argumento democrático nos
conduz, desde já, ao caso Daniel Silveira.
Eu não vou avançar no mérito da sentença penal condenatória, tampouco da
questão da graça, ou sua possibilidade de controle pelo órgão judiciário. Mas o que eu
quero defender aqui é que a liberdade de expressão e as imunidades parlamentares não
são absolutas. Daniel Silveira, em mais de uma oportunidade, mas especificamente em
um vídeo no Youtube, ameaçou ministros do STF, única e exclusivamente no exercício
da jurisdição; atentou contra a Corte das mais diversas formas; defendeu AI-5 e a ditadura
civil-militar – manifestações que claramente atentam contra a democracia liberal nos
moldes que nós conhecemos, que tem suas mazelas, mas é o melhor modelo que nós
temos. Ao se comportar dessa maneira, de forma sistemática, Daniel Silveira,
definitivamente, não estava abrangido pela liberdade de expressão. E, por isso, é sim
possível defender que suas condutas são típicas, ilícitas e culpáveis. Justamente porque
este vetor democrático serve como delimitação desse espaço legítimo da liberdade de
expressão.
Mas a liberdade de expressão não é absoluta e nem um direito
hierarquicamente superior aos demais, apesar de ter uma especial relevância para o STF.

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Por isso se fala que ela tem preferência condicionada em relação aos demais direitos. O
ônus argumentativo de quem restringir a liberdade de expressão é maior que aquele que
quer restringir outros direitos fundamentais.
Onde a liberdade de expressão está na Constituição brasileira? Art. 5º, IV e
IX e art. 220, inclusive seu §2º, que dispõe:
§ 2º: É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.

Mas a liberdade de expressão não está apenas consagrada na Constituição,


também está nos mais diversos tratados de direitos humanos que o Brasil é signatário. O
dispositivo que mais de perto nos vincula é o art., 13 da CADH:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber
e difundir informações e idéias de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de
sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode
estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores,
que devem ser expressamente fixadas
pela lei e ser necessárias para assegurar:

Os artigos 19 e 22 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,


também são bem relevantes e de leitura absolutamente recomendável.

1. Censura

Não há como se falar de liberdade de expressão sem falar sobre censura.


Aquela pergunta da prova oral que eu trouxe para aos senhores, vai ser o vetor de toda a
aula, porque os vetores sobre liberdade de expressão são, justamente, sobre seu sentido,

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seu alcance e a possibilidade de imposição de restrições por fatores externos à liberdade
de expressão.

Restrição à liberdade de expressão vs. censura:


Não é toda e qualquer restrição à liberdade de expressão que deve ser tida
como censura. Aliás, restrição à liberdade de expressão e censura são conceitos que não
se confundem. Na aula sobre teoria geral dos direitos fundamentais, vimos os debates
sobre teoria interna e externa, teria absoluta e teoria relativa, quando analisamos o sentido
e alcance dos direitos fundamentais como um todo, bem como especificamente com
relação ao núcleo essencial de cada um deles. E vimos que a teoria interna e a teoria
relativa são as únicas teorias compatíveis com os princípios de Alexy, dominantes no
Brasil e na jurisprudência do STF.
Restrição à liberdade de expressão significa uma intervenção legítima sobre
o direito fundamental liberdade de expressão, em momentos em que há necessidade
de ponderá-la com outros valores ou princípios igualmente constitucionais e
fundamentais.
Já a censura significa uma intervenção ilegítima sobre a liberdade de
expressão, porque desproporcional, atingindo, assim, seu núcleo essencial, que só pode
ser identificado à luz do caso concreto.

Censura estatal vs. censura privada. O caso das biografias e a posição do STF:
Quando falamos em censura, essa intenção ilegítima sobre a liberdade de
expressão porque desproporcional, pensamos sempre no comportamento estatal. Em
regra, a censura, de fato, é estatal. Mas a censura pode ser eventualmente privada. E isso
foi reconhecido pelo STF no informativo 789, oportunidade em que o STF, mudando
entendimento, entendeu que não é necessária a autorização prévia do biografado ou
de seus familiares, e que a exigência dessa autorização previa implicava em uma censura
privada.
E mais, quando a gente fala em censura, geralmente a gente associa a uma
censura prévia. O impedimento prévio de que determinados atos comunicativos sejam
proferidos, exercidos: a vedação à publicação de uma matéria jornalista ou de um livro,
ou vedação à um discurso.

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Mas a censura também pode ser posterior. Percebam, portanto, que o
conceito de censura não se confunde com o fato de ser estatal ou privada, prévia ou
posterior, mas sim o fato de a interação ser ilegítima, porque irrazoável e
desproporcional. Mas a censura prévia, leia-se uma restrição, desde que legítima sobre
a liberdade de expressão, é sim possível.
É esse o entendimento da doutrina e de boa parte da jurisprudência, desde que
excepcional. Quando se sabe que vai ser publicado um livro ou uma matéria jornalística
que defende o genocídio de um povo ou a escravidão de uma raça, isso pode ser
previamente impedido, sem que seja caracterizado como censura, mas sim como uma
restrição à liberdade de expressão prévia.
Em regra, contudo, a liberdade de expressão não pode ser cerceada
previamente. Em regra, o que deve ser feito é punição posterior no caso de exercício
ilegítimo. “Como regra, a medida própria para a reparação de eventual abuso da
liberdade de expressão é o direito de resposta ou a responsabilização civil, e não a
supressão de texto jornalístico por meio de liminar.”

O direito ao esquecimento e a posição do STF:


Foi justamente nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal enfrentou a
questão do direito ao esquecimento. O direito ao esquecimento era um direito reconhecido
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e tinha, inclusive, enunciado do CJF,
o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil da CJF. Na oportunidade, em 2021, o
STF entendeu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito
ao esquecimento, de tal forma que, eventuais excessos, em regra, devem ser reprimidos
posteriormente e não de forma prévia.
A manifestação do STF é polêmica e controvertida. Eu confesso que não
tenho opinião formada, mas foi por esmagadora maioria.

Caso “A Última Tentação de Cristo”:


Quando a gente fala de censura e de liberdade de expressão, o precedente
mais importante da Corte IDH é o caso a Última Tentação de Cristo (Olmedo Bustos e
outros vs Chile). É o grande leading case do assunto no âmbito do sistema interamericano.

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O filme a Última Tentação de Cristo trazia uma releitura da história de Jesus
Cristo, um filme que foi transmitido em todo o mundo na década de 1990 e seria também
no Chile. Mas, uma instituição religiosa, provocou um órgão administrativo então
existente e, com base num dispositivo da Constituição chilena, uma norma constitucional
originária, requereu a não exibição daquele filme do Chile, porque aquela releitura da
história de Jesus Cristo violaria a dignidade do cristianismo, o que foi acolhido por esse
órgão administrativo chileno. A questão chegou até a Suprema Corte Chilena e a censura
foi mantida. Censura porque ilegítima. A questão chegou ao sistema interamericano de
direito humanos e foi decidido pela Corte Interamericana.
Lá na aula sobre poder constituinte, nós falamos sobre esse assunto e nós
mencionamos que, nesse precedente, a Corte IDH reconheceu que ela pode realizar o
controle de convencionalidade internacional, inclusive das normas constitucionais
originárias, o que fortalece a corrente que defende que o poder constituinte originário não
é tão absoluto assim, como se dizia antigamente. Isso porque diante dos sistemas
internacionais de proteção dos direitos humanos, qualquer norma interna,
independentemente da hierarquia, é um mero fato. E a censura se deu com base num
dispositivo originário da Constituição chilena, a então Constituição de Pinochet.
Mas, para além disso, o caso a Última Tentação de Cristo é o grande leading
case sobre liberdade de expressão no âmbito da Corte IDH e de interpretação do art. 13,
em que se reconheceu a importância da liberdade de expressão para as democracias.
E o grande ‘bizu’ dessa manifestação da Corte foi o reconhecimento de que a liberdade
de expressão tem uma dupla dimensão: uma dimensão individual e uma dimensão
social. Ela não abrange apenas o direito do indivíduo se expressar (dimensão individual),
mas há também uma dimensão social, em que se reconhece o direito de buscar e de
disseminar informações. Por isso, a liberdade de expressão é tão importante e, por isso,
ilegítima a censura realizada pelo Estado chileno, corroborada pela sua mais importante
Corte.

Censura indireta:
Além disso, a censura não é apenas direta. Ela não implica apenas na
proibição da publicação de uma matéria jornalística ou do recolhimento de livros

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publicados. A censura mais comum, inclusive, é a censura indireta. E, aqui, trago uma
passagem do professor André de Carvalho Ramos:
“Outra espécie de censura que pode existir é a censura indireta,
que consiste no uso desproporcional de sanções cíveis e penais
na defesa do direito à honra supostamente atingido, bem como na
inércia no combate a ataques a jornalistas ou meios de
comunicação, com o propósito de desestimular o gozo da
liberdade de expressão. A censura indireta é uma forma sutil de
censura, pois aparentemente o Estado admite a liberdade de
expressão, mas possibilita a imposição de pesadas sanções
associadas ao seu exercício (por exemplo fixação judicial ou
administrativa de altíssimas somas referentes a supostos danos
morais por críticas a autoridades públicas) ou ainda admite
passivamente a impunidade dos autores de ataques a jornalistas
(investigações policiais inoperantes, casos não solucionados etc.),
gerando pernicioso efeito inibidor e autocensura. A Corte IDH
entende que a censura indireta também é proibida pela Convenção
Americana de Direitos Humanos, devendo o Estado impedir a
aplicação de sanções desproporcionais ou excessivas que gerem
esse tipo de efeito”.1

A censura direta está fora de moda, porque ela é muito autoritária. Hoje, a
censura indireta é, cada vez mais, recorrente e sua manifestação mais comum é por meio
do abuso do uso de ações judiciais. Políticos, quando têm a sua vida expostas por
jornalistas, a maior parte das vezes em posições legítimas, porque submetidos ao crivo
dos seus eleitores, processam esses jornalistas, requerendo montes milionários. Hoje em
dia, o STF tem coibido esse tipo de comportamento, mas evidentemente isso gera um
receio e um efeito inibidor sobre a liberdade de imprensa.

Caso Fontevecchia e D’amico vs. Argentina:

1 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 701.

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Aliás, sobre o assunto, um caso muito importante também da Corte IDH é o
Caso Fontevecchia e D’amico vs. Argentina, um caso expresso nos últimos dois editais
da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Em síntese, jornalistas argentinos publicaram duas matérias sobre a vida
privada do então presidente da Argentina, trazendo uma relação extraconjugal com uma
deputada, inclusive, tendo um filho com ela, decorrente dessa relação extraconjugal. Mas,
para além disso, havia a narrativa de atos imorais ou mesmo atos ilegais decorrentes dessa
relação extraconjugal e desse filho então não conhecido da maior parte da população. O
então presidente da República da Argentina processou esses jornalistas, pedindo
condenações milionárias em danos morais, por suposta violação à honra, intimidade e
privacidade, e essas condenações foram mantidas, inclusive, pela Corte Constitucional
argentina.
Em decorrência disso, o caso chegou à Corte IDH que entendeu pela
prevalência da liberdade de expressão e de imprensa e pela inconvencionalidade da
decisão dada pelo poder judiciário argentino, com alguns fundamentos. Um critério
importante utilizado pela Corte Interamericana de Direito Humanos é a diferente
condição de proteção de funcionários públicos, especialmente aqueles que são eleitos
popularmente com relação aos demais cidadãos. A honra, a privacidade, a intimidade de
funcionários públicos têm um peso menor que a dos demais cidadãos, ainda mais se esse
funcionário público exerce mandato eletivo, justamente (segundo critério utilizado pela
Corte), porque o interesse público de suas ações faz com que eles fiquem mais expostos
ao escrutínio da sociedade. O STF tem um critério semelhante.
Portanto, para além da condenação, que por si só já foi ilegítima, o montante
a que foram condenados esses jornalistas, indenizações milionárias, gera uma censura
indireta, porque tem como finalidade coibir que aqueles mesmos jornalistas, ou outros
jornalistas, exerçam, de forma legítima, a sua profissão tão importante para o regime
democrático.

2. Discurso de ódio:

Noutro giro, o que mais cai em concursos público envolvendo liberdade de


expressão é justamente a questão do discurso de ódio. Trago um conceito, novamente, de

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André de Carvalho Ramos. Para o autor, discurso de ódio (hate speech) “consiste na
manifestação de valores discriminatórios, que ferem a igualdade, ou de incitamento à
discriminação, violência ou a outros atos de violação de direitos de outrem.”

O discurso de ódio nos Estados Unidos:


Nos EUA, o discurso de ódio é tolerado. A liberdade de expressão é um
direito quase absoluto, lá é possível defender o genocídio dos judeus ou escravidão da
população negra, desde que isso não implique em fighting words, ou seja, numa violência
imediata. Não é possível falar: “matem aquele neguinho, matem aquele judeu”. Mas é
possível defender a supremacia branca ou defender o holocausto. No Brasil, não é assim
que a banda toca.
Nós fomos muito influenciados pela Alemanha, que reconhece um direito à
liberdade de expressão responsável. E é essa a posição prevalecente na doutrina e na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
E, aqui, o nosso grande vetor, foi o que eu mencionei no começo do material,
o que eu chamo de argumento humanista. Se a liberdade de expressão é pressuposto
para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo e um dos elementos mais
importantes da dignidade humana, diante dessa intensa carga instrumental, ela não pode
ser instrumentalizada, justamente, para negar a dignidade de outro indivíduo ou de um
grupo de indivíduos. E, aliás, o art. 13 da CADH é expresso ao vedar o discurso de ódio.
A convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe no art. 13.5 que “a
lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio
nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao
crime ou à violência”. Mais um argumento importante que deve aparecer em questões
que evolverem o discurso de ódio.

Caso Ellwanger:
E o grande precedente sobre o assunto no âmbito do STF é o caso Ellwanger,
um indivíduo do Sul, que realizada discursos e publicações antissemitas, atribuindo
qualidades negativas ao povo judeu, que têm uma identidade de povo, bem como negando
o holocausto. Por conta disso, foi processado criminalmente e a questão chegou STF por
meio de HC, que reconheceu que a liberdade de expressão não é um direito absoluto,

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encontra limites morais e jurídicos. A liberdade de expressão deve ser exercida de forma
harmônica com os demais direitos fundamentais e os demais valores consagrados na
constituição, que definitivamente não consagra um direito ao racismo. Nesse caso, deve
prevalecer a dignidade da pessoa humana, em detrimento da liberdade de expressão.
Ellwanger foi processado e condenado.

Caso Jonas Abib:


Neste ponto, atenção! Em 2016 fez informativo um caso chamado Jonas
Abib, que para o STF prevaleceu a liberdade de expressão religiosa.
Jonas Abibi, um padre da Bahia, escreveu um livro em que ele criticava de
forma muito severa as religiões afrodescendentes; defendia a superioridade do
cristianismo, do catolicismo, inferiorizava as religiões de matriz afrodescendente,
defendendo que os cristãos deveriam salvar a alma desses inocentes e perdidos, adeptos
dessas religiões afrodescendentes. Ele foi processado por racismo e, uma vez mais, a
questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu um distinguish com o
caso Ellwanger. No caso Ellwanger haveria uma hierarquização de vidas, defendendo a
superioridade de determinados indivíduos, em detrimento de outros. Já no caso Jonas
Abib, por mais prepotente e imoral que seu discurso seja, ele hierarquizou
essencialmente as religiões e não os indivíduos. Por isso, diante da importância da
liberdade expressão, e aqui associada à liberdade religiosa e a faceta do proselitismo,
de convencer os demais que a sua religião é melhor que as demais, entendeu o STF pela
atipicidade da conduta de Jonas Abib.

Caso Bienal do Livro:


Pra gente fechar, eu quero falar sobre o caso Bienal do Livro. A polêmica
decorreu de uma revista em quadrinho da série dos Vingadores. Em 2019, como acontece
quase todos os anos, foi realizada no Rio de Janeiro, a Bienal do Livro, um evento
internacional importantíssimo.
Uma das obras lá divulgadas e comercializadas foi a revista dos Vingadores,
exibida de forma aberta, em que aparecia um beijo gay entre dois jovens, entre dois
homens. O então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, determinou que

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a Guarda Municipal fosse ao evento e apreendesse todas as unidades desse livro, porque
essa exibição seria, supostamente, ilegal.
Qual foi o fundamento da controvérsia? O fundamento da controvérsia e, com
base nesses dispositivos, agiu o prefeito Marcelo Crivella, seriam os arts. 78 e 79 do ECA,
que dispõem o seguinte:
Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas
em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que
contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam
protegidas com embalagem opaca.
Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-
juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas,
crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e
munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa
e da família.

Foi com base nesse entendimento que o então prefeito Marcelo Crivella
determinou a apreensão de todos os gibis que estavam em exibição no evento. A Bienal
do Livro foi ao poder judiciário e impetrou Mandado de Segurança no Tribunal,
lembrando que prefeito de Capital tem foro por prerrogativa de função também no MS,
sendo deferida a liminar pelo desembargador a que foi distribuído o MS, de forma
favorável à liberdade de expressão, reconhecendo que a conduta da prefeitura era
ilegítima e caraterizadora de censura.
Contudo a presidência do Tribunal de Justiça suspendeu a liminar, mantendo,
assim, a censura e confirmando a possibilidade da prefeitura de recolher aqueles gibis. A
questão chegou ao STF por duas vias: a DPERJ por meio de Reclamação e a Procuradoria
Geral da República por meio da suspensão da liminar, que foi distribuída para o então
presidente do STF, Ministro Dias Toffoli.
A DPERJ, na sua Reclamação defendeu que um beijo entre pessoas do mesmo
sexo, do mesmo gênero, não pode ser considerado algo pornográfico, impróprio ou
inadequado, sob pena de discriminação. Se um beijo hetero podia ser exibido, da mesma

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forma, um beijo homo, também poderia ser, sob pena de discriminação. O único critério
para considerar aquilo inadequado ou pornográfico é a homoafetividade daquele beijo
exigido, o que não pode ser tolerado.
A Reclamação nem chegou a ser enfrentada, porque antes, o Ministro Dias
Toffoli enfrentou a suspensão da liminar ajuizada pela PGR, a Suspensão da Liminar
1.248.
Em síntese, além de tudo que a gente está vendo aqui sobre importância da
liberdade de expressão e os direitos da população LGBTQI+, reconhece que sob a
pretensa proteção da criança e do adolescente, se pôs o Município e mesmo o poder
judiciário fluminense, na armadilha sutil, da distinção entre proteção e preconceito. E o
comportamento do Rio de Janeiro e da presidência do TJ foi de censura e preconceito em
face da comunidade LGBTQI+.

Caso Porta dos Fundos:


Quero falar agora do Caso Porta dos Fundos. É um curta, que foi lançado no
final de 2019, nessa plataforma de streaming. Jesus é homossexual, Maria é uma
depravada. Realmente é ofensivo e muito sem graça, pelo menos na minha análise que
não é de profundo conhecedor. É constrangedor. Gerou muita polêmica à época. Inclusive
uma associação cristã ajuizou uma Ação Civil Pública, no Estado do Rio de Janeiro, em
primeiro grau, requerendo liminarmente a suspensão da exibição desse filme do Porta dos
Fundos na plataforma Netflix.
A juíza de primeira instância do TJRJ indeferiu a liminar, numa decisão
monocrática primorosa. A juíza de primeiro grau reconhece, já no começo da decisão,
que há um conflito nesse caso concreto, entre a liberdade de expressão e artística de um
lado, e a liberdade religiosa, no viés dignidade da religião do outro.
De fato, essa dignidade é restringida com a publicação desse filme. E que,
definitivamente, reconhece ela (segunda etapa argumentativa), a liberdade de expressão
não é um direito absoluto e que admite restrição, mas (terceira etapa argumentativa) essas
restrições devem ser excepcionais e somente podem se dar nos casos de discursos de
ódio flagrante. Em zonas cinzentas, deve prevalecer a liberdade de expressão e a
liberdade artística. E, o caso, definitivamente, não era o caso de discurso de ódio. Isso
porque (quarta etapa argumentativa), justamente a liberdade de expressão é um

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pressuposto para a democracia. Por isso ela tem essa preferência condicionada, uma
primazia prima facie. Sem falar que, “juiz não é crítico de arte e, conforme já restou
assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor,
da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”.
Se o humor é infeliz, se é constrangedor, se é ruim, não cabe ao poder
judiciário fazer a análise. Mas a sacada dela, como sexta etapa argumentativa, para mim
foi brilhante. O filme não foi exibido numa sessão da tarde, na rede globo. O filme estava
numa plataforma de streaming, assina quem quer, assiste quem quer. Nessa ponderação
entre a liberdade de expressão e artística e a liberdade religiosa, que é a dignidade do
cristianismo, a modalidade de exibição também contribui nessa balança pela
preponderância da liberdade de expressão e artística.
Foi interposto um recurso e o desembargador do TJRJ determinou a
suspensão da exibição do filme, prevalecendo no discurso do desembargador a liberdade
religiosa, em detrimento da liberdade de expressão.
Uma vez mais o caso chegou ao STF, por meio da Reclamação 38.782, em
mais uma decisão curta do Ministro Dias Toffoli, em que ele, em boa medida, reproduz a
argumentação da magistrada, que era uma argumentação muito sólida, e vai além. Traz
dois principais pontos que eu quero ler com vocês. Uma síntese em dois parágrafos:
1. o “direito fundamental à liberdade de expressão não se
direciona somente a proteger as opiniões supostamente
verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas
que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas,
humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias”.
2. “Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim
como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela).
Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o
condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede
há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da
maioria dos cidadãos brasileiros.”

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Determinou, portanto, a possibilidade de exibição do filme. Decisão
monocrática que foi corroborada pela 2ª Turma do STF e publicada no final de 2020 no
informativo 998.
Não é demais lembrar que a sede do Porta dos Fundos foi alvo de um atentado
terroristas, no final de 2019, em decorrência da exibição desse curta.

3. Marcha da Maconha:

Ainda sobre o assunto, é importante falar aqui da Marcha da Maconha.


Marcha da Maconha consiste em manifestação, portanto exercício do direito
de reunião, quanto da liberdade de expressão que, em síntese, defende a
descriminalização do uso e, eventualmente, do próprio comércio.
O problema é que durante muito tempo essas marchas foram reprimidas com
base em alguns dispositivos penais. O art. 286 do Código Penal traz incitação ao crime.
Já o art. 287 traz a apologia de crime ou de ato criminoso. Mais especificamente na Lei
de Drogas, o art. 32, § 2º diz que é crime “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
indevido de droga”
A verdade é que essas marchas eram reunidas e que a Polícia Militar prendia
em flagrante as suas lideranças. E a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. Estou
com Marcelo Novelino quando ele estabelece uma distinção muito importante em sua
obra. Uma coisa é apologia à uma conduta criminosa, defender o tráfico, defender um
traficante perigoso. Outra coisa é, nos espaços públicos, defender a descriminalização de
uma conduta, como o uso e o comércio da maconha, ou mesmo do aborto. E, defender a
descriminalização de uma conduta, definitivamente, não pode ser tida como um fato
típico. Pelo contrário, é manifestação de um livre mercado de ideias.
A questão chegou ao Supremo por meio de duas ações: uma ADPF e uma
ADI, de relatorias do Ministro Celso de Mello e Ayres Brito, dois dos maiores da nossa
história. Eles entenderam pela constitucionalidade da Marcha da Maconha e a
inconstitucionalidade da sua repressão. Diversos argumentos:
1. Liberdade de expressão é um pressuposto para a democracia;
2. Isso abrange o direito à crítica e o direito ao protesto;

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3. Defender a descriminalização de uma conduta não se confunde
com apologia;
4. A liberdade de expressão, em regra, é protegida, mesmo que as
ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas,
insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis.

Diante desses argumentos, esses dispositivos penais que eu mencionei devem


receber interpretação conforme a Constituição, realizando um recorte sobre a sua
hipótese de incidência; eles não abrangem as denominadas Marchas da Maconha, que são
legítimas.
Mas se o indivíduo está fumando maconha na Marcha da Maconha, ele pode
ser conduzido à delegacia e responder pelo art. 28? A princípio, pode. Se o indivíduo está
comercializando maconha na Marcha da Maconha, ele pode ser preso? Pode.

4. Desacato:

Outro tema bom para cair em concursos públicos são os debates sobre
desacato, o art. 331 do CP. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tem
posição consolidada, há décadas, pela inconvencionalidade, porque violadora do art. 13
da CADH, das leis de desacato. Portanto, tipos penais nos países signatários da CADH
que criminalizam essa conduta de forma muito específica: a ofensa em desfavor de agente
público. Isso porque, os agentes públicos estão submetidos a um maior escrutínio da
sociedade, bem como a sua utilização serve para desestimular o exercício legítimo do
direito à crítica.

A posição inicial do STJ:


O STJ, em 2016, chegou a acolher a posição da Comissão IDH em sede de
Recurso Especial na 5ª Turma. O STJ, na oportunidade, se filiou à posição
expressamente da Comissão IDH, reconhecendo que o crime de desacato implica numa
proteção mais intensa da honra do Estado e do servidor público do que dos cidadãos
em geral, o que seria ilegítimo e na contramão do humanismo. Bem como o crime de
desacato é utilizado, sistematicamente, para inibir a crítica legítima dos cidadãos,

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gerando um medo da sanção e, por consequência, um efeito inibidor, resfriador da
liberdade de expressão por meio de censuras indiretas. Sem falar que o reconhecimento
da inconvencionalidade do crime de desacato não impede que o indivíduo, caso abuse da
liberdade de expressão seja punido. Imaginem um indivíduo, embriagado, em uma blitz,
chama um policial militar de macaco. Ele pode, e deve, ser responsabilizado
criminalmente por uma injúria racial, da mesma forma que seria se a ofensa fosse
proferida em desfavor de um cidadão qualquer.

Posição atual da 3ª Seção do STJ e do STF:


Foi instaurada divergência entre a 5ª Turma e a 6ª Turma do STJ. Por isso, o
tema foi para a 3ª Seção, para informar o entendimento da Corte, bem como a questão foi
levada ao STF, e na oportunidade, posteriormente, tanto a 3ª Seção do STJ quanto o
próprio Supremo, se manifestaram pela constitucionalidade e pela convencionalidade
do crime de desacato. Por isso, em provas de direito constitucional ou em provas de
direito penal, há uma tendência em defender a constitucionalidade e a convencionalidade
do desacato, salvo em provas de Defensoria Pública. Se os senhores estiverem em favor
do imputado, ou provas de DH de outras carreiras, como do MPF, se o seu examinador
tiver uma forte influência do sistema interamericano.
O argumento nº 1 do STJ e do STF é que as manifestações da Comissão
IDH não seriam vinculantes. E, de fato, a Comissão não é órgão jurisdicional. É um
órgão quase jurisdicional ou órgão administrativo. É como se fosse um Ministério Público
do sistema interamericano. O meu orientador no mestrado, Siddharta Legale, chama a
Comissão IDH de MP Interamericano.
A Corte IDH é que é órgão jurisdicional; é o tribunal do nosso sistema. Por
isso, as manifestações da CIDH não seriam vinculantes.
Segundo argumento. A manifestação da Corte pode até ser vinculante, mas
ela não possui nenhum precedente que, de forma genérica e abstrata, defende a
inconvencionalidade do crime de desacato, o que também é verdade. O caso Palamare
Iribarne vs. Chile, enfrentando pela Corte IDH envolve o crime de desacato. E, de fato,
a Corte se manifestou pela inconvencionalidade em concreto, porque naquele caso
concreto o crime de desacato foi utilizado como forma de censurar o direito à crítica do
Senhor Palamare Iribarne. Mas a Corte Interamericana jamais, em abstrato, disse que a

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criminalização dessa conduta é inconvencional. Assim como a própria Corte
Interamericana reconhece que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. E mais,
tipificar de forma específica o desacato, desgarrado dos demais crimes contra a honra,
estaria, defenderam alguns ministros, dentro da margem de apreciação nacional, de tal
forma que o sistema interamericano garantiria alguma liberdade aos países signatários.
Eu tenho uma tendência a defender a inconvencionalidade do crime de
desacato, sobretudo porque defende ou protege com penas mais severas a honra do
servidor público, em detrimento da honra dos demais cidadãos. Sem falar da carga
autoritária que o crime de desacato traz numa América Latina, historicamente permeada
pelo autoritarismo.

5. Manifestações políticas em instituições de ensino superior e as eleições


de 2018:

Outro caso muito importante que chegou ao STF em 2018, decorreu de


manifestações políticas e eleitorais em universidades públicas, mas também privadas,
durante as eleições de 2018 e o comportamento do poder judiciário e das polícias de
invadir essas universidades púbicas. Muitas universidades colocaram bandeiras, como
“Direito UFF - antifascista” fazendo referência ao então candidato, hoje, presidente da
República.
Manifestações análogas, debates em salas de aula, ou fora delas, ocorreram
no período eleitoral e muitas decisões da justiça eleitoral, e muitos policiais invadiram
essas universidades públicas ou privadas, recolhendo esses materiais, recolhendo essas
bandeiras, mas também interrompendo palestras, interrompendo aulas, conduzindo
alunos e professores para a delegacia, tudo com base no art. 37 da Lei Geral das Eleições
que dispõe o seguinte:
Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do
poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum,
inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego,
viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros
equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de
qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e

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exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e
assemelhados.

Com base nesse fundamento, sobretudo em universidades públicas, esse


comportamento foi adotado, parte pela polícia, parte pelo poder judiciário eleitoral. A
questão chegou ao STF por meio de ADPF, incialmente por meio de uma decisão
monocrática da Ministra Carmen Lúcia e depois corroborada por unanimidade da Corte,
que defendeu a ilegitimidade dessas decisões judiciais e desse comportamento da
polícia.
O primeiro argumento, claro, é o argumento democrático, que é o vetor
desse material. A liberdade de expressão é um pressuposto para a democracia, mas,
sobretudo, o art. 37 deve receber uma interpretação teleológica, à luz dos princípios
constitucionais. A sua finalidade é coibir o abuso do poder econômico, o abuso do poder
político. E aqui são movimento espontâneos de alunos, de professores que,
definitivamente, não são caracterizados de abuso do poder econômico e político. Sem
falar que essas decisões judiciais e esse comportamento por parte da polícia violava a
autonomia universitária, seja com o próprio ingresso, seja por meio da interrupção de
aulas e de palestras e, aí sim, é absolutamente inadmissível.
Para a Ministra Carmen Lúcia, as universidades devem ser tidas como um
espaço de liberdade e de libertação pessoal e política, então o indivíduo pode e deve
se manifestar. A divergência deve ser tolerada. Convenhamos, polícia não só pode como
deve entrar na universidade, mas para estudar e não para coibir espaços legítimos, ainda
que em período eleitoral.

6. O caso Lollapalooza e a decisão do TSE:

Chegamos ao penúltimo tema que enfrentaremos nesse material. No final do


mês de maço, começo do mês de abril de 2022, muito se falou sobre o caso Lollapalooza
e as repercussões da decisão monocrática do Ministro Raul Araújo do TSE. Diversos
artistas durante esse evento internacional se manifestaram politicamente, ora, fazendo
alusão a um candidato, o ex presidente Lula, ora trazendo qualidades negativas ou mesmo
xingando o candidato presidente da República Bolsonaro.

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Um dos casos que mais gerou repercussão foi da cantora Pablo Vittar que,
durante seu show, gritou fora Bolsonaro; em alguns momentos faz alusão ao L de Lula e,
em outro momento, pegou a bandeira de um fã com o rosto do candidato e ex-presidente
Lula.
Diante desse comportamento de diversos artistas, não apenas de Pablo Vittar,
o PL, atual partido do Presidente da República e pré-candidato, ajuizou uma
representação eleitoral perante o TSE por propaganda irregular. Isso porque, dois
principais fundamentos: esse comportamento dos artistas, nos termos do art. 36 da Lei
9.504, lei das eleições, caracterizaria propaganda eleitoral antecipada, já que, de acordo
com o art. 36, a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano
da eleição. Estávamos muito antes de disso.
Além disso, a legislação eleitoral no art. 39, §7º da mesma lei, veda o
showmício. Segundo o PL, essas manifestações artísticas seriam duplamente vedadas,
porque propaganda antecipada, por meio de showmício. O Ministro do TSE, Raul Araújo,
monocraticamente, surpreendeu a todos no meio do festival, proferindo decisão “no
sentido de prestigiar a proibição legal, vedando a realização ou manifestação de
propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou
partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival,
sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por ato de descumprimento, a
ser suportada pelos representados, até ulterior deliberação desta Corte.”
A decisão é teratológica, por dois principais motivos: um legal e outro
jurisprudencial. O PL, na sua inicial, menciona os dois artigos que eu mencionei, art. 36
e 39, §7º, mas o PL e a decisão monocrática desconsideram completamente o artigo
seguinte, o art. 36-A da lei das eleições, que dispõe:
Art. 36-A da Lei das Eleições: “Não configuram propaganda
eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido
EXPLÍCITO de voto, a menção à pretensa candidatura, a
exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos (...), que
poderão ter cobertura dos meios de comunicação social,
inclusive via internet”.

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Enaltecer um e gritar “fora!” o outro, não caracteriza propaganda eleitoral
antecipada. Está na lei e o Ministro parece desconhecer ou instrumentalizar de forma
ilegítima. E eu não sei o que é pior, porque ele também desconsiderou a ADI 5770, uma
ADI decidida no final de 2021 pelo plenário do STF por unanimidade, de relatoria do
Ministro Dias Toffoli, que defendeu o seguinte:
“(...) este Tribunal reconhece haver uma instrumentalidade na
liberdade de expressão no contexto político-eleitoral,
considerando que o destinatário último da troca de informações
durante o período eleitoral é o cidadão eleitor, titular do direito ao
voto, que deve ser exercido de forma livre e soberana. Assim, o
que se busca é munir o eleitor de informações sobre os
potenciais representantes políticos do povo, para se proporcionar
a ele uma tomada de decisão qualificada pelo acesso à
informação, pelo que não são admitidas, por contrárias à
liberdade de expressão, limitações que venham a
desencorajar o fluxo de ideias e propostas de cada candidato,
ou a exercer uma censura prévia quanto a determinado
conteúdo, cabendo a responsabilização, a posteriori, por
eventuais abusos praticados no exercício desse direito. Pelo
mesmo motivo, é também assegurado a todo cidadão
manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer
candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que
escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um
posicionamento político antes, durante ou depois do período
eleitoral. Por seu turno, a proibição do showmício e de eventos
assemelhados não se confunde com uma censura prévia, pois
não significa a vedação à manifestação artística de cunho
político. Isto é, da norma não se extrai impedimento para que
um artista manifeste seu posicionamento político, incluindo-

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se o apoio explícito ou repúdio declarado a determinado
candidato em seus shows ou em suas apresentações.”2

Então, a decisão monocrática do ministro Raul Araújo desconsiderava o art.


36 da lei das eleições e uma manifestação do plenário do Supremo Tribunal Federal, que
acabava de ser publicada.
O caso TSE é um caso bom para cair em provas discursivas e orais.

7. Fake News:

Chegamos, finalmente, ao tema fake News. É difícil antever como isso pode
cair na prova dos senhores, o debate é muito aberto, é em construção. Mas o que eu pude
identificar é que, em duas provas, TJ Bahia e DPDF, o que o examinador quis exigir nas
provas é de que não existe um direito fundamental à fake news. A propagação
deliberada de informações falsas não estaria no âmbito de proteção da liberdade de
expressão.
Ocorre que, uma coisa é opinião, outra coisa é desinformação. O indivíduo
pode até defender que o voto escrito é mais seguro que a urna eletrônica. Se é,
efetivamente ou não, tenho as minhas dúvidas. O que ele não pode é colocar em xeque
todo o sistema eleitoral, elogiado por diversos países civilizados, por boa parte da
população e pela comunidade jurídica. O indivíduo pode defender que vacina não deveria
ser obrigatória, o que ele não pode propagar é que a vacina está associada à AIDS.
A opinião, mesmo que eventualmente odiosa, desde que não acabe em
discurso de ódio, deve ser protegida. A desinformação, sobretudo quando impacta a
saúde pública, a saúde coletiva dos indivíduos, e a higidez necessária do sistema eleitoral,
não pode ser tolerada e deve ser reprimida pela legislação eleitoral e, mesmo
eventualmente, pela legislação penal.
Este material de liberdade de expressão é um dos mais mutáveis, por isso,
provavelmente, será a que eu mais reescreverei, atualizando com base em informativos,
em questões de concursos, em debates atuais. O tema que eu mais quero aprofundar é o

2
STF - ADI: 5970 DF, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 07/10/2021, Tribunal Pleno, Data
de Publicação: 08/03/2022.

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das fake news, que merece uma melhor sedimentação da nossa jurisprudência, para que
seja exigido em concursos públicos. Até o momento, o que tem sido exigido é: fake news
não é protegido pela liberdade de expressão.
Com isso, encerramos mais uma aula.

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