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Centro Universitário de Brasília - CEUB

Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS

Curso de Pós Graduação em Direito Penal e Controle Social

ESTEFANY REZENDE ALVES COELHO

DANO MORAL IN RE IPSA EM VIRTUDE DO EXCESSO DE PRAZO NO


JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL

BRASÍLIA
2023
ESTEFANY REZENDE ALVES COELHO

DANO MORAL IN RE IPSA EM VIRTUDE DO EXCESSO DE PRAZO NO


JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL

Artigo científico apresentado como


requisito parcial para obtenção de
aprovação na matéria: O erro do
Judiciário em Matéria penal, do curso de
Pós graduação da Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais - FAJS do Centro
Universitário de Brasília (CEUB).
Professora: Prof.ª Patrícia Jobim Sathler
Souza

BRASÍLIA

2023
1

DANO MORAL IN RE IPSA EM VIRTUDE DO EXCESSO DE PRAZO NO


JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL

Estefany Rezende Alves Coelho1

Resumo: O presente artigo tem como objetivo investigar se o excesso de prazo para
julgamento da Ação Penal enseja em indenização por dano moral individual in re
ipsa em favor do acusado inocentado, visto que não há a necessidade de
comprovação do dano pois este é inerente diante da demora na prestação
jurisdicional, pois percebesse que durante o longo processo de julgamento houve
uma lesão a personalidade do acusado, também abordaremos se essa morosidade
configura como erro do judiciário ou apenas uma falha diante da omissão do Estado
pela demora da prestação jurisdicional. Verificando assim, a forma de
responsabilização do Estado visto o descumprimento de preceito fundamental, o
princípio da duração razoável do processo, princípio previsto no inciso LXXVIII do
art. 5º da Constituição Federal. Em linhas gerais, trazer a baila se a morosidade do
judiciário incide em um erro do Estado e a responsabilização deste pela demora na
prestação jurisdicional em matéria penal.

Palavras-chave: processo penal; absolvição; danos morais; dano in re ipsa.

INTRODUÇÃO

O Brasil possui três poderes independentes e dentre eles está o poder


judiciário, onde este tem o papel de guardar e conservar a ordem jurídica, dentre as
suas funções está a de obter a composição da lide mediante a aplicação da lei e
também de regular o exercício do poder punitivo do Estado quando há a ocorrência
de delitos.

Ocorre que durante a atuação do poder judiciário há uma demora


significativa e quando se fala em matéria penal, os danos dessa demora se
estendem e afetam o indivíduo que é réu de um processo. A justiça brasileira é
taxada pelo senso comum como morosa, lenta, vagarosa e sua estrutura não
1
Bacharelanda em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília.
E-mail: teffarezende@sempreceub.com.
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consegue atender as demandas da justiça dentro do tempo razoável como é previsto


na constituição.

Todavia, quando há a configuração do dano moral é porque houve uma


violação da honra ou da imagem, houve uma ofensa aos direitos da personalidade
(intimidade, privacidade, honra e imagem) e sabe-se que quem sofreu com este
dano deve ser indenizado, pois a reparação é uma obrigação do agente causador do
ato ilícito. É importante entender que a demora da prestação jurisdicional, apesar de
não configurar em um erro judiciário, enseja em uma indenização, visto o dever do
Estado em reparar o dano causado.

Portanto, o objetivo deste artigo é de problematizar tais questões e mostrar


que o Estado, assim como qualquer ente ou pessoa que comete um ato ilícito que
causa dano à outrem deve ser responsabilizado. Afinal, assumir a responsabilidade
pelos seus atos não é um mérito, mas uma obrigação legal. Sendo assim, é
importante entender que o Estado tem o dever de indenizar quem ele lesou e essa
lesão não advém apenas de erros, mas de omissões, de falhas e de inobservância a
preceitos constitucionais.

Sendo assim, desejamos expor que o excesso de prazo para julgamento da


ação penal dá direito ao acusado inocentado em requerer a indenização por danos
morais presumidos, visto que o dano presumido decorre de uma mera comprovação
da prática de conduta ilícita, pois o dano é intrínseco ao fato.

1 A DEMORA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURA UM ERRO


JUDICIÁRIO

Muito se fala sobre a responsabilização do Estado por conta de erro


judiciário em matéria penal, mas para que possamos visualizar na prática esse
assunto tão relevante é necessário que se entenda algumas nuances acerca deste
tema, evitando assim entendimentos desalinhados. Delineando o assunto e trazendo
conceitos dogmáticos, sabe-se que o judiciário compreende à jurisdição, onde é
praticado em juízo ou por autoridade da Justiça; que pertence ou concerne à Justiça.

Já o erro, de acordo com as definições encontradas nos dicionários, é aquilo


que resulta de uma má compreensão ou de análise deficiente de um facto ou de um
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assunto. Ou seja, o erro é um juízo ou julgamento em desacordo com a realidade


observada, é um equívoco. Erro, em direito, deve ser entendido como o ato
jurisdicional equivocado e gravoso à alguém, tanto na órbita penal como civil. O erro
judiciário restringe-se aos atos jurisdicionais do Estado, os quais diferem dos atos da
atividade judiciária. Segundo Cavalieri Filho (2010, p. 245), para haver indenização
fundamentada no erro judiciário é preciso que haja um “ato emanado da atuação do
juiz (decisão judicial) no exercício da função jurisdicional”.

A questão que norteia esse trabalho é se o excesso de prazo para


julgamento da ação penal configura em um erro ou trata-se de uma falha no sistema
judiciário.

Diante de todo o exposto, é fácil vislumbrar que a demora na prestação


jurisdicional em matéria penal não é um erro, mas um ato omissivo do Estado
praticado pelo seus agentes, os magistrados. Neste caso não há como configurar
em um erro pois não houve uma decisão resultante de uma má compreensão, ou um
julgamento fora dos devidos padrões ou qualquer conduta do agente estatal, pelo
contrário, houve uma inércia na prestação de um serviço que deveria ser prestado.

O renomado jurista Laspro (2000) vai dizer que:

“Muito embora a ideia de erro judiciário seja mais bem absorvida ao se


pensar no dano causado por sentença, tem-se que a outra modalidade de
decisão do art. 162 do CPC, as decisões interlocutórias, também pode,
autonomamente, ser alvo do erro. Os despachos, no entanto, por serem
meros atos, carecendo de fundo decisório, não podem ensejar gravame
passível de ressarcimento.” (apud morosini, 2016 p. 110).

Assim fica claro que o erro judiciário é a má aplicação do direito,


consequência de uma distorcida compreensão dos fatos, ou pela equivocada
interpretação e aplicação da norma. Percebe-se que toda vez que se fala sobre erro
do judiciário se remete a uma decisão ou sentença, sempre vinculado a um exercício
da faculdade de agir, mas jamais a uma inércia. O Erro judiciário pressupõe um ato
jurisdicional errôneo, devido a uma sentença/atitudes equivocada.

Mas, é importante salientar que mesmo não configurando em erro, o


excesso de prazo para julgamento da ação penal, o extrapolamento do tempo
razoável é passível de indenização. Seguindo o jurista Luiz Antonio Soares Hentz
para haver o dever de indenizar, não é necessário, em princípio, a identificação do
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erro judiciário. Ou seja, o Estado tem o dever de indenizar em todos os casos de


responsabilidade, é crucial apenas que seja verificado o evento indenizável.

Portanto, independente da configuração do erro, entende-se que deve haver


uma responsabilização do estado quando este, mediante ato ilícito, causar dano a
outrem, como por exemplo nos casos em que houverem excesso de prazo para
julgamento da ação penal que apesar de não se configurar como um erro, enseja em
uma responsabilização.

2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO É UMA GARANTIA


CONSTITUCIONAL

A garantia da tutela jurisdicional em tempo razoável trata-se de uma


obrigação da administração pública e não de uma faculdade, visto que é garantia
fundamental à razoável duração do processo e os meios que assegurem a
celeridade de sua tramitação, onde “Todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação” (Brasil, 1988, artigo 5º inciso LXXVIII).
Vale ressaltar que essa garantia não é apenas prevista no texto
constitucional, também é elencada nos artigos 125, II, 133, II e parágrafo único, 189,
II, 262 do Código de Processo Civil, dos arts. 1º e 13 da Lei n. 5.478/1965, bem
como dos arts. 35, II e III, 49, II, e parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura
Nacional.
Sabe-se que existem diversos motivos que justifiquem a morosidade quanto
à duração do processo penal, alguns plausíveis como o grande volume de trabalho,
carências estruturais dentre outros. Contudo, há casos que não há fundamentações
legais para que justifiquem o excesso de prazo para julgamento de uma ação penal
e assim se verifica que o poder judiciário está infringindo um princípio constitucional
ao extrapolar o tempo razoável.

A Convenção Europeia, a qual o Brasil fez parte, destaca que toda pessoa
na sustentação de uma acusação criminal tem o direito de ser julgada dentro de um
prazo razoável, vejamos:
Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e
publicamente, em prazo razoável, por um tribunal independente e
imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de
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qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve


ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à
imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a
bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional em uma
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da
vida privada das partes no processo o exigirem, ou na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais,
a publicidade pudesse ser prejudicial aos interesses da justiça” (Convenção
Europeia de Direitos Humanos, 1950, artigo 6º)

O objetivo é assegurar que haja uma regularidade do procedimento. Mesmo


quando existe uma complexidade da causa sempre deve haver um prazo máximo
para julgamento.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) traz em seu
preâmbulo a necessidade haver um regime de liberdade pessoal e de justiça social,
cuja base seja o respeito dos direitos essenciais do ser humano.
Destarte que não é aceitável, pela comunidade internacional que haja um
excesso no prazo de julgamento do processo, não é aceito que se extrapole o tempo
razoável, bem como é inaceitável que haja uma omissão do Poder Judiciário em
indenizar a parte que sofreu um dano causado pela inobservância do que é previsto
na Constituição e no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse lanço, vale trazer o comentário de Ferrajoli (2002):
“É indubitável que a sanção mais temida na maior parte dos processos
penais não é a pena – quase sempre leve ou não aplicada – mas a
difamação pública do imputado, que tem não só a sua honra
irreparavelmente ofendida, mas, também, as condições e perspectivas de
vida e de trabalho; e se hoje pode-se falar de um valor simbólico e exemplar
do direito penal, ele deve ser associado não tanto à pena, mas,
verdadeiramente, ao processo e mais exatamente à acusação” (Ferrajoli,
2002, p. 588)

Quando o judiciário é acionado, provocado, para que se resolva um impasse


significa que este deve prestar adequadamente à sociedade e aos interessados a
prestação jurisdicional adequada, dentro das normas.
Significa dizer que o Estado deve garantir, dentre vários princípios, não
apenas o acesso à jurisdição, mas o acesso a um processo sem dilações indevidas,
cujos atos devem ser realizados nos prazos fixados na norma. Em resumo, significa
dizer que o sistema judiciário deve julgar os processos em prazos razoáveis,
principalmente na esfera penal, onde está em risco a integridade dos cidadãos e do
acusado, onde está se discutindo o direito de ir e vir. A célere ministra Cármen Lúcia
Antunes Rocha, afirma:
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Não basta, contudo, que se assegure o acesso aos órgãos prestadores da


jurisdição para que se tenha por certo, que haverá estabelecimento da
situação de justiça na hipótese concretamente posta a exame. Para tanto, é
necessário que a jurisdição seja prestada – como os demais serviços
públicos – com a presteza que a situação impõe. Afinal, às vezes, a justiça
que tarda, falha. E falha exatamente porque tarda. Não se quer a justiça do
amanhã. Quer-se a justiça de hoje. Logo, a presteza da resposta
jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito do direito-garantia que
a jurisdição representa. A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a
jurisdição não é prestada, ela pode estar sendo afrontada de maneira
irreversível; a vida não pode esperar, porque a agressão ao direito à vida
pode fazê-la perderse; a igualdade não pode aguardar, porque a ofensa a
este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança
não espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá
concretizado o risco, por vezes, com a só ameaça que torna incertos todos
os direitos. Esta é a primeira abordagem que se faz presente quando se
tecem observações sobre a eficiência da prestação jurisdicional: a
melancólica lentidão que a tem marcado. A morosidade da prestação
jurisdicional tem frustrado direitos, desacreditado o Poder Público,
especialmente o Poder Judiciário, e afrontado os indivíduos. (apud
Gregório, 2009 p. 132).

Rui Barbosa (1920), em inolvidável discurso intitulado Oração aos Moços,


escreveu as seguintes palavras, que alertar para a morosidade da magistratura,
situação ainda presente nos dias de hoje:

“Mas a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e


manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito
escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os
juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas
sua culpa três dobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio
de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio
pendente. Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os
autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos
como as preguiças do mato.” (SENADO FEDERAL, 2019, Vol. 271, P. 58)

No tocante à importância da efetividade da prestação jurisdicional, o


processo penal deve proporcionar ao acusado um julgamento célere, só assim
haverá a eficácia da pena e a efetivação dos direitos. Neste sentido José Afonso da
Silva (2005) assinala:

“De fato, o acesso à Justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional


em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica
morosidade do aparelho judiciário o frustrava; daí criar-se mais essa
garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar novas frustrações pela
sua ineficácia, porque não basta uma declaração formal de um direito ou de
uma garantia fundamental para que, num passe de mágica, tudo se realize
(...). É nesse contexto que entra o outro aspecto da norma em análise, qual
seja: a organização dos meios que garantam a celeridade da tramitação dos
processos.” (SILVA, 2005, 25ª edição, p. 432.)
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A busca por um julgamento dentro do prazo razoável não é uma busca


utópica ou por um direito indisponível, submeter o acusado a um julgamento célere é
garantir que os seus direitos constitucionais sejam respeitado, o excesso de prazo e
a extrapolação do tempo razoável traz consequências danosas para o estado e
principalmente para o acusado, que durante toda a instrução probatória sofre
diretamente.

Quando o judiciário demora em julgar uma ação penal este causa um dano
direto ao acusado. Todo dano causado decorrente de um ato ilícito deve ser
reparado, há o dever de responsabilização do estado em face dos danos causados a
outrem.

3 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO FACE AO DANO PRESUMIDO


CAUSADO PELO EXCESSO DE PRAZO PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL

A responsabilização, no direito, diz a respeito de uma reparação por um


dano causado, o agente que por ação ou omissão cometeu um dano em face de
outrem tem a obrigação de repará-lo. Vale ressaltar que a reparação não é apenas
em face de uma ação, mas também de uma omissão. A inércia do estado é
considerada uma omissão. Celso Antônio Bandeira de Mello (2015) é um dos
doutrinadores que entendem que se aplica a responsabilidade subjetiva aos atos
omissivos:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o


serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se
a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu,
não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só
cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz
sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar
ao evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a
impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para imporlhe o encargo de
suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a
responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por
comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é
necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do
Estado (embora o particular possa haver) que não seja proveniente de
negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado
propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).
Culpa e dolo são justamente as modalidades e responsabilidade subjetiva.
(Mello, 2015, p. 1041)

No direito civil adota-se dois tipos de responsabilidade, a responsabilidade


pela Teoria do risco administrativo que seria a responsabilidade objetiva e a
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responsabilidade subjetiva. Para que configure-se a responsabilidade é necessário


que haja quatro elementos presentes: culpa ou dolo, ato ilícito, dano, nexo de
causalidade, já para incidir em responsabilidade objetiva não há necessidade da
comprovação de culpa, devendo estar presente apenas o ato ilícito, o nexo de
causalidade e o dano.

Para Diniz (2010, p. 50) responsabilidade civil é: “a aplicação de medidas


que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em
razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato, de
coisa ou de animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal.”
Em regra, entende-se que a responsabilidade do Estado é objetiva e quando
este comete um dano, tem o dever de repará-ló, tal garantia é constitucional. “O
Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso
além do tempo fixado na sentença” (Brasil, 1988, artigo 5º inciso LXXV). Tal
entendimento tem consolidação jurisprudencial vejamos o voto a seguir:

“O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por


ato de agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre
diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição, disposição normativa auto
aplicável. Ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da
Administração ou de seus agentes, nasce a responsabilidade civil do
Estado” - (STF, RE 580.252, Rel. Min. Teori Zavascki, Rel. p/ acórdão Min.
Gilmar Mendes, Plenário, j. 16.02.2017).

Sabe-se que no direito brasileiro existe o dano moral presumido ou “in re


ipsa”, onde não há a necessidade da comprovação do dano, visto que basta a
comprovação apenas do ato ilícito, pois subtende-se que é presumido a violação dos
direitos da personalidade.

Nas palavras de Stoco (2004, p. 1691), “a causação do dano moral


independe de prova, ou melhor, provada a ofensa moral, o direito à indenização
desta decorre, sendo dela presumido.” No dano in re ipsa independente de prova
sobre oprejuízo ou dano causado, visto que se passa no interior do ofendido,
presumindo o seu abalo psicológico. Dessa forma, entendendo as formas de
responsabilidade o objetivo deste artigo é mostrar que nos casos que o acusado foi
inocentado e passou por um excesso de Prazo Para Julgamento da Ação Penal não
há necessidade da comprovação do dano, uma vez que este é inerente, ensejando
assim a indenização por dano moral individual in re ipsa.
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O dano moral nestes casos é presumido, visto que houve uma violação da
personalidade da honra, imagem, bom nome, dignidade, uma vez que o acusado,
quando inocentado dificilmente consegue reparar a sua imagem. Não há como
excluir um processo criminal, apesar de arquivado, sempre ficará registrado.
O trâmite processual em si já é uma pena, visto que durante toda a instrução
probatória, a parte que responde a uma ação penal figura como um acusado, como
suspeito de ter cometido um crime, um delito.
Sendo assim, percebe-se que após um excesso de tempo para o julgamento
de uma ação penal há o dano moral, o acusado ao ser inocentado não precisa
comprovar o dano moral, pois este é presumido. É desnecessária a comprovação
concreta de abalo profundo, afinal, é impossível demonstrar um sentimento de dor,
tristeza e humilhação através de falas, depoimentos, documentos etc.
Tem-se aqui que o dano moral nos casos de excesso de prazo para
julgamento da ação penal é caracterizado pela própria ofensa e pela gravidade do
ilícito em si, possuindo natureza in re ipsa.
Os danos são presumidos, atingindo o direito da personalidade do cidadão
que ora fora considerado acusado de cometer um crime e findo o processo fora
inocentado. Este excesso de prazo no julgamento da ação atinge também o princípio
da Presunção de Inocência, pois a demora e o prolongamento excessivo do
processo penal vai automaticamente descredibilizando o acusado, enfraquecendo
sua versão e trazendo o sentimento perante a sociedade de que este não é
inocente, pois se fosse já teria sido inocentado.
Com essa morosidade, além da grande dificuldades para o exercício da
resistência processual, a vida econômica do então acusado também é afetada
diretamente visto que além dos gastos com o advogado a dificuldade para encontrar
emprego pela estigmatização social é enorme. O acusado, quando inocentado
passou anos sofrendo um julgamento doloroso e punitivo. O excesso de prazo para
julgamento de uma ação penal viola os direitos fundamentais. Vejamos o
entendimento da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro já se debruçou sobre o tema, em acórdão.
“...a demora injustificada em dar resposta aos casos penais impõe que o
Estado, por inoperância própria, “abra mão” de seu direito de punir
porque, na verdade, já o exerceu por meio da submissão do réu a intenso e
prolongado sentimento de incerteza e angústia”. (TJRJ, Recurso em Sentido
Estrito nº 2003.051.00073, Rel. Des. Geraldo Prado, Julgamento:
24/06/2010 - Quinta Câmara Criminal)
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Nestes casos, de demora na prestação jurisdicional, fica claro o dano


presumido, bastando que o autor prove a prática do ato ilícito - a morosidade sem
fundamentação, que o dano automaticamente se configura.
É entendimento jurisprudencial firmado que a inscrição indevida de alguém
em cadastro de restrição de crédito configura dano moral presumido, onde a pessoa
não precisa provar o dano, visto que basta a cobrança indevida que pressupõe a
ocorrência de um sofrimento moral. Se o exemplo ora mencionado é suficiente para
configurar em dano presumido, quanto mais um acusado que passou por um longo
processo penal, onde houve um extrapolamento do tempo, onde houve uma
violação a um princípio constitucional que afetou diretamente o acusado fica claro
que o excesso de prazo para julgamento da ação penal enseja a indenização por
dano moral individual in re ipsa em favor do acusado inocentado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando o juiz recebe a acusação feita pelo ministério público é o início de


um longo processo para as partes. O direito, a lei, respalda que o acusado é
inocente até que se prove o contrário, todavia a sociedade não enxerga assim, mas
vê no acusado a figura de um culpado até que se prove ao contrário.

Quando a parte se torna ré de um julgamento, a parte também se torna ré


da sociedade, de seus preconceitos, de seus julgamentos e a sua imagem, sua
honra, sua moral, sua personalidade é atingida. Os danos são tanto na esfera moral,
quanto na material, afinal, se o índice de desemprego é grande, podemos afirmar
empiricamente que o desemprego para quem responder processo criminal é ainda
maior.

Segundo levantamento feito pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de


Segurança Pública (FBSP) o Brasil é um país onde a maioria dos brasileiros
defendem o ditado: “bandido bom é bandido morto”, e convenhamos que a
população não sabe que o veredito da culpa é somente após o trânsito em julgado,
vemos que a população considera bandido todo aquele que é suspeito, indiciado por
um crime.
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Contudo, sabemos que nem todo acusado é culpado, muitos são inocentes
e mesmo provada a sua inocência este não consegue apagar essa parte de sua
vida, a parte de já ter sido indiciado como alguém que provavelmente cometeu um
ilícito penal, então fica sempre com um passado que não cai no esquecimento.

A ideia de que a pena começa com a privação de liberdade é um tanto


quanto cômica, pois a pena perpassa as grades da prisão e começa junto com o
início da ação penal. Afinal, o sofrimento e a humilhação, começa a partir do
momento da citação.

Após a citação um longo processo é iniciado, tem-se no ordenamento


jurídico brasileiro diversos direitos que resguardam o acusado, como o in dubio pro
reo, como o direito constitucional de responder um processo com uma duração
razoável, dentre muitas outras garantias, todavia muitas são infringidas.

O excesso de prazo para julgamento da ação penal sem fundamento é uma


infração constitucional e deixa evidente o desprezo estatal pela liberdade do
cidadão, frustra um direito básico do cidadão que é o de ter seu litígio resolvido, o
julgamento da ação penal deve ser feito sem dilações indevidas e com todas as
garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional.

Contudo, na prática o que se observa é um sistema judiciário marcado por


erros e falhas, um judiciário moroso na sua prestação jurisdicional e essa lentidão no
julgamento gera para o acusado um dano moral visível.

O sistema judiciário que não prestou o serviço em prazo razoável, mas que
extrapolou o limite do tempo e infringiu o artigo LXXVIII do art. 5º da Constituição
Federal, deve indenizar o réu que no final do processo foi inocentado. O Estado tem
o dever de reparar o dano causado, neste caso fica claro que o réu inocentado
sofreu um dano moral presumido, dano este que não há a necessidade de sua
comprovação, visto que se dispensa a necessidade de prova para justificar a
indenização.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de


1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em:
12

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 1 jan.


2017.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo:


Atlas, 2010, p. 245.
concencao americana
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm
SENADO FEDERAL. Oração aos Moços. Brasília, 2019, Edições do Senado Federal
– Vol. 271, P. 8
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. 1999. Tese
(Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
MOROSINI, Marco Aurélio. Aspectos teóricos da responsabilidade civil do
Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, 2016.
Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/167774/339926.pdf?seq
uence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 ago. 2023
UNIÃO EUROPEIA. Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Liberdades
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https://www.echr.coe.int/documents/d/echr/convention_por
GREGÓRIO, Rita de Cássia Zuffo. A responsabilidade civil do estado-juiz, 2009.
Disponível
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issertacao_versao_integral.pdf. Acesso em: 26 set. 2023
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 588
SILVA, José Afonso da: Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora
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HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização da prisão indevida. São Paulo: Ed. Leud,
1996. p. 17

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