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Q TESTA~l'fTO DA ARVORE,

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ENTO DA ARVORE
Revisto pelo ciutor

Contendo uma pol!an tél a sôbre o Poeta,


organizada e anotada por
GUIMARÃES MARTINS
!! vãrla s ilustrações de diferentes art!eta1

Çapa dt MOUR4

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Rua Vinte de Abril, 16


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Reservados todos os direitos de tradução,


adaptação, reprodução, etc., nos países que
aderiram à Convenção de Berna.
Brasi l: Lei n.º 2.577, de 17 'de janeiro de 1912;
Portugal : Decreto de 18 de mar~o de 1911.
. .. Parece até que a alma da lua
é que desconta
escondida na garganta
dêss e galo;
a soluçar . ..
. ... •:o Marrueiré e anÁlogas poesias cie Catullo estão
destinadas a ter tanta vida quanto a vida da língua por-
tuguêsa ...
Agripino Grieco.
(De "O Jornal", Rio de Janeiro.)

. . . Catullo da Paixão Cearense é uma torrente a que
ninguém se pode opôr . Queremos resistir-lhe e ela nos
envolve e arrebata, levando-nos aonde o Poeta queira
levar-nos.
Agripino Grieco.

Rio de Janeiro, 19 d~ agôsto de 1945. - (Inédito) .


DA ESQUERDA DE QUEM OLHA: Catullo, aos 7 anos de Idade, com
seu pai, Amâ ncio José da P a ixão Cearense e seu irmão, Gil, de 11
anos de Idad e, numa fotografia tirada em São Luiz, sua
terra natal, em 1870.
•l

A memoria d,os m eus queridos amigos e con-


terr âneos Apollonia Pinto, Coelho Netto e
Humb erto de Campos, que tanto dignificaram
o no.me do nosso adorado Maranhão.

CATULLO DA P AIXAO CEARENSE


A Fred. Figner, o

ÇATULLO DA P~IXAO ÇEAREN$E


A memória do grande amigo e conterrâneo,
General Tasso Fragoso, Glória do Exército
Brastleiro. Homenagem do

Ç~TULLQ DA P4IXAO ÇEA~N~!J:


( -

Catullo da Patxão Cearen3e numa fotografia feita


pelo artista Ntcolas
íNDICE

Ao leitor 21
O Testamento da Arvore ...... .......... . . . .. . ... . 25
A Arvore assim ditou seu testamento .. . ........... . 35

A Arvore vai contar o sonho que sonhou .. .. .... . . 59

A Arvore ditando as suas últimas vontades .. . ... . . . 75

Poliantéia sôbre o poeta. Catullo da Paixão Cearense 85

Outros juízos críticos sôbre Catullo . . ... . ...... . .. . 101


- necessar1a
Decla raçao · · .·......... ..' , .. . . . , ... , , ..... . 153

1 ' ·.'
. ~~,

AO LEITOR

De umas poucas sementinhas de T!."ilussa, em dia-


léto, brotou êste jardim de flores tão variadas.
Muitos poetas têm es crito sôbre as árvores, mas ne-
nhum com mais cco:inho do que eu.
Assim, poderei íic<Il', sem orgulho, de ora e m diante,
como um dos seus maiôres cantores e, incontestavel-
niente, o seu maior intérprete.
Confesso que cometí um "crime", transcrevendo
pare: êste poema, cem crlmunas mo<lificações e acres-
cimos, "a madrugada", qi;e se encontra ~o meu livro
"Poemas escolhidos", organizado e anotado por Gui-
marães Martins.
Estou certo de que o leitor benevolente me per·
doará êsse "crime venial" ...

CATULLO da PAIXÃO CEARENSE

Rio de Janeiro, junho 17, 1945.


..

.\

Um dos primeiros estudoi: rlo monumento de Catullo, perpetuado em


granito no Jardim do Palácio !\lom·oe, 11esta Capital, pelo
escultor Houório Peçonha.
O monumento foi feito pela cooperaçao do tostao de cada admirador
de Catullo, sob 0 patrocinlo de "A Noite", que despertou entusias-
mo artfstlco em tôdas as localidades cro litoral e do sertao. A ma-
quette encontra-se na Pinacoteca da Escola de Belas Artes
O TESTAMENTO DA ARVORE

Assim falou a árvore moribunda aos pássaros e


às outras árvores da floresta, antes de ditar seu te:.,"
lamento.
Um poeta, escondido por detrás de um capão de
mato, sem que ela o visse, anotando as suas palavras,
traduziu-as para a nossa língua nas estrofes que se
seguem.
Ó TESTAMENTO DA ÁRVORE

Passarinhos do céu 1 Arvores jovens !


Eu sempre fui amante da Poesia !
Nas noites de luar, noites de amores,
sonetos e canções eu escrevia
com as letrds aromais das minhas flores !
Essas canções à lua oferecia,
sempre que ela me dava seus fulgores.

Oue saudades das festas estreladas,


festas que nunca mais hei-de revê-las :
-· eu, um'árvore verde contemplando
cutra árvore azul do firmam ento,
que parecia vir cobrir a terra
com a sua infinda fl oração de estrêlas 1

Hoj e, quanto me dói vêr esta cena,


que eu via outr'ora, alegre, e tão contente,
mas que hoje, velha, triste e decadente,
vejo com mágoa, com tristeza e pena.
...... . . .

28 · · CATULLO DA P AIXAO CEARENSE


... .
Como é sublime e belo êste espetáculo
•. ·' da natureza esplêndida e s~rena 1

• •
Vós bem sabeis, irmãs, que é uma verdade'
que assim que as grandes árvores dos bosques
vão se adornando de matizes vários,
em adoravel confraternidade,
começam trabalhando em seus ofícios
,, os plumosos cantores operários.
i'
1
lf

Um, vem trazendo, alegre, em seu biquinho,


para o muro de além, fibras de palha 1
Outro, constrói o lar na velha torre
de um velho templo, onde ora se agazalha.

Um outro vai colher da ovelha branca,


às ocultas, sutil, fino e matreiro,
fios de lã, que ela deixou suspensos
dos galhos- espinhosos do espinheiro.

Há tecedores que entrelaçam fôlhas


nos verdosos grotões das capoeiras,
tecelões, trabalhando em ·seus teares,
e em seus fusos, voláteis fiandeiras .


O TESTAMENTO . DA ARVORE 29

Os arquitétos, como o João-de-barro,


e o casaca-de-couro, seu parente,
edificam, nos pedesta is mais a ltos,
os seus arranha-céus maravilhosos,
sempre voltados . para o sol nascente .

Os inquiétos b eija-flores,
os engenheiros-voejantes,
fazem, urdidos com paina,
seus castelos flutuantes .

. Mil palacios levantam-se garbosos


e cada um palacio é o là r de um ninho,
que há-de vêr mutações encantadoras :
- primeiro, um ôvo, e, após, um passarinho,
a o qual, logo que empluma , os pais, cuidoscs,
ensinam-lhe a chegar do ninho à beira,
de onde lança o olhar, maravilhado,
sôbre a mãe-natureza, a vêz primeira.

Mas, cheio de pavôr, cheio d e susto,


sumir-se entre os irmãos logo procura ,
os medrosos irmãos que inda não viram,
aconchegados no frouxel do ninho,
o sublime espetac'lo da na tura .
30 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Reclamado por . seus progenitores,


levanta-se outra vez ! E êsse gentil
pequeno rei dos áres, que na fronte
conserva ainda a auréola infantil,
iá se atreve a fitar os céus imensos,
as frondes ondulosas dos pinhais,
e os grandes monumentos rumorosos
dos frondosos gigantes vegetais.

E assim, enquanto o bosque enverdecido,


glorioso, aromal e todo em festas,
exulta de prazeres, recebendo
os novos habitantes das florestas,
dois passarinhos velhos, moribundos,
vêm repousar alí, tranquilamente,
na margem solitária e viridente
daquele rio em plácida corrente,
deslisando por entre seus verdores,
esperando o final do fim da vide,
abençoando a árvore querida,
em que, na mocidade esvanecida,
cantaram seus dulcíssimos amores.
O TESTAMENTO DA ARVORE 31

E:ste é o destino da existência nossa :


- depois das alegrias - vêm as dôres.
Pois bem: - como êsses velhos passarinhos,
resignados no último transporte,
eu, tranquila, serena, firme e calma,
crendo na vida, na existência d' alma,
submissa, sem pavôr, espero a morte.

Eu vou morrer !eliz com os braços tensos,


recitando, saudosa, os versos meus, ·
fitando o alta r azul dos céus imensos,
para entregar minh'alma às mãos de Deus.

Pois iá pedi a Deus que me perdôe


as faltas que, por certo, cometí,
assim como pedi perdão à Terra,
se, sem querer, inconscientemente,
alguma vez, pecando, a ofendi.

As minhas fôlhas, amarelecidas,


em soluços prolongam meu tormento,
caindo, lento e lento, .
dos meus galhos iá sêcos, - ressequidas.
32 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Predileção não tenho por nenhuma 1


Mas dói vê-las a ssim, caindo, uma por uma.
Quero morrer com tôda esta pobreza,
rEsando um hino a Deus e à natureza.

Obed iente, e mod esta e a ltiva e nobre e ufana,


Deus me fez vegetal, não quiz fazer-me huma na,
para que eu fosse crente, I?-umilde e sobera na,
sem vaida des pueris, sem ódios, sem desdêm.
Se irradonal me fêz, bendigo o seu intento, ·
pois ma is que os racionais eu tive sentimento,
e nunca fiz o ma l, e sempre fiz o bem.

Pcissarinhos do céu ! Arvores jovens !


Em plena lucidez do meu iuizo,
cuvi-me 1 Eu vou ditar meu testamento.
Catullo, numa CHARGE do pintor Jordão de Oliveira.
A ARVORE ASSIM DITOU SEU TESTAMENTO

.
o"' ~~
. ,,,,<!' ?vc-

Catullo num a CHARGE de M oura.


As minhas fôlhas sêcas deixo ao vento,
mas, sob a · condição
de: que êle se transforme em furacão,
para, de vêz, findar tôdas as minhas mágoas,
atirando-as, em grande turbilhão,
num rio lacrimal, que as leve em procissão,
na urna de cristal das suas águas.

Ao rio, que levar as minhas fôlhas,


nc caudal da corrente,
Peço às chuvas lhe darem, gentilmente,
para regar as margens ressequidas,
uma bonita e caridosa enchente.

Deixo os meus votos de felicidade


aos convivas diletos,
a todos os insétos,
que o mel em minha flôr vinham beber,
joias de Deus, que tanto me encantaram,
rnas que, ingratos, também me abandonaram,
depois que comecei a envelhecer.
40 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Deixo um viçoso abraço às borboletas,


que vinham minhas fôlhas diademar,
e que, depois, revoando em revoadas,
pareciam-me flores desfloradas,
a dizerem-me adeus, a borboletear.

Deixo a recordação dos meus frutos odóros


a todos vós, os pássaros canóros,
meus amigos fieis, meus amigos de outr'ora,
que em mim vinham saudar, religiosamente,
com seu canto mavioso e previdente,
a elegia da tarde e o rosiclér da aurora.

Ao sol, que me alentou, desde nascida,


que me deu seu calor, que me deu vida,
eu deixo a luz da Fé, que me alumía 1
E restitúo à lua dos profétas,
a lua, a serenata dos poetas,
tudo que me inspirou su' alma pía.

Deixo às águas do céu, que a sêde me mataram,


aos orvalhos, que tanto me orvalharam,
-- a seiva que me resta, em sangue vegetal 1
O TESTAMENTO DA ARVORE 41

E, como vou morrer, já centenária, ·


deixarei à coruja solitária;
que me rezar a prece funerária,
no prenúncio fatal:
tôda a tristeza aqui dêstes retiros,
o candôr dos meus últimos suspiros,
e um beijo funeral.

Deixo a tristeza à coruja,


por seus mórbidos quebrantas,
suas flébeis cantilenas,
e por ser a cruz de penas
das campas dos Campos Sa~tos .

Só uma féra, uma harpía,


poderá roubar a vida
da Mãe da melancolia,
que só sái da sua ermida,
à hora da ave maria.

Pois matar uma coruja,


a dolente profecía
da Morte e do seu mistério,
é mais que uma tirania !
l:' roubar tôda a alegria
42 CATULLO DA p Á.IxAO CEARENSÊ

da vida de um cemitério 1
Amo tôdas as árvores do mundo,
àa menor, à maior, que os céus invéste 1

Mas, amando a vós tôdas, igualmente,


tenho veneração pelo cipreste,
que os homens escolheram, como símbolo
da Morte, quando nada mais lhes reste.

Minhas irmãs 1 .....Minhas irmãs queridas 1


Ouví, com todo amor, meu testamento,
e o meu último adeus de despedidas .

.Deixarei, com aféto e sentimento,


ao Poeta que escrever meu testamento :
- a saudade de um belo passarinho,
que fêz em mim o seu primeiro ninho,
o seu primeiro tálamo nupcial,
e estreiou a canção dos seus amores,
rio mesmo dia, em que eu, entre verdores,
fiz a estréia, também, das minhas flores ,
na glória de ser Mãe e Mãe floral 1
Quero também deíxar outra saudade
de um belo cardeal, um belo amigo,
que num dia feliz, no ôco do meu trônco,
se abrigou e viveu por muito tempo,
até que um dia desapareceu 1
ô TESTAMENTO DA ARVORE 43

Teria sido feito prisioneiro,


cu a morte fatal o surpreendeu ? l

Quando êssê cardeal, dentro em mim se aninhou,


eu já estava tão velha, como estou.

Dêsde êsse dia nefásto,


em que êle me abandonou,
. ssus terníssimos gorgeios,
seus cantos, que me encantaram,
para sempre se apagaram
déntro dêste velho trônco,
seu companheiro fiél.

Sem a música de um sonho,


como o viver é tristonho 1
Como a velhice é cruel 1
Se veiu bater à porta
de um' árvore quase morta,
que vivia, sem viver :
- e se eu, núa e desfolhada,
pelas aves desprezada,
dei-lhe o abrigo que pedia,
para o seu ninho tecer,
- êsse abrigo, que eu lhe dava,
ê!e com juros pagava,
44 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

pois qua ndo, <alegre, canta va,


minha dôr harmonizando,
eu, em êxtase, sonhava
que eu mesma esta va canta ndo,
na ilusãb de enverdecer 1

Sem um sonho, uma harmonia,


sem o Idéal da Poesia,
cerno é triste envelhecer 1

Ao nascer das estrêlas mais suaves,


eu vos implóro, cardeais das aves,
sGcerdotes aqui dêste arvoredo,
sempre verde , odoroso, natural,
que nos domingos e nos dias santos
uma missa rezeis, com vossos cantos,
por vosso irmã o, que me deixou a mágoa ·
à e uma saudade infinda, perenal J
Rogai-lhe que apareça, embora em sonho,
à sua velha amiga fraternal 1

Aves do céu 1 Canóros passarinhos !


Ouví-me, pelo amor dos vossos ninhos 1

As mulheres - a glória da Beleza,


como herança, um conselho deixarei :
O TESTAMENTO DA ARVORE 45

- cumprindo as sábias leis da natureza,


com amor, com lealdade e com pureza,
sempre dêem seus frutos como eu dei.
As que não derrem frutos, dêem sombra,
pois que esta é a lei de Deus, a santa lei.

Aos homens, que sabem lêr,


quero deixar êste exemplo
de obediência e de saber :
- quando o Senhor me criou,
com tanto amor me ensinou
o que eu tinha de fazer,
que, chegando o · tempo exato,
eu floría, eu frutecía, ·
da folhagem me despia,
tornando a reverdecer,
sem que mais fosse preciso,
depois dessa explicação,
que o Mestre, o Sábio Divino,
me repetisse a lição.
C homem diz que Deus o fêz à sua imagem 1
Mas isto é uma ilusão, uma bobagem !

Passarada! Não creias, não te iludas 1 1

Vós, sim, podeis dizer, aves do céu,


com presunção, que não vos amesquinha,
46 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

que uma das três Pessoas da Trindade


é o Espírito Santo, -uma Pombinha 1

Passarinhos 1 Eu amo o vosso canto,


como a vossa plumagem, tão galante 1
Mas ao feio urubú, deselegante,
consagro, humildemente, o meu respeito,
por não ser, como o homem, agressivo,
que mata, com prazer, o que está vivo,
como um bruto animal, para comer 1
!:~se urubú merece que o bendiga,
pois, sem l!latar, siquer, uma formiga,
só come o que está morto, pr' a viver.
O boi, dos animais, é o que mais amo,
por sua natural melancolia,
por ser o que no Egito êle iá foi,
e por trazer nos olhos a piedada
do perdão para tôda a humanidade·,
que só Jesus no seu olhar traría,
se Jesus Cristo um dia fosse boi.

Assim eu deixo aos penitentes bois


e aos urubús de noturnal carranca,
-- êsses pretos e negros de alma branca, -
· o respeito que sempre tive aos dois.

Se um dia eu visse-o Senhor,


o Nosso Pai, lhe pedia
O TESTAMENTO DA ARVORE o&7

que em vez de mandar o Cristo


voltar à Terra, mandasse
a Santa Virgem Maria
esposa de um carpinteiro,
mulher de dotes diYinos,
que foi mãe e por ser mãe,
póde melhor educar
os homens, que são meninos.
Sendo embora racionais,
são crianças mal educadas,
que em vez das Grandes Idéias
pelo seu Filho ensinadas,
precisam levar. palmadas
das suas mãos maternais 1

Nós somos caluniadas 1

Não creio que Jesus Cristo


condenasse uma figueira,
por não lhe ter dado um fruto
com que a sêde lhe matasse.
Se o fruto não lhe ofertou,
não foi porque lh' o negasse.
Foi porque o Pai lhe ordenou
que nunca frutificasse.
O Filho bem que sabia
que ela não podia dar-lhe
aquilo que Ele pedia.
48 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Neste caso, condená-la,


justo o Filho não' seria 1

Mas a figueira sem fruto,


para o justo, o bom e o crente,
é, segundo os Evangelhos
e as parábolas do Mestre,
- · um símbolo tão somente.

Sendo assim, eu me desdigo,


por ser justa, bôa e crente.

Arvores ha venenosas
pela lei dos Mandamentos,
que os homens chamam - maldosas,
porque inda não descobriram
que elas são tão caridosas,
que curam seus sofrimentos.

Não há raís por mais rude,


que não tenha uma virtude.

·De uma vez um espinheiro


queixando-se do destino
por ser uma planta inculta,
Ca tullo, em traje ele marrueiro, p erso na ge m do se u fa moso poema,
conteini.:In o n1onun1cnto que o povo lh e erig iu n o
J a rdim ci o P a lác io Monroe
(Ch arge de Armando P ac h eco)
.·O TESTAMENTO . DA ARVORE tO

cerno outras plantas silvestres,


ouviu uma voz dizer-lhe :
- Não te lamentes atôa,
porque iá tiveste a glória
de entrntecer a corôa
do Grande Mestre dos Mestres.

Aves do Céu 1 Minhas irmãs queridas 1


Ouví, com todo amor, meu testamento,
e as minha s derradeiras despedidcts. · ·

As crianças, eu deixo este outro exemplo :


c o sofrerem dos mestres um castigo,
scfram com paciência e mansidão,
pois que eu sofri o córte dos meus qalhoé,
dos meus ramos sadios, rumorosos,
para que renascessem mais viçosos,
e tivessem mais bela floração.

As tempestades, aos raios,


a os trovões, aos seus coriscos -
eu deixo a excelsa coraqem
com que afrontei a selvagem
vertigem do seu furôr 1
Nós devemos nos lembrar
que esses ráios e relâmpagos
são segredos do Criador 1 · · ...
SO CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Se fazem tremer da mêdo


cs tímidos passarinhos,
lhes fazem ver Deus nas trévas,
iluminando os seus ninhos 1
Se com seus clarões assustam
os perdidos caminhantes,
alumiam por instantes
e: escuridão dos caminhos 1

A vós, minhas irmãs, que tendes alma,


e tendes nalma a fé, que vos conforta,
ofereço, depois de redimida
da vida da matéria dolorida,
- os sonhos que eu sonhei durante a vida,
e os sonhos que eu .sonhar; depois de morta.

Deixo a quàm me jogou tantas pedradas,


para tirar-me as frutas sazonadas :
- a compaixão da minha compaixão.
Fcis se alguém uma pedra me atirava,
a outra face, como Cristo, eu dava
e como Cristo, eu dava-lhe o perdão. 1
1; ~

A natureza que o sábio


profundamente venéra, ! .· ;
..
eu deixo, como lembrança,
O TESTAMENTO DA ARVORE 51

os beijos que dei, florindo,


' :r.a bôca da primavera.

As cigarras daqui, desta devêsa,


minhas sinceras saudações envio,
por serem, com seu ríspido cicío,
as campaínhas anunciadoras
àc silêncio ritua l da natureza,
nos saudosos crepúsculos do estío.

Passorinhos ! Louvai ao grande músico,


u um gênio musical como Bee thov,zn,(1 )
cheio de qmor, de inspiração, e fé,
que, com a sua ideal sabedoria,
fizer uma brilhante sinfonia
do canto natural de um caboré.

Minhas irmãs, pedi a um grande Vate


que com todo o seu alto misticísmo
e com suas estrofes laureadas,
do murmúrio da brisa em nossas folhas,
componha uma canção religiosa,
uma oração vibrante e rumorosa
do coração das nossas madrugadas.

(1) Beethoven, o maior gênio da mústca, disse:


"Amo mais a uma árvore que a um homem".
52 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

O reino vegetal de todo o mundo,


as árvores, que tôdas são cristãs,
devem pedir acs homens que as estimem,
como boas amigas, como irmãs.

Pelos meus votos, que de ha muito faço,


nêste lugar, nêste pequeno espaço,
onde as minhas raízes me criaram,
para sempre de pé me sustentar,
das entranhas da terra brotariam
as águas juvenís de uma nascente,
onde os bons animais desta vertente,
viessem, ao calor do sol ardente,
a sêde mitigar.

Aos mc~mges do deserto, aos penitentes,


E·Udeixo os meus aplausos, por fugirem
dêste mundo, que as almas envenena,
porque vivendo em solidão, bem sabem
que a pena de viver sem um prazer,
vale o prazer de se morrer sem pena.

Das profissões dos homens, que mais prézo,


uma das mais heróicas e mais nobres,
é a profissão do lenhador, que tira
O TESTAMENTO DA ARVORE 53

dE-1 nosso corpo, nos sangrando, a lenha,


que é mãe d;) fogo do fogão dos pobres.

[?6ixc à Morte o que sou : o meu sêr imortal 1


Porque a Morte não é material, funérea 1
A Morte é irmã da Vida e é tão espiritual,
que quando nos destrói o envólucro do espírito,
é para libertar a alma da matéria.

Deixo o meu velho trônco à margem dessa estrada,


para tod0 viaiôr, que nêle se a ssentar,
não s~ esquecer de mim, prosseguindo a jornada,
G descançar em mim, quando por mim passar.

Minhas irmãs, qual de vós não sente orgulho


de ver, em ardorosa devoção,
uma fô lha, que seia vossa, ardendo,
nas chamas festivais de uma fogueira,
numa noite feliz de São João 1? . .•

A minha sombra eu deixo a gratidão,


o meu sincero reconhecimento.
Companheira durante todo o dia,
quase a todo o momento,
54 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

estava ao pé de mim, estendida no chão,


seguindo a luz do sol, a trajetoria sua l
Mas, nas noites sem lua, ·
quando sentia a chuva sôbre mim caír,
qc;.ando ela dentro. em mim, medrosa, se escondia,
d.::r minha sombra tímida eu fazia
um manto com que à noite me cobria
para dormir.

A Terra, a minha mãe, que tanto bem me quis,


deixo o meu coração, minha raís.
Eu dei~o-lhe a raís e o coração,
porque ela é nossa mãe e mãe dos homens,
pois seu amor em tudo se revéla l
Ela dá flores, frutas e verduras,
àá-nos o ferro, o cobre, o ouro, a prata,
t.m tesouro de pedras preciosas,
e sendo assim tão rica e tão singéla,
póde viver sem precisar dos homens,
que, com tanta prosápia e tanto orgulho,
não p9derão, jamais, viver sem ela.
Por isto eu rogo a tôda a humanidade
que se lembre, na sua atrás vaidade,
de que as árvores têm religião 1
E que no reino vec;retal existe
um arbusto de angélica piedade,
q_ue no mês da Quaresma se enfestôa,
de sua fronde faz uma corôa
O TESTAMENTO DA ARVORE . 55

e se cobre de rôxo, em contrição,


rememorando em nosso calendário,
a tragédia de Cristo no Calvário,
na Sexta-Feira Santa da Paixão 1

Dizei que também viceia


·uma flôr apaixonada,
como igual outra não ha,
em que o Brasil mostra, ufano,
como um sagrado registo,
teclo o martírio de Cristo,
r.a flôr do maracujá.

Por falar nessa flôr rôxa e magoada,


vou contar-vos um sonho esplendoroso,
que hoJe sonhei, no fim da madrugada.

Este sonho idéal, miraculoso,


foi, em seu perpassar vertiginoso,
. a visita da morte, aproximada.

Eis o que boie sonhei de madrugada.


Catullo, numa CHARGE de Jerônimo Ribetro.
Catullo da Paixão Cearense, aos 53 anos de idade, em 1916,
em Petrópolis, Est ado do Rio de Janeiro, numa fotografia
feita pelo seu querido amigo, o gr ande bacteriologista
Dr. Paulo Silva Araújo
O anjo apagador de tôdas as estrêlas
tinha apagado a última, que assiste
ao despontar da luz, lágrima triste,
que a noite verte, quando vai morrendo.

A manhã vinha nascendo


tão bonita e tão contente,
tão alva e tão transparente,
com os galos, longe, a cantar,
que até mesmo parecia
que o nascimento do dia
se tivesse transformado
numa noite de luar.

Contemplando a manhã desabrochar,


fremindo, refremindo, atordoada,
eu vi, pousando em mim, em revoada,
em farfalhante aflar, numa visão alada :
- azúis, purpúrias, encarna das, pretas,
louras, violáceas, verdes, a E1a rela s,
um lindo ramalhete das ma is belas,
das mais encantac;loras borl?oletos.,
64 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Com as trêfegas borboletas


d e variado matiz,
vinha também um rosário
d e mimosos colibrís.
Vindo mais um milhão de insétos coruscantes
eu parecia ser uma esmeralda,
vibrando em calefrios · verde jantes,
cugrinaldada por uma grinalda
de topásios, safíras, ametistas,
cie adereços e joias rutilantes 1

Como as .mulheres belas, orgulhosas,


com uma ·vaidade própria das crianças,
nós, às vezes, tornâmo-nos vaidosas.

Tanto assim que eu fiquei soberba, envaidecida,


vendo um'águia real das amplidões desertas,
honra que eu nunca tive em toda a minha vida,
pousando sôbre mim, também, de azas a bertas !(1)

Aráras e periquitos
revoando do máto alto,
num revôo ascensional,
eram versos palpitantes,

(1) E' a glorificação da Aguia .de Haya, pousando na


. fronde luminosa dos "Poemas Bravios". -
O TESTAMENTO DA ARVORE 65

eram soluços vibrantes,


L
. saíndo do livro ve rde
do viçoso matagal.

.· í

Foi quando vi êste quadro,


esta cêna de pasma r..
qu e nesta ou noutra existência,
nunca mais hei d e olvida r :
- um rio esta va parado,
como um poéta, enamorado
de uma s flôres amarelas,
que de um arbusto copado
em suas á guas caíam,
provocando uns arrepios,
que em círculos, circulando,
iam se abrindo e alargando,
até que , chegando à margem,
dando um soluço profundo,
num beijo se desfa ziam.

Um ria chinho bonitinho,


escasso dágua, fininho,
vinha correndo e saltando,
cabriolando, espume jando
com ta nto brío e nobreza,
que logo se percebia
66 CATULLO DA P AIXAO CEARENSE

que ao ver o rio tã o grande


na sua enorme grandeza,
fazia renda _n as pedras,
para fingir alegria
e disforçar a popreza 1

Quantas flôr.es, em recato,


vergonhosas, me sorriam
pelos olhinhos do máto 1

Quantas rosas, qua ntos lírios,


quantas lindas a çucenas,
quantas formosa s verbenas,
algumas inda em botão,
pediam que eu as colhesse,
para trazê-la s comigo
à s terras deste sertã o.

Mas d eixei que lá fica ssem 1


Pois quem respeita e venéra
O$ mimos da criação,

ao ver uma flôr, admira,


sem profaná-la com a mão 1
GraVla, imprime a sua imagem
no-escrínio
.... ~
do pensamento,
. . . _,
O TESTAMENTO DA ARVORE 67

e recolhe o seu perfuma


nas fibras do coração.

E a manhã vinha se abrindo,


como uma flôr em botão.
A luz alva do nascemte,
que tinha nascido branca,
prenunciando a alvorada,
foi ficando avermelhada,
verde, azul, alaranjada,
queimando o céo em papÔgo,
que até mesmo parecia,
lá no alto da montanha,
uma -lagôa encantada,
com as águas pegando fôgo 1

Vendo o fogaréu do incêndio


em sangue se converter,
cheguei a pensar, a crer
que o Espírito das trévas,
por tanta luz deslumbrado,
dôido, houvesse apunhalado
Ç> $01 1 ante~ de nasçe~ 1 .
158 CATULLO DA P AIXAO CEARENSE

Mas, quando o Sol despontou


no cimo do monte, - louro -,
o Sol s.e me afigurou
um topasio, um ôvo de ouro,
que a ave preta da noite
tivesse pôsto e chocado
no alto da serrania,
t:m ôvo, de onde saía,
todo molhado de orvalho,
- um pássaro branco : - o dia !

Nas coisas da natureza


não me meto nem me entranco 1
Mas eu pergunto à ciência
como é que de um bicho preto
nasce um bicho todo branco !

Nesse momento supremo,


todo o sertão refremia
naquela hora cristã 1
E Deus, no Infindo Infinito
da Sua Infinda Grandesa,
dizia a última missa,
a missa dei: natureza,
oben9oando a manhã.
O , TESTAMENTO DA ARVORE 69

Vendo Deus inda ajoelhado


nos altares do nascente,
um papagaio imponente,
o orador das nossas festas,
o tribuno das florestas,
que fala a lingua dos homens
com expressões galhofeiras,
proclamou, vaidosamente,
que no mundo não havia
manhãs de tanta poesia,
cerno as manhãs brasileiras.

Ouvindo o gran-parlador,
lá do infinitÓ, do além,
sorrindo e batendo palmas,
Deus exclamou : Muito bem 1

O orador terminando o seu discurso,


comparançlo a maçã de Adão e. Ev~
com a nossa doce manga perfumada,
com tamanha chalaça o concluiu,
que depois de uma enorme gargalhada,
uma salva da palmas, prolongada,
das árvores, das matas a dos. matos,
pelas varqens de çlém, repercutiu.
70 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Acordando ao rumôr de tantas palmas,


- um lindo papa-capim,
um pintassilgo, um vim-vim,
um belo corrupião,
um canário, um chororão,
um roxoxó, um berí,
um piacôco, um bem-te-vi,
um gaturamo, um xêxéu,
um azulão, tão azul,
que era de crer que tivesse
manchado tôdas as penas
nas nuvens azúis do céu ...
um curió, um triste-vida,
uma suáve margarida,
uma sanã peregrina,
um noitibó da campina,
um cancão, um sabiáuna,
uma nervosa graúna,
um canindé, um beato,
mais um capitão do mato,
seus gorge!os afinando,
um a um em mim pousando,
forani, baixinho, cantando,
até que a rude araponga,
- o sineiro da alvorada -,
batendo as ave-marias
numa palmeira altanada,
rompeu, em côro, a alelúia
do canto da pauarada t .- ......
. ô TESTAMENTO DA ÀRVORE 71

O nosso elogiador das manhãs do sertão


teve, tem e terá sempr.e razão,
pois depois que acordei, tive a mága ilusão
de que tudo que em sonho, a delirar, ouví,
era a missa coral dos pássaros cantores,
regida pelo nosso grande Carlos Gomes,
saudando a luz do Sol, cantando o Guaraní 1

Vendo um pássaro ·chorando


por não ser um cantador,
para com os outros saudar-me,
com o mesmo brilho e vigÔr :
chorando, porque o seu canto
nem era canto 1 Era um pio
triste, fanhoso, sombrio,
desafinado, sem côr,
fí-lo cantar, lhe dizendo
que do seu pio fizesse
um canto a Deus consagrado,
e o pio desafinado
seria um hino de amôr 1

Irmãs 1 Como eu fiquei tão comovida,


ao ver entre esses pássaros tão ricos,
com tamanha nobreza e polidês,
1rID comedor dos nossos tico-ticos,
\:lm trav~lllSO pardal, um portuqu&s 1
72 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

Mas o que me deixou maravilhada,


e mais me · comoveu,
foi ver na multidão de tanta pa"ssarada,
o saudoso cardeal, o grande amigo meu 1
For não poder-me aparecer em vida,
desencarnado, em sonho apareceu l

Apóstolo de Cristo, airoso cardeal,


borboletas do céu, benévolo pardal,
araponga, sanã, garboso bem-te-vi,
papagáio, orador azul, verde, amar~lo,
por que antes de acordar dêsse meu sonho belo,
abraçada convosco, eu não morri? J

Mas não 1

Eu não morri, porque o Senhor não quiz


que eu morresse em tamanha ostentação,
sonhando um sonho espaventoso a ssim 1

Pois quando despertei, alucinada,


e me encontrei, de novo escave irada,
fiquei mais que em meu sonho, deslumbrada,
V6ndo Deus, a sorrir, perto de mim 1
('1 == r--:::, == .z::=
r::::i
Q,o -( ')~9

Catullo, numa CHARGE de Mendez.


A ARVORE DITANDO AS SUAS ÚLTIMAS VONTADES
Çatullo e o seu grande conterrâneo, amigo e admirador,
Çoelho Net t o, numa CHARGE de Moura.
E agora, aves do céu, árvores moças,
que ainda conservais a virgindade,
porque ainda não déstes vossos frutos,
em vossa vegetal maternidade,
peço, em nome do Amor, nunca vos esquecerdes
dêste santo legado, o derradeiro :
· -- como um sinal do céu, como um oráculo,
àeixo ao Brasil meu cáule sobranceiro,
afim de que êle seja o mastro, o sustentáculo
do pavilhão brasileiro.

De verde e de amarelo colorida,


vendo em suas estrêlas minhas flôres,
pensarei que inda estou reflorescida.

Flutuando em desenove de Novembro


e na datq ancestral da Independência,
repetirei o grito do lpiranga,
com que. nos libertou-· a Provic;lêr:\cia.
- . .
~ '
80 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

Nas comemorações dos padroeiros,


dos heróis e dos grandes brasileiros,
bão de me ver em alto descortino 1
E no dia do seu falecimento,
ao ser erguida, em meu levantamento,
hei de beijar a pedra do sepulcro
de Francisco Manuel, criador do hino.

Can tando os seus gorgeios soberanos,


hei-de pedir à Estrela dos Reis Magos
que os conduziu ao Berço do Curral,
que conduza o Brasil todos os anos,
rodeada de todas as estrêlas,
ao coràção de Cristo, em Seu Natal.

No fulgôr magistral de toda festa, .


em que a nossa alegria manifesta
todo o ardôr do seu culto varonil,
nos jubilêus, nos préli~s ardorosos,
nos funerais dos dias lacrimosos,
eu representarei sempre o Brasil.

Pensando no porvir, peço a um pintor iá morto,


co nobre, ao portentoso, ao grande Pedro Américo,
q~e. faça o meu retrato e o guarde na memória, .,
para ser ofertado ao maior dos artistàs,
O TESTAMENTO DA ARVORE 81

ao maior dos heróis que em rútilas conquistas


levar a nossa Pátria ao Panteon da Glória.

Sim, o herói do futuro,


porque nesse Panteon
ha muito tempo iá vivem
muitos heróis consagrados,
e entre os mais celebrisado~,
o eterno Santos Dumont.

Tive enorme pesar de não ter sido


o cadafalso algoz de Tiradentes,
o grande mártir da brasilidade,
para dizer à Pátria gloriosa
do sublime Camões e do Bocage :
- eu fui, por ter sofrido_o vil ultraqe,
o cadafalso que êle transformou
no divino Tabôr da Liberdade.

Já que não fui a cruz de Jesus Cristo,


de onde brotou a luz da cristandade,
. eis a minha vontade derradeira :
- é morrer nesta terra em que veqéto,
a quem consagro todo o meu afeto,
para, depois de morta, ser bandeiro.


~2 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Se é justo e natural que o Brasil idolatre-a,


embandeirando o altar do Cristo da montanha,
quero, altiva, vibrar com as vibrações da Pátria 1

E para terminar meu testamento,


eu pedirei a Deus neste momento,
que, quando a luz do Seu Amor Divino
nos ímpios corações dos homens resplandeça;
nesse dia solar, alviçareiro,
:t:le permita que no mundo inteiro
o Reino Vegetal todo floresça 1

Pois vós sabeis, irmãs, que a minha glória extrema


é ser, depois da morte, o estrelejado emblema
da bandeira da pátria, o mais sonoro poêma
dos acórdes febrís do Hino Nacional,
pois Deus ha de querer que eu seja, em' algum dia.
o pavilhão da Paz, da Luz e da Harmonia,
o estandarte da Fé, a Óstia da Poesia,
o auri-verde pendão do Amôr Universal.


Catullo com o seu glorioso Violão, no. jardim do seu famoso
bq,rracão, num des~nho d~ Armando Pacfi,eço,

POLIANTÉIA
sôb1·e o Poeta, organizada e anotada por
GUIMARÃES MARTINS
Fraqrtlentos de juizos-críticos ela
maranhense.s, terra de Catullo.
sele'Cionados e anotados por

GUIMARÃES MARTINS
CATULLO
Tu me perguntaste, certa vez, em carta, qual o juizo
dos maranhenses a teu respeito. Vou responder-te:
- Ao chegar a esta terra abençoada por Deus, a pri-
meira pergunta que me fizeram foi - o Catullo n ão veio?!
- respondi negat ivamente e que surprêsa não tive quando
quase me agredi ram rev.oltados porque eu não t.e havja
trazido . Mas, mesmo assim, sem a tua presença, eles nao
se furtaram a prestar as Homenagens de que és merece-
dor, pelo teu Talento invulgar e raro.
E a prova está na formidável manifestação que te
prestaram, no dia da inauguração do teu monumento aí
no Rfo, inaugurando aq.ui em São Luiz, uma placa come-
morativa no prédio n.º 66, da rua Osvaldo Cruz, antiga .
rua Grande, onde nasceste e passaste a tua infância.
E' bem significativa a inscrição dessa placa:
"Nesta casa nasceu, a 8 de outubro de 1863,
Catullo da Paixão Cearense, o grande Poeta que
soube interpretar, em versos bem representativos
da Inteligência Maranhense, a alma popular brasi-
leira. São Luiz, 11 de janeiro de 1940."
· Todos colaboraram com indefinida satisfação:
- Antonio Lopes, uma das maiores culturas da Atenas
Brasileira, fundador e professor da Faculdade de Direito,
que tem sido · o Mestre de inúmeras gerações de intelec-
tuais, jornalista dos mais antigos e fulgurantes, que é
um leal in.centivador dos moços de talento e um devotado
às causas nobres e edificantes do Maranlião, que êle ama
acima de tudo, foi, para o teu movimento de glorificação,
aqui, o mais vigoroso dds esteios; · · · · ·
- Astolfo Serra, belo . poeta.. e orador, da Academia
Maranhense de Letras; "'
90 ÔATULLO l>A PAIXÃO CEARENSE

- Valdemar Brito, brilhante poeta, jornalista, advo-


gado e tribuno, de "Renovação" ;
- Corrêa de Araújo, um dos maiores poetas de
Atenas; /
- e Fulgêncio Pinto, apreciado poeta sertanejo e es-
critor.
Guarda, pois, meu bom Catullo, com todo o carinho,
êste Album, que encerra um pedaço da Alma Maranhensc,
que te venera como o Expoente Máximo da Poesia Brasi-
leira. Êle conduz, embora palidamente, tôda a Emoção dos
corações' que vibraram no dia da tua Glorificação.
Assim, recebe-o como se Êle fôra o próprio Coração do
Povo' Maranhense, que é o teu próprio coração.
Guimarães Ma1·tins

São Luiz, 19 de janeiro de 1940.


• • •
ABRINDO O ALBUM DE CATULLO
Guimarães Martins e os jovens legionários do movi-
mento intelectual de "Renovação'', que está marcando um
capítulo brilhante na vida literária do Maranhão, querem
que êste Album seja aberto com palavras de um plumitivo
sem livros publicados, verdadeiro soldado desconhecido das
letras maranhenses.
Se o aplauso dos obscuros pode servir de incentivo à
Mocidade Maranhense para que não deixe arrefecer o seu
entusiasmo pelas belas tradições e · nobres figuras repre-
sentativas do Talento e da Cultura em nossa terra, aqm
me têm aquêles amigos batendo palmas à vitória da sua
iniciativa na homenagem prestada por São Luiz ao grande
Catullo.
Antônio Lopes
São Luiz, 12-1-1940.
• • •

O TESTAMENTO DA ARVORE 91

O QUE EU DIRIA NA FESTA DE CATULLO


O movimento promovido pelo espírito moço de Gui-
marães Martins em prol da placa, que assinalasse a casa
onde nasceu Catullo, foi um movimento de todos os inte-
lectuais maranhenses, porque Catullo é de todos, porque
nos seus versos canta o Brasil, em tôdas as suas incoerên-
cias, e tôdas as suas Belezas .
O maior Poeta da raça, Catullo, como ninguém, sabe
sentir o mistério das terras fartas do país das Pedras Ver-
des, e ungiàaS com a ternura de -seus versos em que há
alumbramentos e deslumbramentos, penumbras e luares,
vozes da terra e dos seres e os ritmos profundos da raça
em formação, cheia de ímpetos bravios, de arremessos he-
róicos.
Alma de santo, lira de Orfeu, Catullo, com os seus
versos, feitos de música bravia e saturada de brasilidade,
tornou-se tão grande no Brasil, que, se ':>S deuses o jogas-
sem ao mar, para castigo de haver subido tanto, ainda
ficaria com a cabeça de fora a contemplar estrêlas ...
Padre Astolfo Serra

• • •
NOITE CATULIA.NA

Brilhe o espírito de Atenas,


Que nada obumbra ou empana,
Nas horas, de vida plenas,
Desta noite Catuliana.
Manoel Sobrinho
São Lul,z, quinta-feira, 11 de janeiro de 1940, às 21
horas.
• • •

92 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

Neste momento, maranhenses, em que o nome de


Catullo recebe· a sua perpetuação em monumento de praça
pública, - e para a veneração dos brasileiros, - só uma
voz o canta: - a voz da epopéia; só um salário o paga: -
o salário da Glória .
Valdemar Brito (1) .

São Luiz, 11 de Janeiro de 1940.

A POESIA DE CATULLO DA PAIXAO


Poesia é irradiação, e a de Catullo da Paixão Cea-
rense é a mais formosa e a mais vibrante irradiação de
nossa natureza tropical .. : ·
Nascimento M orais

* * *
CATULLO. AQUELA MODINHA . . .
. . . O calor com qu'eu cantava,
Catullo, os teus versos! O
teu éstro de luz e lava,
em mim, fulgia e estrondava!
O meu Poeta eras tu!
O qu'eu mais admirava ! .. .

. .
Corrêa de Araújo

"'

(1) Trecho do fulgurante improviso do dr. Valdemar


Brito, representante de "Renovação", movimento cultural
dos moços da Atenas do Brasil, no momento da inaugura-
ção da placa que foi aposta no prédio n.º 66 da rua Osvaldo
Cruz, antiga rua Grande, na mui nobre e heróica Cidade de
La Ravardiêre, onde nasceu Catullo e passou a sua 1n~
fâncla.
O TESTAMENTO DA ARVORE 93

PASSARO ILUMINADO ·

E ao lembrar-me de Catullo, no crepúsculo do seu


poente, vejo que o sol dêste Brasil aumenta sempre de
fulgor.. . ·
Roberto Gonçalves

* * ..
O Govêrno do Maranhão associa-se de bom g;rado às
justas homenagens que serão prestadas, dur ante tôda esta
semana, ao genial poeta Catullo da Paixão Cearense, o
inegualável cantor da Raça e do Brasil iluminado.
Catullo bem merece o culto dos maranhenses porque
é, sem favor, o mais autêntico dos poetas nacionais, o con··
tim:iador do espírito argiro e criador da Arte e da Beleza,
que fêz do Maranhão a Atenas Brasileira.
São Luiz, 3 de maio de 1937.
Interventor Paulo Ramos

• • •
. . . Intérprete da brasilidade da raça, nos seus asso-
mos, nos seus sentimentos, nos seus costumes, nas suas
lendas, a poesia pinturesca de Catullo registra fielmente
o muito de bom · que · há na nossa gente a presservar e a
desenvolver.
Ao poeta sem par as honras da t erra berço ...
B . Barros Vasconcelos,

:Presidente da Academla Maranhense de Letras .


94 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE
'
Cantor ~.as Matas virgens do Brasil, da terra fe-
cunda, do sol vivo, das noites prateadas, Catullo Cearense
sabe, como ninguem, cristalizar num verso imortal todos
os ritmos da terra brasileira ...

Armando Víeira da Silva,


Presidente do Sindicato Maranhense de Imprensa.
• • •
A SEMANA DE CATULLO

. . . Embora velho de idade,


tem Catullo da Paixão
todo o encanto e mocidade
do Brasil no coração! .. .
José Prisco
São Luiz, 1937.
• • •
. . . Quem ainda não se extasiou diante de "Terra
Caída"? ...
Travassos Furtado

• • •
CATULLO - A ALMA ROMANTICA DO POVO

... O que há nele de melhor é a compreensão do gôsto


popular, que o leva à extraordinária e brilhante popula-
ridade de que desfruta. Os versos de Catullo entram no
coração do povo e se identificam com êle ...

Inácio Raposo
~io de Janeiro, 13 de abril de 1944 .


O TESTAMENTO DA ARVORE 95

CATULLO, O PRÍNCIPE DA ALMA ENLUARADA


DO BRASIL
Promoveu, há poucos anos, uma das revistas do Rio
de Janeiro, a eleição do Príncipe dos Poetas Brasileiros
contemporâneos. Figurei entre os eleitores que partici-
param no pleito, e dei o meu voto a Catullo da Paixão
Cearense. Era êle, ao meu ver, um príncipe meio bárbaro,
mas um verdadeiro príncipe, em que sobrelevavam alguns
incomparáveis atributos, e foi portanto perfeitamente na-
tural o impulso que me levou a sufragar-lhe o nome. Im-
pôs-se-me ao espírito como um dever essa homenagem
ao talento que produzira, entre vários outros poemas de
tamanha e tão singular formosura, os que têm por título
"Flor da noite", "Evangelho das aves", "O lenhador", "Luar
d.o sertão". . . 1i:ste "Luar do Sertão", só êle, seria bastan-
te para envolver em halo de glória imarcessível o poeta
que sentiu e soube fazer sentir o seu esplendor e indefi-
nível encantamento. . .
Alfredo de Assis
(Da Academia Maranhense de Letras.)
Rio de Janeiro, 28 de abril de 1944.

• • •
O PRíNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS
A poesia de Catullo da Paixão Cearense - príncipe
dos poetas brasileiros,-é a alma das selvas, nas harmonias
tôdas da grande orquestra da Natureza, na melodia das
cachoeiras, na cantiga das águas claras dos rios, vadiando
nos sertões bravias, na canção dos pássaros canoros, na
voz do galo triste, ao "Luar do sertão". Eu sou também
campônio. Nasci e criei-me nos confins do sertão, ouvin-
do a música sonora da mata verde e o. hino de glória da
Natureza. E, por isto tudo, o meu voto foi o primeiro que
Catullo· recebeu para "príncipe dos poetas brasileiros".
Carvalho Gutmarãe~

_gi~ d~ Janeiro, 28 de julho de 1~4~.


96 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE '

• • ••
CATULLO E RUY
.. . O Violão empolgou, de tal forma, a alma de Ca-
tullo, que o poeta abriu as asas para o azul infinHo do
ideal, para um dia pousar na biblioteca de Ruy Barbosa ...
Barnabé de Campos

• * .,.
Catullo tem tôda a inspiração dos grandes e ver-
dadeiros poetas. Dos seus versos êle poderia dizer com::.
o poeta espanhol: ' 1Eu os escrevo, mas é Deus quem os
dita".

.. Humberto de Campos
"'
Catullo é um extraordinário cantor, que será ex-
traordinário poeta ...
Artur Azevedo
Rio de Janeiro, 1905.
• • *
Catullo é um gênio agreste. E' um caso único na
Poesia Brasileira ...
Coelho Neto
Rio de Janeiro, 1924.
. . "' *
Acho natural que o País volte os seus olhos para
homenagear o grande poeta . . ,
Viriato Corrêa

• • •
O TESTAMENTO DA ARVORE 97

Cultuar Catullo significa render culto à própria


Poesia, na peanha augusta da Arte sublime. E' uma das
imaginações mais portentosas do Brasil ...

Carlos Humberto Reis

• • •
. . . Considero Catullo um. Poeta genial ...
Benjamin de Melo

• • •
. . . Catullo é uma Glória nacional ...
General Tasso Frageiso

• • •
CATULLO
Teu nome, em ascensão reta, .
No céu da Glória se expande,
E eu. astrônomo. calcúlo:
- Catullo, grande Poeta,
- Catullo, Poeta grande,
- Grande Poeta Catullo ...
Luso Torres

• • •
Há dias li num jornalzinho que o Catullo lia com
dificuldade e que os seus poemas sertanejos eram escritos
por outros, por êle não saber escrever! Mas, como assim,
se êsse poeta conhece a língua, tanto como eu, que sou
velho professor? .. .
Hemetério - José dos Santos

• • •
98 CA TULLO DA P AIXAO CEARENSE

CATULLO
E' merecedora dos maiores e melhores encômios, e é
profundamente tocante a maneira pela qual o jovem in··
telectual maranhense Guimarães Martins - que poderia
utilizar a sua vigorosamocidade numa galopada para a
conquista de renome a que pode, muito lidimamente, as-
pirar - se devota à mantença da glória da grande atriz
que foi Apolônia Pinto, e à do grande poeta que é Catullo
da Paixão Cearense, seus e meus conterrâneos.
Ainda que o que já fêz seja muito, - e é muitíssimo,
num País como o nosso, e em meio a um povo como o
brasileiro, cujo maior defeito é, no dízer de Rui Barbosa,
a falta de memória - não cansa e não pára na dupla e
generosa tarefa que espontaneamente tomou para si.
E a mesma tarefa é tanto ruais para admirar e aplau-
dir, quando êle poderia por igual aproveitar, a atividade
que com ela despende, em coisas mais ao feitio da nossa
época, isto é, mais praticamente úteis 'para si próprio, do
que em cultuar, desambiciosamente, a memória de uma
velha artista que não deixou parentes ricos nem poderosos,
e em homenagear, desinteressadamente, um velho poeta,
que mora num barraco, e cujo objeto mais valioso, no que
possui, é um violão. . . ·
E assim é que êle resolveu fazer uma escolha das poe-
sias de Catullo, publicando um livro como é o volume,
farto de quase quatrocentas páginas, que agora saiu:
"Poemas escolhidos".
A obra poética de Catulo não pode ser mais objeto de
crítica .
Passou em julgado.
Dela falaram, ex catedra, para proclamar· o seu valor
uma fartíssima porção da gente mais ilustre do Brasil'
sua contemporânea, e ainda estrangeiros de tomo. '
:tl:le é, sem apelação nem agravo, um grande poeta.
E é o maior poeta popular do Brasil.
Muito bem andou Guimarães Martins com o enfeixar
no volume .em aprêço, tanto a letra de modinhas que Ca-
tullo compos e cantava, quando moço e seresteiro, quanto
versos que o poeta escreveu, não no linguajar sertanejo
da maioria das suas poesias, e que lhes dá intenso sabor
local, mas em linguagem erudfta.
O TESTAMENTO DA ARVORE 99

Servem as modinhas para mostrar aos estudiosos como


. é que se deu a evolução da sua arte.
E servem os versos rimados e metrificados em lingua-
gem culta, para mostrar a julgadores levianos e imponde-
rados que Catullo, CJ.Uando se utiliza do modo de falar
roceiro ou popular, é muito propositadamente que o faz,
para dar um tom mais fortemente ·regional às suas poesias
do gênero sertanejo .
Comparem-se, nas duas estrofes que aqui transcrevo,
as duas maneiras do poeta :
Os pezin ho da curumba,
quando dansava .a baião,
paricia dois pombinho
a mariscá pulo chão.

Quem é que não admira a delicada beleza desta


imagém?
Rui Barbosa achou de "uma beleza incomparável" a
que estes vzrsos contêm:
Como um boi v elho, cansado,
pacientemente, a remoer,
que o capim verde que come,
torna outra vez a ccmer,
hoje, velho, relembrand.o.
minha alegre juventude,
tudo quanto já fruí,
como o boi, vou r uminando
o meu passado saudoso,
que foi, em tempo ditoso,
o capim "verde" e cheiroso
que, quando moço, eu comi.

Realmente, a gente hesita em dizer em qual dos dois


modos de versejar, Catullo é maior. Em ambos é grande.
Domingos Barbosa
(Do matutino "Jornal do Brasil", Rio de Janeiro, 1'7 de
janeiro de 19<15 e de "O Imparcial", de São Luiz, de 11 de
fevereiro · de Hl45.)
100 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

• • •
CATULLO (1)

Ouve, Catullo: "O Testamento da Arvore",


em versos esculpidos a buril,
está mais uma vêz a comprovar
que és o maior Poeta do Brasil !
Ribamar Pinheiro
(Da Academia Mara nhense de Letras)
• • •

. (1) ~stes versos foram improvisados pelo poeta Rl-


bamar Pinheiro, após ouvir a leitura de "O Testamento
da Arvore", que lhe fêz Catullo, quando da visita daquêle
vate maranhense ao Poeta do Brasil.
Fragmez:,tos de outros iuizos-c,yÍ-
ticos Catulo, selecionados
e anotados por
GUIMAR...~ES MARTINS
OUVINDO "0 TESTAMENTO DA ARVORE"

Quando ouvi Catullo recitar o seu poema, inédito,


O Testamento da Arvore, tive a impressão de estar es-
cutando uma voz est ranha, no mistério sacrossanto da
poesia.
o Testamento da Arvore, de surpreendente e filosófica
unidade de pensamento, não obstante urdido de estrofes
heterométricas, é o admirável testamento da beleza poé-
tica irresistível, do almejado espírito da verdade, do bem,
e da justiça.
Trago os olhos deslumbrados de ler e reler, e os ou-
vidos inebriados de ouvir obras-primas da poesia univer-
sal. .. E confesso, no entanto, que não me fatigarei ja-
mais, ao escutar, cheio sempre de entusiasmo e religiosa
admiração, como em êxtase, com a maior ternura, as for-
mosíssimas estrofes do O Testamento da Arvore, cuja lei-
tura, feita pelo mesmo poeta, me deixou saudades, e sus-.
citou o imenso desejo de conservar todo êsse magnífico
escrínio de nossa poesia bem no íntimo de mim mesmo.
E' O Testamento da Arvore uma obra panteísta e
imorredoura. :t!:ste o maior e definitivo elogio que lhe
posso fazer .
Seu maravilhoso poema tem o sôpro da eternidade.
Quem o ditou foi o maior Poeta: Deus!
Catullo poderá responder a quem pretenda inquirir
da misteriosa origem de seu poema, de sua inspiração se-
creta; a quem procure desvendar o segrêdo de sua criação
literária, o milagre de sua concepção e sentimento de
humanidade, Catullo poderá, simples e naturalmente, res-
ponder, em face de seus belíssimos cantos, à feição ·cte
Manuel Gutiérrez Nájera:
"Yo escucho, nada más, y dejo abiertas
de mi curioso espíritu las puertas.
Los versoo entran sin pedir permiso."
104 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

E a quem lhe ache exagerado o sentimento religioso


do poema, em seu doce misticismo universal, Catullo po-
derá, finalmente, repetir os versos do incréu de gênio
Guerra Junqueiro:
"A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a Providência,
Mas, deixandP-me Deus, deixou-me tudo." (1)

Astério de Campos

Rio de Janeiro, 18 de junho de 1945.

... . ..

(1) A musa em férias, 3.• ed., Lisboa, 1893 - Ruínas,


página 208.
.,
/
... -.

'..,

:;
:· ~v;.;;
~;:-....~~·~ · ---

Meu grande Mestre Catullo:

Orgulhoso por ter a ventura de datilografar os origi-


n ais do t eu último poema - O Testamento da Arvo,re, -
escrevo-te esta, para manifestar-te o contentamento que
tive de conhecer mais esta maravilha!
Já o li cinco vêzes e o lerei, enquanto tiver olhos de
vêr!
De cada nova leitura, e1icontro um pensamento novo!
E' de lamentar que êste Evangelho não tenha acesso
nas escolas, nas oficinas, nos quartéis, em todo grêmio
popular, enfim!
Amor, virtude, civismo, nobreza, coragem para o so-
frimento, fé na Providência, religião, patriotismo, tudo
isto nos entra nalma muito mais fácil pela fabulação e
pelo prestígio da poesia, que nos discursos bombásticos e
nos fastidiosos tratados sôbre o assunto.
O teu trabalho é um trabalho de imaginação, mas
que, quando o lemos, somos capazes de jurar que tudo o
que nele se contém, é pura realidade. Quem poderá afir-
mar que as árvores não pensam?! Só Deus nos poderá
responder. Seja como fôr, o teu poema é uma obra prima!
De nossa e de tôdas as literaturas!
Eu não sou dos mais lidos mas, até hoje, não conheço
coisa igual!
Como pudeste botar tanta realidade na bôca de uma
árvore moribunda?! Como precisamos cÍe livros, como
êste, nêstes tempos de lutas, de crimes, em que a humani-
dade, desorientada, sem crença em Deus, parece estar fi-
cando louca! ! !
1l:ste teu Evangelho é para ser lido pelos ignorantes,
pelos semi-cultos, pelos cultos e, até pelos sábios, os que
dizem conhecer a ciência do Céu e da Terra!
Vejamos: - A cena dos pássaros, construindo os seus
106 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

ninhos enterneceu-me! Neste quadro, desenhaste o prin-


cipio e' o fim de tudo, principalmente da vida humana!
Os meus filhos estão entrando na fioresta da existência e
eu e minha mulher, já no outono da vida, estamos como
aqueles dois pássaros, chorando a sua mocidade!
No final dessa descrição, meus filhos sorriam e eu e
ela tínhamos os olhos humedecidos de lágrimas!
A árvme ditando o seu testamento, é uma página de
encantar !
Quanta filosofia escondida na simplicidade da poesia!
o .episódio da coruja me deixou funda impressão.
D' ora avante, a olharei com mais humanidade . Felizmen-
te, meu caro Mestre, eu estou me aproximando da velhice,
como aquêle cardeal, do tronco da velha árvore. Infeliz
do infeliz que o não sente dentro do seu coração, cantando
n as horas de desalento!
O legado aos homens, às mulheres e às crianças é ou:.
tro episódio cheio de grandeza!
Tôdas as "deixas" são impressionantes, mas a cena
da tempestade e dos coriscos me calou, .fundo, nalma !
É°:ste fato já ocorreu comigo, há tempos, no interior de
Minas: Regressando eu, em noite escura, de um passeio
distante, por estradas desconhecidas, fugindo à tempes-
tade que se anunciava, fui, entretanto, alcançado pela
mesma, em caminho.
Pois foi um dêsses assustadores relâmpagos que me
apontou o abismo - um rio! - uns seis metros diante
de mim! '
A imagem do sonho é um deslumbramento! Quanta
coisa bonita! ·
Será verdade o que dizem sôbre êsse sonho? Ouço
falar, desde criança, que a aproximação da morte nos pro-
porciona casos como êste . .
Duvido que até o momento em que te escrevo, alguém
Ja tivesse pintado uma manhã, tão belamente como u
pintaste!
o nascimento do sol, e aqueles pássaros, pousados na
árvore, que foram afinando, baixinho, as suas vozes, até
o toque da araponga, rompendo a madrugada! Pensei
nas grandes orquestras, quando, os músicos afinando em
confusão, cada um de seu lado, os seus instrumentos, si-
ô TESTAMENTO DA ARVORE 107

lenciam, de repente, ao chegar o Maestro e com o primeiro


movimento de sua batuta, harmonisam-se todos, numa
só harmonia divina !
O meu car voeiro - o Manoel dos Açores - que, apesar
de ignorante, é t eu admirador pelo que lhe tenho contado
a respeito dos teus grandes apreciadores portuguêses, pede
que te agradeça a referência que fazes ao pardal, na mani-
festação dos pássaros de nossa terra .
E a árvore da quaresma? Tu tens razão de dizer que
as árvores têm religião. Qual o brasileiro que desconhece
que essa árvore se cobre de roxo nas proximidades da se-
mana santa?! ·
· Nas últimas vontades, arrebatei-me ! As "deixas"
finais são ... n ão sei como classificá-las. Na última estrofe
vibra o pa triotismo, como as lavas de um vulcão! A refe-
rência a Tiradentes, a Francisco Manuel, e aos heróis do
passado, são grandes como o teu sentimento !
Mas devo fazer uma referência à penúltima estrofe,
quando a árvore pede a Deus para que floreça todo o reine
vegetal do mundo inteiro, quando os homens se confrater-
nizarem e' viverem como elas vivem. Êsse dia chegará?
Deus o permita.
Vou terminar, porque já te estou enfadando com um
discurso .
Quero, apenas, fazer uma ::;audosa referência a tempos
idos, e, para isso, terei que recuar mais de quarenta anos!
Como bem t e lembras, fui teu aluno, isto é, teu discí-
pulo, na Piedade, à rua Martins Costa, quando tinha, ape-
nas, quinze anos.
. Desde então, venho acomp[!.nhando a tua velhice glo-
riosa! Que saudade dêsses dias felizes! Das 9 às 3 horas
da tarde, davas as tuas aulas ao curso primário; das 8 a
meia noite, lecionavas o curso secundário aos teus amigos,
que eram muitos.
A essa hora, reuniam-se os teus amigos músicos, Ana-
cleto Medeiros, o grande mestre do Corpo de Bombeiros;
Luiz de Souza - o primeiro pistonista do Brasil; Irineu
de Almeida - oficleidista sem rival; Pingussa - o mago
dos chôros ao violão; Kalut - flauta caladiano; Olímpio,
- o saxofonista do sereno; Mário e Galdino - os dois
cavaquinhos gemedores; Néco, Chico Borges, Quincas La-
108 CATULLó DA PAIXÃO CEARENSE

ranJ e1ra - os violões chorosos, todos se juntavam e saía


de tua casa a serenata, cantando as glór ias do teu Talento!
Quantas vêzes eu, não podendo tomar parte nessa
romaria , devido à minha pouca idade, ouvi-a, entretanto,
de minha residência, embevecido, quando passavas, de vol-
ta, pela madrugada.
No sítio do Comendador Assis Carneiro, por ocasião
das festas de Santo Antônio e São João, onde a tua pre-
sença era obrigatória ; em casa do sr. Mário Ramos e do
dr. Hermenegildo de Morais, seu sogro, pai de uma moça
de nome Coleira, como era chamada na intimidade, moça
de uma for mosura angelical, que apaixonava a todos que
a vissem. Eu também tomavaparte nessas festas, com a
minha familia e quantas vêzes, abandonando os folguedos
próprios da minha idade, me deliciei com as tuas modi-
nhas, aplaudindo também com os convivas, sempre nume-
rosos e entusiastas. '
Mas . .. "tudo passa neste mundo, só a saudade é que
fica", cc.no disse o velho sambador do teu grande poema
"Flor da Noite". '
Para terminar, direi que êste teu último poema "O
Testamento da Arvore", é o Cristo falando pela bôca de
uma árvore moribunda.
Um grande abraço do teu discípulo e admirador,

Otávio de Barros Thompson

. . ...

P. S. - Breve te mandarei um Cardeal, que tenho


há seis anos. Será tão belo, com a sua gola vermelha en-
volvendo-lhe o pescoço, como o Cardeal do teu maravilhoso
Poema? ·
Continúo na rua Pinto Teles n.º 555, em Jacarepaguâ,

...
onde espero, um dia, merecer a tua honrosa visita .
.
Rio de Janeiro, 18 de junho de 1945.
Meu querido Catullo:
Sabendo que o Thompson te havia escrito uma carta,
falando sôbre o teu "Testamento da Arvore", animei-me
a te escrever esta, que vai por mãos do nosso Gaudêncio.
Gost ei muito da apreciação do Thompson. Como teu com-
panheiro de farras e serenatas, senti saudade dos belos
t empos, que não voltam mais. Eu estou mais velho que
êsse teu antigo discípulo. Vou passar três meses em São
José dos Campos e na volta aparecerei para trazer o que
tu me encomendaste .
Se pudesse, todos os domingos estaria em tua casa,
porque as tuas palestras com os velhos companheiros va-
lem ouro.
O que sucedeu ao Thompson, sucedeu comigo, com a
minha esposa e com a minha mãe. Os pássaros entrando
vitoriosos no bosque, e os pais esperando a morte à mar-
gem do rio me fizeram pensar com amargúra.
O princípio e o fim da vida.
O caso do relâmpago, de que fala o Thompson, lem-
brou-me outro caso, de que talvêz já te tenhas esquecido.
Uma noite, por sinal que chuvosa, íamos os dois para.
a casa do Alfredo Leite, onde havia um chôro dos mais
célebres chorões daqueles t empos . O Alfredo morava nn
morro, cujo nome não me lembro. Ao atravessarmos uma
pinguela sôbre um córrego de águas barrentas, tu caiste
no dito córrego ficando tal qual um pinto preto, pois tu
ias com um t erno bran co, engomadinho de novo.
Isto não foi nada. comparando com a machucadela na
tua perna, que nos fêz bater na farmácia do Diniz, para
curar-te . Fui deixar-te em casa, furioso por t eres perdida
110 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

aquela. festa supimpa. Por mais que te consolasse, nada


te consolava. No dia seguinte, às oito horas da manhã,
quando fui ver como estavas, levei-te esta notícia:
- A festa do Alfredo tinha acabado em um rôlo mo-
numental, ficando várias pessoas feridas, inclusive o Ma-
nuel dv, Penha e o Juca Jacarandá, ambos em estado de-
plorável. Se não fôsse aquela pinguela, quero dizer, o
r elâmpago, estarias naquela hora morto, ou pelo menos,
em condições semelhantes aos feridos. Tu te ergueste da
cama, deste-me um abraço, e começaste a andar, como se
estivesses completamente bom.
O cardeal do tronco somos nós, que o temos dentro
dalma.
Outro fato, tão interessante como êste deu-se em ou-
tra noite, em que vínhamos alegres, um tanto chumbados
da casa do nosso amigo comum Benjamin de Oliveira. No
meio do caminho, esbarraste com uma árvore, que deixou
cair um fruto sôbre a tua cabeça, uma laranja, se não me
enp;n.no. Tu paraste, empunhaste o violão e cantaste a tua
modinha: "Os laranjais em flor'', tão querida do Zeca, o
filho do Patrocínio. Ao terminar, abraçaste a árvore e
prometeste escrever-lhe uma poesia, em agradecimento à
fruta que te deu. J á lá se vão uns bons quarenta anos e
agora cumpriste a promessa, talvez inconscientemente.
Lembras-te dêsse fato?
Devo dizer-te também que já conhecia a tua madru-
gada dos "Poemas escolhidos", que o nosso Guimarães
Martins selecionou e anotou, mas felicito-te por teres re-
produzido essa maravilha no teu novo livro, com modlfica-
ções e v.c!·éscimos, que mais a embelezaram.
Lendo o teu livro, lamentei que o grande Rui Barbosa
estivesse morto, pois se vivesse, apreciaria êsse teu novo
poema, cor!l.o apreciava tudo que t ens produzido, como soa
testemunha, pois duas veze·s fui contigo à casa dessa
Glória de nossa Pátria, na rua de São Clemente. Ainda
o estou vendo derramar lágrimas, ouvindo-te "A Promes-
sa", que hoje transformaste em "O milagre de São João".
Como a tua poesia fica longe dêsse modernismo bestia-
lógico dos pobres de im.aginac:ão !
i.1as que leve o diabn êsses profanos, êsses pobres
diabos .
O TESTAMENTO DA ARVORE 111

Eu bem sei que se quisesses terias êsse Evangelho


prefaciado por um Monteiro Lobato, um Coelho Neto, um
Humberto de Campos, um Agripino Grieco, um Afrâniu
Peixoto, um Roquete Pinto, um Astério de Campos, um
Mário-José de Almeida, uma Rosalina Coelho Lisboa, um
Assis Chateaubriand, um Pedro L:ossa, um Júlio Dantas,
um '.i\lberto Ran gel e muitos outros, pois que todos ·são teus
fervorosos admiradores. Estes, porém, já se t êm manifes-
tado várias vezes, entusiasticamente, a t eu respeito.
Ontem estive em casa do Felisberto a quem relembrei
a noite de serenata !"'ílais deslumbradora da minha vida.
Foi quando, há mais de vinte anos, numa noite de luar
saímos da chácara do Viví levando à frente você cantando
uma das tuas modinhas, acompanhado pelas quatro cele-
bridades do violão Agustin Barrios, J osefina Robledo, J oão
Avelino e Balthar.
Na rua da Piedade, na Estação do mesmo nome, en-
contramo-nos com o ilustre médico dr. Antônio Pires,
em caminho de sna caso,, que, t irando o chapéu disse-nos :
- Venho de um concêrto em casa do dr. Onofre Ri-
beiro, onde ouvi cantores e músicos afamados, ma.s con-
fesso-vos que ali os artistas exibiam-se para uma platéia
seleta e aqui os senhores exibem-se para a noite. Depo!s,
partiu dizendo-nos:
- Continuem a louvri.r Nosso Senhor Jesus Cristo.
As 3 horas da madrugada, quando cantavas sôbre a
janela da Celina, a moça mais formosa do mundo, a qual
te admirava, veio à janela te ouvir estas duas estrofes
arrebatadoras:
"Meu Violão! Esta lua está tão clara,
e êste céu tão sereno e tão bonito,
que eu vejo o coraÇP.o de Deus pulsando
nas artérias azuis lá do infinito.
Que ela venl1a à jane:; , P.Cf:tc inst:t:itc,
para ver, n esta noite cot· de p~·c. t r.. ,
como um Poeta se a ~ssi-:le llu ao Cristo,
carregando uma cruz cm ser<mata."
Não repares no papel e n o tratament o de - tu e você.
Para meu gôsto só te tratava de Excia .
112 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE
Com um grande abraço do teu velho amigo dos velhos
tempos e do teu admirador incondiconal,
Admar Vieira (1)

• • •
O GENIAL VIRGILIO CABOCLO
l!:sse Virgílio caboclo é muito maior do que os seus
admiradores o julgam ...
Júlio Dantas
• • •
. . . catullo Cearense, maravilhoso poeta . ..
Ruy Barbosa
• • •
. . . isto mostra a opulência da arte de Catullo, vate
humaníssimo, e, portanto, complexo em tudo quanto pen-
sa, inventa e cria. Humano, sim, até ao mais secreto pul-
sar da sua carne e do seu sangue, até ao mais oculto anelo
da sua alma e da sua emoção . ..
João de Barros
• • •
A sua literatura rústica tem as mais belas narra-
tivas que eu tenho lido e as mais deliciosas notações de
psicologia que um notável escritor desejasse assinar ...
Paulo Barreto (João do Rio)

• • •
(1) Solicitei permissão a Otávio de Barros Thompson e
Admar Vieira, para publicar, nesta poliantéia, sôbre o
divino Catullo, as suas cartas íntimas ao Poeta. Publico-.
as, pois, assim mesmo com a simplicidade com que foram
escritas . Mais valor têm por serem uma revivescência do
Passado e um testemunho vivíssimo da existência gloriosa
do Cantor do Brasil.
O TESTAMENTO DA ARVORE 113
Catullo é o maior poeta, ou, para melhor dizer, o
único poeta nacional que possuímos . ..
Antônio Tôrres
• • •
. . . Catullo é o maior criador de imagens da poesia
brasileira ...
Mário de Andrade
• • •
. . . Maior do que Catullo? Ninguém .·Só êle mesmo ...

. "' .. Belmiro Braga

. . . Catullo é o poeta do meu espírito e do meu co-


ração ...
Juliano Moreira
(Psiquiatra)
• • *

Os poemas de Catullo são obras-primas ...


Afrânio Peixoto
* • *
. .. Catullo, em sua poesia tem rajadas de gênio, que
às vêzes não se encontram em um século de literatura ...
Hermes Fontes
• • •
. . . Admiro o Catullo ...
João Luso
• • •
Catullo é o maior gênio, que se completa numa
sensibilidade rara de artista ...
.l}Iq,estrq H. Villa-LobQ~
114 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

• • •
Catullo é o brasileiro que melhor exprime a alma
do Brasil ...
Amoroso Lima (Tristão de Ataíde)

• • •
Se o nosso Catuilo não tivesse nascido com o seu
grande Destino de Poeta, o Brasil ficaria sem o máximo
Cantor de suas maravilhas naturais ! ...
!veta Ribeiro
• • •
Ouvindo Catullo sinto lágrimas pela saudade dos
dias que n ão voltarão nunca mais .. .
Garcia Júnior
• • •
Catullo ' é o Brasil desfeito em estrofes admirá-
veis ...
Procópio Ferreira
• • •
. . . Catullo com os seus poemas é a própria alma da
nossa Pátria .. .
Múcio Teixeira
• • •
. . . Sei que Catulio Cearense é um poeta que honra o
Brasil... .
Carlos de Laet
• • •
Catullo é o gigante da poesia nacional ...
Melo Morais FilhQ
O TESTAMENTO DA ARVORE 115

Catullo é o poeta que mais me faz meditar ...


Evaristo de Morais

• • •
Catullo é o mago da poesia nacional. . .
. Osório Duque Estrada

• • •
Sempre fui um grande entusiasta de Catulo ...

. . .. Agripino Grieco

. . . Catullo é o poeta mais nacionalista que pos-


suímos . ..
Pereira da Silva
ma Academia Brasileira de Letras)
• • •
Com "Meu sertão'', Catullo apareceu na literatura
brasileira com a pujança de um sentimento profundo,
imaginoso e convincente ...
José Oiticica

... (Filólogo)

Catulo foi o poeta escolhido da sorte para canta,r


na voz do seu próprio povo . ..
Roquete Pinto
• • •
. . . catullo agrilhoou-nos à sua poesia ...
Lui~ MUrqt
• • •
116 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Há longos tempos que Catullo luta pela nacionali-


zação da nossa poesia. E' um admirável pintor da nossa
natureza ...
Luiz da Câmara Cascudo

• • •
Ouvindo Catullo, uma coisa vaga, informe, mons-
truosa, cresce dentro de nós, expulsa o moderno e nos
deixa sozinho com a raça ...
Monteiro Lobato
• • •
Desde a modinha ao poema filosófico, o poeta dó
"Meu sertão" é um surto e uma glória . ..
Orestes Barbosa
• • •
. . . Catullo, para mim, é o maior poeta contempo-
râneo .. .
Gondin da Fonseca

• • •
Catullo é um dos poetas máximos do Brasil . ..
Rosalina Coelho Lisboa

• • •
Que filosofia na torrente sonora dos seus versos!. ..
Guilherme de Almeida

• • •
Ba~o palmas a todos os encômios feitos ao autor
clEi "O Mitrroeiro" ...
,fa,ckson de Fi[!ueiredo_
O . TESTAMENTO DA ARVORE 117

• • •
Meu grande Rui! Dou-te a entrada daqueles ser- ·
tões de Catullo Cearense, que tanto te enfeitiçavam ...
Martins Fontes

• • •
. . . Catullo Cearense é autor das duas obras-primas
de tôdas as literaturas que conheço: "O Marrueiro" e a
"Terra caída" ...
Pedro Lessa
Ministro do Supremo Tribunal Federal
• • •
Catullo - Poeta celeste -
de tua viagem suprema
trouxeste,
ocultos no Violão,
os grandes astros do Poema
que te adornam o Coração.
Gênio errante e vagabundo,
roubaste a Deus, no além-mundo,
a tua Constelação.
Muril-0 Araújo
Rio de Janeiro, 18 de agôsto de 1937.
• • •
Voltaire, septuagenário e desiludido, ao subir, pela úl-
tima vez, as escadas do Instituto, em Paris, disse, ao apertar
a mão de antigo adversário, que lha oferecera: "Na mi-
nha idade não se pode ter inimigos!"
Catullo ·da Paixão Cearense, octogenário cronologica-
mente, porque ainda forte de físico e jovem de espirita,
ainda escreve e declama, com genialidade, o belo poema
118 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

que se vai ler em "O testamento da árvore". Justo, pois,


que se reconheça, de público, - para que todos o saibam,
- ser êle o nosso Grande Poeta, felizmente, ainda vivo .
Alexandre Passos
0

Rio de Janeiro, 18 de junho de 1945.


• • •
O microfone da PRA-9 é o mais feliz do Brasil:
- êle é o único que transmite a voz mais brasileira
do País - Catullo !
Cesar Ladeira (1)
• • • •
Catullo Cearense, como poeta, é, no seu gênero, único
e inegavelmente genial. Não sei, no momento, de outro
poeta vivo brasileiro que tenha igual significação.
Renato Travassos

Rio de Janeiro, 18 de agôsto de 1937.


• • •
Catullo da Paixão Cearense é o apóstolo do sertão
pregando tôdas as suavidades e harmonias da natureza .. ,
Joaquim Ribeiro
• • •
. . . Nacionalismo, só o da po.esia de Catullo ...
Djalma Maciel
Rio de Janeiro, 21 de agôsto de 1937.

• • •
m PRA-9, é o prefixo da. Rádio Mayrink Veiga, do
Rio de Janeiro.
O TESTAMENTO DA ARVORE 119

UM EMBAIXADOR DA INTELIG~NCIA
O escritor Joaquim Leitão, secretário perpétuo da
Academia das Ciências de Lisboa, em missão oficial
de intercâmbio cultural do govêrno de seu país, a pri-
meira coisa que fez ao chegar ao Brasil, foi perguntar ao
seu confrade João Luso, onde morava Catullo da Paixão
Cearense . João Luso disse-lhe não saber, mas prontificou-
se a conseguir o endereço do Poeta Nacional . Isto me foi
contado pelo próprio embaixador intelectual de Portugal,
na visita que lhe fiz no Hotel Glória. Nessa ocasião, com-
binou comigo uma visita ao maior Poeta do Brasil, em
todos os tempos. E no dia 3 de dezembro de 1944, domingo,
às 15 horas, esperei-o na casa de Catullo . Chovia muito.
Quando chegou o escritor lusitano, disse-lhe Catullo:
__:''E' pena, doutor, estar, hoje, um dia tão triste, chu-
voso! ... "
-"Para mim é .um dia de sol!", respondeu-lhe o ilus-
tre publicista.
Após alguns instantes de palestra, pediu a Catullo
que recítasse alguns dos seus célebres poemas e famosas
canções. Catullo acedeu, recitando em primeiro lugar "O
Marrueiro", o poema-sertanejo número um, na ordem cro-
nológica, escrito pelo "Maravilhoso Poeta". Seguiram-se
"Flor da noite" e "A lagoa ''. Depois Catullo cantou (aos
81 ajlos de gloriosa existência, mas ainda em pleno pod_t~r
e domínio da sua interpretação genial) a sua popularís-
sima modinha "Talento e formosura", a brasileiríssima
canção "Cabôca de Caxangá" e a emocionante "O cego",
que provocaram lágrimas de emoção no visitante, o qual,
beijando Catullo, disse-lhe:
- "Catullo, esta é a maior Saudàde que levo do
Brasil!"
Guimarães Martim
Rio de Janeiro, julho 3, 1945.
• • •
CATULLO
Na quietude e no recolhimento da sua 'c asa do -Enge-
nho de Dentro, o glorioso Catullo, velho e alquebrado fi.c~I-
120 CA'ÍULLO DA PAIXÃO CEARENSE

camente mas cheio de ardor e de mocidade de espírito,


1
recebeu, há dias, a visita do professor Joaquim Leitão, se-
cretário da Academia das Ciências de Lisboa.
Foi uma homenagem simplesmente justa. Já outro
grande vulto da literatura portuguesa, o sr . Júlio Dantas,
tal como o sr. Joaquim Leitão agora, deixou as rodas ele-
gantes da cidade para rumar direito aos subúrbios a ho-
menagear com a sua presença o modesto, modestíssimo
tugúrio do autor de tantos poemas admiráveis que nos
mostram um Brasil cheio de simplicidade e beleza, mas
tão rico, tão grande, tão cheio de sentimento e cor como
ninguém, antes ou depois dele, o conseguiu fazer. ·
Houve apenas uma diferença. O secretário da Acade-
mia visitou Catullo numa casa. Modesta mas casa. Júlio
Dantas visitou-o num barracão, com paredes de lençóis, ·
mais nobres, porém, e mais honradas que muitas de pedra
e de cal cobertas de vistosos quadros e tapeçarias ricas.
E' que o poeta-boêmio já pode ter casa. Proporcionou-lhe
os meios para tê-la o presidente Getúlio Vargas.
A visita de Joaquim Leitão foi honrosa para o poeta
sertanejo e dignificante para o escritor acadêmico . Ela
foi um reflexo do prestígio que o nome de Catullo desperta
~m Portugal, onde é admirado e querido, nos meios cultos,
como nas camadas populares, porque os portugueses or·-
gulham-se de Catullo tanto quanto os brasileiros. I!:les não
sabem muito bem . onde é que Portugal acaba e o Brasil
começa. N<;> seu amor El. no seu carinho não há separações
entre as duas pátrias.
Com certeza Júlio Dantas contou a Joaquim Leitão a
visita que fizera a Catullo. Deve-lhe ter descrito o am-
biente, o ambiente que já não viu, da morada do vate
admirável até na simplicidade de seus hábitos. Não sabe-
mos que juízo terá feito sôbre a transformação. .
Para nós, porém, é grato assinalar que Catullo da Pai-
xão Cearense, em dias como êsse, já não necessita dizer
como dantes, para a devotada companheira : '
- Mulata, lava as paredes que vamos ter visita.
·· Almeida Azevedo
(Do matutino "Brasil-Portugal'', Rio de Janeiro, 6 de
dezembro de 1944.)
ô TESTAMENTO DA ARVORE 121

• • •
CATULLO DA PAIXAO CEARENSE
Catullo da Paixão Cearense, que vate extraordinário!
Contudo, no dizê-lo, o crítico busca circunlóquios, e o lite-
rato perpetra frases. Brasileiro, sempre reservado nos seus
juízos, teme comprometer-se, ou porque advoga em causa
própria, ou porque visa o calor de todos os astros, como
político namoriscando partidos antagônicos .. .
Não fôra isto, com a secreta esperança de luta em
futuros prélios, e todos os músicos, menestréis, autores e
literatos, reunidos à sinceridade inata das multidões, di-
riam, simplesmente, doesse a quem doesse: "Catullo da
Paixão Cearense é o maior dos nossos poetas!" E a afir-
ma tiva não seria simples barretada àquê!e que, pela ri- _
queza das imagens e pelo profundo senso filosófico, re-
cebeu rasgados encômios até de Rui Barbosa.
Para sentir êsse gigante do Parnaso na plenitude de
seu engenho bastam-nos, agora, "Poemas Escolhidos", co-
letânea devida a Guimarães Martins, maranhense cioso
das glórias do seu Estado, paladino infatigável dos foros
intelectuais da Atenas Brasileira; pescador de pérolas num
oceano só de pérolas - pois pérolas são todos os escritos
dêsse "Virgílio caboclo muito maior que todos os seus ad-
miradores o julgam", segundo Júlio Dantas - ainda assim
logrou das melhores apartar o melhor!
Nas quase quatrocentas páginas dessa maravilhosa
coleção, Guimarães Martins apresenta-nos Catullo em tô-
das as facêtas artísticas: o músico e o cantor; o vate bravio
e o aédo culto. Aqui é o orfeu inimitável do "Talento e
Formosura"; além, ·o divino intérprete do "Luar do Ser-
tão"; acolá; a alma mesma do "O Marroeiro" criando esta
imagem estupenda citada pela crítica uruguaia: "Sá dona,
os cabelo dela tão preto pru chão caía, que toda frô que
butava nos cabelo, a frô murchava, pensando que anoi-
tecia" ... ; ou esta, não menos bela nem menos original,
ao descrever. uma cabrocha nos seus requebras de dansa:
"as duas rola morena, pru baixo do cabeção, trimia cumo
água fresca quanao o vento bêja as agua das lagôa do
sertão!"
122 CATULLO DA p AIXÃO CÉARENSE

Aos oitenta e um anos, pois nasceu em Outubro de 63,


Catullo vive hoje a relembrar na glória do presente os es-
plendores do passado, antevisionando a justiça que lhe
_fará o futuro, ·ao proclamá-lo não apenas um vate extra-
ordinário, mas o primeiro dos nossos poetas, no amplo sen-
tido estético e sentimental do vocábulo . ·
Do seu tugúrio, repousando entre milhares de coroas
tecidas pelos luminares do pensamento contemporâneo, o
bardo sublime lembrou-nos! Pega da sua pena de ouro,
e traça, num exemplar dos poemas: "Ao brilhante jorna-
lista Joaquim Laranjeira, oferece o Catullo". Por Deus!
Isto vale bem o sacrifício dum mísero escriba provinciano
suportar as perseguições, talvez a inveja, dos pollticóides
ineptos de sua aldeia! Obrigado, Catullo da Paixão Cea-
rense! Obrigado, Guimarães Martins, nobre e rútilo ta-
lento, autor dessa aproximação espiritual que tanto nos
ensoberbece e consola!
J. Laranjeira

(De "A Semana", de Madalena, Estado do Rio de Ja-


neiro, de 5 de fevereiro de 1945.)
• • •
Catullo - o grande cant.or ( ... a saudade gloriosa
das serenatas) ...
Mário-José de Almeida

• • •
Os mais notáveis escritores do mundo assinariam
os poemas que Catullo escreveu.
Catullo Cearense é o derradeiro ipê dourado a resistir
impávido aos lenhadores ferozes do país antigo e tradi-
cional ...
Assis Chateaubriand
• • •
A quem deve perenidade o nosso indio?
A Gonçalves Dias. ·
A quem deve perenidade o nosso sertanejo?
O .TESTAMENTO DA ARVORE 123

A Catullo Cearense.
Que terra natal em ambos se celebriza?
O amado e glorioso Mara nhão.

. . ...
Escragnolle Dória

E' que Catullo é um cantor estranho e singular de


panteísmo. Sua fonte de inspiração é a natureza rústica,
bravia, feroz e virgem, livre e selvagem, cuja linguagem
o genial poeta compreende como se fôsse um intérprete
-de Deus! ...
Gastão Pereira da Silva

• • •
Guimarães Martins:
Renovo minha opinião acêrca do grande Catullo, soll-
citada em 1928 pelo saudoso poeta e escritor Inácio Ra-
poso e divulgada no. matutino "O Brasil":
"- Catullo da Paixão Cearense é um poeta genial que
pode muito bem honrar a galeria dos grandes poetas da
Humanidade".
Alexandre Herculano, em carta datada de 30 de no-
vembro de 1847, dirigida ao genial poeta A. Gonçalves
Dias, disse:
"- Se estas linhas escritas de abundância de coração,
passarem os mares, receba o autor do Primeiros Cantos
o testemunho sincero de simpatia, que a leitura do seu
livro arrancou a um homem, que o não conhece, que pro-
. vavelmente não o conhecerá nunca, e que não costuma
nem dirigir aos outros elogios encomendados, nem pedi-los
para si".
Eu, prezado confrade Guimarães Martins, caso esére-
vésse ao Catulo diria:
" - Desde criança que teu nome está no meu coração..
O violão que é o teu próprto coração será o eterno sina-
leiro para guiar as futuras gerações - poetas e trovado-
res - com teus versos, continuarem nas execuções vibran-
tes elo mator canto 1u;itrióttco: - "Oh/ que saudade do
124 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

luar da minha terra, lá na serra, branquejando jôlhas sê-


cas pelo chão! . .. " .
Gonçalves Dias, nos olhos negros de uma mulher es-
creveu o mais lindo poema da poesia brasileira, e tu, Ca-
tullo, ol hando a Lua, escreveste a mais linda canção do
nosso grande Brasil."
M. P. Silva Reille
Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1944 .
* * *
Catullo es un poeta grande, como el Brasil. ." .
Francisco Vilaespesa

* * *
L'hymne de monsieur Catullo Cearense au Soleil et à
la Lune est un pur chef-reuvre et je suis sür que j'en dirai
autant de toutes ses poêsies, quand je les aurai lues, ce
que je vais faire de main.
Georges Dumas

* * *
Catullo, poeta de cuerdas nacionales, me ha dado
la emoción de la poesia brasilefia ... ·
Salvador Rueda

* * •
Catullo Cearense est unique en son genre et il nous
a donné Ie frisson nouveau. La matiêre de ses poêmes est
simple, vaste et riche.
Elle est la contemplation du monde et contemporaine
ele tous les âges. Elle a l'image forte, profonde, cosmique.
Son âme est au centre de Ia forêt, comme un écho sonore,
telle l'âme de Victor Hugo au centre de tout, selon le vers
célebre. 11 a une façon alsée et süre d'entrer en matlere,
une familiarité jamais vulgalre, qui me fait penser à l'in-
O TESTAMENTO DA ARVORE

125

comparable Lafontaine. Catullo ne dit point ses vers ni


les déclames. 11 les vit. La voix, le geste, la masque et les
mouvements, tout a cette verité, cette force spontannée
et juste d'un art qui qui rejoint la vie. Il est simple, naturel
et exact comme un chant d'oiseau.
(Crônica do Mercure de France, Paris, 1 de maio de
1919.)
* * *
UMA COLMEIA DE LUZ
A Poesia de Catullo da Paixão Cearense lembra a
colmeia do infinito onde as estrêlas, abelhas de luz, fa-
zem o esplendor eterno da Beleza. ·
Podem consid erar-se estas estrofes como as mais be-
las da Poesia natural do autor do "Evangelho das aves".
"O Testamento da Arvore" é, a certos aspectos, talvez o
livro máximo do Poeta da "Terra Caída" porque reflete
·na expressão viva e dominadora do pensamento a supre-
ma naturalidade da forma e do estilo .livre das influên-
cias literárias: ·
- O sentimento cósmico e divino do poema nos deixa
entrever o mistério ainda mais intensamente do que o
fêz à admiração do poeta das "Ondas", ao ouvir, religio-
samente, as canções iluminadas da melodia, da harmonia
e do ritmo da Arte Universal de que Catullo é um Após-
tolo na vibração das seis cordas da sua lira a que tanto
deve a glória brasileira e mundial do seu nome. Quando
dizemos Poesia natural, e lembramos a velha imagem das
abelhas de luz, queremos referir a ingenuidade filosófica
e suavíssima dêsse poema de tão singelo panteísmo.
'n1ario-José de Almeida

Rio de Janeiro, 19 de agôsto de 1945 . - (Inédito).

* * *
O POETA DO SERTAO
Paulo da Silva Araújo, o puro, o nobilíssimo espírito
(\UE) soube ser, ao mesmo tempo, na mais alta acel?ção da
126 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

palavra, um poeta, um sábio e um santo, falava-me sem-


pre com viva simpatia dos trabalhos de Catulo da Paixão
Cearense. ·
Foi através do coração daquele meu melhor e mais
intimo amigo de infância que comecei a interessar-me
pelo cantor sertanejo, a prestar atenção a suas .Modinhas
e trovas. "Mas o Catulo não faz apenas isso - dizia-me
o Paulo - tem poesias de um lirismo delicioso, pela fres-
cura, pela originalidade. Hás-de ouví-las comigo um dia
e verás se tenho ou não motivo para afirmar que êle é
um Poeta como poucos. , . "
E era tão sincero, tão comunicativo o entusiasmo do
grande artista do "Alto Mar" e do "Mês de Maria" que,
certa tarde, fui com êle visitar o trovador. Catulo mora
nos subúrbios.
Leva-se um ano para chegar lá. Enquanto o landaulet
do meu saudoso amigo pulava como um galgo sôbre o
péssimo calçamento das ruas, o Paulo ia-me contando
coisas sôbre a vida do cantor do "Marrueiro". Soube, as-
sim, que êste nascera no Maranhão, em 1863, de pais
cearenses. Seu a vós foram boiadeiros.
Aos 7 anos, levaram-no para o Ceará . Desde os cinco
anos cantava ao desafio. De uma feita, levou uma sova
dos pais por ter roubado o violão de um vizinho. O pir-
ralho, com o violão furtado, fizera uma serenata sob a
janela da casa de uma "caboclinha" da redondeza! Acom-
panhando um avô boiadeiro mergulhou nos sertões cea-
renses . Aos 18 anos, inal correspondido numa paixão vio-
lenta, improvisou num samba uma canção de desdém,
para se vingar d;:i, ingrata. No dia seguinte~ Fortaleza in-
teira sabia de cor as trovas do Catulo. Impando de or-
gulho, êle ouvia falar, ansioso dos desafios e aventuras
de Mané Riachão, Inácio da Catingueira e do cego Chico
Francisco, de. São Francisco, o invencível campeão da viola
e da trova. O seu primeiro violão, fê-lo êle próprio. E
como não o achasse harmonioso, vendeu os livros ga-
nhos no colégio e, com o dinheiro apurado na transa-
ção, comprou um pinho como desejava.
Com a cabeça cheia de versos e a viola sempre afi-
nada, cantando sempre, Catulio veio do Norte para o Rio
e qontinuou . aqui na m~sm~ viàa, çomo se e~~ive&se :P.Q
O TESTAMENTO DA ARVORE 127

sertão. O Govêrno deu-lhe um emprêgo na Imprensa Na-


. cional.
Tomou posse, entrou em exercício, compareceu três
dias ao trabalho e, depois, nunca mais lá voltou .. .
- Chegamos - disse-me o Paulo, interrompendo a
biografia do Catulo. E' aqui.
Olhei em tôrno, procurando a casa. Não a vi. O
Paulo sorriu.
- Lá no fundo: aquêle barracão.
A casa do Catulo ! A semelhança de seu primeiro
violão,. fê-la também êle próprio. E' um barracão de ma-
deira, em forma de "chalet", erguido em meio de árvores
frutíferas e de roseiras e jasmineiros em flor. ó homem
lá estava, de tamancos e chapelão de palha barata, a re-
gar os canteiros . . . Foi improvisado um ºjantar, um de-
licioso jantar de carne sêcá, lombo de porco, alface e pi-
rão de milho, com pimenta a valer. E à noite, ao claro
luar, que batia de chapa na igrej inha branca do lugar,
Catulo foi buscar o seu violão famoso e cantou admirá-
veis coisas, transportando -l}OS, por encanto, aos virgens
sertões do Norte.
Folheando agora o seu livro "Meu Sertão", carinhosa-
mente editado pela Livraria Castilho, recordo agora, com
infinita saudade, a Beleza dessa noite de luar que eu e
o Paulo passamos até tarde, no barracão, ouvindo admi-
ráveis poesias sertanejas e sentindo o cheiro penetrante
dos jasmineiros brancos de tão floridos... Aqui estão
enfeixados os mais belos trabalhos poéticos de Catulo
Cearense: "Quinca Micuá", "O Marrueiro", "O Lenhador",
"A Promessa", "O Passador de Gado", "A Vaqueijada", "O
Cangaceiro", "Terra Caída"... Que dizer dessas lindas
produções literárias, que realizam a maravilha de ser em-
polgantes apesar da linguagem propositalmente tôsca e
rude em que são escritas? De seu valor já falaram cheios
de entusiasmo Alberto de Oliveira, Humberto de Campos,
Luís Murat, Pereira da Silva, Assis Chateaubriand, Afon-
so Arinos, Salvador Rueda, D. Júlia Lopes de Almeida,
Afrânio Peixoto, Paulo da Silva Araújo. o Brasil, de
Norte a Sul, no interior como no litoral, conhece e admira
o cantor sertanejo. "Meu Sertão", acaba de sair do prelo
há l~mª' semam;i, se tanto. E ontem, ~a~isfeitissimg, Q
128 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Castilho, ao entregar-me, da parte do Catulo o exemplar


que acabo de ler, encantado, disse-me cheio de alegria:
- Já vendi nada menos de mil duzentos e vinte e
dois exemplares ! A primeira edição já não basta para
as encomendas que tenho .. ·.
De quantos poetas contemporâneos poderia um edi-
tor dizer, aqui, a mesma coisa ?
Castro Menezes (Castruccio) .
(Rio de Janeiro, 1918)

* * *
A UNIÃO MARANHENSE AGRADECIDA A CIDADE
MARAVILHOSA
Realizou-se no dia 20 de janeiro de 1939, às 15 horas,
no Teatro João Caetano, a festa cívico-musical da União
Maranhense do Rio de Janeiro, em comemoração à data
da fundação da Cidade do Rio de Janeiro e em agradeci-
mento à mesma pelo movimento de consagração a Catullo
da Paixão Cearense.
A mesa que presidiu os trabalhos estava assim consti-
tuída: General Tasso Fragoso, Presidente de Honra da
União Maranhense e Presidente da mesa; Dr. Simão Tann,
representante do Dr. Henrique Dodsworth, Prefeito do
Distrito Federal; General Pinheiro; Dr. Raimundo Serejo,
orador oficial; Capitão João Martins Vieira, representante
do Comandante do Corpo de Bombeiros; Dr. Pereira do
Carmo, Presidente do Instituto Carioca; Prof. Benjamm
Melo, Diretor-Social da União Maranhense; Coronel Dr.
Trajano de Viveiros Raposo, Tesoureiro da União Mara-
nhense; Dr. Martinho Costa Santos; e os jornalistas Bar-
nabé de Campos, Cursino Raposo e Gqimarães Martins.
Após o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Ban-
da de Música do nosso Exército, o General Tasso Fragoso
abriu a sessão, proferi~do um lindo improviso, no qual
traduziu os agradecimentos dos maranhenses, seus con-
terrâneos, aqui radicados, à Cidade do Rio de Janeiro, pela
homenagem a Catullo. ·
Em seguida falou o Dr. Raymundo Serejo, ~ue tra~ou,
O TESTAMENTO DA ARVORE 129

com · frases cheias de eloquência e civismo, o perfil de Ca-


tullo, como um dos maiores Poetas do Brasil.
Em nome da mocidade maranhense falou Curslno Ra-
poso, seguindo-se com a palavra o Prof. Benjamin Melo.
Tôda a segunda parte, exclusivamente musical, esteve
a cargo de quem subscreve estas linhas, que também atuou
como speaker da festa, e cantou as modinhas de Catullo.
Finalizando a parte musical cantamos o "Luar do sertão",
que foi acompanhado, em côro, por tôda a culta assistên-
cia que enchia o João Caetano.
Encerrando a festa cívico-musical em homenagem ao
Poeta maranhense, o seu glorioso conterrâneo, General
Tasso Fragoso, depois de fazer um minucioso estudo sôbre
Catullo, concluiu com estas palavras:
"Em tôda a sua Poesia revela o genial Poeta conter-
râneo um conhecimento profundo dos homens, da natureza
e das coisas. Catullo é uma Glória nacional. Acabo de ler
os seus livros "Um boêmio no céu" e "O sol e a lua". Já os
li duas vêzes e ainda vou lê-los. Catullo compara o boêmio
aéi"Vento, que êle descreve, magistralmente, nesse seu livro.
Diz êle aue o boêmio é como o vento:
-:- Ninguém sabe onde mora. Anda por todos os lu-
gares. Ninguém sabe onde dorme. Assim como acaricia
as flores de um jardim nos seus ímpetos desfolha as árvo-
res, rindo-se, de ver as suas fôlhas rolando pelas estradas:·
E fechando, com chave de ouro, o seu maravilhoso lm-
proviso, exortou a todos os presentes que fizessem como o
vento do magistral maranhense, o tipo inconfundível do
Boêmio Brasileiro. Exortou, igualmente, que todos os as-
sistentes lessem e espalhassem, por todo o Brasil, êsse livro
que é um florão de Glória de Catullo:
- "Um boêmio no céu".
A festa foi irradiada pela P. R. A. -2, do Ministério da
Educação.
Guimarães Martins
Rio de Janeiro, setembro 25, 1945.
(Vide: "A Tarde" e o "Diário Carioca", desta Capit!1,l,
çl~ ja,neiro 21, 1939.)
.. . ·
130 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

LENDO "O TESTAMENTO DA ARVORE" (1)

Lendó em teu Evangel ho, em que nos mostras,


num estilo tão simples e tão puro,
- o coração de um'árvore morrendo,
tive vergonha de ser homem. Juro.
Imagino que um'árvore te vendo
passar ao longe, à tarde ou de manhã,
dirá, movendo os galhos, agitada:
- "Ei-lo que vai passando pela estrada
o Poeta que escreveu o Testamento
de uma nossa querida e grande irmã."
E tu receberás êsses aplausos
dos gigantes da selva, agradecidos,
com mais amor, mais glória e mais orgulho,
que os aplausos da inveja lutulenta
dos homens vis, dos homens fementidos.
Hoje, quando eu tentar colhêr um fruto
de um arbusto, ou pedir-lhe um doce abrigo,
direi, primeiramente, de mãos postas: ·
- "Dá-me um fruto dos teus, dá-me uma sombra,
em nome do Catullo, o teu amigo."

Quem ler esta poesia, em que decantas


a nobreza da planta brasileira,
afirmará que tu não és um homem,
e, sim, um vegetal, uma palmeira.

(ll Versos de um poeta nortista, que, depois de ou-


vir a leitura de "O Testamento da Arvore", pelo Ca-
tullo, em a sua , própria residência, entregou-m'os, pedin-
do-me que jamais revelasse o seu nome, pois que o seu de-
sejo era que êstes mesmos versos ficassem como uma Ho-
!llena~em do nos~9 Nor~e ~uerido ao êe'l:l Filn:o içl9llJitr{lgo'.
O TESTAMENTO DA ARVORE 131

Assim, Cat ullo amigo, amigo e Mestre,


com teu nome na bêca das florestas,
declamando êstes versos magistrais,
tu ficarás chamado eternamente :
- O Francisco ele Assis, o J esus Cristo
das almas infantis dos vegetais.

* * :)l

CATULLO E O TEATRO

Isso aconteceu em ConcelçM do Macabú, onde Helio


Macedo Soares, honrando a farda que veste e o posto que
ocupa. está realiza ndo uma das mais gigantescas obras da
engenharia brasileira.
Numa roda de violões um caboclo cantava coisas an-
t igas que eu há muito t empo não ouvia. Tive saudades de
algumas trovas que tiveram sua época e pedi que êle as
cantasse.
- E' de Ca tullo? perguntei, de repente. Você sabe as
modinhas de .c atullo?
Com uma das mãos o caboclo segurou o violão contra
o peito enquant o com a outra tirava o chapéu, como se
ouvisse o toque do meio-dia ou as badaladas de um sino.
E na sua linguagem simples que eu não sei reproduzir .
respondeu:
- Quem é que não sabe as modinhas de Catullo,
moço? Só que tem que a gente n ão canta é muito ...
porque são tão bonitas que dá pena estragar .. .
Ser conhecido por todo o Brasil e mesmo fora dele,
através de sua poesia e das canções mais bonitas da lín-
gua portuguesa, é para Ca tullo o que se chama populari-
dade . Mas o r espeit o com que o caboclo de Conceição do
Macabú falou dele, é a glória .
.. * *
Criou-se em tôrno do genial poeta maranhense uma
fama de ignorância, absolutamente fals.a . Para a maioria
dos que examinaram a sua obra. de uma opulência jamais
132 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

igualada em nossa poesia, Catullo é um analfabeto que


faz versos sem gramática e cheios de erros. Olham o rús-
tico onde só existe o simples, o espontâneo, duas quali-
dades que faz em a grandeza de um poeta e a beleza de
uma poesia.
Um dia, Mário-José de Almeida revelou-me um. Ca-
tullo desconhecido para quase todos.
Vocês estão enganados. . . Catullo é um dos homens
que melhor conhecem os autores clássicos e já foi pro-
fessor de francês.
Especialmente as figuras máximas do t eatro , e mais
especialmente ainda, Moliêre, que êle discute e comenta
com profundeza.

* * *
Foi Eduardo Vitorino, um dos mais agudos críticos
teatrais que a imprensa da nossa terra não aproveitou
ainda, que observou e acentuou as qualidades dramáticas
da obra de Catullo e ligou o seu nome à história do palco
brasileiro, lembrando numa página, a rápida mas bri ·
lhante passagem do poeta pelo nosso teatro, como autor
do "Marroeiro", peça escrita de colaboração com Inácio
Raposo e representada mais ou menos em 1915, no velho
S. José, e como intérprete do papel principal, substituin-
do Eduardo Leite, que adoecera. ·
Bandeira Duarte

(Do vespertino "Diário da Noite", Rio de Janeiro 5 de


janeiro de 1945.) .'

·* * •
SOMENTE A VERDADE

"Poemas escolhidos" - é o título de um elegante vo-


lume, de Catullô da Paixão Cearense.
Prosa e verso, muitíssimo mais verso que prosa, em
respigo inteligente e cuidadosamente feito em toda a la.r-
O TESTAMENTO DA ARVORE 133

ga luminosa obra do maior poeta do Brasil, o novo Íivro


é mais uma evocação da majestosa pátria que lhe serviu
de musa. E' uma nova confirmação do Poeta, como não
poderia deixar de ser.
Porque, t anto em "Poemas escolhidos" como em qual-
quer outra produção de Catullo, é a terra grande, a pá-
tria, que envolve a n atal, a que se deixa beijar, em extenso
litoral atlântico, pelas ondas que de longe vêm, até ao
Prata, que surge, a cada instante lembrada e a fazer fun-
do a todos os poemas de amor, suaves ou bravios, em
dramas que são verdadeiras preciosidades.
Na cerebração augusta de Catullo, forja sublime de
jóias brilhantes em rubro de beleza, os versos vivem e
palpitam com ressonâncias de bronze para tôda a eter-
nidade.
Há nela o constante jorrar , forte e fecundo, de idéias
que oceanicamente avançam pela im~rt.alidade, em . m.~r­
cha triunfal e bela, e, no encontro rap1do com as ideias
que vão chegando sempre ao contacto do poisar dos olhos
ou da imaginação sôbre a natureza, amazonicamente re-
voluteiam, e se confundem, em sorvedouro profundo de
maior perfeição, alastrando -se, depois, em pororocas, e
ressacas de beleza, inundando as margens da terra que
ergue, em palmeiras, os seus braços em adoração a Deus .
Terra que é, neste caso, a multidão, em palmas, que,
ao ouvi-lo ou lê-lo, admira, enlevada no encanto. magní-
fico dos seus versos, o esplendor das suas idéias, singula-
res e lindas, que são faúlhas, maraválhas e maravilhas
que ressaltam da pujança do seu talento.
Dizem alguns, ainda que poucos, que Catullo é vai-
doso. Se o é, bendita e justissima vaidade a sua!
Sem que isto envolva a menor censura, seja a 'quem
for, nem que perto de meio século de conhecimento do
Brasil nos desse direito que não dá (nem por milagrosa
exceção o aceitaríamos) de intervir no seu mover na-
cional e internacional, a não ser no que diretamente res-
peite à nossa outra pát ria de além mar, asseguramos to-
davia que muita admiração nos causa a ausência de Ca-
tullo no areópago onde rutilam os maiores fulgores inte-
lectuais da nação e que só viria a honrar-se, ainda ma.is,
com a sua. presen~.
134 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Catullo, que os maiores poetas em língua portuguesa,


e na espanhola também, tanto tem celebrado, nasceu da
plebe, homem simples do povo, mas trazia com êle a marca
divina, inconfundível a indicar a todos os demais, que
logo se distinguiria, que viria a ser o mimo dos salões
mais elegantes, na justa superioridade do seu talento in-
confundível. ·
E reparem, em que, havendo quem imite Nobre e Jun-
queiro, Castro Alves e Bilac, no feitio, no recorte do seu
estro já vasado, moidado em verso, ninguém, por mais
qu-e tente, poderá imitar Catullo.
Só outrn Catullo com a mesma inspiração fecunda,
a mesma forma, a mesma extraordinária beleza de con-
cepção, o mesmo dom de perscrutar as cidades e as sel··
vas, iluminando as matas com as lianas entrelaçadas das
suas imagens, mas, n esse caso, viria a redundar no mesmo
Catullo, uma réplica exata, uma duplicidade que se di3-
pensa quando já se possue o original que temos, ainda
be::n capaz, pm· mercê de Deus, de produzir novas apo-
teoses à terra e ao céu da sua pátria linda. O seu busto,
em um dos pontos mais centrais da capital em justa e
ruidosa homenagem promovida pela "A Noite", mais veio
afirmar que não morre, que viverá sempre.
Esta capital, representando o Brasil inteiro, possue,
atualmente, em profundo e puro idealismo, dois fachos
de fulgor intenso que iluminam o mundo: - o Redentor
lá no alto, abençoando a pátria, e Catullo que a canta'.
maravilhosamente, essa pátria grande que os próprios
céus aceitaram em seu Cruzeiro, dos cinco sentidos que
são todos quantos a vida encerra. '
Gratos, imensamente gratos, Catullo, muito querido,'
pela honrosa dedicatória em tão valiosa oferta.
Mário Monteiro

(Do· matutino "Brasil-Portugal", Rio de Janeiro, 5 de


dezembro de 1944.)

• • •
O TESTAMENTO DA ARVORE 135

O CANTOR DA TERRA VERDE


Catullo, aos 81 anos de idade, reclinado numa cadeira
de balanço, à moda antiga, gesticulando sorridente ,dis-
sertava sôbre os milagres da Poesia, entre alguns dos seus
amigos, quando eu e o meu irmão Astério de Campos sur-
gimos de surprêsa.
Era numa tarde dominical, em 28 de janeiro de 1945.
Os velhos amigos de Catullo eram: Guimarães Martins,
José Tibúrcio Gonçalves Camaz, José Bandeira Brandão,
Otávio de Barros Thompson, Otávio Ferreira e outros. Lá
encontrei também o Agripino Grieco, grande amigo de
Catullo. Havia já muitos anos que eu não me encontrava
com o Poeta, que tão fortemente impressionara Rui Bar-
bosa, Monteiro Lobato, Júlio Dantas e tantos vultos na-
cionais e estrangeiros. Estava calma a rua subu;bana e
a poesia verde das árvores vizinhas balouçava e tremelu-
luzia nas frondes ao sopro da viração. Pelas janelas da
sala, abertas de par em par, entrava o céu muito azul, flo-
cado e rendilhado de nuvens alvacentas. Retratos do Poe-
ta, estatuetas, caricaturas, quadros preciosos, livros, obje-
tos de arte ornavam paredes e móveis do ambiente tran-
quilo e pobre, não obstante êsse luxo estético. Tudo sim-
ples, tudo comunicativo. As mesmas preciosidades artís-
ticas foram -lhe oferecidas por amigos e admiradores.
Evocando os seus venturosos dias da mocidade, Catullo,
sem esfôrço de voz, cantou ainda algumas das suas famo-
sas modinhas. Que sincero enternecimento! Catullo, im-
primindo leve impulso à cadeira, sugeriu que o Astério
interpretasse, recitando, o poema "Flor da noite'', que faz
parte do livro "Poemas escolhidos'', organizado e anotado
por Guimarães Martins. Astério abriu devagar os "Poemas
escolhidos", como se lhe estivesse nas mãos um relicário
divino e sua voz se foi alteando, em meio de um silêncio de
ouro. Na alternativa dos sentimentos das personagens
que entram na concepção elevadíssima dêsse poema, res-
salta a figura comovente de um velho sambador, Zé Ma-
teus. ~sse velho sambador não é mais do que uma ex-
pressiva figura simbólica. Representa a universalidade
dos sentimentos de todos quantos, na mocidade, conquis-
taram, por seus feitos intele_ctuais, artísticos ou simples-
mente materiais, a admiração dos s~us contemporâneos.
136 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

A admiração daqueles que, em vendo descer a 'noite


da velhice, não mais podem realizar o trabalho de an..: ·
tanho, que lhe deu fama e glória . Não teria sido êsse sen-
timento doloroso que despertou no grande Rui Barbosa
uma t ão profunda emoção a ponto de o enternecer até às
lágrimas, quando Catullo lhe recitou êsse admirável "Flor
da noite"? Nele falam, recordando a sua mocidade: um
vaqueiro, um campeiro, um freteiro, um lenhador, um
roceiro, um caçador, um carreiro, um tocador de pan-
deiro, um cangaceiro, um tangerino, um tropeiro, um as-
sassino, e o "Flor da noite", que é um poeta culto dis-
farçado num violeiro. Indubitavelmente dentre tôdas es-
sas personagens, êsse velho sambador, com seus 90 anos
de idade, de pernas inchadas e enfraquecido, é a figura
simbólica da saudade de todo aquêle que brilhou na mo-
cidade e hão mais pode dar uma idéia do que foi. O cien-
tista, o poeta, o músico, o pintor, o literato, o orador, e
até mesmo nas inteligências e nas vaidades menores -
o artífice, o vaqueiro, o cangaceiro, o caçador, o lenha-
dor... António Silvino, Manuel do Riachão, Inácio da
Catinqueira, no encadeiamento visual ou íntimo de tudo
quanto floresce e emurchece, não se sentirão retratados
na figura dolorosíssima dêsse sambador, Zé Mateus? É por
isso que Catullo diz:
"Viver de cabelos brancos
a relembrar o Passado,
que inda morto nos conforta,
pode ter muita Poesia,
mas é sentir a agonia
da Mocidade, já .morta."
Catullo da Paixão Cearense rege a orquestra sinfô-
nica dos seus motivos inspiradores, não com a batut~
ideal do pensamento árido, mas com o facho da eloquên-
cia. As imagens filosóficas de "Flor da noite" que é o
poeta, são d,e uma beleza incomparável. O poeta é o úl-
timo a falar. No final da oração do poeta surge impre-
vistamente o vulto de um ébrio que, como as outras per-
sonagens, vem dar sua opinião sôbre a mulher, motivo
predomin~nte daquêle tribunal. Ji:s,se ébrio demonstra ser
O TESTAMENTO DA ARVORE 137

um homem de grande cultura, um brilhante orador que


na sua psicose alcoólica chega a dizer que Deus se embria-
gou para criar a mulher . Tudo isso êle disse numa lin-
guagem natural. Todo o auditório o aplaudiu com entu-
siasmo, com exceção do sambador, que chorou e "Flor da
noite", que beijou as mãos do ébrio, o qual dando um
gemido profundo se abismou pelos matos.
Duas coisas ainda estou para ver: - Poeta de mais
prodigiosa imaginação e brasileiro que t enha mais amor
ao Brasil do que Catullo da Paixão Cearense . Pela can-
ção, êle espiritualizou as mágoas do seu povo, e pela poesia
dos seus poemas desbravou e aprimorou a poesia agreste
do sertão. Possuindo o condão de encantar e comover e
consubstanciando os dons de sua genialidade no amo~ à
Pátria, realizou obra imperecível. Catullo deu tudo ao
Brasil, porque lhe deu o coração e a alma.
Sabin o de Campos (1)
• • •
Prezado Professor Catullo :
Se todos os seus amigos de festas lhe eserevessem
cartas como essas duas do Vieira e do Thompson, você
não teria mais tempo nem para dormir. Se eu lhe qui-
zesse falar das noit es dos velhos t empos, teria de fazer
um livro bem volumoso. Não falaria dos poemas e, sim,
do cantor. Em 1910, já depois de falecer a D. Teodora,
ainda você n ão tinha publicado nenhum dos seus poemas

(1) Êste artigo foi extraído do jornal "Gazeta de No-


tícias" do Rio de Janeiro, de 9 de fevereiro de 1945 e
revisto' e ampliado pelo seu autor. Sabino de Campos é
poeta bahiano, irmão de Astério de Campos, jornalista
e catedrático do Instituto de Educação. Sabino de Cam-
pos tem recebido a consagração da crítica. Além disso _é
um admirável romancista que já terminou o seu livro inti-
tulado "Catimbó", que é um dos romances mais be~os da
nossa literatura, com prefácio de Catullo.
138 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

e só poesias esparsas . Desde moo até 1920, acompanhei-o


n as serenatas· e reuniões familiares. Sei que o Poeta do
"Marrueiro", do "Boêmio no Céu" e do "Flor da noite'',
venceu de muito o Bardo das Modinhas. Mas peço con-
cessão ao Professor para dizer-lhe que não me esqueci
· do Poeta das melodias cantadas. Sei que muitos pensam
as3im como eu. Hoje nós ouvimos uma infinidade de can-
tores, de que o rádio está cheio. Naqueles tempos, o gran-
de Catúllo era o grande Mestre, que só respeitava o velho
Ferreira, que lhe ensinou a tocar violão e morava na rua
D. Polixena, em Botafogo. Será crível que essas "celebri-
dades" de agora ignorem o que foi o Catullo Cearense?
Fingem que ignoram. Você ainda tem muitas pessoas que
o ouviram e confirmam o que eu estou dizendo, lamen-
tando, con.10 eu, o e.sqeecimento das suas velhas e mara-
viihosas Modinhas . Elas já se foram, mas é provável que
renascerão ainda mais belas num futuro não remoto.
Você quando fala nesse esquecimento ri-se, mas eu cho-
ro. Lendo as cartas do Thompson e do Vieira, nas quais
falam de duas moças que conhecemos, Donas Coleira e
Celina, noto com mágua que êles deixaram de se referir
a uma tão bonita como elas, D. Arima Coutinho, cunhada
do seu amigo Eduardo Gomes, ex-morador da Estrada
Real, hoje Avenida Suburbana. Se D. Celina era um
querubim e a D . Coleira era um anjo, a D. Arima era
um arcanjo . Que constelação de formosuras! A última
vez que vi a D. Celina, creio ter sido das três a sua mais
fervorosa Admiradora. Isto foi em casa de D. Mariqui-
nhas Flores, na rua Bento Lisboa, no Catete. Já lá se
vão Dais de trinta anos. Já estava um tanto emurche-
cida, mas ainda era formosa. Conversamos muito recor-
dando os tempos idos. Foi nessa conversa que ela me fez
esta pergunta: - "O sr., que é um grande amigo de
Catullo, pode dizer-me qual foi a inspiradora de suac
Modinhas? Diversas e n enhuma, lhe respondi. O Ca-
tullo idealizava Belezas . Notei um imenso entristecimento
na sua fisionomia, ficando pensativa . Depois com os olhos
baixos, suspirou: - "Até hoje estava crente de ter sido eu
a sua Musa encantadora." Pronunciando esta frase, aper-
tou-me a mão, significativamente, despedindo-se de mim.
As suas Modinhas deviam estar nas antologias daa Es-
O TESTAMENTO DA ARVORE 139

colas. Você antes de .ser o Victor Hugo; da "Terra Caída",


já era o Lamartine das Serenatas. Vou concluir estas re ·-
cordações porque é um tormento para mim remexer no Pas-
sado. Quem é mais velho de nós dois? Parece que somos
da mesma idade. Vo e~ se lembra do Ramos, do Cama-
rão, do Mariano e do Nicanor? Como o Ramos, a não ser
no lírico, nunca mais ouvi barítono igual! Tenor familiar
como o Mariano e o Camarão, a não ser nas óperas, nunca
mais ouvi também . Pois êsses, no lugar em que você es-
tava não cantavam sem pedir licença. E você os apreciava
a ponto de lhes pedir que cantassem. A êles muitas vezes
a~ompanhei com o m eu "pinho", segundo a sua orientação.
Se êsses cantores ainda vivessem, que diriam dêsses canta-
dores de hoje?! A admiraçã o seria tão granrtc que per-
deriam a fala.
Ainda n ã o ouvi o seu "Testamento da Arvore". Mas,
segundo me dizem o Tenente José Tibúrcio Gonçalves Ca-
maz, o J osé ·Ba:ideira Brandão e o Otávio de Barros
Thompson, é um trabalho de subido valor.
Estou aflito para que êle venha à luz da publicidade.
Se não houver um contratempo, irei visitá.:.lo para
o mês.
Com um grande abraço do seu velho amigo e admi-
rador,
Henrique Peres Machado (1)

• * *
CONFERÉNCIA REALIZADA EM 25 DE ABRIL DE 1945,
NO CENTRO ACADÊMICO EVARISTO DA VEIGA, DA
FACULDADE DE DIREITO DE NITERÓI, PELA ESCRI-
TORA MILENA MALLET
Senhores da Diretoria do Centro Acadêmico Evaristo
da Veiga, ilustre homenageado, e todos os mais que res-
(1) Solicitamos também, permissã o ao sr. Henrique
Peres Machado, par'a que esta carta, como as outras, fôs-
sem publicadas nesta Poliantéia, por nós organizada.
A professora Arima Coutinho é a mais perfeita 'intér-
prete das antigas modinhas de Catullo.
140 CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

ponderam ao convite para esta reunião com sua honrosa


presença.
Quando se tratou de organizar esta recepçfio, um do~
pontos mais sérios a ser resolvido, era êste : Quem iria
apresentar o bardo patrício ao mui digno público o qual,
sem dúvida, acorreria interessado a esta Faculdade, quan-
do soubesse que, hoje, 25 de abril de 1945, às 20 horas, aqui
estaria para ser visto e ouvido Catullo da Paixão Cea-
rense?!
Para receber um gigante das letras só outro gigante .
E a escolha caiu acertada e inconteste em Agripino
Grieco.
Na tarde do domingo, em que nos dirigimos à casa
de Catullo, afim de convidá-lo para esta recepção, havía-
mos passado um telegrama a Grieco solicitando sua pre-
sença e, atendendo êle a o nosso chamado, o convite para
a noite de hoje foi extensivo aos dois grandes intelectuais
Pois bem, meu amigos, Grieco, que é amigo íntimo de
Catullo, com . o qual contávamos sem sombra de dúvidas,
recusou-se.
Sim, meus amigos, recusou-se . .
E esta recusa, que à primeira vista parece ser uma
desconsideração ao cantor emérito, é uma das maiores
honras que jamais lhe foi prestada .
Grieco, o crítico mais respeitado e temido do Brasil.
Grieco que lançou um olhar inquisitorial e sarcástico
à primeira chupeta que lhe apresentaram, e logo notou
haver nela defeitos de fabricação.
Grieco a cujo escalpêlo poucas consideradas obras
primas da !iteratura resistem.
Grieco que possui por olhos. dois raios X.
Grieco, o demolidor de obras de barro camufladas de
fortalezas.
Grieco cuja missão é de guarda-avançada do Edem
em que . mora a verdadeira beleza, e não consente que
nele penetrem falsos sacerdotes; Grieco confessou que
não podia apresentar Catullo.
A razão é esta: êle sente-se grande sàmente quando
empossado. na sua temível autoridade de apontador de
defeitos, e, ante o poeta sertanejo, ter-se-ia que calar, ou
seria obrigado a elogiar apenas.
O TESTAMENTO DA ARVORE 141

Nós n ão teríamos, portant o, oportunidade de conhe-


cer a discutida personaliadde de Grieco em sua facêta
triunfante, pois, diante do verdadeiramente belo êle si-
lencia e curva-se em reverência .
Grieco silenciou, e curvou-se em reverência perante
Catullo da Paixão Cearense com esta recusa!
Ante a maravilhosa recusa de Grieco, a diretoria do
Centro Acadêmico Evaristo da Veiga, com a bemaven-
turada simplicidade de gente moça, virou-se para mim
com a mais olímpica das serenidaes e sentenciou:
"Diante disso, Milena, é você que vai apresentar Ca·-
tullo, o tempo urge, queremos Catullo na Faculdade nesta
próxima quinzena, e neste caso fica tudo j á resolvido
quanto a êste ponto, e vamos tratar de t ôdas as outras
inúmeras providências que precisam ser tomadas."
No primeiro momento, tomei um tremendo susto !
Com efeito, aqueles estudantes ainda estavam na bela
idade em que convictamente se promete estrêlas às na -·
moradas, e elas ficam confiantes a esperá-las, crentes de
que os seus príncipes encantados são capazes disto .
Encomendavam-me estrêlas, como se me pedissem :
"Milena, quando passar pela esquina, traga -nos por favor
fósforos, que estamos de cigarros apagados."
Neste pri!!\fl,iro momento também, disse mentalmen-
te uma porção de "amabilidades" a Grieco, que n1e for-
necera esta camisa de onze varas.
Mas, de imediato, compreendi que êle me havia faci-
litado de cem por cento a missão. Havia-me posto nas
mãos as encomendadas estrêlas, e até uma luminosa lua-
zinha de lambuja.
Para apresentar Catullo, bastava contar o episódio
da recusa de Grieco.
Contei-o, todos aqui o escutaram, não é verdade?
Pois bem, ilustríssimo público, está apresentada em
tôda sua gigantesca grandeza a obra intelectual de Ca-
tullo da Paixão Cearense.
Meus amigos, agora que, por um passe de mágica,
consegui fazer o grande Agripino Grieco, embora recusan-
do aprc~ enta r-nos o grande Catullo Cearense, eu vos vou
expor o verdadeiro significado desta recepção.
Ela é mais do que uma sim:{)les ~omenagem ao nosso
142 CATULLO IJA PAIXÃO CEARENSE

querido poeta que, cônscio de seu valor, dispensa espalha-


fatosas homenagens, seu maior desejo sendo que o leiam
e compreendam.
Ela é, sobretudo, o reconhecimento em público da di-
retoria elo Centro Acadêmico Evaristo da Veiga, ao apoio
moral que dá o poeta educador à sua Campanha Edu-
cacional.
Cii.t!.!llo nào foi apenas o primeiro intelectual que
aderiu . a esta campanha, êle foi o verdadeiro inspirador
dela. ,
E, contando-vos sua origem, trazendo à vossa pre-
sença o embrião de onde se formou, vós compreendereis
o que ora vos afirmo.

Uma tarde de sábado, recebi um convite interessante:


"O Gládio", órgão oficial desta Faculdade ia entrevistar
Catullo da Paixão Cearense, e os encarregados desta en-
trevista convidaram-me para acompanhá-los.
Acedi interessadíssima a tal solicitação por dois mo-
tivos.
O primeiro, é claro, o prazer intelectual de conhecer
pessoalmente Catullo e ouvir sua célebre voz privilegiada.
O segundo, solicitar dêle licença para gravar em disco um
de seus poemas, que desejava eu incluir na discoteca par-
ticular que organizava para programas radiofônicos edu-.
cativos .
Chegados à sua casa defrontamo-nos, depois de um
a dois minutos de espera, com um velho "caboclo" des-
confiado e bizonho.
Êste sertanejo que, tendo transportado para o Dis-
trito l<'ederal sua casinha de "caboclo", maldizia os que,
numa noite de calor e lua cheia, obrigavam-no a largar
do "pinho", cujos íntimos aco~·des nele arrancados ainda
ouvimos ao nos aproximar, e ir correndo vestii: um pija-
ma novo, próprio para receber visitas indiscretas e in-
desejáveis.
E, se não fôsse a sinceridade que viu e sentiu com
seus agudos olhos analíticos, nas nossas interessadas fisio-
~omias, não teríamos conhecido Catullo Ceare~e :
O TESTAMENTO DA ARVORE 143

Havíamos apenas conhecido aquêle velho sertanejo,


que nos recebeu, acostumado a olhar· e!'> candalizado êstes
hóspedes citadinos, que muito enfeitados por fora, nin-
guém consegue saber se trazem alguma coisa por dentro.
J1,1esmo a&sim, na primeira meia hora, Catullo não
apareceu . Ficou á e tocaia por detrás do sertanejo a nos
espreitar. Êle está habituado à curiosidade irreverente
dos que o vão procurar para constatar, que aquêle a quem
ergueram a estátua em vida, continua a beber no seu
velho copo de barro, para melhor sentir o gôsto da terra
que ama.
Aqu ê~e que, junto ao quadrinho em que expõe o autó-
grafo de Rui Barbosa, pendurou a gaiola de um canário.
E ao falarmos em trazê-lo, para prestar-lhe uma ho-
menagem na Faculdade de Direito de Niterói, êle expeliu
um Chi'. .. ! característico de nortista e comecou a lamen-
tar-se, a chorar seus achaques de velho cardíaco.
A segurar com as mãos a cabeça pelada e lustrosa,
onde não h á um só fio de cabelo, para que se lhe identi-
fique os janeiras .
E' ela lisa, levemente amarelada, como um ovo fresco
de galinha crioula.
E' um ovo na forma, é um ovo na essência, pois de
dent ro dêle pipoqueou o galo de t erreiro brasileiro, que
veio modular, tanto de noite como de madr ugada, as no-
tas concitativas de seu toque de reunir!
Toque de reunir convocando os brasileiros para .virem
conhecer o que é o Brasil verdadeiramente brasileiro, por
êle descrito na prosa nativa ele seus versos cantantes.
E matreiro lamentava-se como uma criança que . de-
seja carinho ou como velho, que espera que o deixem em
paz com. seu achaques, sua n eurastenia e suas mezinhas.
Mas nós tínhamos conosco uma garantia de sucesso.
Um abra-te Sézamo infalível. Nós tínhamos para aquecê-
lo o fogo dos adoradores da verdadeira beleza para cuja
chama o fazíamos aproximar-se.
1'1 acossado por êste fogo, Catullo começou -a surgir
por detrás do sertanejo desconfiado e bizonho.
Primeiro sofremos uma interrogação manhosa:
Um geitm:o inquérito de confü:sionário . ·
~uis saber quais as obras dêle por nós liç!M.
144 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Fez-nos r"ecitar suas trovas.


E aos poucos foi descobrindo que há muito as havía-
mos lido, e assim mesmo suàs obras mais antigas e as pri-
meiras edições não buriladas .
Mas, também, descobriu, que era ao Catullo de fato
que nós havíamos ido procurar, que de fato era a sua
obra que desejávamos, ansiávamos por conhecer e sentir.
Então a'postrofou com sua rude franqueza nossa igno-
rância, aprestou-se para nô-Ia mostrar, esta obra, e nô-Ia
fazer penetrar pelos poros, por cada fio de cabelo até nos
tomar de assalto tôda a massa encefálica, e obrigar a alma
a animar a matéria, ·e fazer despertar em corpos brasi-
leiros, almas brasileiras .
.Levantou-se lépido, remexeu nos seus tesouros, ar-
rancou de lá uma pedra rara e já lapidada, da qual êle
tinha roubado volume bruto para aumentá-Ia em volume
relativo ao espaço por ela tomado, pois os raios cintilantes
de suas facêtas agora trabalhadas, lançavam ao seu derre-
doi' um círculo de luz, qual fogueira acesa no alto do mor-
ro, afim de guiar, na mata traiçoeira, viajantes perdidos.
Não sentia mais "cigarras a lhe cantar dentro da
cabeça", um dos males que o incomodavam e de que se ha-
via queixado, como se não estivesse habituado a tê-Ias
sempre a cantar dentro daquêle ovo fenomenal!
Agora eram . cigarras que lhe vinham cantar µa voz
ainda clara, cheia e expressiva.
Não lhe tremiam as mãos, que antes à cabeça, queixo-
sas, levava; seguravam firmes a obra que nelas susten-
tava.
E a luz escassá em sua salinha modesta, e a pouca
que recebia da lua cheia, faceira a espiar pela janela seu
amante remoçado, seus olhos de 81 janeiras muito bem
liam as letrinhas miudase negras, pouco visíveis para qual-
quer de nós em tão apoucada clinidade, mas para êle lu-
minosas, que, aos seus olhos, eram em grandes e lampe-
jantes traços de puro ouro que se apresentavam escritas.
E leu para nós, ou antes. trouxe para diante de nossos
olhos, a história da promessa por um caboclo feita a São
João, padroeiro dos enamorados, mas dos enamorados jo-
vens e cheios de vida, e não das solteironas anêmicas, que
O TESTAMENTO DA ARVORE 145

cochicham, senilmente eróticas, nos ouvidos de Santo An-


tônio.
E percorremos com êle o Brasil!
O Brasil brasileiro, não o Brasil que traz nas mãos
prostituídas por uma civilização prostituída, pandeiros e
cuícas; mas o Brasil que traz nos braços, com carinho de
pai para com o filho recém-nascido, o "pinho" querido.
E conhecemos com êle o Brasil que samba.
Não o Brasil que samba nos sertões, ao chôro do
"jazz-band", dançado por pernas franzinas, remexido por
cadeiras esmirradas ·e estéreis.
Mas o Brasil que samba nos sertões, ao chôro dos
"pinhos" crioulos, a macumba nos terreiros varridos pelo
luar, arremeçando para o norte e para o sul, as carnes
sadias, fecundas e gostosas dos quadris das verdadeiras
caboclas brasileiras.
E arrastou-nos, arrastou-nos no seu rasto de luz, não
da luz fugidia de um cometa, mas da esteira de prata que
tôdas as noites a lua lança nos mares, nas baías, e nos
rios brasileiros indicando os novos caminhos para esta
raça de bandeirantes.
E encontramos com êle aqui, Carlos Gomes, lá, Na-
zaré, mais aquém peitos ubérrimos de sertanejas a ofere-
cer-se como frutas maduras, e nos sentimos banhados por
luares tão claros como alvoradas, e alvoradas tão lumi-
nosas como sol de meio dia. ·
me avançava, avançava e nas duas léguas apenas de
percurso feitas pelo par de namorados, êle percorria, e
' nós com êle, todo o sertão brasileiro, êste sertão de Eucli-
des da Cunha, êste sertão de Monteiro Lobato, êste sertão
de Catullo da Paixão Cearense.
E conforme avançava, fazia paradas, e dizia: aqui
Rui Barbosa chorou, aqui tôda a platéia do ' "Trianon",
em uma noite de gala inolvidável, levantou-se para es-
, cutar-me de pé ... e aqui tôda a platéia chorou.
E nos olhava abismado, porque nós não chorávamos,
mas ríamos .
Catullo, o Brasil que chorou contigo não chora mais.
o Brasil que chorou contigo foi o Brasil que já não
sircreditava em si mesmo, que se d~ix~va - Ievar pela c;io-
146 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

lência do sertanejo esmagado pela canicula e pela ina-


nição.
Mas o Brasil que hoje ri e rirá contigo, é o Brasil que
despertou, como despertou o sertanejo de Euclides da
Cunha, quando lhe viu fugir a rêz desertora.
t!:ste Brasil de hoje vai buscar o que lhe é devido, vai
buscar o segredo da Jurema que derramava nas veias dos
guerreiros índios o fogo do combate.
Acusam o patriotismo de ser o causador das guerras.
Discordo, meus amigos, energicamente, discordo .
Que exploram o patriotismo, como exploram a bon-
dade, como exploram a lealdade, com.o exploram o talento
os que não têm nem patriotismo, nem bondade, nem leal-
dade, nem talento, isto sim, concordo.
Aquêle que é de fato patriota ama seu solo, seja êle
embora feio, porque ama o solo que lhe dá de beber, o
alimenta com seus frutos, ou com suas raízes ou até com
seus vermes, e não o abandona por nenhum outro, con-
tenta-se com o que êle lhe dá, sem ir buscar fora dêle
água mais límpida, porque não tem para êle o sabor da
sua, nem frutos mais sazonados, porque não lhe sabe tão
bem como o gôsto acre dos colhidos nas árvores de seu
país. '
"As aves que aqui gorgeiam não gorgetam como lá".
Eis o verdadeiro brado de patriotismo .
O patriota não conquista, procura viver com o que o
solo pátrio lhe fornece, e vive contente com o que con-
segue arrancar dêle, e nada quer receber que não tenha
sido aquecido no selo querido .
E' como homem que possui mulher feia a quem adora,
que o compreende, em quem penetrou e por -quem foi pe-
netrado.
Pois bem, Catullo sabe ser patriota, porque vem de
uma terra a quem o sol caustica, maltrata, onde vêzes
multas aos seus filhos falta água e uma erva que seja
pa·ra mitigar a fome.
Mas êles não a abandonam, percorrem léguas indo
buscar alento, para voltar depois à terra redimida pelas
chuvas, e que renasce risonha e brejeira, a oferecer a
face onde sôfregos depõem beijos de saudade.
· Jij ~e es~8r terra! que viv~ a escQn<;ler ~'\líl,S belezp.s 1 sua

O TESTAMENTO DA ARVORE 147

fecundidade num solo rebelde, o qual precisa de muitos


carinhos para ser domado, merece tanto amor e tanta ter-
nura daqueles que nela viram a luz, por que não há de
a merecer todo o Brasil, êste país privilegiado que nada
nega aos filhos de seu solo?
O nordestino sabe que há solução para seu problema
e espera, espera porque tem fé, tem confiança em si
mesmo, tem patriotismo verdadeiro, e êle é o mais brasi-
leiro dos brasileiros.
Porque êle vive numa região desta terra que tem ca-
prichos de mulher formosa. Disfarça-se por vêzes em tre-
menda megera, para comprovar a sinceridade do amor do
amante, saber se a quer, porque é bela, ou se a quer, por-
que lhe pertence de corpo, alma e coração.
Acusam o justo orgulho do artista quanto à sua obra,
e classificam-no de vaidade.
O verdadeiro gênio t em direito de ser orgulhoso, êle
sente que guarda um tesouro o qual deve ser respeitado,
e a que deve ser prestada a devida homenagem.
Catullo disse-nos: "Quein descreveu em tôda a terra
um amanhecer melhor do que o que eu descrevi?"
Sim, quem teve em tôda a terra diante dos olhos um
amanhecer tão belo, como o que lhe foi dado ver nos
horizontes de seu rincão, afim de o poder descrever, não
como visionário, mas como sêr sadio e forte, simples e
rude, por isso mesmo irmanado, integrado com a natu-
reza?
~le não se orgulha de ter sido êle que produziu esta
obra-prima.
~le se orgulha de ter a possibilidade de estar sempre
diante de ~al espetáculo, e ter bastante sensibilidade, para
o ver, sentir e descrever. ·
Orgulha-se de ter recebido o dom de ver enquanto os
outros estão cegos, de sentir, enquanto os outros estão
paralisados, de falar, enquanto os outros estão emude-
cidos.
Teu orgulho é legítimo e sadio, Catullo da Paixão
Cearense. E' sadio porque tem origem na tua paixão;
é legítimo porque é sertane jo e sertanejo brasileiro.
Tu amas tua obra porque é o retrato de tua pátria,
e queres mostrá-la pessoalmente, tu mesmo gostas de de-

148 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

clamá-la, porque só tu podes prestar-lhe as inflexões de


voz, que lhe dão o sentido completo, que em palavras não
te foi possível exprimir.
Eu não te elogio Catullo, compreendo-te, sinto-te, vibro
contigo. ·
Não te admiro como coisa rara, não te venero como
um Deus inacessível, consigo chegar junto a ti, olhar-te
de frente, tratar-te de irmão e pedir a água por quem
vivo sedenta a beber na palma de ~ua própria mão .
E' por isso que compreendi quando disseste:
"Já tive tôdas as honras que um intelectual pode
ambicionar, nada mais me pode ser dado, só desejava uma
alma caridosa que gravasse minha obra em discos".
Porque tu queres ouvir tua própria voz, saber se de
fato ela expressou bem 0 que quiseste dizer, e estar. con-
fiante que, o que acrescentasse em inflexões no que não
pudeste transmitir em palavra escrita, é o que comple-
ta esta obra, que de tão primitiva, ainda traz o perfume
da mão divina do Senhor que a criou, tendo-te como
intérprete .
Disseste : "Passei de moda".
Agora, é contigo que discordo, Catullo.
A hora de tu estares na moda ainda não soou .
Mas n ão tarda, e daqui a mil anos, como tu bem
afirmaste, tu serás mais atual que todos os terríveis in·
ventos de que os homens já estarão desiludidos .
mes voltarão contritos a escutar tuas trovas, a con-
templar tua lua, a ajoelhar-se diante de tua alvorada e
penitenciar-se, como se penitenciou o par de namorados,
em tua promessa a S. João:
"Perdão, ó t erra abençoada, perdão por não ter re-
c~nhecido que só tu me podias dar belezas e ventura, per-
dao por me t er atrasado pelo caminho, . e só tarde ter
chegado à tua festa' de amor."
Mas a terra, milagrosa e sacrossanta, sorrirá (como
sorriu o S. João lá do céu para os namorados) , carinhosa,
maternal e amiga, Catullo, e lhes dará o seu perdão.
E' para esta alvorada de uma nova consciência uni-
versal que desejamos ~ravar tua voz, afim de que estej~
'.

b TESTAMENTO DA ARVORE 149

presente a se fazer ouvir por êstes entes reconduzidos ao


Edem da Verdadeira Be.~ eza.
Milena Mallet
* • ~

A MODINHA E O VIOLAO
... A Modinha e o Violão entraram no antigo Con-
servatório de Música, à rua Luiz de Camões, em 1908,
pelo prestígio do Talento de um grande Artista. Meu sau-
doso Pai, o Maestro Francisco de Carvalho e eu, grandes
amigos e admiradores de Catullo, lá estávamos aplau-
dindo, entusiasticamente, o Cantor do Brasil .
. . . Catullo da Paixão Cearense, maravilhoso poeta,
músico e cantor, foi o reformador da Modinha e o civi-
lizador do Violão. J!:sse poder criador e reformador, é o
poder do gênio .
. . . Que saudade das Serenatas, que fizemos juntos, em
noites de luar ! . . . ·
Maestro Adalberto de Carvalho

Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1945 .•


• • •
CATULLO APRESENTOU O SERTAO AO BRASIL
. . . Depois qur. o sertão mandou para o Sul o Poeta
Catullo da Paixão Cearense, então, foi que se começou u
ter outra impressão sôbre a terra do sol . O "Luar do Ser-
tão", de Catullo, canto cheio de ternura pela gleba ~erta­
neja, apresentou o sertão ao Brasil. E o povo o amou.
Amou essa região brasileira tão valente, tão forte e mere-
cedora de melhor destino ...
Carlos Alberto Marinho
(Do hebdomadário "Dom Casmurro", Rio de Janeiro,
18 de agôsto de 1945.) -

* .. *
150 CATULLO DA P AIXAO CEARENSE

.. . Na música, Catullo me foi mais útil que o próprio


Ernesto Nazareth, porque o Catullo que eu sinto, como o
criador de uma modalidade brasileira original, é o Catullo
das Modinhas ...
Maestro Heitor Villa-Lobos

(Do vespertino "A Tarde", Rio de Janeiro, janeiro 21, .


1939.)
• • *
Folheei o "Testamento da Arvore" com a religiosidade
de ter entre as mãos uma nova Bíblia de Beleza, tão alta
e tão bela é a Arte miraculosa dêsse eterno Catullo da
Paixão Cearense .

. . .. Ramir.o Gonçalves

. . . Catullo é um grande músico. Fêz-se Poeta para


melhor cantar à maravilhosa e incomparável Natureza
da Terra Brasileira! -

.."
·Maestro Francisco Braga

... Em casa do abolicionista, meu Pai, Catullo can-


tava, triunfalmente, e o Maestro Francisco Braga chama-
ve. a minha atenção para os recursos da sua voz privile-
giada ...
José do Patrocínio, filho
* • •
Catulo:
Há seis meses, no Rio, atirado, por meu infortúnio, en-
tre duros travesseiros de uma cama ingrata, não tive, por
isso mesmo, a oportunidade de um amável contacto com
os seuii homenlJ de espírito, nem pude admirar a cidade
O TESTAMENTO DA ARVORE 151

encantada, com tôdas as belezas que Deus lhe deu.


E voltaria desolado à minha terra.
Mas os fados benévolos possibilitaram-me ver Catullo
da Paixão Cearense, e, vendo-o, e ouvindo-o, a sentir-lhe
o estro prodigioso, tudo vi, tudo admirei, como dentro de
um encantamento.
Porque Catullo, com a opulência de idéias de seus ver-
sos maravilhosos, encheu-me a imaginação .
Ribamar Pinheiro
(Da Academia Maranhense de-Letras)
Rio de Janeiro, domingo, ·9 de setembro de 1945.

• • •
DEPOIS DE TER OUVIDO "O TESTAMENTO
DA ARVORE"
Cantaste, Poeta, a tua vida inteira!
Como a cigarra, morrerás cantando! ...
Mas, em tuas obras ficará vibrando
Todo o esplendor da Terra Brasileira
E, tendo dado tudo a árvore expira.
Despede-se da flor, dos passarinhos,
Mas o seu avatar é a tua lira,
Onde gorgeia o madrigal dos ninhos.
Lutz Loureiro.

• • •
Quem ouviu Catullo cantar, acompanhapdo-se com o
seu harmoniosíssimo Violão, sente e compreende a sua.
exclamação ao responder a estas perguntas:
- Você tem noção exata do seu próprio valor? .Você
é capaz de cantar na cena universal?
- "Eu canto diante de qualquer celebridade/"
152 éATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Assim é a resposta do Cantor e a prova ob ietiva des-


ta verdade, obteve-a, o grande Catullo, cantando, na Ilha
de Santa Cruz, para a Senhora Gabriela Besanzoni Lage !
A notícia da mútua admiração dêsses dois grandes
espíritos dignificadores da arte divina do canto, encon-
tra-se no prefácio que escrevi para "Alma do Sertão".
Mário-José de Almeida

• • •
. . . Negar Catullo, como Poeta, é negar o Sol na clari-
dade do dia .
Humberto de Campos

• • • •
Catullo:
Somente a excelsa Poesia
musicar tão bem, poderia,
- os cânticos da Natureza,
as alegrias divinas
que teu lirismo ilumina
neste Evangelho de pureza!
Hélio Bastos Couto
Rio, outubro de 1945.


DECLARAÇAO NECESSARIA (1)

Pelo presente documento, declaro· que o meu cessio-


nário e representante, José Martins de Moraes Guimarães,
que se assina artística e literariamente Guimarães Mar-
tins, é o único autorizado, durante a minha vida e depois
do méu falecimento, a reproduzir, anotar, comentar ou
melhorar qualquer das minhas obras, autorização que dou
de acôrdo com o Código Civil. Qualquer pessoa que in-
frin gir os dispositivos do Código Civil, fazendo traduções
adaptações, arranjos, fantasias, prefixos musicais ou
quaisquer o"utras modificações, sem a expressa autoriza-
ção escrita do meu referido cessionário e representante,
será por êste processado civil e criminalmente .
Rio de Janeiro, 9 de abril de 1944.
Catullo da Paixão Cearense

• • •
Rio, 6-IV-1944 .
Prezado sr. Guimarães Martins.
Saudações cordiais.
o parecer sôbre o caso do nosso poeta Catullo está
pronto terça-feira, 11 dêste mês. Pode vir ou mandar
buscá-lo .

(1) Registro de Títulos e Documentos 4. 0 Oficio (Car-


tório Frontln).
154 CATULLO DA PAIXAO CEARENSE

Com os protestos da minha estima, assino-me patrí-


cio e amigo.

. . .. Clovis Bevilaqua

PARECER
Tendo lido os bem elaborados Pareceres dos ilustres
colegas, drs. Prado Kelly e Monteiro da Silva, o instru-
mento de cessão, que Catullo da Paixão Cearense faz dos
seus direitos autorais ao sr. Guimarães Martins e mais
documentos, que acompanham a Consulta, opino do modo
seguinte:
a) A lei n.º 496, de l.º de agosto de 1898, art. 4.º, § 1.º,
estatuiu que as cessões entre vivos do direito autoral du-
rariam trinta anos, findos os quais recobraria o autor os
seus direitos, se ainda existisse. Lei supletiva permitia
que o prazo fôsse diminuído, mas nunca aumentado.
b) Essa determinação da lei entendia-se incerta em
tôda cessão entre vivos, de direito autoral, ex-vi legis.
e) Portanto a cessão atual, feita a Guimarães Mar-
tins, compreende: l.º, todos os contratos anteriores, reali-
zados na vigência da lei de l.º de agôsto de 1898, que já
perfizeram trinta anos, .a contar da respectiva data; 2.°,
todos os contratos realizados na vigência da referida lei,
logo que se complete o prazo de trinta anos, contados da
respectiva, data, porque, em ambos os casos, ou já se ope-
rou ou ira operar-se a reversão dos direitos autorais ao
autor.
d) Quanto às cessões anteriores, realizadas na vigên-
cia do Código Civil, entendo que se regem pelo direito
comum, regulado no mesmo Código. Salvo cláusula em
contrário, o cessionário sucede o autor nos direitos que
lhe reconhece o Código Civil, art. 649, §§ l.º e 2.º.
Essas cessões não entram na aquisição feita por Gui-
marães. Como o dr. Otávio Moreira da Silva, penso que
a lei n.º 496, de 1.~ de agôsto de 1898 to1 revogada pelo
Código Civil.
O TESTAMENTO DA ARVORE 155

A restauração que faz de álguns artigos dela a lei


~·· 4. 790,de 2 de janeiro de 1924, somente a êsses dispo-
sitivos se refere.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 1944.


1·· _
(a) Clovis Bevilaqua (1)

• • •
ADVER'rnNCIA SôBRE OS DIREITOS AUTORAIS
Tôda poesia, poema ou canção constante dêste, e dos
demais livros de Catullo da Paixão Cearense, só poderá
ser recitado, cantado ou · executado por instrumento ou
conjunto, em rádio, teatro ou cinema, com ingresso pago
ou outra forma de remuneração, sendo dado conhecimen-
to à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, à Avenida
Almirante Barroso n.º 97, 3.º andar, Esplanada do Castelo,
Rio de Janeiro, Brasil, ou a seus representantes nos Es-
tados do Brasil e no estrangeiro, que é única entidade •
jurídica, autorizada, para efetuar o recebimento da taxa
de execução pública.
Guimarães Martim

(1) :€ste foi o derradeiro parecer acabado pelo Mestre


dos Mestres. O outro, o inacabado, que deixou sôbre a mesa
de trabalh9, não recebeu a sua revisão. Há mesmo nele
um lapso de pequena importância, que não poderia, entre-
tanto, passar sem maior exame pelos trâmites atuais da
judicatura . E' que Clovis ainda não se havia familiarizado
com a maneira. de escrever a denominação recente da nos-
sa moeda: o cruzeiro. Foi portanto, Clovis Bevilaqua o
último defensor de catullo, em face dos direitos autorais.
A firma de Clovis Bevllagua está reconhecida. no
4.• Oficio de Natas.
OBRAS DE CATULLO

LIVROS DE CANÇÕES MUSICADAS

"CANTOR FLUMINENSE" - 1887 - · 3." edição, esgotada.


"CANCIONEIRO POPULAR" - 50. • edição, esgotada.
"LIRA DOS SALÕES" - 8.' edição, esgotada.
"NOVOS CANTARES" - 6." edição, esgotada.
"LIRA BRASILEIRA" - 5." edição, esgotada.
"CANÇÕES DAS MADRUGADAS" - 7." edição, esgotada.
"TROVAS E CANÇÕES" ..,- 4. ª edição, esgotada.
"CHOROS AO VIOLAO" - 9." edição, esgotada.
"A CANÇAO DO AFRICANO" - 3." ediçã o, esgotada.
"O VAGABUNDO" - 3." edição, esgotada.
"FLORILÉGIO DOS CANTORES" - 4." edição, esgotada. A'

LIVROS DE POEMAS

"MEU SERTAO" - 40." edição. (Com prefácio de José do


Patrocínio, filho).
"SERTAO EM 'FLOR" - 30.ª edição.
"POEMAS BRAVIOS" - (Com prefácio de Ruy Barbosa) -
29." edição.
"MATA ILUMINADA - 27." edição.
"EVANGELHO DAS AVES" - 9." edição .
"MEU BRASIL" - 3. • edição, esgotada.
"FABULAS E ALEGORIAS" - 5.ª edição.
"ALMA DO SERTAO" - 7.'ª edição.
"OS PESCADORES" - 13." edição, esgotada.
"O SOL E A LUA" - 3." edição .
''UM BO:tl:MIO NO CÉU"' - (Poema teatral) - 3." edição.
"QRAQAO A BANDEIRA" - l.' edição, es~ot~d~.
"UM CABOCLO BRASILEIRO" - 1." edição.
"O MILAGRE DE S. JOÃO" (Poema teatral) - 1.• ed,
"POEMAS ESCOLHIDOS" (Seleção organizada e anotada
por Guimarães Martins, .revista pelo autor, contendo
alguns inéditos) - l.ª edição.
"O TESTAMENTO :QA ARVORE'' - l.ª edição. (Contep-
do uma poliantéia sôbre o Poeta, organizada e co-
mentada por Guimárães Martins .)

TEATRO

"O MARRUEIRO" (Opereta sertaneja, com Inácio Raposo


. e Paulino Sacramento) .
·'FLOR DE SANTIDADE" - (Opereta sertaneja) .

A SAIR

"L~PISóDIOS DA MINHA VIDA DE BO~MIO" (Prosa).


"{.'ANÇõES DE CATULO" (Seleção das mais famosas Mo-
dinhas de Catulo da Paixão Cearense - letra e música
- organizada e anotada por Guimarães Martins e re-
vista pelo autor).
Tôda correspondência para Guimarães Martins,
assim como qualquer referência a êste livro ou à per·
sonalidade de Catullo da Paixão Cearense, é favor
remeter para:
GUIMARAES MARTINS, na Associação Brasilei-
ra de Imprensa, à rua Araújo Pôrto Alegre n.º 71,
Espfanada do Castelo, Rio de Janeiro, Brasil .
GRAF. EDITORA AURORA LTDA .
jtU A VINTE DE ABRIL, Hi

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